In Jornal de Notícias de 25 de Junho de 2001



In Jornal de Notícias de 25 de Junho de 2001

Jorge, o trapezista

Depois de 12 anos de espera, chega hoje, finalmente, às lojas o novo disco de originais do autor de "Bairro do amor"

Cristiano Pereira

Há um isqueiro Zippo que se abre em sucessivos «clinks» e uma voz arrastada perdida numa névoa de nicotina: «Acho que estou a fumar demais», murmura Jorge Palma. São cinco da tarde num pequeno apartamento na rua de São Bento, ali a escassos metros da Assembleia da República, em Lisboa. Por entre a ausência de mobília e objectos espalhados pelo chão, uma gata preta mia e serpenteia as divisões, estendendo-se junto do dono. À espera de uma mão. À espera de amor.

Prazer

Jorge Palma está lúcido mas visivelmente fatigado: há dias seguidos que tem dado entrevistas consecutivas e, atrás de si, um elemento da editora parece tentar assumir o controlo dos seus movimentos («Não ofereças álcool ao Jorge», disse-nos minutos antes).

«Não me considero uma pessoa que mereça uma atenção por aí além», diz-nos Palma, por entre frases que surgem a custo, a voz grave e arrastada. «Pá, adorava ser um grande sedutor... tipo Sean Connery... ter aquele charme todo... mas eu sou um gajo que escreve canções, que gosta dos prazeres da vida e que quer apresentar um disco e esperar que as pessoas o comprem.... ou, em último caso, que o roubem».

Partir

O disco (que hoje chega às lojas) representa o seu regresso aos originais. Foi longa a espera. A suficiente para ter alargado o culto em seu redor. «Se calhar», diz, «mereço os aplausos que recebo, apesar de todos os meus defeitos e todas as minhas preguiças». «Mas», prossegue, «existem situações em que se põe a questão: Será que eu mereço? Será que isto é real? Será que estou a ser compreendido?». Há mais um cigarro aceso e o terceiro sorriso da tarde. E pede que não o coloquem num pedestal; "não suportaria. Seria o primeiro a parti-lo _ pedestais são para partir».

Falhar

A boémia, o erro e o excesso _ lugares comuns a muitos de nós e com os quais várias vezes é também frequentemente conotado. O esquecimento e o lapso, a perda de controle em cima de um palco _ os deslizes: «É natural haver falhas ao longo de um concerto... são a consequência de uma maneira de estar... tudo isto está ligado.. mas, de um modo geral, tenho sentido alguma cumplicidade por parte do público, mais do que pela da crítica ou pela parte empresarial». Esmaga o cigarro num cinzeiro, acende outro: «Eu admito as minhas falhas», prossegue, voz baixa, ele quase murmura: «Admito sempre e até digo: olha, fui apanhado em flagrante delito; esqueci-me da letra, venha outra canção. Isso é o que se faz nas festas com os amigos. Quando há bilhetes pagos e pessoas à espera de rigor e profissionalismo é que já pode ser mais grave». Jorge Palma cala-se, parece procurar a gata. Retoma, afirmando que «esses tropeções, um copo a mais... a palhaçada e o avacalhamento não me seduzem, mas a falha com respeito pelo público não me desinquieta demasiado».

Saltar

É exactamente nas letras _ nas palavras _, que reside grande parte do fascínio de toda a sua arte. «Sim», afirma, «exponho-me, sou franco e espontâneo. E nas profundezas do meu ser há pequenas coisas que vou decifrando». E o que canta? _ isto: «Aqui no trapézio/ a rede é distante/ o meu horizonte/ é um braço errante». E é em suspensão que o disco acaba: «É tão bom/ saber que a morte/ é falhar/ o luar de encontro/ à tua mão».

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