Projeto: Construindo um Judiciário Responsivo: Projeto ...

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Projeto: Construindo um Judici?rio Responsivo: Projeto CAPES (CNJ) Entrevistado: Mairan Maia Entrevistadores: T?nia Rangel e Leandro Molhano Data da entrevista: 30 de outubro de 2014. Local: S?o Paulo - SP - Brasil Transcri??o: Ana Paula Nunes Confer?ncia de fidelidade: Izabel Nu?ez Revis?o: Maria Elisa Rodrigues Moreira

T?nia Rangel - Primeiramente gostar?amos de agradecer a entrevista, o tempo do senhor e tudo. Come?amos a entrevista pedindo que o senhor, vamos assim dizer, se qualifique. Nome completo, data de nascimento, filia??o...

Mairan Maia - Bom, muito obrigado, inicialmente, pela oportunidade. Eu que agrade?o por poder participar desse projeto, um projeto que eu reputo importante porque preserva a mem?ria, uma coisa que em regra n?s n?o temos, mem?ria do nosso passado, zelo pelo nosso passado. Ent?o parabenizo pelo planejamento e execu??o do projeto. Sou natural de Fortaleza, nasci no dia 6 de agosto de 1964. L? fiz o meu estudo b?sico e a minha gradua??o tamb?m. Graduei-me em Direito pela Universidade Federal do Cear? e em Administra??o de Empresas pela Universidade Estadual do Cear?. Fiz tamb?m ? ?poca habilita??o em Administra??o P?blica. Findos os cursos, vim ent?o para S?o Paulo fazer mestrado na Pontif?cia Universidade Cat?lica de S?o Paulo. Foi com essa exclusiva finalidade que vim para c?, em mar?o de 1989, e aqui chegando comecei paralelamente a trabalhar e resolvi, ent?o, fazer concurso para a Magistratura. Fiz concurso para a Magistratura Estadual e concomitantemente para a Magistratura Federal. Fui aprovado e exerci a Magistratura Estadual durante um curto per?odo, em [19]92, tomei posse em junho de [19]92, exerci a Magistratura at? outubro de [19]92, data da minha posse na Magistratura Federal, no dia 22 de outubro de 1992. Exerci a Judicatura Federal basicamente em S?o Paulo, mas tamb?m fui o instalador da Justi?a Federal em Bauru e fui o seu primeiro titular em Bauru, depois removi-me para S?o Paulo. Durante o per?odo em que fui substituto tive a oportunidade de judicar em algumas cidades do interior de S?o Paulo e no Mato Grosso do Sul. Ainda como juiz de primeiro grau fui vice-diretor do F?rum da Subse??o Judici?ria de S?o Paulo e, em janeiro de 1999, fui promovido pelo crit?rio de merecimento ao cargo de Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3? Regi?o. E foi nesta qualidade, como representante dos Tribunais Regionais Federais da 3? Regi?o que, em 2007, me inscrevi em um edital que a AJUF1 abriu, ? ?poca o presidente da AJUF era o colega Walter Nunes [da Silva J?nior], que veio falar comigo e me perguntar se eu n?o teria interesse em ir para o

1 Associa??o dos Ju?zes Federais do Brasil.

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Conselho Nacional de Justi?a. Pedi algum tempo para pensar, porque isso implicaria em mudar um pouco as minhas atividades, e conclu? que seria um desafio que valeria a pena encarar. Ent?o o meu nome n?o foi apresentado ao Superior Tribunal de Justi?a, que ? quem faz a sele??o e a indica??o, pelo Tribunal. Eu me inscrevi no edital aberto pela Associa??o dos Ju?zes Federais e a Associa??o, ? ?poca, encaminhou o nome dos inscritos ao STJ2 e l? foi feita a sele??o entre os colegas que se inscreveram das demais regi?es. N?o sei se indicados pelos seus respectivos tribunais ou tamb?m com base no edital da AJUF, e foi feita a sele??o.

T?nia Rangel - O Tribunal Regional Federal da 3? Regi?o chegou a indicar algu?m?

Mairan Maia - N?o, n?o.

T?nia Rangel - Durante o processo de tramita??o da emenda que cria o Conselho Nacional de Justi?a v?amos que, de maneira geral, a Magistratura se punha contra, com medo que esse ?rg?o criado viesse a representar um controle externo do Judici?rio. Nesse momento ainda, ou seja, antes do nascimento do CNJ3, como o senhor se posicionava a esse respeito?

Mairan Maia - Olha, tenho por h?bito n?o julgar aquilo que n?o conhe?o, ent?o eu n?o tinha um posicionamento contr?rio. Eu achava que essa rejei??o era muito mais, era fruto basicamente de duas posturas: uma primeira postura, a falta de conhecimento do teor, digamos assim, do teor de como estava sendo concebido o ?rg?o e de como ele poderia agir, e dos seus poderes. Num segundo momento, um segundo fator que me leva tamb?m a justificar essa rejei??o por parte do Poder Judici?rio, por parte de alguns ?rg?os do Poder Judici?rio, diga-se de passagem, ? um certo comodismo e um receio de ser incomodado em algumas pr?ticas que precisariam ser modificadas. E, em terceiro lugar, ? uma crise de pensamento, em que acho que n?o se vislumbra o Poder Judici?rio, muitas vezes por parte dos Tribunais, como um Poder ?nico. Como um Poder integral, com um objetivo espec?fico e pr?prio, devendo, portanto, agir de uma forma coordenada e planejada, mas sim como sendo cada Tribunal uma ilha isolada, um mundo pr?prio e particular, onde n?o se queria nenhum alien?gena, nenhuma penetra??o de terceiros, de um fator desconhecido ou de um elemento desconhecido. Ent?o creio que s?o essas tr?s causas b?sicas que, ? ?poca, geraram esse mecanismo de rejei??o. Mas isso ocorreu, deve-se frisar, pelo que percebi ? ?poca, principalmente no ?mbito dos Tribunais Estaduais. No ?mbito dos Tribunais Federais, como n?s j? temos um ?rg?o comum, centralizador, que ? o Conselho da Justi?a Federal, n?s j? temos uma... de

2 Superior Tribunal de Justi?a. 3 Conselho Nacional de Justi?a.

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trabalhar em coordena??o, n?s n?o t?nhamos tanta rejei??o no que diz respeito ?s quest?es n?mero dois e tr?s que eu levantei.

T?nia Rangel - Quando o senhor faz o concurso para a Magistratura Federal, como era o concurso? Era um concurso nacional ou cada TRF4 fazia um concurso para a sua regi?o? Como era?

Mairan Maia - N?o, na ?poca... sou do segundo concurso regional. Os TRFs, a partir da instala??o de cada TRF, que ocorreu com a Constitui??o de [19]88, a instala??o ocorreu em [19]89, cada Tribunal organizou o seu pr?prio concurso. Ent?o o concurso era feito nos moldes e semelhan?as do concurso atual. ? o mesmo procedimento, quer dizer, era o mesmo procedimento basicamente, agora n?s temos uma prova a mais, por for?a da resolu??o do CNJ, mas ? ?poca n?s t?nhamos uma primeira fase, que era uma prova objetiva de m?ltipla escolha com cem quest?es, em que a cada tr?s erradas anulava-se uma certa. Esse mecanismo n?o existe mais, hoje em dia voc? tem uma prova objetiva de m?ltipla escolha tamb?m, mas voc? n?o tem mais esse crit?rio de cada tr?s erradas anularem uma certa. Segundo, voc? tinha duas provas escritas, uma primeira prova dissertativa de duas quest?es e depois uma prova de senten?a e duas quest?es. Hoje voc? tem uma prova dissertativa, mas s? passam para a prova de senten?a, ali?s, s? fazem as provas de senten?a aqueles candidatos que passam na prova dissertativa. E voc? tem, hoje, uma senten?a c?vel e uma senten?a criminal. ? ?poca voc? tinha uma ?nica prova de senten?a, que poderia ser c?vel ou criminal. Aprovado nas fases de provas escritas, ent?o n?s t?nhamos a prova oral, que se processava tamb?m na mesma maneira que hoje. Com 24 horas de anteced?ncia ? sorteado um ponto, no qual est?o discriminadas todas as mat?rias do edital, civil, constitucional, tribut?rio, penal, processo penal, todas elas s?o distribu?das. Ent?o voc? ? sorteado e no dia seguinte voc? ? arguido numa sess?o p?blica pela Comiss?o, que tanto ? ?poca como no presente ? composta por cinco membros. Tr?s do Poder Judici?rio, ? ?poca eram tr?s Desembargadores, um representante indicado pelas universidades e um advogado indicado pela OAB5. Ent?o esse era o concurso. No concurso da Magistratura Estadual era um pouco diferente, porque n?s s? t?nhamos a prova escrita, que n?o era objetiva, era uma prova com quest?es abertas, mas perguntas simples, t?nhamos depois uma prova de senten?a com quest?es e a prova oral. Agora, a diferen?a b?sica e fundamental ? ?poca ? que, enquanto na Magistratura Estadual todas as provas eram identificadas e voc? escrevia o nome nas folhas de resposta, na Magistratura Federal as provas n?o eram identificadas. Assim como ? hoje, o mesmo sistema. Voc? ?... h? o caderno de quest?es e as folhas de resposta ou cart?o de prova objetiva de resposta, que n?o eram e n?o s?o identificados ainda hoje. Depois de corrigidos ? que ?

4 Tribunal Regional Federal. 5 Ordem dos Advogados do Brasil.

4 feita (e era feita tamb?m) uma sess?o p?blica de identifica??o das provas para saber quem tirou a nota e a quem pertence. ? ?poca, na Magistratura Estadual n?o era assim, as provas eram identificadas, e tamb?m tinha uma prova a menos, eram metodologias similares, mas com algumas particularidades. E o que fez o CNJ? Foi uma pol?tica do CNJ que uniformizou todas as provas de concurso, o que foi tamb?m uma medida bastante positiva.

T?nia Rangel - O senhor fez parte da Magistratura Estadual e da Magistratura Federal. Constitucionalmente sabemos que as atribui??es s?o diferentes em cada uma. Na parte administrativa, o senhor chegou a notar alguma diferen?a?

Mairan Maia - Muita, muita.

T?nia Rangel - E qual?

Mairan Maia - Muita. Primeiro, na Justi?a Estadual, apesar de os funcion?rios serem dedicados, esfor?ados, tecnicamente eles n?o t?m o mesmo n?vel de preparo dos funcion?rios que encontrei na Justi?a Federal. Porque aqui, na 3? Regi?o, particularmente, os funcion?rios s?o muito bem preparados. S?o pessoas com cursos superiores, com mestrado, s?o pessoas muito bem preparadas. N?o estou dizendo que sejam melhores ou piores funcion?rios, estou me referindo ? forma??o do funcion?rio. Na Justi?a Estadual preponderava basicamente o funcion?rio de n?vel m?dio.

T?nia Rangel - Que n?o tinha ensino superior...

Mairan Maia - Na verdade era um funcion?rio formado na pr?pria pr?xis do dia a dia forense. Voc? tinha muito esse profissional. N?o digo que todos fossem assim, mas foi um profissional que encontrei com muita frequ?ncia. Tamb?m eram dedicados trabalhadores, diga-se de passagem. Fui juiz estadual em Itapevi e uma semana s? em Itapecerica, e sempre tive um relacionamento muito bom com os servidores, respeitei e respeito muito o trabalho que eles exercem. Ent?o h? essa primeira diferen?a, da forma??o do funcion?rio, e uma segunda diferen?a tamb?m substancial, de natureza material, no aspecto administrativo propriamente dito, da estrutura desde o papel, ? ?poca n?o tinha computador, mas m?quina, ou mesmo da estrutura das condi??es, de mesa, cadeiras, ilumina??o, seguran?a, estrutura do pr?prio f?rum em geral. Na Justi?a Estadual voc? trabalhava com uma defasagem muito grande de moderniza??o em todos esses aspectos. Eram cadeiras antigas, ?s vezes quebradas, ?s vezes rasgadas, ou aqueles m?veis antigos tradicionais, que parece que voc? vai adaptando de um lugar para o outro. Voc? comprou novo e vai usando velho at?

5 acabar. Na Justi?a Federal n?o, voc? j? tinha m?veis modernos, padronizados, anat?micos. Voc? tinha papel, como a Justi?a Federal se informatizou muito antes da Justi?a Estadual, em mat?ria de computa??o, de impressora... Quando vim da Justi?a Estadual para a Justi?a Federal, na Justi?a Estadual voc? n?o tinha uma m?quina el?trica. Na Justi?a Federal todas as m?quinas eram el?tricas. Eram IBM6. Na Justi?a Estadual era aquela Hamilton7, a maioria. Ent?o, quer dizer, estou usando o par?metro "m?quina el?trica" para comparar a diferen?a entre uma e outra. Assim como mesas, escaninhos para os processos. Ent?o a estrutura material da Justi?a Estadual era uma estrutura bem mais, digamos assim, carente. Tanto que, em muitos f?runs estaduais, pelo que eu conversava ? ?poca com os meus colegas da Justi?a Estadual, as prefeituras ajudavam na infraestrutura e no mobili?rio em geral, na...

T?nia Rangel - Ajudavam tamb?m com os servidores?

Mairan Maia - Com os servidores tamb?m, com os servidores tamb?m. Com o servidor... pagava o aluguel... mas isso ? comum, ainda paga o aluguel do im?vel onde o f?rum funciona. Isso ainda hoje existe, mas pagava os servidores... eu me lembro que havia servidores pagos pela prefeitura, consequentemente n?o eram servidores concursados.

T?nia Rangel - Acho que ainda tem algumas, alguns casos assim no Brasil, n?o sei se...

Mairan Maia - Aqui eu n?o sei. Isso tamb?m era um fator diferencial na Justi?a Federal, porque na Justi?a Federal todos os funcion?rios eram obrigatoriamente concursados. ? exce??o do diretor de Secretaria, que ? um cargo para o qual poderia ser indicado um bacharel em Direito que n?o fosse concursado. Mas, como regra geral, voc? n?o tinha pessoas trabalhando que n?o fossem concursadas, que n?o integrassem o quadro de pessoal da Justi?a federal. Essa era outra diferen?a, ainda no aspecto humano.

T?nia Rangel - E na carga de trabalho?

Mairan Maia - Olha, tanto em um como no outro voc? tem cargas de trabalho muito grandes, por?m diferentes. Na Justi?a Estadual, a carga de trabalho maior que encontr?vamos eram as audi?ncias. Quer dizer, perd?amos muito tempo fazendo audi?ncias. N?o digo perd?amos, mas dedic?vamos muito tempo do dia ?s audi?ncias. Ent?o voc? fazia 12, 15 audi?ncias por dia. ?s

6 Refere-se ? empresa norte-americana International Business Machines. 7 Refere-se a tradicional marca de m?quinas de escrever.

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