UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA



UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO

Projeto experimental

CARTÃO DE ANIVERSÁRIO

Análise da cobertura jornalística

sobre Salvador no mês de seus 450 anos

Lorena Motta Vieira

Orientadora: Tattiana Teixeira

Salvador

1999

As matérias jornalísticas podem ser analisadas como o tipo de texto mais presente nos jornais. Juntamente com os releases - construções textuais de caráter publicitário – elas foram a base de análise deste trabalho. A cidade de Salvador foi o seu tema central. Observou-se a forma como os jornais A Tarde, Correio da Bahia e Tribuna da Bahia trataram a capital baiana em março de 1999 através do estudo dos diversos assuntos que faziam referência a ela. O período foi definido assim por a cidade ter completado 450 anos no dia 29 do mês citado. Portanto, objetivou-se verificar a maneira como o jornalismo baiano é desenvolvido a partir de uma análise de caso. As fontes contidas nos textos foram importantes materiais de análise e definidas da seguinte maneira neste projeto: as fontes oficiais, às quais é delegado poder ou status político-econômico; e as comuns, que não possuem tais características. A maneira como as publicações em estudo utilizaram os releases e o tipo de linguagem empregada por elas também permitiram a construção do trabalho.

Trabalho apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Comunicação - habilitação em Jornalismo - à Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, durante o semestre 99.2.

Dedico este trabalho a todos que, um dia, contribuíram com a minha formação e acreditaram ser possível o sonho.

Agradeço a meus pais e a André, que, às vezes mesmo indiretamente, me deram força para concluir este trabalho e mais uma etapa da vida.

"As formações mediático-discursivas têm a possibilidade de reinventar, questionar, construir ou mesmo desestruturar a lógica social da organização do mundo humano: é esse o espaço/limite de interferência discursiva que o exercício do jornalismo desempenha na vida social".

Sérgio Gadini

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 8

1.1 JORNAIS 11

2 APELO IGNOTO 14

2.1 SERVIÇO SOCIAL 16

2.2 REPASSE DE RESPONSABILIDADE 17

2.3 APARENTE QUESTIONAMENTO 18

2.4 CONTRA O PODER POLÍTICO 19

2.5 CONTRAPOSIÇÃO DE FONTES 19

2.6 DEPENDÊNCIA DO ASSUNTO 20

2.7 ÚNICO 'LADO' 21

2.8 SEMELHANÇA DE DISCURSOS 21

2.9 TROCA DE FONTES 24

2.10 ABANDONO DO APELO 25

3 ELOGIO OFICIAL 27

3.1 PODER ADQUIRIDO 28

3.2 PORTA-VOZ 29

3.3 DECISÃO ANTECIPADA 30

3.4 TRANSFERÊNCIA DE IMPORTÂNCIA 30

3.5 REFERÊNCIA VALORIZADA 31

3.6 FALA REFLEXIVA 32

3.7 CONSTRUÇÃO ELOGIOSA 33

3.8 DISCURSO MOTIVADOR 35

3.9 NOVA FONTE 35

3.10 FONTE ÚNICA 36

4 VOZ OUTRA 38

4.1 NOTÍCIA DE ANIVERSÁRIO 39

4.2 DESTAQUE PÚBLICO 40

4.3 SEMELHANÇA OFICIAL 41

4.4 PODER DIVULGADOR 41

4.5 USO INFORMATIVO 43

4.6 AÇÃO/NOTÍCIA 43

4.7 INFORMAÇÃO DESCARTÁVEL 44

4.8 RECURSO CIDADÃO 44

4.9 AÇÃO CONSTANTE 45

4.10 MATÉRIA/RELEASE 45

4.11 USO DIFERENCIADO 47

5 CIDADE PERSONA 50

5.1 SUJEITO DA AÇÃO 51

5.2 CONOTAÇÃO VALORATIVA 51

5.3 DESVIO DE ÂNGULO 52

5.4 SIGNIFICADO INADEQUADO 52

5.5 EVIDÊNCIA DO DISCURSO 54

6 CONCLUSÕES 58

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 62

INTRODUÇÃO

O jornal é um meio pelo qual as pessoas buscam esclarecer assuntos e estar a par do que ocorre no dia-a-dia da sua cidade, do seu país ou do mundo. As informações nele contidas são de extrema importância para a noção de realidade que, de certa forma, é criada através dele. É relevante, portanto, a análise deste produto, onde acontecimentos tornam-se fatos existentes a partir de sua publicização. Como, de maneira geral, explica Mauro Wolf, "os mass media apresentam uma lista daquilo sobre o que é necessário discutir. (...) A compreensão que as pessoas têm em grande parte da realidade social é fornecida, por empréstimo pelos mass media"[1].

É condição primeira para análise da produção jornalística o seu valor democratizante. Por outro lado, tal atividade guarda também intenções não-relacionadas a esse objetivo, já que são também suas constituintes características empresarias voltadas para o sucesso do seu produto. Não se pode, contudo, determinar a existência de um jornalismo absolutamente idôneo - nem acreditar ser isto possível -, sem nenhum vínculo com outros intentos se não o da ideal produção jornalística. Mas deve-se pretender que a atividade seja elaborada a partir de critérios éticos.

Neste trabalho, tomamos como produto de análise matérias jornalísticas de caráter eminentemente informativo. Estas, entendemos, de forma genérica, como textos de características mais objetivas e menos parciais, se comparadas às opinativas ou analíticas, assim definidas até mesmo pelos seus lugares específicos de publicação. Foi também material para tanto o release - texto de divulgação de assuntos ou de características publicitárias. Pretendíamos verificar de que modo os textos produzidos sobre a cidade de Salvador poderiam guardar significados outros além do seu mais evidente objetivo: o informativo. Da mesma maneira, analisar características de seus textos dispensáveis à prática jornalística. A intenção era mostrar, portanto, como os jornais em estudo construíram a imagem sobre a cidade, local a que se referiram, e considerar os possíveis prejuízos acarretados a funções do jornalismo como serviço público social, meio de conhecimento e criação da realidade.

Os critérios de noticiabilidade são pressupostos na produção diária de qualquer empresa jornalística. Porém, os fatos de características mais abrangentes fazem parte, inevitavelmente, dos seus produtos. Assim foi com os 450 anos de Salvador, um fato previsível. Este se tornou antecipado e relacionado a outros assuntos como as condições de infra-estrutura da cidade, o bem-estar social de seus habitantes e o desenvolvimento da capital baiana.

Tornaram-se interessantes matérias que tratavam de assuntos referentes à infra-estrutura da cidade; transporte, saneamento básico; mesmo sendo restritos a bairros ou localidades. Mas também, aqueles de caráter geral, que disseram respeito à maioria da população. Definimos tal recorte por avaliarmos como assuntos importantes fatores relacionados com o bem-estar da comunidade de Salvador e demonstrativos da real situação da cidade. Matérias de cultura, esporte ou demais temas que não tenham contribuído para verificação da imagem da cidade, a partir do ângulo escolhido de forma ao menos indireta, ficaram de fora da escolha.

A opção pelos jornais impressos ocorreu por a idéia do tema em análise ter surgido a partir da leitura destes meios. Além disto, o material produzido pelas publicações, devido à extensão de seus textos, poderia proporcionar melhor análise que através do elaborado por jornais televisivos. A partir da escolha de se estudar os três principais jornais de Salvador - A Tarde, Correio da Bahia, Tribuna da Bahia - tinha-se como objetivo, portanto, verificar de que forma a cidade foi tratada pelas publicações, mais especificamente em março de 1999. O período foi assim determinado por ter sido época de grande referência a ela, por causa da realização de seu aniversário no dia 29 do mês. Este período foi justamente ampliado - não sendo apenas baseado na data referida - por entendermos que, assim, seria possível compreender melhor o objeto.

O projeto foi iniciado a partir da verificação dos tipos de matérias referidas ao assunto do trabalho em todas as edições dos jornais. Mais de 500 foram utilizadas para tanto. Realizou-se a leitura de textos referentes a teorias do jornalismo e estudos da análise do discurso concomitante a isto. Vale ressaltar que apenas alguns conceitos da análise do discurso foram utilizados e o trabalho não se ateve de modo primordial a isto. Não descartamos a verificação de determinados conteúdos freqüentes nas matérias do período estudado. Entretanto, decidimos por não realizar a análise quantitativa deles.

Desta maneira, tentamos analisar de que forma os jornais em estudo usaram suas páginas para a construção de uma cidade, se não perfeita, detentora de requisitos para pronto desenvolvimento. Inicialmente, a valorização da cidade pôde ser verificada a partir de análise, mesmo que superficial, das matérias a que nos referimos. Mas os recursos utilizados para tanto permitiram a melhor compreensão do processo.

Com a base de análise, dividimos o trabalho em quatro capítulos. São eles: Apelo Ignoto, Elogio Oficial, Voz Outra e Cidade Persona. Contudo, a separação não implicou a desvinculação um do outro. A construção do discurso de cada um deles contribui com os demais capítulos integrantes da monografia. O primeiro refere-se a um possível discurso sobre o lado ruim da cidade. Nele, o objeto de análise principal foram as declarações do que chamamos de fontes comuns - pessoas às quais não é delegado nenhum poder ou status político-social. Através de um discurso de características denuncistas, o sentido produzido por ele tendia ao negativo. No entanto, tal discurso serviu como recurso de combate a determinadas instituições de poder, sendo as principais governo e prefeitura. A tentativa não foi a explicação do fato nem a concessão de 'voz' a tais fontes com o intuito questionador, mas a possibilidade de legitimação ou produção de outros sentidos através desta forma de uso.

Por sua vez, o segundo capítulo trata da forma pela qual as fontes oficiais - aquelas que possuem poder ou status político-social – estiveram presentes nos textos em estudo e de que maneira isto implicou na qualidade dos produtos. Elas serviram para efetivar um discurso positivo sobre a cidade a partir do qual promessas eram feitas e melhorias dadas como certas. A valorização da pessoa de fala e a sua responsabilidade para com a cidade foram também motivos para tal construção.

Voz Outra, o terceiro capítulo, diz respeito ao uso de releases feito pelos jornais em estudo. Este tipo de texto serviu para a publicização da data a que nos referimos e também para a valorização do discurso positivo sobre a cidade a partir da presença de uma única 'voz'. Assim, apenas 'um lado da questão' recebia referência e produzia sentido através da não-fala do outro.

O último capítulo, Cidade Persona, é responsável pelo tom da cobertura jornalística sobre Salvador no período em estudo. A personificação da cidade aniversariante foi verificada de várias maneiras. Esta construção contribuiu ainda mais para sua valorização. Assim como Cidade Persona, todos os outros discursos foram elaborados, de alguma maneira, de forma mais veemente e radical, com a proximidade da data referida.

Desse modo, estudar a qualidade jornalística dos textos era levar em conta as diversas formas desse processo. A análise de um discurso único produzido sobre Salvador no mês de seus 450 anos é, de algum modo, relevante como maneira de elaboração de questionamentos sobre o processo de produção jornalística local.

Contudo, não coube o julgamento específico dos produtores destes discursos. Objetivou-se avaliar de que maneira tal atividade está sendo desempenhada. Princípios éticos podem estar sendo descartados e o poder de fala, super-valorizado nas publicações. A conseqüência disto pode ser prejudicial à elaboração de notícias nelas contidas.

1 JORNAIS

Os jornais foram escolhidos devido à importância que possuem na área. Correio da Bahia e A Tarde podem ser considerados os principais. A escolha da Tribuna da Bahia ocorreu por ela contribuir ainda com a produção jornalística do estado. Seria mais uma possibilidade de análise do assunto referido nesta monografia, apesar de imersa numa crise financeira e ter pouca representatividade no mercado atual.

Com 20 anos de existência, o Correio da Bahia (CB) é a mais nova das publicações estudadas. Fundado em 15 de janeiro de 1979, caracteriza-se como o jornal moderno de Salvador hoje. A publicação tem ainda sua imagem ligada diretamente a seu proprietário, o senador Antônio Carlos Magalhães. O CB é freqüentemente identificado como diário extra-oficial, um braço do governo do estado e da prefeitura, como ressalta a editora de cidade do jornal, Ana Paula Ramos[2].

Há cerca de cinco anos, passou por reformas editorial e gráfica. A editoria de cidade ganhou maior destaque e seu caderno 'Aqui Salvador' foi mais valorizado na mudança. Segundo Ana Paula, o objetivo era produzir um caderno com "a cara de Salvador", abordando, por exemplo, seus problemas, a baianidade e os personagens que a compõem. "A idéia era criar este vínculo; fazer com que as pessoas que comprassem o jornal se identificassem, abrissem o caderno e dissessem: 'Esta é a cidade onde eu vivo'", explica. A editoria referida ocupa o terceiro lugar em importância[3] de acordo com a linha editorial da publicação, eminentemente político-econômica. O jornal é o quinto maior da Região Nordeste segundo pesquisa de setembro de 98, realizada pelo Instituto Miguel Calmon de Estudos Sociais e Econômicos (IMIC) e divulgada no site do CB. Ele possui tiragem diária de 30.000 exemplares, passando para 48.000 com encartes de produtos (promoção dos grandes jornais quando na compra de um deles são dados brindes como CDs, enciclopédias, entre outros) - de acordo com dados fornecidos pela próprio empresa.

Assim como o Correio, a Tribuna da Bahia (TB) coloca a editoria de local em terceiro lugar de prioridades. Os assuntos político-econômicos ocupam os primeiros. O jornal passou por reformulação há três anos e seu número de páginas foi reduzido. Com isso, apenas três foram dispensadas para a cobertura de assuntos relativos à cidade, polícia e ao esporte. Na ocasião, o jornal foi arrendado pelo dono, Joacy Góes, à empresa Site. Todos os seus funcionários são também proprietários do diário a partir de então.

Criada em 1969, a TB foi constantemente caracterizada como o jornal de oposição ao governo. Ela ainda sofre retaliações dos governos estaduais e municipais, apesar de ter perdido tal caráter atualmente. Os anúncios oficiais são praticamente inexistentes na Tribuna. Segundo Mara Campos[4], chefe de reportagem do jornal, tais retaliações eram mais evidentes quando ele pertencia de forma efetiva a Joacy Góes, inimigo político do detentor majoritário do poder político baiano, o senador Antônio Carlos Magalhães. A publicação possui tiragem diária média de 34.000 exemplares- de acordo com dados fornecidos pela própria Tribuna.

O jornal mais tradicional de Salvador é A Tarde (AT). Fundado há 87 anos, é assim conhecido, geralmente, pelo público. O seu chefe de reportagem geral, Eliezer Varjão[5], concorda que ele pode ser assim caracterizado. Para Varjão, a editoria de cidade é a mais importante da publicação. Sua presença no primeiro caderno representa isso. Ele acredita ser AT um jornal para atender à população de Salvador e prestar-lhe serviços.

A Tarde realiza sua produção opondo-se, de certo modo, a ações dos governos estadual e municipal, apesar de nem sempre ter sido produtor de discurso contra estas instâncias. Segundo Varjão, tais instâncias têm realizado retaliações e não anunciam mais na publicação por conta disto.

APELO IGNOTO

O jornalismo contribui para a formação da noção de realidade, baseando-se em acontecimentos ou sendo seu criador. As fontes são importantes na construção de seu discurso entre vários elementos utilizados para tanto. Elas se constituem em “qualquer coisa ou pessoa que possa fornecer ao repórter os dados necessários à elaboração de sua matéria”[6]. O segundo tipo servirá como base de análise do discurso produzido sobre a cidade de Salvador e será a definição utilizada neste trabalho.

Mostrar os contrapontos do fato e dar voz às pessoas relacionadas a cada um deles são critérios básicos na ideal estruturação do fato jornalístico. Nesta produção, o acesso às fontes é compromisso social e ético dos seus profissionais. Deve-se buscá-las para que o fato seja explicado da melhor forma. Porém, o uso de fontes é feito, muitas vezes, como forma de garantia de isenção ou de pretensa objetividade na produção jornalística. O discurso em terceira pessoa reforça tais características. Mais do que isso, para Adriano Duarte Rodrigues:

O uso predominante da terceira pessoa garante ao discurso midiático uma estratégia de universalidade referencial dos enunciados, uma credibilidade de narração dos fatos independente do lugar de fala do enunciador[7].

O uso das fontes realmente auxilia na associação de valores como imparcialidade e também objetividade à notícia. Contudo, sabe-se que esses objetivos são impossíveis de serem alcançados na elaboração de qualquer que seja o discurso. O processo não é diferente com o jornalístico. “A relação repórter/realidade a captar nunca é objetiva, mas está sempre sujeita às contingências da percepção e às insuficiências técnicas do método de trabalho[8]”. É de responsabilidade do repórter selecionar aquilo que pareça mais importante para o relato e a explicação do fato de acordo com suas análises.

Um discurso jornalístico que não tendesse para nenhum dos lados do fato relatado nem sempre fez parte do ideal da atividade a que nos referimos. Tal preocupação se dará com o surgimento das agências de notícias. “Um noticiário equilibrado deveria contemplar os lados da questão para atender à necessidade da cada cliente”[9]. Esse objetivo não tardou a ser pretendido ou anunciado como tal a partir da transformação dos boletins eminentemente ideológicos em produtos de forte característica comercial. Assim, as diversas fontes relacionadas com o fato jornalístico passariam a fazer parte da sua formação. O espaço, antes exclusivo, comportaria diversas vozes e abriria a possibilidade de novos discursos frente aos já conhecidos.

Neste capítulo, vamos nos referir a um discurso produzido a partir do uso de fontes comuns (FC) - pessoas que não possuem nenhum status ou poder político-econômico. O recorte de fala das FC será objeto estudado a partir das modalidades discursivas que constróem e do 'lugar' ocupado por estas fontes. Esta formação não se limita às pessoas, mas aos lugares de fala que elas se inscrevem. Definimos formação discursiva como:

Conjunto de enunciados marcados pelas mesmas regras de formação. A formação discursiva se define pela sua relação com a formação ideológica, isto é, os textos que fazem parte de uma formação discursiva remetem a uma mesma formação ideológica. A discursiva determina o que pode e deve ser dito a partir de um lugar social-historicamente determinado[10].

A modalidade discursiva produzida pelo conjunto majoritário destas fontes será denominada de Apelo Ignoto. Essa seria a prática de enunciados de queixas e reclamações expressos pelas fontes como um apelo constante de melhoria da situação, sobre o qual não há respostas ou soluções das autoridades responsáveis pelas questões. O Apelo Ignoto vai caracterizar um discurso sobre o lado ruim da cidade, ocorrido de diferentes formas nos três jornais em estudo - apesar de as fontes não pertencerem a um único nível social. Ressalta-se, porém, que o apelo não se dá de forma homogênea por tais fontes não pertencerem a um único nível social.

O discurso utilizado pelas publicações talvez seja possível graças ao público a que se destina e à formação sócio-econômica-cultural da comunidade a que se dirige. De uma forma mais profunda e geral, Mauro Wolf analisa tal questão:

O modo de pensar o papel da comunicação parece estar, portanto, estreitamente, ligado ao clima social que caracteriza um determinado período histórico. Às modificações desse clima correspondem oscilações no comportamento acerca da influência dos mass media[11].

1 SERVIÇO SOCIAL

A Tarde (AT), caracterizada pelas suas campanhas publicitárias como “O jornal da Bahia”, apresenta um discurso de aparente defesa dos seus leitores/cidadãos. Para tanto, as declarações das FC são utilizadas nas notícias que fazem referência a problemas da cidade de Salvador. Temos o seguinte exemplo a partir de um recorte de fala de um morador da localidade na matéria ‘Trânsito perigoso em porta de escola’:

"Vários desentendimentos com moradores e motoristas já foram registrados e até agora as autoridades sempre se omitiram. Se providências não foram tomadas, podem ocorrer novos confrontos de conseqüências imprevisíveis"[12].

A importância dada aos assuntos sobre Salvador é característica primordial do jornal. A editoria local, que aborda tais assuntos, faz parte do primeiro caderno da publicação. Para AT, a questão em jogo no seu discurso parece ser a dignidade de seus leitores, dos cidadãos de Salvador, e o direito que eles possuem de viver numa cidade melhor estruturada.

É dessa forma que ela parece dispor de um poder questionador sobre os problemas para os quais pede socorro ou solução através dos recortes de fala no seu discurso. Na maioria das vezes, as FC são únicas nas matérias com um discurso veemente sobre eles. Apenas o povo é escutado sobre as questões e produz apelos semelhantes ao exemplo em matéria de título ‘Assalto em plena luz do dia’:

“Para (...), a situação do sistema viário é lastimável por total falta de sensibilidade da importância do transporte. 'É preciso que alguma autoridade adote providências'.”[13]

Declarações como estas reforçam um discurso indireto, utilizado como porta-voz do que a publicação possivelmente quer dizer. Ciro Marcondes Filho explica o caráter de tal status:

Criar jornais é uma maneira de se dar eco às posições pessoais de classe ou de nações através de um complexo industrial-tecnológico, que, além de preservar uma suposta impessoalidade, afirma-se pelo seu poder de soberania como a verdade.[14]

AT transfere para outra voz um questionamento a ser feito através de enunciações como, em matéria de título, ‘Moradores denunciam abandono do subúrbio’:

“Uma comissão de moradores de 23 comunidades do subúrbio ferroviário solicitou a atuação das autoridades municipais para os graves problemas de saneamento e estrutura existentes na área”[15].

2 REPASSE DE RESPONSABILIDADE

Há o repasse da responsabilidade do dizer. Apelos mais diretos, com o uso de recortes de fala, são exemplos da ratificação deste discurso:

“(...) Esgotos correm a céu aberto. Obras inacabadas prejudicam o trânsito e causam acidentes, faltam segurança, saneamento básico e iluminação. A população está em desespero. 'Não sabemos mais a quem apelar'.”[16];

“(...) comerciantes vivem o terror causado pelos ladrões que agem livremente na área ante a completa falta de policiamento, assaltando não só lojistas, mas as pessoas que ficam nos pontos de ônibus e aquelas que vão embarcar ou desembarcaram no ferry-boat. 'Estamos pedindo socorro' (diz um proprietário de loja).[17]”.

É mesmo A Tarde que parece melhor construir o que chamamos de Apelo Ignoto. O jornal reclama por uma resposta no seu discurso, dando voz apenas às FC. O pedido não-ouvido ou não-respondido parece ficar caracterizado com as repetições das queixas num eco constante e pela constatação da falta efetiva de respostas para os problemas. Isso pode ser verificado em afirmação do repórter na matéria de título ‘Pedestre quer sinaleira na Rua Odilon Santos’:

“A promessa de instalação do equipamento nunca foi cumprida pela prefeitura, apesar dos constantes apelos dos moradores da área”[18].

Assim como em matéria sobre o smart card (cartão de meia-passagem estudantil):

“No jogo de empurra, as grandes vítimas têm sido os estudantes(...). A confusão já dura vários dias, sem que surjam soluções que resolvam o problema”[19].

3 APARENTE QUESTIONAMENTO

Há de se observar, contudo, que o discurso de caráter eminentemente questionador pode guardar outras intenções de alguma forma. As pautas de AT sobre os assuntos seriam mais abrangentes e suas abordagens melhor efetuadas se seu objetivo fosse tratar dos casos citados de fato. Percebe-se que o jornal trata os temas que são gerais de forma específica. Problemas de infra-estrutura comuns a vários locais da cidade parecem não ter relação uns com os outros. Geralmente, AT não dá prosseguimento aos assuntos relatados em uma edição. O seu chefe de reportagem, Eliezer Varjão, atribui isto à falta de espaço e existência de opiniões diversas na redação acerca de dar ou não continuidade aos assuntos. "Matérias de bairro não têm repercussão nenhuma. Se vai na prefeitura, dizem que o projeto está em andamento... Então, um outro assunto maior mata aquele. É publicado porque atende à pessoa que procura o jornal para se queixar", justifica.

Portanto, a questão caracteriza-se pela má realização da atividade jornalística. É necessário que sejam publicados os assuntos com que o fato se relaciona. O modo de produção destas publicações implica a forma como o mundo é dado a ver. O entendimento do fato para o leitor torna-se incompleto ou não se realiza satisfatoriamente se são feitos meros relatos e apurações aleatórias sobre o fato em questão. A seleção de dados na apuração dos fatos é imprescindível para a devida realização de um trabalho jornalístico. Selecionar o que interessa para que o assunto/notícia se torne compreensível é um dos papéis do profissional desta atividade. Apenas dar voz às pessoas afetadas pelo problema em questão não produz solução para nenhum deles. E também pode prejudicar a sua interpretação de alguma forma. Não há necessidade de repetir declarações produtoras de um mesmo sentido. É justamente o que ocorre em AT. O fato em si passa para um segundo plano, quando o primeiro é ocupado pela voz das fontes comuns, expressando inúmeras vezes o seu apelo.

4 CONTRA O PODER POLÍTICO

Seu discurso, portanto, com o uso das FC, não parece ser a favor delas, mas contra o poder político vigente. A ele não é dada voz. Mais do que isto, AT produz um eco a partir da criação do apelo ignoto, silenciado com a não-fala das fontes oficiais (FO) e a descontinuidade na abordagem da notícia. O discurso caracteriza-se pela presença de ‘lacunas’, ‘silêncios’, ‘brancos’ que preservem a coerência do seu sistema, de modo especial o marcadamente ideológico, [20]. A não-fala do poder político responsável pela administração da cidade caracteriza a sua inexistência ou anulação neste jornal. Mas AT se coloca numa posição aparentemente neutra.

5 CONTRAPOSIÇÃO DE FONTES

Ao contrário da AT, o jornal Correio da Bahia (CB) baseia seu discurso sobre a cidade a partir de um contraposição realizada com as fontes oficiais (FO), utilizando-se das fontes comuns. Exclusivas na maioria das vezes, as FO servem como argumento para as declarações realizadas pelas fontes comuns nas matérias referentes à cidade. A relação existente entre a seleção e o uso das fontes é explicada por Wolf:

A rede de fontes que os órgãos de informação estabelecem como instrumento essencial para o seu funcionamento reflete, por um lado, a estrutura social e de poder existente e, por outro, organiza-se a partir das exigências dos procedimentos produtivos[21].

Pertencente ao grupo político dominante no estado, o CB disponibiliza um caderno para os assuntos relativos à cidade: o ‘Aqui Salvador’. Há uma valorização da cidade de Salvador nele. A fonte comum é recurso utilizado para tanto. Ela parece ser utilizada como forma de valorizar as ações realizadas pelo governo ou suas possíveis realizações.

Como em AT, portanto, é dada voz às FC para suas queixas e reclamações nos textos das notícias no Correio da Bahia. As fontes parecem aguardar soluções para a questão abordada na matéria com menor dose de ‘revolta’ nas reclamações expressas através das suas falas recortadas. Percebe-se o uso de uma fala, um sentido, para reforçar um outro: que a prefeitura ou o governo já estariam realizando ações com o objetivo de sanar os problemas citados. O apelo reforça a necessidade de que algo seja feito. Portanto, são as FO que possuem o poder de resolução dos problemas como verdadeiras salvadoras da cidade necessitada. Tal poder é destacado através do jogo de uso das fontes. Contudo, o apelo continua sem resposta que exponha melhoria ou solução de determinado assunto. O espaço dado às fontes oficiais serve para a valorização das pessoas, instituições e do grupo político que representam.

6 DEPENDÊNCIA DO ASSUNTO

O tratamento dado às declarações das fontes comuns é diferenciado, a depender de a quem ou a que o assunto/notícia disser respeito. O apelo é amenizado sem perder sua força retórica se este for de responsabilidade do governo municipal, estadual ou qualquer outra instituição ligada direta ou indiretamente ao grupo político do proprietário do CB. Veja-se o exemplo de matéria sobre infra-estrutura no subúrbio, na qual pessoas da comunidade tentavam amenizar os problemas por conta própria:

“‘Ninguém aguenta mais viver num local de lama e buraco. Esta é uma medida paliativa dos moradores’, apontou (um deles), dizendo que a Embasa precisa primeiro recuperar a drenagem e as ligações sanitárias no bairro”[22].

O pedido de solução para o problema referido nas declarações é mais mencionado em outros casos. O discurso torna-se mais ofensivo quando a notícia se relaciona a instituições ou pessoas não-ligadas ao grupo citado ou quando o problema referido por ela fere a imagem do poder representado pelo jornal. No caso, o apelo ignoto é mais forte e repetido ao longo do texto jornalístico, como os trechos de matérias de um mesmo dia sobre a revalidação do smart card – problema bastante divulgado na mídia neste período – repassada pela prefeitura à responsabilidade do Sindicato das Empresas de Transportes de Salvador (Setps):

“Estudantes são obrigados a se submeter ao 'câmbio negro' para obter cartão de meia-passagem”[23]; “Isso é um absurdo e uma tremenda falta de respeito com as pessoas que acordaram cedo e perderam a aula para fazer o smart card”.

7 ÚNICO 'LADO'

Apenas um 'lado' do fato é abordado em alguns casos, como o acima referido, adquirindo mais força, já que é o único existente. Assim, o conjunto das declarações conota um apelo de melhoria imediata para o caso. O jornal parece ter como objetivo a produção de um discurso negativo sobre outras instâncias não-ligadas a ele com o reforço do tipo de declaração. Um discurso de caráter positivo acerca de outros órgãos ou entidades relacionados à publicação é construído indiretamente. A intenção do uso das declarações pode ser ratificada através de matéria também sobre a revalidação do smart card:

“Apesar do aumento do número de postos de atendimento, a revalidação do smart card continua causando queixas entre pais e estudantes. (...) queixou-se uma estudante, ainda sem saber que o prefeito Antônio Imbassahy autorizou a validade de todos os cartões até que o atendimento seja regularizado”[24].

8 SEMELHANÇA DE DISCURSOS

O apelo ignoto também faz parte do discurso produzido pela Tribuna da Bahia. É dado espaço a várias vozes, ressaltado através de releases. O seu discurso assemelha-se ao de A Tarde de certo modo. Na matéria de título 'Ônibus podem parar com a nova medida da SSP', isto pode ser verificado:

“O presidente disse que o sindicato entrará com um mandado de segurança na Justiça para revogar a medida (...), caso não sejam aceitas as reivindicações da categoria na reunião. (...) Até agora, a doutora Kátia Alves se limitou a ter como interlocutores os empresários com quem ela se reúne semanalmente, ignorando os rodoviários e a sociedade tão ou mais interessados na solução do problema que os empresários”[25].

O pedido a uma instância ausente no texto pode também ser exemplificada em matéria de título ‘Professor teme por segurança’.

“Hoje quero fazer um apelo ao governador do estado que se sensibilize com o que vem ocorrendo com outras pessoas que são vítimas de policiais inescrupulosos”[26].

Portanto, o que interessa verificar é a mudança das características citadas sobre cada um dos jornais e da modalidade discursiva produzida por eles com a aproximação do aniversário da cidade. CB e AT usam um ‘chapéu’ – recurso utilizado para especificar o assunto a que o texto se refere – para destacar matérias relacionadas à data. Através dele, os jornais assumem estar tratando do assunto, não implicando, porém, que esteja ausente de outras matérias publicadas.

A Tarde varia de discurso sob o ‘chapéu’ 450 anos. Como na primeira matéria, de uma série de quatro, publicada com tal referência antes da edição do aniversário da cidade:

“As autoridades, direta ou indiretamente ligadas à saúde, têm explicações para a difícil situação da assistência à população de Salvador, assim como apontam medidas que poderiam resolver parte dos problemas, mas a realidade é quase imutável. (...) Casos como estes mostram que muito ainda precisa ser feito na saúde na capital baiana. (...) Não se pode esquecer, no entanto, das referências como o Cican, Hemoba, as ações da Sesab e Secretaria Municipal de Saúde e a resistência do Hospital das Clínicas”[27].

A publicação refere-se às FO e destaca a possibilidade de que soluções sejam dadas por ela. O mesmo ocorre ao longo do mês de março: maior espaço dado a tais fontes. O seu discurso assemelha-se ao do CB neste momento. O problema continua sendo alvo de questionamentos desta vez com a presença da voz oficial, mas sem aludidas solução ou providência, como na matéria 'Educação ainda padece de baixos salários', também sob o ‘chapéu’ referido:

“Em Salvador, o secretário afirma que a meta para este ano é fazer uma escola pública com a cara da cidade, transformando cada unidade de ensino em um local prazeroso de aprendizagem. (...) O secretário reconhece o problema da falta de professor, mas disse que somente poderá resolvê-lo depois do exame de programação de carga horária[28]”.

A associação dos problemas da cidade com o seu aniversário vai, aos poucos, passando do ‘chapéu’ para as declarações das matérias. É o que se vê na seguinte declaração numa delas, de título ‘Temporal exibe os problemas da capital’:

“A chuva que castigou a cidade na madrugada de ontem mostrou que Salvador não tem tantos motivos para comemorar seus 450 anos. Pelo menos esta era a opinião de dezenas de pessoas prejudicadas pelos efeitos da chuva. (...) 'Vão comemorar 450 anos de obras de fachada, enquanto nós temos 450 problemas crônicos para serem solucionados' (diz uma dona-de-casa).”[29]

Se as providências ainda são ressaltadas pelo jornal através do seu discurso, AT parece também torná-lo mais compreensivo e admitir algumas melhoras, às vezes, porém avaliadas como insuficientes para a necessidade de Salvador. O trecho a seguir expõe tal consideração:

“Salvador está cada vez mais bonita e disso ninguém duvida. Mas há detalhes que precisam ser tratados com mais respeito. Tudo bem que nada pode ser feito de uma única vez. Até se compreende, mas deixar que monumentos e logradouros se deteriorem porque turistas não passam por aquele local é algo deplorável[30]”

9 TROCA DE FONTES

A fonte, que antes seria o povo, é única, mas oficial: o secretário municipal de Planejamento, na matéria de título ‘Maioria da população tem moradia irregular’ - sob o ‘chapéu’ dos ‘450 anos – final’. Desta forma, o questionamento perde força e é utilizado de maneira semelhante à contraposição das fontes existente no CB.

“Mais de 60% das habitações de Salvador são irregulares. (...) Essas casas se multiplicaram (...) e obrigaram a prefeitura a estudar meios de mudar a velha política de repressão e melhorar a qualidade das habitações, a maioria da quais construídas sem qualquer requisito técnico”[31].

As FC, portanto, em A Tarde não ocupam o mesmo lugar de antes na edição do aniversário da cidade. Declarações destas fontes podem ser encontradas em ‘Baianos manifestam amor por Salvador’, como no exemplo: “Moço, a cidade para mim é um ensinamento de vida”. O apelo pode ser ainda indiretamente identificado através de FO, mas não das pertencentes ao poder político dominante. Em matéria ‘Taxa de desemprego é alarmante’, o deputado do PT, Luiz Bassuma, além da ex-prefeita Lídice da Mata, é fonte.

“Existe em Salvador uma espécie de apartei explícito. O mais grave é que as políticas públicas têm reforçado esta tendência, à medida que estão sempre voltadas para o atendimento às áreas melhor organizadas, onde a qualidade de vida é muito boa”[32].

Mas este é o único exemplo de resquício do discurso anterior de AT. Na página seguinte à da matéria citada, de título ‘O grande desafio é vencer o atraso’, as FO - secretários municipais de transporte e planejamento - retornavam ao discurso positivo sobre a cidade, produzido naquele dia pela publicação, reforçando-o.

Depois de contrapor o discurso com as FC, o aniversário parecia ser a hora para reafirmá-lo. É dessa forma que o Correio da Bahia exacerba o seu discurso. Os defeitos que muitos preferem esconder ou fingir que não os possuem na data de aniversário - dia que parece ser reservado apenas para comemorações - é demonstrado através dele de alguma forma. As fontes comuns parecem não ser mais necessárias às matérias da edição. Elas vão fazer parte das de títulos ‘É noite no balneário...’ e ‘Culinária exótica ganha adeptos na terra do dendê’ no caderno especial dos 450 anos. No 'Aqui Salvador', as FC demonstram uma aceitação sem mais a necessidade de contraposição com as FO para construção do discurso positivo sobre a cidade, como no exemplo a seguir:

“Além de centenas de pessoas que aproveitavam o sol de ontem, banhando-se e bronzeando-se na praia do Farol, outras tantas debruçavam-se sobre a balaustrada do Porto para apreciar o cenário flutuante. A praia do Porto da Barra estava isolada, aguardando a hora da encenação. Contudo, essa decisão não desagradou os moradores do local. Embora reclamassem da quebra da rotina de tomar banho no Porto todos os domingos, eles disseram que era um ‘mau necessário’, um sacrifício em homenagem aos 450 anos da cidade”[33].

Na Tribuna da Bahia, as FC desaparecem, de fato, da edição do dia de aniversário. Matérias de títulos, como ‘Sistema de transporte é obsoleto’ ou ‘Áreas de risco são grave problema habitacional’, que poderiam suscitar a presença destas fontes com análises equilibradas do assunto são, na verdade, releases - que serão abordados em outro capítulo – com as FO representadas nele. Não é difícil encontrar construções discursivas criadoras de um sentido de comemoração do aniversário neste tipo de texto, como no exemplo a seguir:

“Salvador completa hoje 450 anos comemorando transformações já concluídas e em andamento, que atingem vários setores da cidade e estão sendo tocadas através de parceria de governo estadual-prefeitura”[34].

10 ABANDONO DO APELO

As FC não estão presentes na edição de aniversário com a formulação de apelo. No dia da festa e nos mais próximos, se o fazem, são como matéria-prima de um único discurso: o que vai ao encontro do produzido pelas fontes oficiais.

Neste dia, parecia não haver espaço para queixas do povo. Os jornais quiseram fazer parte do clima de festa que envolvia a cidade. Eles dispensaram as fontes comuns na data referida, apesar de terem feito usos diferentes delas. Seu silêncio poderia dar-lhe um sentido de consentimento e apreciação. “Todo o dizer é uma relação do não-dizer. (...) Ao se dizer algo, apaga-se necessariamente a possibilidade de que se diga outra coisa naquele lugar”[35]. Dessa forma, os jornais em estudo parecem ter desconsiderado um implícito compromisso acerca da verdade no discurso jornalístico, nele representado pelos conteúdos enunciados. Adaptar o fato do aniversário de Salvador às características comerciais dos produtos, exigiu de cada um deles a omissão de assuntos que as FC poderiam ser enunciadoras na produção jornalística.

ELOGIO OFICIAL

O discurso é o efeito de sentido construído num processo de interlocução. Lugar de autoridade de fala, onde se produz algum tipo de conhecimento. Formado por diversas vozes, ele nunca é um só e várias são as suas formas de uso. Ao jornalístico, “cabe a organização e ordenamento cotidiano dos acontecimentos, de modo a mostrar que pode haver mais de uma opinião/explicação para o fato em questão”[36]. Contudo, muitos são os critérios para sua produção antes dos princípios éticos que regem a profissão que os utiliza. Ele é lugar da publicização de vozes, onde a notícia é o objeto para sua formulação. Portanto:

Noticiar, no discurso jornalístico, é tornar os acontecimentos visíveis de modo a impedir a circulação de sentidos indesejáveis, ou seja, determinar um sentido, cujo modo de produção pode ser variável conforme cada jornal, mas que estará sempre submetido às injunções das relações de poder vigentes e predominantes[37].

É complicado, todavia, a administração do sentido, inserido não unicamente no texto. Veículo ideológico e estabilizador político[38] seria a definição que Ciro Marcondes Filho confere ao objeto da notícia. Concebido e/ou consumido como verdadeiro, tal discurso é utilizado com estes intentos não poucas vezes. O valor de verdade atribuído a ele está diretamente ligado à sua publicidade.

Não há como pensar uma empresa jornalística que prescinda de tais características no seu discurso. É fato que muitas destas empresas são de propriedade de detentores de poder político. O surgimento da imprensa está balizado em ou vinculado a estas instâncias. No Brasil, foi assim o seu início:

Com a vinda de D. João VI, em 1808, é por força de um decreto real que a impressão régia inicia suas atividades lançando um periódico intitulado ‘A Gazeta do Rio de Janeiro’, cujo objetivo era registrar o que se passava em Portugal[39]

Desde então, a voz do poder esteve presente neste tipo de produção. Hoje, os jornais parecem ter adquirido meio de formular um discurso em que seu sentido seja implícito e o seu consumo facilitado a partir da modificação de sua linguagem. Nestes produtos, é dada 'voz' aos representantes do poder político. Tal valor de verdade passado ao discurso publicizado torna-se imprescindível às relações que o envolvem na sociedade contemporânea. Ele parece adquirir existência ou estar em ‘ação’ neste meio.

São as exigências do poder político e jurídico no intuito de preservar o status quo de uma elite dominante, que estão inscritas nos mecanismos de funcionamento da instituição, e não uma neutralidade voluntária, resultado do uso de técnicas que adequam uma exterioridade factual colocada a sentido literais[40].

Portanto, interessa a forma que a imprensa utiliza esta fala nos jornais e período estudados especificamente neste trabalho.

1 PODER ADQUIRIDO

O sentido referido pelas instâncias de poder é construído, muitas vezes, a partir de declarações das FO nestes veículos de comunicação. O conjunto discursivo produzido por tais falas é entendido como um produto de cada publicação e dada credibilidade por ela.

As FO parecem adquirir um status, além do que já possuem, como principal transmissor de informação em relação às notícias sobre Salvador no caso em estudo. Portanto, há predominância das FO nas matérias a depender do período e jornal. A editora de cidade do Correio da Bahia, Ana Paula Ramos[41], diz não deixar de publicar assuntos que sejam negativos à imagem da cidade, contudo, sem destacá-los. "A gente tem sempre que estar valorizando os aspectos oficiais", admitiu. Assim, é perceptível a importância que as fontes oficiais adquirem na caracterização positiva da cidade. A sua melhoria, presumivelmente esperada, é anunciada por elas e parece ser de sua única responsabilidade, como nos exemplos a seguir:

"'Salvador: uma janela aberta para o mundo'. (...) A afirmação do destino internacional da capital da Bahia foi feita em tom de responsabilidade social pelo prefeito, no momento em que a cidade está prestes a completar 450 anos de fundação"[42].

Sem dúvida, estas fontes são imprescindíveis no relato dos fatos. Elas também são importantes na construção das notícias referentes à capital baiana. Sabe-se da necessária presença nas matérias em que os problemas da infra-estrutura, por exemplo, são destacados. Mas, há de se considerar as formas como essas são utilizadas. A publicação do recorte de suas falas deve ser feita como auxílio à compreensão do assunto.

2 PORTA-VOZ

Uma questão percebida é o lugar de fala ocupado por essas fontes como porta-vozes de um grupo político ou de poder na sociedade. As FO não fazem isto como forma de explicar problemas ou expor soluções. Ao contrário, realizam comentários ou análise complementar dos dados contidos em matérias, prescindíveis e objeto de retórica na construção da imagem da cidade algumas vezes. Como em declaração da secretária de Segurança Pública em matéria 'Assaltos a ônibus foram reduzidos' e, respectivamente, no trecho da edição do CB sobre os 450 anos:

"O que me deixa tranquila é o fato de termos a polícia nas ruas, a comunidade respeitando a ação policial e o bandido recuando diante do nosso trabalho"[43]

"Para Ricardo Cavalcanti, a sutileza na instalação de lâmpadas e projetos sobre os detalhes arquitetônicos de cada uma das edificações e a técnica avançada dão um visual único e muito especial à nova Praça da Sé".

3 DECISÃO ANTECIPADA

As FO adquirem força de decisão e um sentido de ação imediata, como se o problema já fosse dado como resolvido sem antes ter sido. O trecho a seguir da matéria de título 'Situação de loteamento na Pituba vai ser solucionada' é um exemplo:

“O prefeito determinou que não fossem permitidas novas invasões. (...) O prefeito Antônio Imbassahy, por sua vez, está sendo rigoroso no sentido de que elas não voltem a se repetir.”[44]

Tal recurso pode ser evidenciado também através do recorte de fala:

“Posso garantir que o constrangimento que os estudantes passaram até o momento não acontecerá no ano que vem”[45] - declaração de um dos secretários municipais.

A impossibilidade de aprofundamento do fato e dos assuntos a que ele se refere é um problema verificado neste uso discursivo. As sentenças caracterizam-se como conclusivas de algum modo. Em nada tais declarações explicam as questões nem informam como estas seriam, possivelmente, solucionadas. Elas mantêm uma promessa e um canal aberto para uma efetivação a exemplo da retórica do discurso político.

4 TRANSFERÊNCIA DE IMPORTÂNCIA

Ao relatar um acontecimento transformado em fato, os mídias produzem um novo. Podemos relacionar o uso das FO como forma de criação de um meta-acontecimento, tamanha a valorização dos recortes de suas falas. Ele é criado a partir da própria existência do discurso jornalístico. De acordo com Adriano Duarte Rodrigues, ele é acontecimento segundo, tornado noticiável por ser o tal discurso dispositivo de notabilidade. "É o próprio discurso do acontecimento que emerge como acontecimento notável a partir do momento em que se torna dispositivo de visibilidade universal, assegurando, assim, a identificação e a notoriedade do mundo, das pessoas, das coisas, das instituições"[46].

A notícia, pois, não é o fato, mas o discurso. A importância parece ser transferida do fato à fonte, que passa a ser também notícia. Cria-se um discurso que não se refere mais ao fato, mas à voz das fontes e às suas ações. Em texto publicado na Tribuna da Bahia, sob o título ‘Mário Cravo cria monumento’, um exemplo pode ser dado:

“Ontem, (...) o prefeito esteve visitando as obras na Praça da Sé. Ele avalia como bom o andamento das intervenções na praça e acredita que a obra deverá estar pronta dentro do cronograma”[47].

“Para ser noticiável, um acontecimento deve ser significado, susceptível de ser interpretado no contexto cultural de seus leitores”[48]. Sabe-se que, quanto maior a presença de pessoas ‘importantes’, maior a sua visibilidade e seu valor de notícia. Podemos relacionar o uso das FO à tentativa de valorização das matérias que as contêm. A presença delas, muitas vezes exclusiva, pode servir para destacar a notícia referida. O seu uso exclusivo e em quantidade é explicado por Mauro Wolf[49]:

O uso da mesma fonte deve-se a conveniência para a maior eficiência na conclusão de um produto informativo dentro de prazos fixos e intransponíveis e como meios limitados à disposição. A produtividade diz respeito às razões pelas quais prevalecem fontes institucionais.

5 REFERÊNCIA VALORIZADA

É importante perceber a super-valorização dessas fontes na construção do discurso jornalístico relativo à cidade. A referência ao nome da fonte oficial está diretamente ligada a um verbo que conote resolução ou promessa de ação. O valor é adquirido a partir de tal conotação. Como no seguinte título de matéria: 'Imbassahy garante esquema especial de apoio às famílias desabrigadas'. O trecho sobre a recuperação da Praça da Sé também pode ser um exemplo:

“Preocupado, o prefeito Antônio Imbassahy tem visitado pessoalmente o andamento das obras diariamente, temendo que tudo não fique pronto até o dia de aniversário”.

Portanto, não é colocado de que modo, por exemplo, a prefeitura está preparada para tanto ou como a visita do prefeito implica a posterior agilidade da obra. Questiona-se como as declarações contribuem para a explicação do fato. Parece que elas auxiliam apenas nesta valorização, na produção de um sentido incontestável, tomado como verdadeiro.

6 FALA REFLEXIVA

Observamos o uso de uma voz reflexiva de uma FO referente a outra, concomitante à valorização da pessoa que fala. Na sequência da matéria citada acima sobre as famílias desabrigadas, um exemplo, assim como na de título 'SMTU intervém e agiliza emissão de smart card':

“Imbassahy afirmou ainda que o governador César Borges já colocou à disposição da prefeitura toda a estrutura e apoio necessários para minorar a situação causada pela chuva”;

"Na ocasião, Medrado afirmou que a ampliação dos postos dos Correios contou com a interferência do prefeito Antônio Imbassahy junto a direção da empresa. 'Essa gestão do prefeito foi determinante', assegurou."[50].

Tal procedimento permite a valorização em dobro, ou seja, da fonte que fala e da referida. De uma única vez, assim, duas FO são destacadas e também valorizadas pelas suas presenças. Como outro exemplo, o da TB do dia 29 de março:

"O secretário de Planejamento, Ciência e Tecnologia, Luiz Carreira, disse que a preocupação de incluir obras de arte nos projetos de recuperação de áreas degradas na cidade foi herdada das administrações de ACM à frente de prefeitura de Salvador e do governo. 'Esta foi sempre a marca da Bahia e, de 1991 para cá, sempre se tem buscado agregar valores da nossa arte e cultura às intervenções públicas'."

É importante perceber a transferência de fala que ocorre quando se trata de um enunciado positivo em relação à cidade ou a programas que tenham por objetivo anunciado a melhoria de algum de seus aspectos. A declaração feita por representantes de órgãos responsáveis por determinados assuntos é repassada ao maior deles, figura a quem os elogios possíveis devem ser referidos. Outro exemplo pode ser conferido na Tribuna da Bahia:

“Segundo a diretora geral do IPAC, a Câmara Municipal de Salvador, com a restauração, vai mostrar na sua originalidade, valores até então não-conhecidos, que servirão para abrilhantar ainda mais as comemorações dos 450 anos da cidade ‘muito bem administrada pelo prefeito Antônio Imbassahy e sob os cuidados especiais do governador César Borges e do secretário da cultura e Turismo, Paulo Gaudenzi’”[51].

Uma perda do valor da fonte pode ser observada através deste tipo de uso. A FO perde o seu poder como fonte contribuinte para a explicação do fato ao repassá-lo a outra. Considerando os critérios da produção jornalística, ela deixa de ter utilidade para o repórter, dificultando o seu trabalho, já que não fala por si, mas por outro. Não se pode delegar a tais fontes o poder de explicação total de um fato. Elas são importantes para a compreensão de questões relacionadas a ele, mas não únicas contribuintes para tanto.

7 CONSTRUÇÃO ELOGIOSA

As FO fazem referência a antigos representantes do poder político como reforço de suas atividades, além do uso da fala reflexiva. Na matéria acima citada, a declaração do prefeito da cidade prosseguia ressaltando que as medidas adotadas por ele nunca o tinham sido em nenhuma das duas administrações anteriores à sua realização.

Ao fazer uso de comparações entre as administrações e também da transferência de fala, as FO contribuem com a formação de um outro discurso: o elogioso. Ele vai reafirmar a construção positiva sobre a cidade. Contudo, o uso deste discurso ainda não vai se relacionar diretamente com a cidade ao longo do mês de março. Ou seja, ainda não há um elogio direto a Salvador, mas às ações ou aos recursos publicados como fatores de melhoria para ela. Como nos seguintes trechos, em que o sujeito de fala é o prefeito da cidade ou a ele referida:

“Nosso objetivo é trazer o que de melhor existia no mundo em consultoria de implantação de sistemas de transportes de massa”[52].

"O prefeito Antônio Imbassahy diz que Salvador vive atualmente um dos momentos mais importantes de seu desenvolvimento econômico-turístico-cultural, ressaltando que é cada vez mais significativa a presença do município na mídia nacional"[53].

Tal discurso pode ser mais verificado nas edições sobre os 450 anos da cidade, como nos exemplos da TB:

"O secretário enfatizou que a partir do trabalho do professor Mário Leal, hoje, Salvador tem um projeto de uma cidade que apresenta um sistema viário de avenidas de vales que é objeto de elogios por todos que visitam a cidade".

"A Salvador do próximo século vai ostentar os resultados da política adotada pela prefeitura e governo do estado para resolver problemas crônicos que comprometem há anos a melhoria da qualidade de vida da população, avalia o secretário municipal de Planejamento, Manoel Lorenzo. (...) O secretário está convencido que a terceira capital do país em número de habitantes atravessa um 'momento mágico' no que se relaciona à busca de soluções para problemas crônicos. 'Tomamos consciência cada vez com mais força, sobre as potencialidades da cidade, suas vocações e os pontos fortes que devem ser explorados para garantir desenvolvimento econômico e melhores condições de vida para a população', diz."

Mas o discurso referido diretamente à cidade - bastante presente no dia do aniversário e nos anteriores a ele – pode ser encontrado ainda no início do mês estudado, como nos recortes sobre o prefeito da cidade na Tribuna sob títulos 'Obras na Praça da Sé estão quase prontas' e 'Casa de Moeda lança medalha'.

“O cronograma está muito apertado, mas confiamos que não vai chover e a obra será entregue na data prevista. A cidade merece uma Praça da Sé à altura de seus 450 anos”[54].

"O prefeito Imbassahy disse que vê com 'enorme alegria' a medalha comemorativa. 'Ela consagra os festejos dos 450 anos da primeira capital do Brasil', destacou"[55].

8 DISCURSO MOTIVADOR

Ao longo do mês em análise, fatos como inaugurações de obras de infra-estrutura e restauração de monumentos eram associados ao aniversário da cidade. Este parecia ser colocado como o motivo para tais realizações com a manutenção de um discurso a favor do governo.

“A reforma do Palácio Thomé de Souza é muito mais um trabalho de manutenção do prédio, que nunca passou por uma recuperação. Estamos aproveitando as comemorações dos 450 anos de Salvador para também melhorar a fachada”[56].

Certo de que a relevância e o significado do acontecimento relacionam-se também com a evolução futura de uma determinada situação. Contudo, nem todo assunto possível de ser referido a um outro deve ser considerado relevante. Mas a referência, mesmo inadequada, permite a valorização do assunto ressaltado. No caso específico, a referência feita pelas FO ao aniversário de Salvador contribui para valorizar não apenas a data, mas outros assuntos relacionados a ela. Assim, podemos definir o aniversário como um acontecimento/fim, construído por outros tantos e também tornados relevantes através da referência feita pelas FO a eles.

9 NOVA FONTE

É assim que um discurso sobre Salvador vai sendo construído e tem seu ápice nas edições de aniversário da cidade em 29 de março. O uso não se dá de maneira semelhante em todos os jornais. Interessa notar a utilização que A Tarde faz destas fontes. A publicação praticamente não dava voz às FO, como exposto no capítulo anterior. As fontes comuns adquiriam, pela sua exclusividade, um poder aparentemente questionador sobre os problemas da cidade. No entanto, na edição dos 450 anos, as fontes oficiais formaram o discurso do jornal. Matérias do caderno especial sobre o aniversário, como as de títulos ‘Grande desafio é vencer o atraso’, ‘Mais verde para a metrópole’ e ‘Moderna Salvador do terceiro milênio’, colocam apenas as FO. Em outra matéria, AT traz como fonte oficial, apesar de não pertencente à situação, a deputada Lídice da Mata, reconhecida como inimiga política do grupo detentor do poder. Porém, o discurso do jornal é formado, realmente, pelas FO representantes dos governos municipal e estadual.

10 FONTE ÚNICA

Este tipo de estruturação de texto, no qual as FO são imprescindíveis, ocorre em todas as publicações. Segundo Eliezer Varjão[57], chefe de reportagem geral de AT, o jornal não possui dificuldade de acesso a fontes oficiais, a não ser quando elas são necessárias a matérias de assuntos referentes a problemas de responsabilidade das instâncias de poder político. Já na Tribuna da Bahia, Mara Campos[58], a chefe de reportagem, define como crítica a relação fonte/repórter na rotina produtiva do jornal, por ele ser caracterizado como opositor a tais fontes. Mas ela admite que a dificuldade de acesso às FO deve-se também à falta de estrutura da empresa. Com apenas uma linha de fax, fica, muitas vezes, sem ser avisada, por exemplo, sobre coletivas com representantes dos governos. No CB, conta sua editora de cidade, Ana Paula Ramos[59], também há queixas dos repórteres sobre a dificuldade nesse contato. Ela diz que se procura não publicar matérias com uma única fonte.

A voz da autoridade é mais que ressaltada em muitos textos, normalmente como única fonte. É dado a ela um status além do que possui, pois não há argumentos que invalidem determinadas declarações ou que coloquem em xeque o sentido, suposto como verdadeiro. Um exemplo pode ser exposto a partir de release publicado no Correio da Bahia:

“Este resultado confirma que estamos mesmo no caminho certo ao estimular a produção cultural e facilitar o acesso às artes”[60].

No próximo capítulo, trataremos do uso que os jornais fizeram deste tipo de texto e a forma como eles caracterizaram a cobertura da cidade de Salvador.

VOZ OUTRA

O release é um "material de divulgação produzido pela assessoria, escrito na forma jornalística”[61]. Esta estrutura textual caracteriza-se, principalmente, por um sentido único sempre positivo acerca do assunto que trata. Mais do que forma de divulgar informações, é meio de divulgação do assunto/notícia a que se refere. A intenção de tal produção é a publicização de uma idéia, um acontecimento, uma ação representativa ou motivadora de efeito.

Produzido ou não por jornalistas, este tipo de texto faz parte das edições dos jornais baianos. Ele é lugar de fala de uma voz, que pode ser representante, por exemplo, de um poder político, entidades de classe ou empresas privadas. Sem elaborar um sentido prejudicial a seu representante, assemelha-se ao publicitário ou de propaganda, se não pelo formato, pelo objetivo. Entendemos estes dois termos com significados diferentes. Propaganda refere-se à difusão de idéias; e publicidade, à exibição das qualidades de um produto à venda[62]. No caso estudado, a cidade e seus representantes são o produto a ser vendido. Os releases vão associar à imagem de Salvador idéias de futuro promissor, melhoria do presente e atuação efetiva de seus comandantes de forma mais radical e, talvez, eficiente. O aniversário da cidade é motivo de brinde a tudo isto. O poder de desenvolvimento que Salvador possui parece assim ser graças aos seus representantes políticos.

Portanto, o release é utilizado como forma de divulgação de uma idéia que deve ser aceita no lugar de outra: a de uma cidade com graves problemas de infra-estrutura, moradia e desemprego, por exemplo. Como exemplifica Wilson Gomes; “A propaganda é sempre, de algum modo interativa, enquanto visa a persuadir o seu público da superioridade da própria causa em face das outras possíveis”[63].

Prioritariamente, trataremos de releases produzidos por órgãos públicos ligados aos governos estadual e municipal e da forma como esses se relacionam com os temas referentes à cidade. Este tipo de estruturação pode ser identificado por ter: referência direta a suas instituições geralmente no início da oração ou do próprio texto; detalhes de números de funcionários encarregados por determinada ação, de máquinas, acompanhados de suas denominações técnicas. É também sua característica o anúncio de programas dos governos - normalmente no final da matéria. A quantia supostamente empregada nas ações destes órgãos são referidas neles frequentemente. A isto, podemos aliar o seu posicionamento gráfico de não-destaque; a falta de assinatura do autor; publicação normalmente sem fotos; e, algumas vezes, presente de forma idêntica em jornais diferentes. A inexistência de fontes ou apenas a presença de uma delas, a oficial, é também identificador deste tipo de texto. Entretanto, tais características devem ser consideradas em seu conjunto, sem implicar que cada uma delas seja exclusiva dos releases. Desta forma, eles foram identificados nos jornais.

1 NOTÍCIA DE ANIVERSÁRIO

É a partir dos releases que o aniversário de Salvador vai sendo transformado em notícia, estando presente de forma mais constante nas publicações com a proximidade da data. Obras em locais públicos, preparativos da festa e programas prováveis de serem realizados pelos órgãos dos governos são publicados como notícias nos jornais quase diariamente. Com o discurso positivo que produz, este tipo de texto contribui para a criação de um clima de festa sobre o aniversário da cidade, já sendo produzido pela mídia local há algum tempo.

De certa maneira, os releases possuem uma construção textual adequada à publicação nesses veículos. O uso de 'ferramentas' jornalísticas permite tal adequação. A forma de construção de seu texto utiliza o modelo do jornalismo americano. No lead, a informação é dada do mesmo modo que na maioria das matérias produzidas pelos jornais. As informações básicas do assunto/notícia são colocadas no primeiro parágrafo. A sequência linear, por importância das informações, transmite ao leitor uma escala de dados previamente escolhidos para serem valorizados[64]. Em certa medida, ele se torna também acessível e legível. Contudo, a aproximação cada vez maior das linguagens jornalísticas e publicitárias pode ser prejudicial ao leitor.

2 DESTAQUE PÚBLICO

Nesse tipo de texto, o destaque é dado não à notícia, mas às instâncias a que ela se refere. Assim, há referência frequente aos órgãos responsáveis pela sua produção. A exemplo dos seguintes trechos:

“A Secretaria Municipal de Transportes começou, ontem, a vistoria de transporte escolar”[65].

“A Set começou, ontem, a instalação de 44 placas verticais indicativas de limite de velocidade[66]”.

Este problema envolve vários recursos utilizados pelos releases: a valorização do que não deveria ser pelos critérios jornalísticos. Contudo, isto pode não ser percebido pelo leitor. O ressaltado no release é absorvido como está exposto. É necessário evidenciar, novamente, o papel da atividade jornalística quando falamos do uso deste tipo de texto. Cabe ao discurso de tais características organizar e ordenar cotidianamente os acontecimentos de modo a mostrar que pode existir mais de uma opinião/explicação para o fato em questão[67]. Se, através da produção jornalística, produzimos conhecimento e criamos uma noção de mundo, estes podem ser de forma dirigida através dos releases. Sabemos que a produção de matérias nos jornais segue os critérios de noticiabilidade. A depender de sua forma de uso, o assunto torna-se fato, porque surge na mídia e não pelas suas características de acontecimento noticiável.

3 SEMELHANÇA OFICIAL

Tais textos publicados nos jornais são semelhantes ou iguais aos editados nos veículos de comunicação oficiais: diários de município e estado. Portanto, o que se publica nestes é o mesmo que dispomos nos jornais. Temos que considerar as diferenças existentes entre os produtos. O diário oficial é o veículo de notificação que trata os assuntos de forma parcial, sem caráter jornalístico - como publicação produzida pelo governo, responsável por divulgação de diversas resoluções. Não se solicita a existência da imparcialidade nas produções a que o jornalismo está ligado. Sabe-se que esta é impossível.

4 PODER DIVULGADOR

Interessa a força que o release possui para divulgar as ações dos órgãos e informações. Percebe-se que seu discurso é produzido, geralmente, não com a intenção primeira de informar, mas de tornar público e, portanto, existente, trabalho ou ação do referente produtor – órgão ou entidade. Este tipo de texto, mais uma vez, ratifica o discurso ao mostrar apenas um lado da questão transformada em notícia. Isso ainda é mais evidente quando o assunto refere-se ao aniversário da cidade:

“Os trabalhos iniciados na última segunda-feira fazem parte da superestrutura que a prefeitura está montando para a comemoração dos 450 anos da cidade”[68].

Todavia, é importante notar que as informações ganham status de verdade a partir da divulgação destes textos nos jornais. A verdade, suposta no meio em que se publica o release, é substituída, retoricamente, pela performance, ou seja, pela estruturação do texto. A maneira como a informação está colocada importa mais que o valor de seu conteúdo. Portanto, a avaliação do conteúdo dos textos a serem publicados é de responsabilidade dos jornalistas ou do corpo editorial da empresa. Assim, é imprescindível reconhecer de que forma a ética está contida neste processo. A ela “corresponde o discernimento entre os comportamentos discursivos aceitáveis e inaceitáveis, independente de sua eficácia”[69]. A legitimidade jornalística será tanto maior, fundada em sua aparente objetividade, quanto menos perceptível for a arbitrariedade que está na origem da sua produção[70].

O que se verifica é um uso indiscriminado dos releases. Por isso, elementos que valorizam um determinado discurso acabam por permanecer como parte do texto e caracterizando o do jornal onde ele é publicado. Sabe-se que as condições de produção das empresas jornalísticas - a eventual falta de recursos e o tempo curto - podem contribuir para maior publicação desses textos nos jornais. Associa-se a isto, a conveniência de publicação deles, já que não exigem produção nem emprego de trabalho. Contudo, também é óbvio que essas não são as únicas causas de eles serem publicados. O vínculo que as empresas jornalísticas possuem, desde sua origem, com os poderes políticos pode ser um dos motivos para a existência dos releases nos diários.

As recomendações para a publicação podem se manifestar por diferentes canais. O direto, quando a empresa acolhe voluntariamente os pedidos. E o indireto, quando o acolhimento é involuntário e se realiza por efeito de pressões do anunciante da agência de publicidade, da autoridade governamental ou das visitas de relações públicas[71].

Entretanto, os jornais vendem os releases como as notícias produzidas por eles. Há necessidade de reelaboração do texto recebido segundo alguns de seus representantes. Mara Campos, da TB, acredita que a publicação que não faz isto demonstra fragilidade na sua produção. No entanto, admite usá-los na íntegra muitas vezes. "Quando há tempo, busca-se o outro lado. A preocupação é reescrever o lead", explica. Em A Tarde, este tipo de texto é utilizado como pauta ou informações adicionais em matérias em produção, de acordo com o chefe de reportagem geral, Eliezer Varjão. Mas devido às suas distorções, ele avalia que não deve ser publicado na íntegra - apesar de admitir que isso ocorra. A idéia destes textos é o que deve ser aproveitado na produção do jornal para a editora do Correio da Bahia. Mesmo utilizando releases de órgãos públicos na sua edição, ela se preocupa em diferenciá-los. "Existe uma preocupação nossa de que matérias não pareçam releases".

5 USO INFORMATIVO

Os jornais, como veículos de características jornalísticas, deveriam utilizar os releases de maneira informativa. A exemplo do seguinte: ‘Liberado tráfego no viaduto da Primeira Rótula’[72], publicado na Tribuna da Bahia através do qual a população poderia ficar informada sobre as modificações de trânsito num trecho de bastante movimento nos fins-de-semana. Muitas vezes, os releases são publicados na íntegra, sem modificações. Assim, o discurso pode ser o mesmo nas diferentes publicações. É o exemplo do de título: 'Idosos do Abrigo de Salvador vacinados contra pneumonia'[73], publicado na TB e no CB:

"A vacina está sendo oferecida pela prefeitura numa iniciativa pioneira em comemoração ao ano internacional do idoso".

A evidência contribui para uma padronização do discurso destes jornais. Não há opção para o leitor de abordagens variadas sobre um assunto.

6 AÇÃO/NOTÍCIA

As ações dos órgãos produtores destes textos – secretarias municipal, estadual, prefeitura e governo - é um dos principais objetos dos releases. O texto as valoriza ainda mais ao dar destaque a seus produtores, em referência constante às duas instâncias de poder, municipal e estadual. O seguinte trecho exemplifica assim como o título 'Projeto integra programa de desenvolvimento da Secretaria de Projetos Especiais’:

“A reforma da praça é mais um fruto da parceria da prefeitura com o governo do estado (...)”.

Estes órgãos também são valorizados com termos que denotam preocupação e responsabilidade na resolução do assunto do release, sem, contudo, citar de que forma isso seria feito. Como em exemplo do Correio da Bahia:

“A Sumac está se apressando nos trabalhos de desobstrução de redes de drenagem e limpeza de canais, prevenindo alagamentos e transtornos à população. Cerca de 200 pessoas, divididas em equipe munidas com jatos de água em alta pressão e outros equipamentos, agilizam o trabalho[74]”.

7 INFORMAÇÃO DESCARTÁVEL

A citação de valores investidos em obras ou programas é uma das características dos releases. Todavia, convém ressaltar de que forma isso é feito. Sabemos da importância da informação para a produção do texto jornalístico. Seu uso não pode ser, contudo, aleatório. Como no exemplo:

“A prefeitura (...) investiu cerca de R$400 mil (...) para construir a área poliesportiva, incentivando a prática esportiva entre as crianças e adolescente do bairro”.

Deve-se ter uma referência no texto para que a informação possa ser compreendida e sua publicação justificada. Este valor publicado sozinho não parece estar no release como dado explicativo, mas de forma a ressaltar a aplicação referida. Para o leitor, não há parâmetros de avaliação do que foi aplicado em determinada obra por exemplo. O possível significado, a partir da divulgação, é de que houve alguma preocupação com o assunto. A aplicação de recursos financeiros é colocada como grandiosa no texto.

8 RECURSO CIDADÃO

A valorização de tais instituições é também obtida através de referência feita aos cidadãos de Salvador. Como em exemplo do Correio e Tribuna, respectivamente:

“Para economizar a paciência dos motoristas, a SET mudou o trânsito[75]”.

“Para maior segurança do cidadão, a Semin instalou sensores em todo o vão da estrutura”.

O objetivo de toda realização parece necessitar de uma explicitação, como se este não devesse ser óbvio. Afinal, tais objetivos são dever dos órgãos públicos.

Os discursos citados valorizam a cidade também indiretamente. Isto ocorre de maneira elogiosa. A linguagem contribui para a construção de discurso positivo sobre Salvador através de adjetivos e advérbios, como nos seguintes trechos:

"(...) as placas de granito que vão ajudar a embelezar ainda mais a Praça da Sé”[76].

"Começa a melhorar sensivelmente a qualidade das águas nas praias da península de Itapagipe"

9 AÇÃO CONSTANTE

Este discurso pode também ser referido às fontes oficiais, únicas nos releases na maioria das vezes. O roteiro a que elas se submeteram é destaque em muitos deles, como no seguinte:

"De Itapagipe, o secretário com sua comitiva partiu para inspecionar os serviços do interceptor do comércio (...)"[77].

As fontes também são referidas como constantemente em ação e o poder que detêm evidenciado. Os trechos a seguir podem ressaltar, respectivamente, tais aspectos:

"O coordenador do órgão (...) informou que tem estado em contato permanente com os demais órgãos municipais."[78]

"A proposta foi apresentada ontem pelo secretário de Educação (...) e imediatamente aceita pelos representantes do Setps."

10 MATÉRIA/RELEASE

Muitos foram os releases[79] publicados como matérias na Tribuna da Bahia. Dessa forma, o jornal vai construir, entre vários artigos, sua edição sobre os 450 anos da cidade - ganhadora do terceiro lugar do prêmio Coelba de Jornalismo na categoria impresso referente às produções jornalísticas baianas sobre o tema. Alguns são os exemplos deles na TB: 'Áreas de risco são graves problemas habitacionais'; 'Salvador completa 450 anos em fase de transformação'; de subtítulo 'Investimentos são feitos em parceria pelo governo do estado e a prefeitura para transformar a primeira capital do país numa cidade moderna e confortável para seus habitantes visitantes'. Neste último, o seguinte trecho ratifica o discurso positivo e a referência a instâncias públicas:

"Salvador completa hoje 450 anos comemorando transformações já concluídas e em andamento, que atingem vários setores da cidade e que estão sendo tocadas através da parceria governo estadual-prefeitura'.

É interessante notar, contudo, a existência também de algumas matérias produzidas pelos jornais com características de release. Como na edição de aniversário de Salvador da TB, em matéria de título ‘Sistema de transporte obsoleto’. Apesar de assinado, este texto possuía uma das principais características deste tipo de texto: apenas declarações de fontes oficiais, muitas vezes únicas. O texto fazia referência apenas a uma fonte da prefeitura.

Há o uso de determinados verbos nas declarações das fontes e de um discurso indireto de características de relato sobre o dizer delas, como em trecho da mesma matéria:

"O secretário salientou que 'planejamento é um estudo de longa duração', ele dá como exemplos os projetos da década de 40, que começaram a ser implantados em 1970. (...) Lorenzo disse que implantação dos 14 km de linha de metrô que será realizado pela prefeitura não é suficiente para a população. (...) em relação ao sistema coletivo de transporte, o secretário disse ser totalmente obsoleto. 'Cada vez que aumenta o número dos ônibus, aumenta o tempo de viagem. São mais carros nas ruas, e com isso, grande número de congestionamento. Chegamos a um posto intolerante', disse ele."

É certo, também, que esta construção textual pode ser utilizada por outras instâncias de poder. Assim, ela pode dar 'voz' a outra que não a dominante. Há, contudo, que se perceber que a sua inserção não é fácil em todos os meios. O CB, por exemplo, não dá espaço para esta exclusividade de voz. Porém, ele existe na TB, onde são publicados releases não-produzidos pelos poderes dominantes, a exemplo de entidades de classes. O release de título: ‘Rodoviário prevê demissão com a catraca eletrônica’ é exemplo.

“A implantação da catraca (...) vai engrossar as estatísticas de desemprego com mais 6 mil cobradores que serão demitidos pelas empresas[80]”.

O espaço disponibilizado a tais fontes pode construir um discurso outro sobre a cidade - contrário ao positivo, produtor de um sentido de modernidade e desenvolvimento. É a possibilidade de contrapor informações mesmo sem ser através de material produzido pelo próprio jornal.

11 USO DIFERENCIADO

Podemos perceber um uso diferenciado deste tipo de modalidade textual nos três jornais em estudo. A Tarde, por exemplo, que mantém um discurso de características de denúncia sobre a cidade através da utilização de fontes comuns, pouco faz uso dos releases ao longo de março. Contudo, observamos um dos releases no dia cinco do mês estudado. ‘Obras ficarão prontas até o dia 29’ é o título do que fazia já referência à data de aniversário da cidade, quando a Praça da Sé seria inaugurada. Os textos vão fazendo parte das edições de A Tarde a partir destes assuntos. Dez dias após o exemplo acima, um outro pôde ser verificado: ‘Reforma da Sé é acelerada para as festas dos 450 anos’[81].

No Correio da Bahia, muitos textos da edição de aniversário possuem características de releases, apesar de a maioria deles ser assinada. Como nos exemplos seguintes:

"O Ciac é um programa de atendimento ao cidadão que registra 105 consultas mensais. Trata-se de um passo importante para o estímulo ao exercício da cidadania, mas o investimento não se resume a isto: hoje, na festa dos 450 anos, a prefeitura lança o edital de licitação para a implantação do metrô de Salvador , empreendimento orçado em US$507 milhões, que promete dar um basta nos problemas do transporte público da cidade".

"No que diz respeito à cultura, a recuperação do Pelourinho e adjacências é sem sombra de dúvida a ação política de implicações sociais e econômicas mais significativa dos últimos 20 anos".

Alguns títulos são exemplos do discurso exacerbado: 'Salvador, a capital de um novo mundo'[82]. Sabe-se da importância do tipo de discurso na venda do produto jornalístico. Como define Cremilda Medina: "A mensagem de consumo exige título de apelo forte, bem nutrido de emoções, surpresas lúdicas, jogos visuais, artifícios linguísticos"[83]. É oportuno ressaltar critérios, se não básicos, importantes na ideal produção jornalística. Parece ser a busca de uma objetividade o guia para tal produção. Ser objetivo, por exemplo, "é apegar-se ao acontecimento, esmiuçá-lo, narrá-lo (...), pois assim a exposição será igualmente valiosa para quantos necessitem utilizar informação"[84].

Podemos verificar que determinadas referências são facilmente percebidas como parciais e, portanto, tendentes a um lado da questão. 'Moderna Salvador do terceiro milênio', da edição do dia 29 de AT. Assuntos, antes tratados em tom de denúncia e com a utilização das fontes comuns, são abordados em textos de características de releases. O que evidencia posições antagônicas na produção do jornal, como no trecho a seguir:

"Salvador vai alcançar o terceiro milênio com evidentes sinais de prosperidade em setores estratégicos, para garantir a melhoria da qualidade de vida de sua população, de 2,5 milhões de habitantes. A São Salvador de 2001 será entrecortada por metrô de superfície e vias estruturais, terá uma imagem revitalizada - em especial nas áreas que abrigam sítios históricos - e atenderá 85% da população com saneamento básico, passando à condição de uma das cidades mais bem servidas neste aspecto no país".

Como em AT, isto pode ser verificado também no Correio da Bahia. 'Salvador capital do novo mundo' - citado acima - é um exemplo de tal evidência. Não-jornalístico, ele possui características publicitárias, atribuindo valor ao produto: a cidade de Salvador e seus representantes. Sem, às vezes, utilizar fontes, os releases relacionam possíveis providências do poder público. Nesta edição, há uma radicalização do discurso produzido pelo CB - semelhante ao realizado através da FC e FO - como no exemplo:

"Os esforços do poder público em fazer de Salvador a capital de um novo mundo, em todos os sentidos que este título possa suscitar, culminam com a criação do Serviço de atendimento ao Cidadão (SAC). (...) Em resumo, a cidade do Salvador procura eliminar suas contradições e transpor os fossos sociais em direção à glória e à ostentação de antes , da época em que era "capital de um novo mundo", mas no sentido apenas de terras recém-descobertas. Hoje, os soteropolitanos desejam que a cidade seja a capital de um novo mundo, em que belas praias, praças e parques convivam com boa educação, mais emprego, saúde de qualidade, cultura, segurança, boas condições de moradia e com alegria, muita alegria."

O tom efusivo é percebido em matérias sobre assuntos de infra-estrutura ou problemas da cidade, principalmente. As características positivas referidas a Salvador vão ser importante fator na construção dos discursos das publicações estudadas. Vamos nos referir no próximo capítulo a essa forma de construção.

CIDADE PERSONA

A linguagem é constituinte de todo discurso. Na construção deste, ela fornece seu tom e contribui para seu significado. Ela deve ser compreendida, genericamente, como "uma interposição simbólica entre o sujeito e o mundo. Quando fazemos uso dela, elevamos pretensões de validade ao que dizemos"[85]. É também a linguagem que vai abrir espaço à ideologia.

No discurso jornalístico, não são quaisquer tipos de linguagens adequadas à sua produção. Isto deve-se à necessidade de torná-lo compreensível a um maior número de leitores ou consumidores de produtos relacionados a ele. Para tanto, deve ser construído a partir de uma linguagem concisa e capaz de melhor informar sobre o fato relatado, de modo que aspectos importantes não sejam sonegados ao conhecimento do receptor[86].

Na produção idealizada, o jornalista tem o 'poder dizer', uma onipotência do sujeito com relação à linguagem[87]. "Informar ou opinar, deste ponto de vista, resultam da capacidade (ou interesse) do responsável pela notícia em manipular a linguagem"[88]. Fazendo uso de tal recurso, ele deve trabalhar também de forma mais próxima do ideal.

A subjetividade, contudo, é inerente ao produtor do discurso, na sua elaboração, e ao seu consumidor, ao interpretá-lo. Ela pode ser compreendida como aquilo que diz respeito ao indivíduo, o que é pessoal ou particular. Forma de exposição ou manifestação de idiossincrasias, a subjetividade é preterida, no possível, quando se trata de matérias jornalísticas que não são caracterizadas como opinativas. Tal presença pode ser percebida a partir da análise global do texto e dos significados que ele suscita. Porém, a subjetividade se torna mais evidente a partir do uso de termos valorativos no discurso estudado. Com isso, muitos fatos, ao invés de serem explicados, são associados a conteúdos prejudiciais ao seu relato e dispensáveis para sua compreensão.

É dessa implicação, portanto, que vamos tratar no capítulo. Durante e principalmente no final do mês de março, muitas foram as referências a Salvador através do uso desses tipos de recursos. Eles deram o tom da cobertura jornalística sobre os 450 anos da cidade. Utilizada em outros discursos aqui já analisados, possibilitou também um outro: o da personificação de Salvador.

1 SUJEITO DA AÇÃO

A referência ao aniversário vai evidenciar a construção do discurso sobre a cidade ao longo do mês. A data começa a adquirir força a partir da sua divulgação nestes meios, como as matérias da Tribuna da Bahia:

"A restauração desses dois marcos integra a programação das comemorações dos 450 anos de fundação de Salvador. Diversos eventos (...) estão sendo programados para marcar durante os próximos meses a comemoração do aniversário da cidade"[89].

"(...) marcará o início de uma das maiores homenagens que Salvador receberá pela passagem dos seus 450 anos"[90].

Assim, a cidade começa a ser referida como o sujeito da ação e o objeto da notícia. Através dos sentidos produzidos no discurso sobre a cidade, fatos são relacionados a ela, adquirindo maior destaque e importância. Trecho da matéria sobre a recepção do arcebispo primaz do Brasil em Salvador é um exemplo de tal referência:

"'No momento em que nossa cidade completa 450 anos de história sempre com essa característica de fé e religiosidade, recebemos este presente', disse o prefeito"[91].

2 CONOTAÇÃO VALORATIVA

Valores são atribuídos à cidade não com intuito de explicação, mas de tornar possíveis analogias e comparações com a data. O uso de metáfora no lugar do significado a que a matéria se refere contribui para valorização do objeto. O termo utilizado para tanto é 'presente' - substantivo -, acompanhado eventualmente da expressão 'de aniversário' eventualmente. Assim, obras, missas, monumentos, entre outros, são referidos como tal. Esse uso é verificado de forma mais efetiva na segunda quinzena do mês - com a proximidade do aniversário - como em trechos a seguir:

"Os moradores da Graça vão dar um presente especial a Salvador, neste sábado, dois dias antes da grande festa pela passagem dos 450 anos da cidade"[92].

"Um verdadeiro presente para a cidade em seus 450 anos (e principalmente para a comunidade local). (...) Essa posição de destaque traduz bem o espírito da escola, um presente para Salvador nos seus 450 anos, que pretende tornar-se referência em educação musical, além de formar cidadãos"[93].

"Outro presente preparado para Salvador pela parceria governo-prefeitura é a Via Náutica"[94].

3 DESVIO DE ÂNGULO

Percebe-se um desvio do ângulo de análise ou mesmo uma desvalorização do assunto central a que a notícia deveria referir-se. No exemplo citado, pode-se verificar, no uso dos parênteses, a idéia que deveria ser analisada. Era necessário o destaque à forma como a comunidade em questão na matéria iria beneficiar-se com a inauguração da escola de música. É , certo que a cidade a contém, mas não deve ser apresentada como um sujeito outro, instância superior a que tudo deve ser referido. Na matéria, quem recebe o 'presente' é, realmente, a comunidade citada. É o que importa em termos jornalísticos. A generalização, às vezes, pode comprometer o entendimento do fato.

4 SIGNIFICADO INADEQUADO

É necessário analisar o significado que termos como 'presente' podem adquirir em textos publicados nos jornais em estudo, ao menos quando é evidenciado na voz de seu autor, o repórter. Ressalte-se, porém, que o recorte de fala das fontes não é feito de forma aleatória e faz parte do discurso da publicação. Mas há que se observar de que forma isso se dá. Não se pretende dizer que qualquer uso destes termos seja incompatível com a produção jornalística, mas avaliá-lo como inadequado, às vezes, à linguagem utilizada nela. Os termos podem construir um sentido que não tem a ver com o real. Os fatos ou assuntos sobre a cidade parecem receber maior destaque se os textos que são referidos fizerem uso de tal recurso. O aniversário, mais que pretexto para anúncios de acontecimentos, é recurso para sua publicização.

O sentido do presentear pode ser verificado a partir do verbo ganhar sem fazer uso do termo acima referido. Tal verbo, inclusive, dá conta de sentido semelhante mesmo desacompanhado do termo presente. Considerado em outros contextos de uso normal, no de aniversário o seu significado adquire sentido outro ou reforçado ao fazer inevitável referência à data. O que pode ser verificado no título de uma matéria 'Orla marítima vai ganhar oito pontos de atracação'[95] e no trecho de outra:

"Salvador ganhou mais cor no dia de seu aniversário"; "Salvador ganhará também no mês de seu aniversário o Quarteirão da Cultura"[96]

Da mesma forma, o seguinte, em matéria sobre uma imagem de Cristo construído por um padre:

"Salvador ganhou ontem um dos presentes de aniversário mais originais: o Cristo do Brasil"[97];

"Para ele (o padre), 'no aniversário da cidade, nada melhor do que presenteá-la com um Cristo Brasil, nesta terra mater em que a maioria da população é negra, em uma cidade muito apropriadamente chamada de Roma Negra'"[98].

São várias as maneiras de referência à cidade que contribuem para sua valorização e construção do discurso no mês citado. O uso de adjetivos ou locuções é uma delas. De forma geral ausente de matérias jornalísticas - ao menos, em referência feita pelo repórter - eles vão integrar muitas das produzidas no período, como parte da fala das fontes e constituinte também da do produtor do texto. Como nos exemplos a seguir:

"Segundo Adriana Castro, a Câmara Municipal de Salvador, com a restauração, vai mostrar na sua originalidade, valores até então não-conhecidos, que contribuirão para abrilhantar ainda mais as comemorações dos 450 anos da cidade (...)"[99]

"'Salvador é uma cidade encantadora e todas essas iniciativas em torno da comemoração dos seus 450 anos revelam o querer bem da população em relação à cidade. A representação deste marco reacende a história e todos ganham com isso', acrescenta o prefeito"[100].

5 EVIDÊNCIA DO DISCURSO

Uma declaração do artista plástico Mário Cravo é um exemplo do uso desta modalidade discursiva, produtora de sentido sobre a personificação da cidade no início do mês em matéria de título 'Monumento na Sé fica pronto'. A cidade é comparada a uma pessoa ainda sem a carga de significado a que será referida nas edições de seu aniversário:

"As cidades são como pessoas, têm momentos felizes e infelizes. Nos momentos infelizes não há sensibilidade para respeitar a sua história. Nos momentos felizes se reinstala a lembrança, um olhar atento sobre a cidade. Salvador está vivendo seu momento feliz"[101]

Tal discurso vai ser ratificado nas edições sobre o aniversário de Salvador dos três jornais em estudo através de maior uso dos recursos acima citados. A Tarde, que pouco fez uso dele durante o mês de março, o constrói através de várias referências à cidade o constrói a partir de várias referências à cidade. As matérias que faziam referência à data concentraram-se no caderno especial sobre o assunto entre artigos diversos numa edição eminentemente histórica. Contudo, no primeiro caderno foram publicadas matérias alusivas às inaugurações e festas em comemoração à data. A citação do aniversário dava o primeiro passo para outras referências, como no seguinte exemplo na matéria sobre o show da Banda Eva:

"No final da festa, entretanto, o público, em sua maioria, gostou de participar da festa de aniversário da capital mais antiga do Brasil".

Há matérias sobre assuntos negativos à imagem da cidade e que podem ser considerados diferentes do discurso produzido sobre ela no caderno especial de AT, apesar da referência às comemorações da data, como em matérias de títulos 'Baianos manifestam amor por Salvador', 'Fogos iluminaram encontro dos 450 anos', 'Sete mil pessoas lotam show no Dique' e 'Graça realiza missa em homenagem a Salvador'. 'Donos de casas demolidas vão mover ação contra o prefeito' e 'Medo e desesperança marcam o ensino noturno' são exemplos destas matérias, que não impedem, contudo, a construção do discurso comemorativo. A partir dele, a cidade transforma-se em 'pessoa' tais são os elogios e as referências. Um exemplo pode ser destacado:

"Não, a imagem que Salvador vai exibir no terceiro milênio não é exatamente de uma cidade cosmopolita. A Salvador do século XXI mais do que nunca terá assumido a sua identidade cultural para potencializar os valores regionais e alcançar projeção internacional, diz Lorenzo".

Mas há que se observar que o uso indevido desses tipos de modalidades discursivas podem causar uma super-valorização do fato se não provocar prejuízo à sua compreensão. Exemplos podem ser retirados do caderno 'Aqui Salvador' do CB da edição do dia 29. Como o seguinte sobre o 'Encontro das Raças', espetáculo realizado na véspera da data referida:

"O desfecho foi uma saudação à cidade - Salvador da Bahia, capital da alegria."[102];

"Neste final de semana, em especial, o Abaeté estava com um brilho diferente."[103]

Para contribuir com esta construção da imagem de Salvador, nenhuma matéria sobre assunto que fosse de encontro à referência feita sobre a cidade foi publicada no CB neste dia. Foram títulos de algumas: 'Moradores do Bairro da Paz têm atendimento médico gratuito', 'Comitiva turca visita Obras Sociais Irmã Dulce', 'Prefeito reafirma função cosmopolita da cidade' e 'Nova Praça da Sé será inaugurada hoje'. Mas no caderno especial sobre o aniversário, tal discurso vai ser evidenciado. O uso de verbo de ação referido à cidade é uma das formas desta construção.

"A cidade do Salvador procura eliminar suas contradições e transpor os fossos sociais em direção à glória e à ostentação de antes, da época em que era 'capital de um novo mundo', mas no sentido apenas de terras recém-descobertas (...)".

A TB irá construir o discurso de forma semelhante ao Correio da Bahia. Já depois do aniversário, o uso de verbos também exemplifica a personificação da cidade, produzida pelas publicações, na edição do dia 30 da TB.

"Nos seus 450 anos, Salvador trabalhou para vencer os tempos de crise e mesmo na iminência do feriadão da Semana Santa, quase todos os setores e serviços funcionaram em período integral".

Verifica-se a transferência de responsabilidade sobre possíveis problemas da Salvador. Tal responsabilidade, que é do poder público, parece ser transposta para a cidade, que seria dona de suas vontades e ciente de seus defeitos. A referência a uma pessoa pode ser verificada em matéria de título 'Personagens "folclóricos" são marca registrada':

"Cidade de cantos e encantos, subidas e descidas, miscigenação, cor, música, batuque e festa. Muito mais do que uma jovem senhora que completa 450 anos - e em muito boa forma - Salvador exala cultura nos quatro cantos, é berço da música e carrega título de ter sido a primeira capital do Brasil"

Na editoria cotidiano da Tribuna da Bahia, apenas matérias positivas relacionadas com a data foram publicadas, a exemplo das seguintes: 'Espetáculo em homenagem a Salvador', 'Estouro de 450 champanhes' e 'Prefeitura elabora plano urbanístico para o subúrbio'. Alguns títulos ratificam a construção de tal discurso na parte reservada para a cobertura do aniversário: 'Os 450 anos da Soterópolis, a cidade-mãe', sobre assuntos diversos como pobreza, desemprego, cultura, auto-estima do cidadão; 'Uma cidade cheia de personalidade'; e 'Cidade ganha presente no dia do aniversário'. Assim foi também produzido o discurso pelas matérias ao longo do mês e, principalmente, no dia 29, análogo ao construído a partir dos artigos das edições especiais sobre o aniversário da cidade.

Através da personificação da cidade, as matérias jornalísticas estudadas produziram um discurso positivo a respeito de Salvador, fazendo uso de alguns recursos discutidos neste trabalho. Portanto, com base no material que analisamos, parece ter sido dado à cidade 'Um presente feito de cores'[104]: discurso que a louvou em comemoração ao seu aniversário.

CONCLUSÕES

Uma consonância pode ser percebida entre os temas tratados pelas mídias. Elas tendem à repetição, já que são pautadas umas pelas outras. A isso "associa-se o fato de os traços comuns e as semelhanças existentes nos processos produtivos da informação tenderem a ser mais significativos do que as diferenças, o que conduz a mensagens substancialmente mais semelhantes do que dessemelhantes"[105].

Assim foi a abordagem sobre a cidade de Salvador dos jornais em estudo. Se no início do mês de março o enfoque das matérias poderia variar de um a outro jornal, ele foi se assemelhando e fortalecendo uma imagem positiva da cidade na época de seu 450 anos - através de um discurso homogêneo. Durante o trabalho, demonstramos que tais jornais impossibilitaram a transmissão de dados sobre o assunto tratado ou mesmo o conhecimento da realidade para o público leitor ao utilizar recursos muitas vezes imprescindíveis para a produção de notícias, a exemplo das fontes

Necessário ressaltar a importância do jornalismo na construção da realidade. Fatos são relatados através dele e explicados como forma, ao menos proposta, de auxílio ao cidadão na compreensão do mundo em sua volta, das relações em que está envolvido e, mais especificamente, do lugar onde vive.

É certo que todo discurso guarda intenções além de sua literalidade. O convencimento é o objetivo de qualquer um. Para obtê-lo no discurso jornalístico, contudo, critérios relacionados à tal atividade devem ser considerados. As publicações em estudo construíram significados prejudiciais à explicação da realidade na pretensão de tornar o assunto publicado verdadeiro. No caso estudado, isto diz respeito a construção de Salvador como cidade perfeita e à mitificação de seus problemas.

Em A Tarde, o discurso pode ser dividido em dois: o de suposto questionamento e o de afirmação. O último, de apologia a Salvador, acompanhado pelos do Correio da Bahia e da Tribuna da Bahia durante o mês. Mais efetivo e homogêneo, o discurso do CB constrói a imagem de uma cidade detentora de inúmeras qualidades e capacitada para o desenvolvimento.

Ana Paula Ramos[106], a editora do 'Aqui Salvador' do Correio da Bahia, considera normal o tratamento de valorização feito à cidade na edição especial. "A gente tem a tendência de valorizar o lugar em que a gente vive", justifica. Mesmo com a intenção de comemorar, a editora afirma que foi dada orientação ao repórter para a construção de um texto 'para cima' e que mostrasse soluções para os problemas apenas em uma matéria - de título 'Salvador, capital do novo mundo', carro-chefe da edição.

A imagem de Salvador construída pelo CB, de acordo com Ramos, é de uma cidade em crescimento, que deseja evoluir. A Tribuna faz retrato semelhante, segundo a chefe de reportagem do jornal, Mara Campos[107], pelo menos no que diz respeito ao aspecto físico da capital. Como define, trabalha o lado positivo do fato por questão de prioridade. Assuntos específicos de infra-estrutura, a exemplo de buracos existentes nas ruas, não fazem parte da pauta de sua produção diária. Tais assuntos, avalia Campos, foram vulgarizados e perderam seu apelo de notícia.

A imagem que A Tarde constrói da cidade não se caracteriza como positiva nem negativa para o chefe de reportagem geral, Eliezer Varjão[108]. Contudo, segundo ele, AT publica o que é positivo para a cidade. "Até porque nós somos uma cidade turística, a primeira capital do Brasil, a terra mater", explica. A edição dos 450 anos de Salvador foi elaborada com a proposta de ser eminentemente histórica. Assuntos referentes a mudanças ocorridas na cidade sob diversos aspectos foram tratados na cobertura, de acordo com Varjão.

A do Correio foi criada a partir da publicação de uma página sobre Salvador aos sábados como forma antecipada de homenagem à cidade desde o mês de janeiro de 1999. De acordo com Ana Paula, o objetivo foi resgatar a memória da cidade e o significado de ela estar completando 450 anos. Tentou-se evidenciar a conciliação do caráter histórico de Salvador com a modernidade.

A edição especial da Tribuna da Bahia foi idealizada, segundo Mara Campos, com a intenção de elaborar um produto para ser guardado e utilizado como fonte de pesquisa. As possibilidades de arrecadação financeira a partir de anúncios, bastante vinculados em homenagem a Salvador, foram também consideradas. "Levamos em conta também o lado mercadológico da comemoração. Aproveitamos para ganhar dinheiro", ressaltando que jamais deixaria de homenagear a cidade.

A evidência de questões abordadas neste projeto possibilita a descrença quanto à importância do tema estudado. Argumentos de que os jornais, como empresas privadas, teriam pleno direito de realizar sua produção da maneira que lhes conviesse poderiam ser também prováveis. Entretanto, torna-se impossível o uso de tais meios como "na época das grandes revoluções - entre os séculos XVIII e XIX - quando serviam como instrumento de luta política"[109], devido à importância que eles adquirem e o lugar que ocupam na sociedade contemporânea. Credibilidade hoje é condição para que um jornal continue funcionando independentemente do auxílio de possíveis grupos políticos[110].

O controle empresarial, realizado por detentores do poder, é empecilho para que as matérias jornalísticas sejam mais isentas. As empresas jornalísticas são "pontos de ice-berg que no nível externo representam a democracia formal (...) e no fundo escondem o poder político ou econômico que as sustentam, que é incompativelmente diferenciado de um jornal para o outro em relação ao seu tamanho e importância"[111]. No caso estudado, a situação da cidade foi relacionada diretamente com o poder político responsável pela sua manutenção.

Mas a partir do momento em que tais publicações definem-se como jornalísticas, é pressuposto que elas desempenhem um 'comportamento' diferente, baseado em acordo implícito entre essas instâncias e o público. Este tem tais publicações como meio credível e detentor do poder de dizer, se não absolutamente confiável. A produção jornalística deve ser realizada através do cumprimento do direito à informação, considerada de interesse da comunidade e também possível promovedora de seu bem-estar. Essa produção torna-se importante à medida que são maiores as garantias de liberdade e as opiniões professadas se fundem na segurança e na seriedade das informações"[112].

O jornalismo, contudo, "está sujeito a distorções e, na prática, seus conceitos e definições ideais nem sempre ocorrem"[113]. Um modo de apuração de informações, ao menos intencionalmente isenta, é garantia inicial para a existência de maior confiança nestes meios. A interferência política, cujas consequências podem ser percebidas na má qualidade ou no equívoco dos produtos jornalísticos, está evidente nesta produção como nos exemplos expostos.

Visamos ressaltar o modo como a prática jornalística vem sendo desempenhada. Considerando as barreiras de subjetividade impostas inevitavelmente pela intermediação do profissional da área, acreditamos na possibilidade de uma produção diferente das estudadas, cuja qualidade, se não ideal, seja melhor e auxiliar na construção de mundo mais próxima do real.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Luiz. A Objetividade Jornalística. Porto Alegre, Sagra, 1996.

BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica (2vol.). São Paulo, Ática, 1990.

BARROS FILHO, Clóvis. "A crítica à objetividade da mídia". In: Pauta Geral, volume 02, nº 02, 1994.

BETHÂNIA, Mariane. O PCB e a imprensa - Os comunistas no imaginário dos jornais. Rio de Janeiro, Revan Campinas / Unicamp, 1998.

BELTRÃO, Luiz. Jornalismo Interpretativo. Porto Alegre, Sulina, 1976.

GADINI, Sérgio Luiz. "A dinâmica discursiva do acontecimento". In: Pauta Geral, volume 03, nº 03, jan-dez / 95.

__________. "O acontecimento da notícia no universo mediático contemporâneo". In: Pauta Geral.

GENRO FILHO, Adelmo. O Segredo da Pirâmide. Porto Alegre, Tchê, 1987.

GENTILLI, Victo. "Cidadania, direitos e informação". In: Pauta Geral, 1 (1993)

GOMES, Wilson. "Estratégia retórica e ética da argumentação na propaganda política", In: Textos 29.

__________."Verdade e perspectiva. A questão da verdade e o fato jornalístico". In: Textos, 29, 1994

GONÇALVES, Elias Machado. "A essência do real nas notícias". In: Pauta Geral, volume 02, nº 02, 1994.

GONÇALVES, Tattiana Teixeira. O Panfleto do Rei. Projeto Experimental em Comunicação, Faculdade de Comunicação, UFBA, 1995.

KOFF, Rogério Ferrer. "Problema de imparcialidade e os limites da ética jornalística". In: Pauta Geral, ano I, nº 01, 1993.

KUNCZIK, Michael. "Definições ocidentais do jornalismo". In: Conceitos de Jornalismo, São Paulo, Edusp, 1997.

MARCONDES FILHO, Ciro. O Capital da Notícia. São Paulo, Ática, 1986.

MEDINA, Cremilda. Notícia: um produto à venda. São Paulo, Summus, 1998.

MELLO, Clarissa. A catequese de papel. Projeto Experimental em Comunicação, Faculdade de Comunicação, UFBA, 1996.

MOUILLAUD, Maurice e PORTO, Sérgio Dayrell (orgs.). O Jornal - da forma ao sentido. Brasília, Paralelo 15, 1997.

NAGAMINE, Helena. Introdução à análise do discurso. 5.ed., Campinas, SP, Editora da Unicamp, 1996.

NILSON, Lage. "Investigação sobre a verdade nas notícias". In: Ideologia e Técnica da Notícia, Petrópolis, Vozes, 1979.

ORLANDI, Eni Puccunelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 2.ed. Campinas, SP, Editora da Unicamp, 1992

PARK, Robert. "A notícia como forma de conhecimento". In: STEINBERG, Charles. (org.) Meios de Comunicação de Massa. São Paulo, Coultrix, 1972.

RODRIGUES, Adriano Duarte. “Delimitação, natureza e funções do discurso midiático”

__________. “O Acontecimento”. In: Revista de Comunicação e Linguagens, nº 08, 1998.

SAPERAS, Enric. "Los efectos cognitivos resultantes de la producción de las noticias como contrucción social de la realidad". In: Efectos cognitivos de la comunicación los meio comunicación de massa. Barcelona, Ariel, 1987.

TUCHMAN, Gaye. "A objetividade como um ritual estratégico: uma análise das noções de objetividade dos jornalistas". In: TRAQUINA, Nelson (org.) Jornalismo: questões, teorias e "estórias", Lisboa, Veja, 1993.

WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação, Lisboa, Editorial Presença, 1994.

-----------------------

[1] WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa, Editorial Presença, 1994.

[2] Em entrevista à autora em novembro de 1999.

[3] Informação concedida à autora pela editora do caderno referido, Ana Paula Ramos.

[4] Em depoimento concedido à autora em novembro de 1999.

[5] Idem nota anterior.

[6] MEDINA, Cremilda. Notícia: um produto à venda. São Paulo, Summus, 1998.

[7] RODRIGUES, Adriano Duarte. Delimitação, natureza e funções do discurso midiático.

[8] Idem nota 1.

[9] AMARAL, Luiz. A objetividade jornalística. Porto Alegre, Sagra, 1996.

[10] NAGAMINE, Helena. Introdução à análise do discurso. 5 ed., Campinas, SP, Editora da Unicamp, 1996.

[11] WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa, Editorial Presença, 1994.

[12] Jornal A Tarde, 07 de março / 1999

[13] Jornal A Tarde, 02 de março / 1999

[14] MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notícia. São Paulo, Ática, 1986.

[15] Jornal A tarde, 03 de março / 1999

[16] Jornal A Tarde, 14 de março / 1999

[17] Jornal A Tarde, 18 de março / 1999

[18] Idem nota 10.

[19] Jornal A Tarde, 06 de março / 1999

[20] Idem nota 5.

[21] Idem nota 7.

[22] Jornal Correio da Bahia, 17 de março / 1999

[23] Jornal Correio da Bahia, 02 de março / 1999

[24] Jornal Correio da Bahia, 12 de março / 1999

[25] Jornal Tribuna da Bahia, 18 de março / 1999

[26] Jornal Tribuna da Bahia, 01 de março / 1999

[27] Jornal A Tarde, 14 de março / 1999

[28] Jornal A Tarde, 24 de março / 1999

[29] Jornal A Tarde, 26 de março / 1999

[30] Jornal A Tarde, 08 de março / 1999

[31] Jornal A Tarde, 26 de março / 1999

[32] Jornal A Tarde, 29 de março / 1999

[33] Jornal Correio da Bahia, 29 de março / 1999

[34] Jornal Tribuna da Bahia, 29 de março / 1999

[35] ORLANDI, Eni Puccunelli. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 2ed. Campinas, SP, Editora da Unicamp, 1992.

[36] BETHÂNIA, Mariane. "A eficácia da imprensa sobre o político". In: O PCB e a imprensa - Os comunistas no imaginário dos jornais. Rio de Janeiro, Revan; Campinas, Unicamp, 1998.

[37] Idem nota anterior.

[38] MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notícia. São Paulo, Ática, 1986.

[39] Idem nota 1.

[40] Ibidem.

[41] Em entrevista à autora em novembro de 1999.

[42] Jornal Correio da Bahia, 29 de março / 1999

[43] Jornal Tribuna da Bahia, 18 de março / 1999

[44] Jornal Correio da Bahia, 03 de março / 1999

[45] Jornal Correio da Bahia, 04 de março / 1999

[46]RODRIGUES, Adriano Duarte. “O Acontecimento”. In: Revista de Comunicação e Linguagens, nº 08, 1998.

[47] Jornal Tribuna da Bahia, 09 de março / 1999

[48] WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação". Lisboa, Editorial Presença, 1994.

[49] Idem.

[50] Jornal Correio da Bahia, 04 de março / 1999

[51] Jornal Tribuna da Bahia, 17 de março / 1999

[52] Jornal Correio da Bahia, 05 de março / 1999, em matéria de título 'Companhia paulista vai assessorar projeto do metrô'.

[53] Jornal A Tarde, 25 de março / 1999, em matéria de título 'Cidade recupera prestígio turístico.

[54] Jornal Tribuna da Bahia, 03 de março / 1999

[55] Jornal Correio da Bahia, 27 de março / 1999, em matéria de título 'Casa da moeda lança medalha'.

[56] Jornal Correio da Bahia, 17 de março / 1999

[57] Em depoimento prestado à autora em novembro de 1999.

[58] Idem nota 22.

[59] Ibidem.

[60] Jornal Correio da Bahia, 02 de março / 1999

[61] KOPLIN, Elisa e FERRETO, Luiz A. A Assessoria de Imprensa - Teoria e Prática. Porto Alegre: Sagra-Luzzato, 1996.

[62] GOMES, Wilson. "Estratégia retórica e ética da argumentação na propaganda política". In: Textos 29.

[63]Idem nota 2

[64] MEDINA, Cremilda. Notícia: um produto à venda. São Paulo, Summus, 1998.

[65] Jornal Tribuna da Bahia, 31 de março / 1999

[66] Jornal Tribuna da Bahia, 20 e 21 de março / 1999

[67] BETHÂNIA, Mariane. O PCB e a imprensa - Os comunistas no imaginário dos jornais. Rio de Janeiro, Revan; Campinas, Unicamp, 1998.

[68] Jornal Correio da Bahia, 17 de março / 1999, em matéria de título 'Preparativos para os 450 anos mudam cenário no Porto da Barra'.

[69] GOMES, Wilson. "Estratégica retórica e ética da argumentação na propaganda política".

[70] FILHO, Clóvis Barros. "A crítica à objetividade da mídia". In: Pauta Geral, volume 02, nº 02, 1994.

[71] BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica (2vol.). São Paulo, Ática, 1990.

[72] Jornal Tribuna da Bahia, 24 de março / 1999

[73] Jornais Tribuna da Bahia e Correio da Bahia, 12 de março / 1999

[74] Jornal Correio da Bahia, 01 de março / 1999

[75] Jornal Correio da Bahia, 17 de março / 1999

[76] Jornal Tribuna da Bahia, 17 de março / 1999, em release de título 'Monumento da Cruz Caída já está na praça'.

[77] Jornal Tribuna da Bahia, 18 de março / 1999

[78] Jornal Tribuna da Bahia, 20 e 21 de março / 1999, em release de título 'Fim de Verão prevê chuvas fracas e isoladas na Bahia'.

[79] Este, garante a chefe de reportagem, exclusivos ao jornal.

[80] Jornal Tribuna da Bahia, 04 de março / 1999

[81] Jornal A Tarde, 15 de março / 1999

[82] Jornal Correio da Bahia., 29 de março / 1999

[83] MEDINA, Cremilda. Notícia: um produto à venda. São Paulo, Summus, 1998.

[84] BELTRÃO, Luiz. Jornalismo interpretativo. Porto Alegre, Sulina, 1976.

[85] KOFF, Rogério Ferrer. "Problema de imparcialidade e os limites da ética jornalística". In: Pauta Geral, ano I, nº 01, 1993.

[86] BELTRÃO, Luiz. Jornalismo interpretativo. Porto Alegre, Sulina, 1976.

[87] NAGAMINE, Helena. Introdução à análise do discurso. 5 ed., Campinas, SP, Editora da Unicamp, 1996.

[88] Idem, ibidem.

[89] Jornal Tribuna da Bahia, 02 de março / 1999

[90] Jornal Correio da Bahia, 15 de março / 1999, em matéria de título 'Capital festeja 450 anos no ritmo dos tambores.

[91] Jornal Correio da Bahia, 10 de março / 1999

[92] Jornal Correio da Bahia, 25 de março / 1999

[93] Jornal Correio da Bahia, 27 de março / 1999

[94] Jornal Tribuna da Bahia, 29 de março / 1999

[95] Jornal Tribuna da Bahia, 29 de março / 1999

[96] Jornal A Tarde, 09 de março/ 1999

[97] Jornal Tribuna da Bahia, 24 de março / 1999

[98] Jornal Tribuna da Bahia, 18 de março / 1999, em matéria de título 'Salvador ganha Cristo negro em homenagem aos 450 anos.

[99] Jornal Tribuna da Bahia, 16 de março / 1999

[100] Jornal Correio da Bahia, 23 de março / 1999, em texto sobre a primeira etapa de restauração da Câmara Municipal.

[101] Jornal Correio da Bahia, 01 de março / 1999

[102] Em matéria de título 'Sinos da Conceição irão repicar em homenagem a Salvador'.

[103] Relato sobre o local horas antes de um show em comemoração aos 450 anos.

[104] Título de matéria referente à edição do Jornal Correio da Bahia, 30 de março / 1999

[105] WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa, Editorial Presença, 1994.

[106] Em entrevista concedida à autora em novembro de 1999.

[107] Idem nota anterior.

[108] Ibidem.

[109] MELLO, Clarisse. A catequese de papel. Projeto experimental, Faculdade de Comunicação, 1996.

[110] Idem nota anterior

[111] FILHO MARCONDES, Ciro. O capital da notícia. São Paulo, Ática, 1986.

[112] BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. (2vol.) São Paulo, Ática, 1990.

[113] Idem, ibidem.

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download