AARON COPLAND Como ouvir (e entender) música - Hugo Ribeiro

AARON COPLAND

Como ouvir (e entender) m?sica

Tradu??o de LUIZ PAULO HORTA

editora artenova

rua prefeito ol?mpio de melo, 1774 tels. pbx 22ft-7124 228-7125 end. telegrafico ARTNOVA.

departamento jornal?stico departamento gr?fico departamento editorial

Do original norte-americano: WHAT TO LISTEN FOR IN MUSIC Copyright 1939 by The McGraw-Hill Book Company, Inc. Copyright 1974 da edi??o em portugu?s Edit. Artenova S.A. Traduzido por Luiz Paulo Horta Textos revistos por Salvador Pittaro Capa de Studio Artenova Reservados todos os direitos desta tradu??o. Proibida a reprodu??o, mesmo parcial, sem expressa autoriza??o da Editora Artenova S.A. editora artenova Composto e impresso no Brasil -- Printed in Brazil

Nesse livro diferente e fascinante, Aaron Copland, uma das grandes figuras da m?sica norte-americana dos nossos dias, explica como se deve ouvir m?sica do ponto de vista do compositor. Ele analisa o que se ouve e o que se deveria ouvir em um trecho de m?sica, e mostra de que maneira um leigo pode desenvolver um entendimento maior e uma verdadeira compreens?o da m?sica -- pelo simples fato de ouvir com intelig?ncia.

Copland acha que para atingir essa compreens?o o ouvinte deve ter no??es sobre a cria??o musical e a sua anatomia -- ritmo, melodia, estrutura harm?nica. Com essa finalidade, ele estuda as grandes formas da m?sica -- a fuga, a varia??o, a sonata, a sinfonia, o poema sinf?nico e a ?pera. E chama a aten??o para a maneira como a execu??o de um int?rprete pode afetar o nosso entendimento do trabalho de um compositor.

Usado em combina??o com uma vitrola, esse livro pode lhe proporcionar uma introdu??o definitiva a um mundo de belezas inesgot?veis.

Compositor brilhante, Copland ? tamb?m um intelectual de respeito, e metade da sua fama vem provavelmente das obras que escreveu sobre m?sica, e de uma intensa atividade no sentido de promover a m?sica nos Estados Unidos -- com uma aten??o especial aos compositores americanos de hoje.

Seus pais eram judeus russos que se estabeleceram nos Estados Unidos logo depois da Guerra Civil. O nome da fam?lia era Kaplan, mas as autoridades de imigra??o registraram Coplan -- e Aaron nasceu "na rua mais ins?pida de Brooklyn" no ano de 1900.

Depois de um in?cio promissor como pianista, uma bolsa de estudos da Guggenheim permitiu que ele viajasse para a Fran?a em 1921, recomendado a Vi?es e Nadia Boulanger. Suas primeiras composi??es datam da volta aos Estados Unidos, e desde o in?cio revelaram bastante versatilidade de estilo: Copland n?o parecia fazer diferen?a entre compor para Benm Goodman, para a Filarm?nica de Londres ou para filmes de Hollywood (chegou a ganhar um Oscar pela trilha musical de um filme de William Wyler, The Heiress).

A consagra??o veio em 1930 com o pr?mio da RCA Victor para a sua Dance Symphony, confirmada em 1945 com o pr?mio Pulitzer atribu?do ao seu bale Appalachan Spring. Ainda em 1945, Copland tornouse diretor assistente do Berkshire Music Center, depois de uma temporada de confer?ncias realizadas em Harvard e na New School for Social Research.

Copland vive atualmente em um est?bulo reformado com vista para o vale do Hudson, a uma hora de Nova Iorque. Trabalhador met?dico, ele diz que gostaria de estar compondo mais e regendo menos, e confessa uma queda pela m?sica pop: "Acho que os melhores conjuntos pop s?o muito inventivos, e est?o fazendo coisas para essa ?poca, coisas novas e diferentes. O uso da eletr?nica, por exemplo, cria para a m?sica moderna um ?ngulo inteiramente novo. Quando n?o ? amplificada demais, gosto de m?sica pop".

Ele acrescenta que gostou dos Beatles desde o in?cio. "Eles eram extremamente inventivos, mesmo quando estavam no auge. Por causa disso, conseguiram um resultado musical que ningu?m mais alcan?ou. Mas tamb?m gosto de outros, como Frank Zappa e os Mothers of Invention".

Pref?cio

O objetivo deste livro ? estabelecer da maneira mais clara poss?vel os fundamentos de uma aprecia??o inteligente da m?sica. O trabalho de "explicar" m?sica n?o ? f?cil, e n?o posso me orgulhar de ter sido mais bem sucedido do que os outros. Mas a maioria das pessoas que escrevem sobre m?sica abordam o problema do ponto de vista do professor ou do cr?tico de m?sica. Este ? um livro escrito por um compositor.

Para um compositor, ouvir m?sica ? um processo perfeitamente natural e simples (e isso ? o que deveria acontecer tamb?m com os outros). Se h? alguma explica??o a ser dada, o compositor raciocina logo que, j? que ele sabe o que se deve colocar em uma pe?a de m?sica, ele deve saber melhor do que ningu?m o que o ouvinte deve extrair dali.

? poss?vel que o compositor esteja errado a esse respeito. Talvez o artista criativo n?o possa ser t?o objetivo na sua aproxima??o ? m?sica quanto um educador, com o seu distanciamento. Mas acho que vale a pena correr esse risco. Pois, para o compositor, alguma coisa vital est? em jogo. Ajudando os outros a ouvir m?sica com mais intelig?ncia, ele est? trabalhando para a difus?o de uma cultura musical, o que mais tarde afetar? a compreens?o das suas pr?prias cria??es.

Mas a quest?o permanece: como abordar o assunto? De que maneira o compositor profissional pode quebrar a barreira que o separa do ouvinte leigo? O que ? que se deve dizer para que a m?sica perten?a um pouco mais ao ouvinte? Esse livro ? um esfor?o para responder a essas perguntas.

Tendo oportunidade para isso, todo compositor gostaria de saber duas coisas muito importantes das pessoas que se consideram realmente amantes da m?sica. Ele gostaria de perguntar:

1. Voc? est? ouvindo tudo o que est? acontecendo? 2. Voc? est? sendo realmente sens?vel a isto? Ou, para colocar a coisa de outro modo: 1. Voc? est? perdendo alguma coisa no que se refere propriamente ?s notas musicais? 2. A sua rea??o ? confusa, ou voc? tem realmente id?ia de qual seja a sua resposta emocional? Estas s?o quest?es muito pertinentes, n?o importa que m?sica se trate. Aplicam-se igualmente bem a uma missa de Palestrina, a uma orquestra balinesa, a uma sonatina de Chavez ou ? Quinta Sinfonia. Na verdade, elas s?o as mesmas quest?es que o compositor se imp?e a si mesmo, com mais ou menos consci?ncia, sempre que ? colocado diante de m?sica desconhecida, velha ou nova. Pois, afinal de contas, o instinto musical de um compositor n?o tem nada de infal?vel. A principal diferen?a entre ele e o ouvinte comum ? que ele est? mais bem preparado para ouvir. Assim, a id?ia deste livro ? preparar para ouvir. Nenhum compositor digno deste nome se daria por satisfeito em preparar voc? s? para ouvir a m?sica do passado. ? por isso que tentei aplicar todas as li??es deste livro n?o apenas ?s obras de arte reconhecidas como tal mas tamb?m ? m?sica de compositores vivos. Tenho observado muitas vezes que a marca de um verdadeiro amante da m?sica ? o desejo irresist?vel de se familiarizar com todas as manifesta??es da arte, antigas e modernas. Quem gosta realmente de m?sica n?o quer confinar a sua satisfa??o musical ao per?odo ultra-explorado dos tr?s B. Por outro lado, o ouvinte pode achar que j? fez muito se atingiu um entendimento melhor dos cl?ssicos consagrados. Acredito, no entanto, que o "problema" de ouvir uma fuga de H?ndel ? essencialmente igual ao de ouvir uma obra semelhante de Hindemith. H? um paralelismo definitivo de composi??o que seria tolo ignorar, deixando-se totalmente de lado a quest?o do m?rito relativo. Na medida em que eu me propuser a discutir fugas em um livro desse tipo, o leitor deve estar preparado para um exemplo de fuga extra?do dos modernos ou dos antigos. Infelizmente, seja a m?sica nova ou velha, h? sempre uma dose de coisas t?cnicas que devem ser explicadas. De outra maneira, ? inteiramente imposs?vel abordar algumas das formas mais complexas da cria??o musical. Nessas ocasi?es, fiz o poss?vel para reduzir a teoria ao m?nimo. Sempre me pareceu mais importante que o ouvinte se sensibilizasse com a nota musical antes de saber o n?mero de vibra??es que produziram essa nota. Informa??es desse tipo n?o t?m maior import?ncia mesmo para o compositor. O que ele deseja acima de tudo ? encorajar o ouvinte a se tornar, na medida do poss?vel, consciente e desperto. Nisso ? que reside o n?cleo do problema de entender m?sica. A dificuldade n?o vai al?m disso. Embora o livro tenha sido escrito basicamente para os leigos, ? minha esperan?a que o estudante de m?sica tamb?m possa obter alguma coisa dele. Nos seus giros fascinados em torno da pe?a que est?o estudando no momento, os estudantes de conservat?rio tendem a perder de vista a arte da m?sica como um todo. Este livro pode servir, especialmente nos cap?tulos finais sobre as formas b?sicas, para cristalizar os conhecimentos gerais desses estudantes. Nenhuma solu??o foi ainda descoberta para o eterno problema de fornecer exemplos musicais satisfat?rios. Todas as pe?as de m?sica mencionadas no texto foram gravadas, e podem ser ouvidas pelo leitor (umas poucas exce??es foram devidamente assinaladas). Para refer?ncia dos que l?em m?sica, um n?mero moderado de ilustra??es musicais foi acrescentado ao texto. Algum dia, talvez, se descobrir? o

m?todo perfeito de ilustrar um livro de m?sica. At? l?, o leigo ter? de aceitar como artigo de f? algumas das minhas observa??es.

Agradecimentos

Como ouvir (e entender) m?sica foi extra?do de uma s?rie de 15 confer?ncias feitas pelo autor na New School for Social Research, Nova Iorque, durante os invernos de 1936 e 1937. O dr. Alvin Johnson, ent?o diretor da New School, merece os meus agradecimentos por ter reunido o grupo de pessoas interessadas que me estimularam a escrever este livro.

As confer?ncias destinavam-se ao leigo e ao estudante de m?sica, e n?o a m?sicos profissionais -- e esta ? a limita??o dos horizontes deste livro. A minha finalidade n?o foi esgotar assuntos que s?o quase inesgot?veis, mas confinar a discuss?o ao que me parecia serem os problemas b?sicos de um ouvinte comum.

O manuscrito foi lido por Mr. Elliott Carter, a quem eu devo sugest?es valiosas e uma cr?tica amiga. Aaron Copland

?NDICE

(o numero das paginas depender? da formata??o que for dada para impress?o)

PREF?CIO AGRADECIMENTOS 1. PRELIMINARES 2. COMO VOC? OUVE 3. O PROCESSO CRIADOR NA M?SICA 4. OS QUATRO ELEMENTOS DA M?SICA

I. O Ritmo 5. OS QUATRO ELEMENTOS DA M?SICA

II. A Melodia 6. OS QUATRO ELEMENTOS DA M?SICA

III. A Harmonia 7. OS QUATRO ELEMENTOS DA M?SICA

IV. O Timbre 8. TEXTURA MUSICAL 9. A ESTRUTURA MUSICAL 10. FORMAS FUNDAMENTAIS

I. Forma Seccionada 11. FORMAS FUNDAMENTAIS

II. A Varia??o 12. FORMAS FUNDAMENTAIS

III. A Fuga 13. FORMAS FUNDAMENTAIS

IV. A Sonata 14. FORMAS FUNDAMENTAIS

V. Formas Livres 15. ?PERA E DRAMA MUSICAL 16. COMPOSITOR, INT?RPRETE E OUVINTE Ap?ndice I Ap?ndice II Ap?ndice III

1. Preliminares

Todos os livros sobre como entender m?sica concordam em um ponto: voc? n?o pode obter uma melhor aprecia??o dessa arte simplesmente lendo um livro sobre ela. Se voc? quiser entender m?sica melhor, n?o h? coisa mais importante a fazer do que ouvir m?sica. N?o h? nada que possa substituir esse h?bito. Tudo o que eu tenho a dizer nesse livro refere-se a uma experi?ncia que voc? s? pode obter fora desse livro. Voc? perder? tempo, provavelmente, ao l?-lo, se n?o tomar a resolu??o de ouvir mais m?sica do que ouvira anteriormente. Todos n?s, profissionais e n?o profissionais, estamos sempre tentando aprofundar o nosso conhecimento da m?sica. Ler um livro ?s vezes ajuda. Mas nada pode substituir a experi?ncia direta da m?sica.

Felizmente, as oportunidades de se ouvir m?sica s?o hoje muito maiores do que jamais o foram. Com a crescente disponibilidade de boa m?sica, no r?dio ou na vitrola, para n?o falar do cinema, n?o h? quase ningu?m que n?o tenha a oportunidade de ouvir m?sica. De fato, como me disse um amigo h? pouco tempo, hoje em dia todo mundo tem a possibilidade de n?o entender m?sica.

Sempre me pareceu que tem havido uma tend?ncia a exagerar as dificuldades da compreens?o musical. N?s, m?sicos, estamos sempre encontrando alguma boa alma que afirma com toda a seguran?a: "Gosto muito de m?sica, mas n?o entendo nada a respeito". Os meus amigos teatr?logos ou romancistas encontram mais raramente pessoas que digam: "N?o entendo nada de teatro, ou de literatura". No entanto, mantenho a forte suspeita de que aquelas mesmas pessoas, t?o modestas a respeito de m?sica, teriam as mesmas raz?es para serem modestas a respeito das outras artes. Ou, para ser mais gentil, teriam as mesmas raz?es para n?o serem t?o modestas em rela??o ? m?sica. Se voc? tem qualquer sentimento de inferioridade quanto ?s suas rea??es musicais, tente livrar-se dele; muitas vezes, ? um sentimento injustificado.

De qualquer maneira, voc? n?o tem raz?o para ser pessimista em rela??o ? sua capacidade musical antes de ter alguma id?ia sobre o que significa ser musical. H? muitas no??es estranhas difundidas a esse respeito. Estamos sempre ouvindo hist?rias sobre pessoas que "s?o t?o musicais que podem ir ao cinema e depois tocar no piano todas as melodias do filme". O fato em si indica uma certa musicalidade, mas n?o necessariamente o tipo de sensibilidade ? m?sica que nos interessa aqui. O animador de audit?rio que imita um ator ainda n?o ? um ator, e quem faz m?mica musical n?o ? obrigatoriamente dono de uma musicalidade profunda. Outro atributo que ? sempre exibido quando se trata de provar musicalidade ? o do ouvido absoluto. Ser capaz de reconhecer a nota l? quando voc? a ouve pode ser ?til em alguns casos, mas certamente n?o basta para provar, por si mesmo, que voc? ? uma pessoa musical. O ouvido absoluto indica apenas uma musicalidade de superf?cie que tem pouca significa??o diante do verdadeiro entendimento da m?sica que nos interessa aqui.

H?, entretanto, um requisito m?nimo para o ouvinte potencialmente inteligente. Ele deve ser capaz de reconhecer uma melodia ao ouvi-la. Se h? o que se chama surdez musical, ela significa a incapacidade para reconhecer uma melodia. Essa pessoa tem toda a minha simpatia, mas n?o pode ser ajudada, assim como os que s?o insens?veis ?s cores n?o podem interessar a um pintor. Mas se voc? acha que pode reconhecer uma determinada melodia -- n?o cantar a melodia, mas reconhec?-la quando ? tocada, mesmo depois de um intervalo de alguns minutos, e depois que melodias diferentes tamb?m foram tocadas --, ent?o a chave da aprecia??o musical est? nas suas m?os.

N?o basta ouvir m?sica em rela??o aos momentos diferentes de que ela ? composta. Voc? deve ser capaz de relacionar o que est? ouvindo em um determinado momento com o que aconteceu antes e com o que est? para vir. Em outras palavras, a m?sica ? uma arte que se desenrola no tempo, e nesse sentido, ela ? como um romance, com a diferen?a que os epis?dios romanescos ficam mais facilmente na mem?ria, em parte porque se trata de cenas da vida e em parte porque sempre se pode voltar atr?s e refrescar a mem?ria. Os "acontecimentos" musicais t?m uma natureza mais abstrata, de modo que o ato de reuni-los novamente na imagina??o n?o ? t?o f?cil como na leitura de um romance. ? por isso que voc? deve ser capaz de reconhecer uma melodia. Pois a coisa que ocupa, na m?sica, o lugar da hist?ria ?, geralmente, a melodia. A melodia, via de regra, ? o significado da pe?a. Se voc? n?o pode reconhecer a melodia na sua primeira apari??o, e seguir as suas peregrina??es e a sua metamorfose final, acho dif?cil que voc? possa acompanhar o desenvolvimento de uma obra. Voc? estar? tendo uma consci?ncia muito vaga da m?sica. Mas reconhecer a melodia significa que voc? sabe onde est?, em termos musicais, e tem uma boa chance de saber para onde est? indo. Este ? o ?nico "sine qua non" para uma compreens?o mais inteligente da m?sica.

Algumas escolas musicais inclinam-se a encarecer o valor, para o ouvinte, de alguma experi?ncia pr?tica da m?sica. Dizem que se voc? tocar Old Black Joe no piano, usando apenas um dedo, estar? se aproximando dos mist?rios da m?sica melhor se lesse uma d?zia de livros. Certamente n?o h? nada de mau em ser-se capaz de "batucar" um pouco no piano, ou mesmo de tocar razoavelmente bem. Mas como introdu??o ? m?sica, eu suspeito um pouco do valor dessas coisas, talvez porque tenha conhecido tantos pianistas que passam a vida executando grandes obras e que apesar disso t?m uma compreens?o bastante pobre da m?sica. Quanto aos divulgadores, que come?aram por inventar hist?rias floridas para tornar a m?sica mais f?cil e chegaram a acrescentar versos ordin?rios aos temas de composi??es famosas, a "solu??o" que eles oferecem para os problemas do ouvinte est? simplesmente abaixo da cr?tica.

Nenhum compositor acreditaria que h? atalhos fulminantes levando a uma melhor aprecia??o da m?sica. A ?nica maneira de ajudar o ouvinte ? indicar o que est? realmente contido na m?sica, e explicar da melhor maneira o como e o porqu? da quest?o. O ouvinte deve fazer o resto por si mesmo.

2. Como Voc? Ouve

Todos n?s ouvimos m?sica de acordo com as nossas aptid?es vari?veis. Mas, para utilidade da an?lise, o processo completo da audi??o pode se tornar mais claro se n?s o decompusermos nas suas partes componentes. Sob um certo aspecto, todos n?s ouvimos m?sica em tr?s planos distintos. ? falta de terminologia mais exata, poder?amos cham?-los de (1) plano sens?vel, (2) plano expressivo, (3) plano puramente musical. A ?nica vantagem de dividir dessa maneira o processo auditivo ? a vis?o mais clara que se pode ter da maneira como se ouve.

A maneira mais simples de ouvir m?sica ? entregar-se totalmente ao pr?prio prazer do som. Esse ? o plano sens?vel. ? o plano em que n?s ouvimos m?sica sem pensar, sem tomar muita consci?ncia disso. Ligamos o r?dio enquanto fazemos outra coisa e tomamos um banho de som. A mera percep??o do som j? ? capaz de produzir um estado mental que n?o ? menos atraente por ser desprovido de id?ias.

Voc? pode estar sentado na sala lendo este livro. Imagine uma nota percutida no piano. Essa nota, por si s?, ? capaz de mudar a atmosfera da sala -- o que prova que o elemento sonoro da m?sica ? um agente estranho e poderoso, que seria tolice subestimar.

O que ? surpreendente, entretanto, ? que muitas pessoas que se consideravam ouvintes de qualidade abusam desse plano na sua audi??o. V?o a um concerto para esquecer-se de si mesmas; usam a m?sica como consola??o ou subterf?gio. Entram em um mundo ideal onde n?o se tem de pensar nas realidades de todo dia. Naturalmente, elas tamb?m n?o est?o pensando na m?sica. A m?sica permite que elas a abandonem, e elas viajam para um lugar de sonho, sonhando a prop?sito de uma m?sica que ainda n?o chegaram a ouvir.

? verdade que o apelo sonoro da m?sica ? uma for?a primitiva e poderosa, mas voc? n?o deve permitir que ele usurpe uma parte desproporcionada do seu interesse. O plano sens?vel ? muito importante na m?sica, e at? muito importante, mas ? apenas uma parte da hist?ria.

N?o h? necessidade de maiores digress?es a prop?sito desse plano. A atra??o que ele exerce sobre qualquer pessoa normal ? algo de evidente. Existe, entretanto, a possibilidade de nos tornarmos mais sens?veis aos v?rios tipos de mat?ria sonora usados pelos diversos compositores. Pois os compositores n?o usam essa mat?ria sonora da mesma maneira. Evite a id?ia de que o valor da m?sica ? proporcional ao seu apelo sens?rio, ou de que a m?sica que tem o som mais atraente ? feita pelos maiores compositores. Se fosse assim, Ravel seria maior do que Beethoven. A verdade ? que o elemento sonoro varia para cada compositor; a utiliza??o do som faz parte do estilo, de cada um, e deve ser levada em conta no nosso processo de audi??o. Pode-se observar, assim, que uma atitude mais consciente tem valor mesmo nesse plano prim?rio da audi??o.

O segundo plano em que a m?sica existe ? o que eu chamei de expressivo. Aqui entramos, imediatamente, em terreno controvertido. Os compositores gostam de se esquivar a qualquer discuss?o sobre o lado expressivo da m?sica. N?o foi o pr?prio Stravinsky quem proclamou que a sua m?sica era um "objeto", uma "coisa", dotada de vida pr?pria e sem qualquer outro significado al?m da sua simples exist?ncia musical? Essa atitude intransigente de Stravinsky pode originar-se do fato de que tantas pessoas s?o levadas a atribuir significados diferentes a tantas pe?as; s? Deus sabe como ? dif?cil dizer precisamente o que ? que significa uma pe?a musical, e dize-lo de uma maneira definitiva, que satisfa?a a todo mundo. Mas isso n?o deveria levar-nos ao extremo de negar ? m?sica o direito de ser "expressiva".

A minha pr?pria opini?o ? de que toda m?sica tem o seu poder expressivo, algumas mais e outras menos, mas todas t?m um certo significado escondido por tr?s das notas, e esse significado constitui, afinal, o que uma determinada pe?a est? dizendo, ou o que ela pretende dizer. O problema pode ser colocado de uma maneira mais simples perguntando-se: "A m?sica tem um significado?" Ao que a minha resposta seria "Sim". E depois: "Voc? pode dizer em um certo n?mero de palavras que significado ? esse?" E aqui a minha resposta seria "N?o". A? ? que est? a dificuldade.

As pessoas de natureza mais simples nunca se contentar?o com essa resposta ? segunda pergunta. Elas sempre desejam que a m?sica tenha um sentido, e quanto mais concreto, melhor. A m?sica lhes parece tanto mais expressiva quanto lhes represente com mais exatid?o um trem, uma tempestade, um funeral ou alguma outra no??o conhecida. Essa id?ia popular do significado musical -- estimulada pelo h?bito contempor?neo de comentar a m?sica -- deveria ser desencorajada em qualquer circunst?ncia. Uma senhora t?mida me confessou certa vez que suspeitava fortemente da sua capacidade de entender m?sica, j? que era incapaz de relacion?-la com algo de definido. Isso, naturalmente, significa uma invers?o completa do problema.

Ainda assim, a quest?o permanece; at? onde deveria o ouvinte inteligente esfor?ar-se para' identificar um determinado sentido na pe?a de sua prefer?ncia? A minha opini?o ? de que ele n?o deveria ir al?m de um conceito geral. A m?sica expressa, em momentos diferentes, serenidade ou exalta??o, tristeza ou vit?ria, f?ria ou del?cia. Ela expressa cada um desses moods, e muitos outros, em uma variedade infinita de nuances e diferen?as. Ela pode mesmo apontar para estados de esp?rito a que n?o corresponde palavra alguma em

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