CARTA PARA A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÓNIO DO QUEBEC

CARTA DE DESCHAMBAULT

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CARTA PARA A PRESERVA??O DO PATRIM?NIO DO QUEBEC

DECLARA??O DE DESCHAMBAULT

Adoptada pelo Conselho dos Monumentos e dos S?tios do Qu?bec Comit? do ICOMOS do Canad? Franc?fono, Abril de 1982

Tradu??o por Ant?nio de Borja Ara?jo, Engenheiro Civil IST Mar?o de 2007

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1. PORQU? A CARTA ?

O per?odo a seguir ? Guerra testemunhou a divulga??o mundial de v?rias correntes de pensamento que pareciam ajustarem a forma de vida das pessoas ?s novas condi??es socio-econ?micas, e que pareciam criticarem as consequ?ncias da industrializa??o, da urbaniza??o a uma escala massiva, do progresso a todo o custo e da sociedade de consumo. Fossem extremistas ou moderadas, essas ideologias ajudaram a tornar as pessoas conscientes sobre determinados valores humanos que mereciam serem preservados. Estas coisas de valor inclu?am os vest?gios arquitect?nicos, art?sticos ou simplesmente materiais que os nossos antepassados nos tinham deixado.

Os princ?pios b?sicos da preserva??o do patrim?nio foram estabelecidos na Carta Internacional de Veneza de 1964, que foi assinada por especialistas de muitos pa?ses. O objectivo desta carta era regular e promover esfor?os para a salvaguarda dos patrim?nios nacionais. Posteriormente, em Amsterd?o e em Nair?bi, esta primeira iniciativa foi ainda desenvolvida pela adi??o de outros princ?pios b?sicos que exprimiam um desejo crescente, n?o s? de abranger um patrim?nio acumulado, mas tamb?m de alargar o pr?prio conceito de patrim?nio. A partir dele, os povos pretendiam garantir a preserva??o de todos os aspectos do patrim?nio nacional.

Este movimento come?ou a ter uma influ?ncia not?vel no Qu?bec a partir de 1960. A primeira ac??o do governo do Qu?bec, nesse campo, foi a cria??o de um Minist?rio dos Assuntos Culturais que tornou poss?vel a aprova??o da Lei das Propriedades Culturais em 1972. A partir desse momento, o nosso patrim?nio adquiriu valor aos olhos da lei. No entanto, mesmo antes de esta lei ter sido aprovada, j? a comunidade se tinha organizado em grupos, que diferiam na sua estrutura, mas que partilhavam um desejo comum de se envolverem na salvaguarda do seu ambiente e da sua cultura, bem como de desenvolverem estrat?gias que obrigassem os diversos n?veis de governo a tomarem consci?ncia sobre este assunto.

Este compromisso individual e colectivo resultou em realiza??es significativas na ?rea da preserva??o, bem como no est?mulo da participa??o e do desenvolvimento comunit?rios. Atrav?s de programas municipais, provinciais ou federais, de obras em larga escala ou de ac??es mais modestas, o povo do Qu?bec demonstrou que estava interessado pelo seu patrim?nio e que estava determinado em o revitalizar.

O Conselho dos Monumentos e dos S?tios do Qu?bec oferece esta carta como apoio a esses esfor?os. A Carta ? compreendida como sendo uma linha de orienta??o, uma ferramenta de refer?ncia, um rem?dio e, acima de tudo, um c?digo de ?tica que devemos adoptar ao tratarmos do nosso patrim?nio. Como esta carta est? baseada na anterior experi?ncia e nas correntes internacionais de pensamento, nos princ?pios da preserva??o e do desenvolvimento, o seu conte?do pode ser aplicado por todos os indiv?duos e por todas as organiza??es que estejam interessados na protec??o dos aspectos natural, cultural e hist?rico do patrim?nio do Qu?bec.

O primeiro objectivo desta carta, que foi especificamente redigida para o Qu?bec, ? tentar identificar a nossa personalidade cultural, e, a partir da?, definir a natureza especial do nosso patrim?nio. Em segundo lugar, a carta procura encorajar as pessoas a pensarem antes de agirem; e, finalmente, ela prop?e um enquadramento para a ac??o que ? positivo e objectivo, que proporciona incentivo, e que leva em considera??o quer os problemas particulares do Qu?bec, quer as doutrinas contempor?neas sobre o desenvolvimento do patrim?nio.

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2. O CONTEXTO CULTURAL DO QU?BEC

A experi?ncia do Qu?bec ? similar ? de outras na??es, j? que o car?cter espec?fico da sua cultura foi determinado pela sua hist?ria, a qual teve lugar num ambiente espec?fico. Os principais elementos deste ambiente s?o um clima duro, um territ?rio vasto, o estabelecimento relativamente recente de uma civiliza??o Norte Americana que ? de origem Europeia, o factor Franc?s, o Catolicismo e um padr?o particular de povoamento humano.

Arrancado ? for?a aos ?ndios Americanos, que eram os seus habitantes originais, o Qu?bec tornouse primeiro numa col?nia Francesa, depois Inglesa, e, finalmente, numa parte da confedera??o Canadiana. A hist?ria pol?tica do Qu?bec tem sido marcada pela luta pela preserva??o das suas ra?zes Francesas e Cat?licas num continente Norte Americano onde a maioria da popula??o ?, e tem sido, de l?ngua Inglesa.

Mesmo assim, uma variedade de elementos tem contribu?do para o desenvolvimento da nossa f?brica social. Ao longo dos tempos, t?m sido acrescentados imigrantes de diferentes s?tios ? am?lgama dos tr?s povos que originalmente lutaram pelo territ?rio do Qu?bec. Por vezes a imigra??o ocorreu toda de uma s? vez, como foi o caso dos Legalistas e dos Irlandeses; e, por vezes, foi distribu?da ao longo do tempo, como aconteceu com os Italianos e com os Chineses. A pouco e pouco, o fen?meno imigrante alterou a fisionomia e a mentalidade da popula??o do Qu?bec.

O material do nosso patrim?nio tem sido marcado n?o s? por esta mistura de caracter?sticas culturais, mas tamb?m por certas modas que t?m percurso internacional. Entre estas, a influ?ncia Vitoriana ?, certamente, a mais importante, mas tamb?m encontramos vest?gios da Art Nouveau, da ?poca dos arranha-c?us e de muitas outras modas est?ticas e tecnol?gicas.

A vida econ?mica, a principal fonte das sociedades, tem exercido, provavelmente, o maior impacto sobre a distribui??o da popula??o do Qu?bec. Desde os seus princ?pios profundos, concentraram-se comunidades, mais ou menos densamente povoadas, em ?reas que ganharam import?ncia gra?as ao com?rcio das peles. As propriedades senhoriais e as `townships' 1 Inglesas forneceram o enquadramento para o desenvolvimento da agricultura. Muitos elementos da nossa sociedade foram empurrados para norte em busca dos produtos florestais e das ind?strias mineiras. Finalmente, o espectacular crescimento dos Estados Unidos teve repercuss?es da maior import?ncia sobre o nosso modelo econ?mico e sobre o nosso modo de vida; urbaniza??o massiva, elevada taxa de consumo, estabelecimento de grandes centros industriais e desenvolvimento de meios de transporte para os recursos naturais, humanos e energ?ticos.

Muitos outros factores contribu?ram para a configura??o da nossa imagem. A preponder?ncia do Catolicismo proporcionou uma prolifera??o de igrejas e de conventos, e fez desenvolver-se uma arte que se concentra no sagrado. Os rigores do clima obrigaram a popula??o a fazer adapta??es em todos os aspectos do seu modo de vida. Tal como aconteceu com a distribui??o da popula??o, que foi determinada, na sua maior parte, pelas vias fluviais da bacia do rio St. Lawrence.

Seria in?til apresentar-se aqui uma lista exaustiva de todos os factores geogr?ficos, sociais, hist?ricos e econ?micos que contribu?ram para o desenvolvimento da nossa f?brica cultural. Basta

1 N.T. ? subdivis?o local ou bairro de uma grande par?quia, que cont?m uma aldeia ou uma pequena cidade com igreja pr?pria.

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afirmar-se que este fen?meno de ideias, h?bitos e costumes, tendo acontecido como aconteceu, num determinado contexto geogr?fico, deu origem a tradi??es, a um folclore, a uma mentalidade, a formas de serem feitas as coisas e de ser feita a arquitectura, a uma estrutura social e, em suma, a uma arte de viver que pertence unicamente ao Qu?bec. Apesar de os elementos que formam esta cultura n?o terem sido todos integrados com o mesmo grau, nem da mesma maneira, a sua import?ncia n?o pode ser posta em d?vida. Eles constituem o nosso patrim?nio que ? alimentado e robustecido pelo passado, e que continua a florescer nas vidas das actuais gera??es. N?o podemos permitir que este crescimento din?mico seja cortado das suas ra?zes.

3. A SITUA??O ACTUAL

Sentimos a necessidade de publicar esta carta porque o nosso patrim?nio ? amea?ado demasiado frequentemente, quando n?o ? mesmo esquecido ou destru?do. Este problema, claro, n?o ? peculiar do Qu?bec. A moderniza??o e a procura de novos estilos de vida t?m, de facto, posto em perigo por todo o lado, e sem remorsos, os patrim?nios nacionais. Tal ? o pre?o do progresso!

No Qu?bec, as dist?ncias entre centros populacionais e a imensid?o do territ?rio conduziram a um desenvolvimento mais ou menos integrado. Todos estes factores t?m sido desfavor?veis para a preserva??o do nosso patrim?nio nacional; consequentemente, temos que exercer uma maior vigil?ncia, valorizar o di?logo e a consulta, e fazer mais para mobilizarmos as for?as da comunidade.

O clima tamb?m ?, por vezes, uma amea?a para o nosso patrim?nio arquitect?nico e para os vest?gios dos tempos anteriores. No Qu?bec, o gelo, especialmente quando combinado com o degelo, tem um s?rio efeito sobre os edif?cios. ? necess?ria uma ac??o r?pida e tecnologicamente competente nesta ?rea.

Finalmente, o nosso patrim?nio cultural Europeu e Norte Americano est? amea?ado por um perigo, que ? menos percept?vel, mas n?o menos real que os outros. Como esta cultura ? de origem recente e s? cobre um pequeno lapso de tempo, seria inapropriado basearmo-nos apenas numa classifica??o cronol?gica para determinarmos os valores dos seus diferentes elementos. N?o dev?amos, por exemplo, atribuir maior valor aos vest?gios do s?culo XVIII do que aos do s?culo XIX. Claro que as coisas mais antigas s?o, geralmente, as mais raras e mais valiosas; no entanto, devemos usar de subtileza no julgamento de tais assuntos.

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DEFINI??O DE PATRIM?NIO E DE PRESERVA??O

O patrim?nio ? definido como sendo "as cria??es e os produtos da natureza e do homem, combinados, e na sua integridade, que constituem, no espa?o e no tempo, o ambiente em que vivemos.

O patrim?nio ?, na realidade, um bem propriedade da comunidade, e uma heran?a rica que pode ser deixada para o futuro, que convida ao nosso reconhecimento e ? nossa participa??o".

(Associa??o do Qu?bec para a Interpreta??o do Patrim?nio Nacional, Comit? de Terminologia, Julho de 1980).

O conceito de patrim?nio, conforme acima definido, pretende cobrir muito mais do que os edif?cios constru?dos num passado mais ou menos distante. O patrim?nio n?o fica limitado, nem no passado, nem no futuro. Usamos o patrim?nio do passado para construirmos o patrim?nio do futuro, porque a cultura ?, pela sua natureza pr?pria, din?mica e est? a ser constantemente renovada e enriquecida.

Patrim?nio ?, na nossa opini?o, uma palavra muito abrangente que inclui tr?s entidades principais: o material cultural (os bens culturais), o ambiente geogr?fico e o ambiente humano. As pessoas est?o, claro, mais familiarizadas com o conceito de bens culturais, uma vez que estes est?o definidos por lei. Mas devemos recordar que, para al?m da arquitectura formal e popular, estes bens incluem todas as outras formas de evid?ncia material, tais como os objectos arqueol?gicos e etnogr?ficos, a iconografia, os arquivos escritos, o mobili?rio, os objectos de arte e, em suma, a totalidade do material ambiental em que vivemos. O ambiente geogr?fico ? a natureza, tal como ela se manifesta no territ?rio do Qu?bec, na costa, na montanha e na plan?cie. Temos que insistir, acima de tudo, na grande import?ncia da nossa paisagem e dos nossos s?tios naturais, os quais t?m um valor est?tico e/ou panor?mico ?nico. E, por fim, devemos reparar que as pessoas no seu ambiente pr?prio, que t?m os seus costumes e as suas tradi??es, cuja mem?ria est? preenchida com um determinado folclore, e cuja forma de vida est? adaptada a essa envolvente espec?fica, s?o um tesouro humano e social que tamb?m requer protec??o.

Esta defini??o alargada do nosso patrim?nio nacional inclui, por isso, todos os elementos da nossa civiliza??o, tal como eles existem, n?o s? individualmente, mas tamb?m como componentes de maiores unidades hist?ricas, culturais e tradicionais ou, para pormos a quest?o em palavras mais simples, como exemplos da adapta??o do homem ao seu ambiente. Este conceito de patrim?nio inclui a no??o da paisagem cultural, a qual pode ser definida como o resultado da interac??o entre a sociedade humana e a natureza.

A preserva??o do patrim?nio nacional pode ser encarada, a esta luz, como sendo a combina??o dos estudos, das per?cias e das interven??es f?sicas que se destinam a conservarem qualquer elemento desse patrim?nio na melhor condi??o poss?vel. Esta actividade envolve as adequadas manuten??o, consolida??o, repara??o, salvaguarda e restauro, para se evitar a degrada??o e, pior ainda, a destrui??o do patrim?nio nacional.

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