Jornal Folha de Londrina - Angel Vianna



Jornal Diário da Manhã

Goiânia

6 de outubro de 1990

Carla Monteiro

KLAUSS VIANNA – O PATINHO FEIO QUE VIROU CISNE

Ele amava o teatro e acabou dançando. Com 40 anos dedicados à arte, o bailarino, coreógrafo e professor lança um livro onde expõe sua técnica.

As crianças crescem ouvindo, que em determinada época, uma pata muito fogosa, após chocar alguns ovos, viu nascer um desengonçado patinho, que mais tarde se descobriria se tratar de um cisne real. Às vezes o imaginário se confunde com o real. Pelo menos com Klauss Ribeiro Vianna, aos 88 quilos e um metro e 90 centímetros, a ficção-educativa se transportou “muito bem” para seu cotidiano. Na preconceituosa Belo Horizonte (MG), dos anos 40, este bailarino ousou desafiar os preceitos sociais e foi o primeiro homem mineiro a se matricular numa escola de dança. Hoje, aos 62 anos, após se dedicar 40 anos à interpretação visual tão completa que dispensa a palavra (ler balé), ele lança o livro “A Dança” (ed. Siciliano, 141 páginas, Cr$ 1.160,00).

De maneira lúcida e objetiva, o livro expõe reflexões maduras, onde revela que antes de exprimir na matéria a sua experiência existencial, o homem a traduz com a ajuda do seu próprio corpo. Para o autor, tudo é motivo e ocasião de dançar. O volume se divide em duas partes. Na primeira, autobiográfica, retrata Klauss Vianna nos anos 30 e sua já inata vocação. Na segunda, o autor coloca a liberdade como condição essencial para a dança. Como bailarino, coreógrafo e professor – em todas essas categorias, ele é considerado o renovador da dança contemporânea, no mesmo nível de Kazuo Ohno e Pina Bausch -, Klauss Vianna influenciou várias gerações de bailarinos, ganhou o Prêmio Molière, além de sua trajetória artística se confundir com a própria história da evolução da dança no Brasil.

BELÔ

Não foi fácil driblar a tradicional sociedade mineira, além de sua própria família, e se inscrever na escola de Dança, em Belo Horizonte, em 48. “Se eu virasse para minha mãe e dissesse que minha intenção profissional fugia aos padrões, como ser bailarino, provavelmente, ela me quebraria a cara”. Sua sorte foi que sua mãe era descendente, direta, de alemães, e apesar da ter se casado com um brasileiro (ainda por cima mineiro), ainda trazia vivo o amor pela arte, partisse ela de quem fosse. Com um quase imperceptível problema técnico – uma de suas pernas é mais comprida que outra -, Klauss enfrentou sua primeira infância com a única arma que dispunha: a observação.

Na escola, começou a ter contato com a leitura e acabou se interessando por teatro. Aliás, a grande paixão de Klauss sempre foi a dramaturgia, a dança aconteceu em sua vida por pura falta de opção acadêmica. Enquanto ele se contorcia entre um pointe (dançar nas pontas dos pés), um pas-de-deux (dança a dois), um entrechat (salto em que os pés se cruzam no ar mais de uma vez, rapidamente), a ex-solista de Ana Pavlova, Maria Olenewa dava os primeiros passos na consolidação do Corpo de Baile do Municipal, em São Paulo, que até hoje é o único num país de mais de cem milhões de habitantes. Mais tarde, Klauss seria um de seus alunos mais devotos.

Seu primeiro professor, Carlos Leite, o colocou como assistente com um ano de aprendizado. Mas as indagações o continuaram perseguindo. O por que de fazer isto? Como fazer isto? Quais as conseqüências destes gestos? Contudo, seu mestre não tinha as respostas. No final dos anos 40, começou a criar suas primeiras coreografias, dançadas por ele próprio e sua amiga Angel, que mais tarde se tornaria sua companheira e mãe de seu filho - Rainer, hoje aos 30 anos e professor de dança, este trabalho foi levado ao interior mineiro, no circuito das Águas, em hotéis e cassinos, onde o jogo corria livre e havia sempre espaço para espetáculos artísticos. A turnê durou até meados de 53, quando resolveu investir fundo e ingressar na Escola de Bailado do Municipal.

Uma das coisas que mais influenciaram o bailarino durante toda a sua vida eram as artes plásticas. Num primeiro momento, com seu vizinho o artista Guignard e depois com Amílcar de Castro e Ceschiatti. Posando para o primeiro, Klauss “enventava” emoções todos os dias. “Hoje vou ser o orgulhoso”. No decorrer destas criações físico-emotivas, ele começou a observar a reação muscular. Mais tarde, pouco antes de se mudar para a Capital paulista, passou a visitar museus e a observar as articulações, os músculos e o apoio dos corpos. Lentamente, principiou a vislumbrar sua própria técnica.

Já em São Paulo, em 53, sujeitou-se a assinar um atestado de pobreza, onde afirmava que a condição de pedreiro de seu pai o inviabilizava de sustentá-lo na escola. Começava seu aprendizado com Olenewa: A luta pela sobrevivência foi grande, até acontecer a formação do Balé Quarto Centenário de S. Paulo, para o qual se inscreveu. Contudo, a sorte não parecia ser sua companheira naqueles duros tempos. Com a morte de sua mãe, Klauss se viu obrigado a abandonar tudo e retornar a BH. “Tinha que fazer isto, pois era apenas um mero artista. Meu irmão teria que continuar sua brilhante carreira de doutor”. Mesmo assim, Olenewa lhe traduziu a técnica, a necessidade de sobrevivência e a reflexão. A tríade nunca mais foi esquecida.

BAHIA

No final de 50, ainda em BH, Klauss criou o Balé Klauss Vianna, já casado com Angel. Seu primeiro trabalho coreografado adulto foi “A Face Lívida”. A sorte estava lançada. Algum tempo depois, o patinho feio ensaiava os primeiros passos de um cisne real. Convidado por Rolf Gelewsky e Lia Robatto, ele se transfere para a Bahia, onde ministraria aulas na Escola de Dança da Universidade Federal, em Salvador. Em 64, com a ausência de verbas para a Universidade e o caos político instalado no país, Klauss se muda para o Rio de Janeiro. Chegou desempregado e sem ter lugar para morar. Quatro anos depois, após dar aulas de dança clássica em escolas de bairros, Klauss é convidado por Sandra Dickens para fazer uma coreografia para um espetáculo.

Qual não foi sua surpresa, quando descobriu que o show era “a Ópera dos Três Vinténs”, de Berthold Brecht e Kurt Weill, com direção de José Renato e atores como Dulcina, Marília Pêra e Oswaldo Loureiro. De quebra, o espetáculo marcaria o início de carreira de José Wilker. O trabalho, além de inaugurar a Sala Cecília Meirelles, lhe abrira um novo horizonte. Estava de volta a seu mundo: o teatro. Muitas experiências se sucederam e a observação continuou sendo sua arma. Para variar, no início dos anos 80, o tédio tomou conta de Klauss e o fez buscar novos horizontes. Sampa estava no itinerário.

Começou trabalhando com Lala Doheinzelin, em sua academia, para depois assumir a direção da Escola de Bailados do Municipal, em substituição a Addy Addor, que havia brigado com os professores, mães e pais por causa da interferência de todo gênero em seu trabalho. Mais uma vez se instalou no Estado – anteriormente, no Rio, ele esteve no Inearte, por dois anos. Ao que tudo indica, Klauss não havia aprendido que a arte neste país está sempre tendo seu caminho interrompido pelas mudanças políticas. Mas este aprendizado, mesmo que com contornos trágicos, chegaria ao fim.

APOSENTADORIA

Lá estava Klauss, o diretor. Ele começou a perceber e ao mesmo tempo se irritar – não com os outros, mas com ele próprio pela sua ingenuidade -, com a ineficiência reinante entre os professores do Corpo de Baile. Eles não estavam interessados em modificar, absolutamente, nada, mas garantir suas aposentadorias. “Os professores não eram mais artistas e sim funcionários públicos da dança. Era o caos”. Um ano após sua posse, Klauss dizia adeus à Escola, não sem antes introduzir a dança moderna e criar aulas noturnas, onde o próprio diretor era obrigado a dar as aulas por total ausência de professores. “Ninguém queria trabalhar fora do horário. Eu não ia deixar na mão quem estava interessado em aprender dançar e não tinha outro horário, por que os professores estavam mais interessados no dinheiro do que na arte”.

Mas, Klauss não se deu por vencido. Mesmo à frente do Balé do Municipal, ele continuou pesquisando e lutando contra o tradicionalismo importado, que sufoca qualquer tipo de crescimento do novo e por conseguinte os inevitáveis questionamentos. A metodicidade dos movimentos refinados e a rapidez estonteante que sempre marcou o balé, após o século 16, continuava a irritar este descendente de alemão, que foi criado para aceitar a vida como ela lhe exprimir. “Uma parte de mim dizia que eu já nasci derrotado e a outra me impulsionava a luta”, ele optou por perseverar.

Continuou a aprimorar sua técnica, a qual considera a única, realmente, nacional, ela não tem nada de filosofia, é tudo “pé no chão”, muito trabalho e estudo. “Não tem nada destas picaretagens, que oferecem ao público como a sensação do momento”. Com os anos, ele aprendeu a admirar e a respeitar a dança. É a partir daí que surge o seu livro. Hoje, ale assegura, que apesar das tentativas retrógradas existentes no clássico, existem profissionais, da área, prontos a representar o país no ranking mundial. Ana Botafogo é uma. Mas, ela é mulher... E um bailarino? Ele tem algumas dificuldades para indicar um nome, afinal de contas o tradicionalismo latino nas escolas sempre falou mais alto.

Dançar é muito diferente de fazer ginástica. Pelo menos na concepção do mestre Vianna. Para ele, o que acontece no Brasil é que um alto percentual de bailarinos nacionais fazem ginástica e não dança. Quanto a qualidade de palcos, o professor prefere os dos municipais, em decorrência da estrutura advinda dos cofres públicos, que consegue oferecer equipamentos de primeira linha. No que diz respeito a melhor faixa etária para o início da profissão, Klauss Vianna afirma não ter. “A técnica de dança evoluiu muito. Não é preciso dispensar aquele tempo todo. Existem mil exemplos de pessoas que começaram a dançar tardiamente e conseguiram muita coisa. Ohno, aquele bailarino japonês de 80 anos, é simplesmente inebriante e exemplar. É o maior bailarino que já vi em minha vida até hoje”.

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