Recuperação judicial e crédito extraconcursal: a ...

Recupera??o judicial e cr?dito extraconcursal: a preced?ncia de

preced?ncia duvidosa

Por Maria Rita Manzarra1

A ideia de escrever o presente artigo surgiu de uma dificuldade constatada por mim, na pr?tica, no exerc?cio da judicatura. Foi ali, quando a letra da lei mostrou-se insuficiente e o entendimento dos Tribunais em nada contribu?ram para o deslinde da quest?o que eu precisava decidir, que nasceu a necessidade de, atrav?s deste texto, estudar e debater solu??es para enfrentar o problema da satisfa??o dos cr?ditos trabalhistas extraconcursais.

Refiro-me a essa quest?o como "problema" porque, no que pertine aos cr?ditos trabalhistas concursais, a Lei 11.101/05 (LRJ) ? clara e apresenta respostas que, pelo menos ? primeira vista, mostram-se satisfat?rias e efetivas para a solu??o da contenda.

Disp?e a Lei de Recupera??o Judicial ? LRJ, em seu artigo 6?, ?2?, que em se tratando de cr?dito trabalhista concursal, deve o juiz do trabalho prosseguir at? a apura??o do cr?dito, ou seja, at? a sua liquida??o.

Uma vez quantificado, a Justi?a do Trabalho dever? expedir a competente certid?o de cr?dito, cabendo ao credor habilit?-la perante o Ju?zo Recuperacional, a fim de ver seu cr?dito inserido no quadro geral de credores, aguardando, ent?o, a sua satisfa??o, que ser? efetivada nos termos e condi??es detalhadas no plano de recupera??o.

N?o resta d?vida, portanto, que o juiz do trabalho n?o det?m compet?ncia para prosseguir com atos de execu??o em desfavor da empresa recuperanda, encerrando a sua "atua??o jurisdicional" no momento da liquida??o do cr?dito do trabalhador. Em face disso, alguns magistrados, t?o logo expedida a certid?o de cr?dito, optam por remeter os autos da reclama??o trabalhista ao arquivo provis?rio, ou mesmo ao arquivo definitivo.

Quanto aos cr?ditos trabalhistas concursais, o Superior Tribunal de Justi?a (STJ), por ocasi?o do julgamento do Recurso Especial 1.634.046/RS, findou por pacificar uma das poucas celeumas existentes no tema. A controv?rsia referia-se ao momento da constitui??o do cr?dito trabalhista, haja vista a diverg?ncia travada entre os que entendiam que a constitui??o operava-se no momento em que a senten?a trabalhista era proferida, declarando a exist?ncia do direito e quantificando-o, enquanto outros sustentavam que o relevante para definir a data da constitui??o do cr?dito trabalhista era o momento da presta??o dos servi?os.

1 Ju?za do Trabalho Titular da Vara do Trabalho de Macau/RN. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UCAM-RJ e Mestranda em Ci?ncias Jur?dicas pela UAL ? Universidade Aut?noma de Lisboa.

1

O STJ, em julgamento hist?rico, que teve o Ministro Marco Aur?lio Bellizze como relator para o ac?rd?o, aos 25.04.2017 (com publica??o no Dje aos 18.05.2017), decidiu que a consolida??o do cr?dito n?o depende do provimento judicial que o declare e muito menos do transcurso de seu tr?nsito em julgado, para efeito de sua sujei??o aos efeitos da recupera??o judicial.

Assentou-se, assim, que n?o ? a senten?a que constitui o cr?dito, a qual tem a fun??o de simplesmente declar?-lo. Importante e decisivo, portanto, ? o momento da presta??o da atividade laboral que se anterior ao pedido de recupera??o judicial, implicar? no reconhecimento de que se trata de um cr?dito concursal, sujeito ? recupera??o judicial, independente da data em que proferida a senten?a trabalhista que o declara e quantifica.

Transcrevo pela pertin?ncia e clareza a ementa desse julgado, in verbis:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERA??O JUDICIAL. HABILITA??O DE CR?DITO TRABALHISTA. DISCUSS?O QUANTO AO MOMENTO DA CONSTITUI??O DO CR?DITO TRABALHISTA. RECLAMA??O TRABALHISTA QUE PERSEGUE CR?DITO ORIUNDO DE TRABALHO REALIZADO EM MOMENTO ANTERIOR AO PEDIDO DE RECUPERA??O JUDICIAL. SUBMISS?O AOS SEUS EFEITOS, INDEPENDENTE DE SENTEN?A POSTERIOR QUE SIMPLESMENTE O DECLARE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Est?o sujeitos ? recupera??o judicial todos os cr?ditos existentes na data do pedido, ainda que n?o vencidos (art. 49, caput, da Lei n. 11.1.01/2005). 1.1 A no??o de cr?dito envolve basicamente a troca de uma presta??o atual por uma presta??o futura. A partir de um v?nculo jur?dico existente entre as partes, um dos sujeitos, baseado na confian?a depositada no outro (sob o aspecto subjetivo, decorrente dos predicados morais deste e/ou sob o enfoque objetivo, decorrente de sua capacidade econ?mico-financeira de adimplir com sua obriga??o), cumpre com a sua presta??o (a atual), com o que passa a assumir a condi??o de credor, conferindo a outra parte (o devedor) um prazo para a efetiva??o da contrapresta??o. Nesses termos, o cr?dito se encontra constitu?do, independente do transcurso de prazo que o devedor tem para cumprir com a sua contrapresta??o, ou seja, ainda, que inexig?vel. 2. A consolida??o do cr?dito (ainda que inexig?vel e il?quido) n?o depende de provimento judicial que o declare -- e muito menos do transcurso de seu tr?nsito em julgado --, para efeito de sua sujei??o aos efeitos da recupera??o judicial.2.1 O cr?dito trabalhista anterior ao pedido de recupera??o judicial pode ser inclu?do, de forma extrajudicial, inclusive, consoante o disposto no art. 7?, da Lei 11.101/05. ? poss?vel, assim, ao pr?prio administrador judicial, quando da confec??o do plano, relacionar os cr?ditos trabalhistas pendentes, a despeito de o trabalhador sequer ter promovido a respectiva reclama??o. E, com esteio no art. 6?, ?? 1?, 2? e 3?, da Lei n. 11.1.01/2005, a a??o trabalhista -- que verse, naturalmente, sobre cr?dito anterior ao pedido da recupera??o judicial -- deve prosseguir at? a sua apura??o, em vindoura senten?a e liquida??o, a permitir, posteriormente, a inclus?o no quadro de credores. Antes disso, ? poss?vel ao magistrado da Justi?a laboral providenciar a reserva da import?ncia que estimar devida, tudo a demonstrar que n?o ? a senten?a que constitui o aludido cr?dito, a qual tem a fun??o de simplesmente declar?-lo. 3. O tratamento privilegiado ofertado pela lei de reg?ncia aos cr?ditos posteriores ao pedido de recupera??o judicial tem por prop?sito, a um s? tempo, viabilizar a continuidade do desenvolvimento da atividade empresarial da empresa em recupera??o, o que pressup?e, naturalmente, a realiza??o de novos neg?cios jur?dicos (que n?o seriam perfectibilizados, caso tivessem que ser submetidos ao concurso de credores), bem como beneficiar os credores que contribuem ativamente para o soerguimento da empresa em crise, prestando-lhes servi?os (mesmo ap?s o pedido de

2

recupera??o). Logo, o cr?dito trabalhista, oriundo de presta??o de servi?o efetivada em momento anterior ao pedido de recupera??o judicial, aos seus efeitos se submete, inarredavelmente. 4. Recurso especial provido. (grifei)

Como dito, quanto aos cr?ditos concursais e limites de atua??o do Ju?zo Trabalhista nessa hip?tese, as d?vidas s?o de menor incid?ncia. O mesmo n?o se pode afirmar, contudo, no caso dos cr?ditos trabalhistas extraconcursais, ou seja, daqueles cr?ditos constitu?dos ap?s o processamento do pedido de recupera??o judicial da empresa.

Disp?e a Lei 11.101/05, em seu artigo 84, que os cr?ditos ali elencados s?o considerados cr?ditos extraconcursais e ser?o pagos com preced?ncia sobre os mencionados no art. 83, ditos concursais.

Na sequ?ncia, passa a elencar quais cr?ditos seriam esses, na seguinte ordem: I remunera??es devidas ao administrador judicial e seus auxiliares, e cr?ditos derivados da legisla??o do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a servi?os prestados ap?s a decreta??o da fal?ncia; II - quantias fornecidas ? massa pelos credores; III - despesas com arrecada??o, administra??o, realiza??o do ativo e distribui??o do seu produto, bem como custas do processo de fal?ncia; IV - custas judiciais relativas ?s a??es e execu??es em que a massa falida tenha sido vencida; V - obriga??es resultantes de atos jur?dicos v?lidos praticados durante a recupera??o judicial, nos termos do art. 67, ou ap?s a decreta??o da fal?ncia, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos ap?s a decreta??o da fal?ncia, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 da Lei 11.101/05.

? de se observar, portanto, que os cr?ditos ditos extraconcursais, por for?a de lei, possuem preced?ncia sobre os concursais, n?o se submetendo ao quadro geral de credores, nem ao plano de recupera??o, devendo a empresa recuperanda diligenciar em primeiro satisfaz?-los.

Pois bem. Os problemas iniciam justamente quando se pretende fazer valer dita preced?ncia ou prefer?ncia, pois al?m da lei n?o explicitar como se dar? a satisfa??o desses cr?ditos, a jurisprud?ncia firmou-se num sentido que, por vezes, resta invi?vel ao Ju?zo de Origem - in casu o trabalhista, j? que a an?lise at?m-se, aqui, ao cr?dito trabalhista extraconcursal -, fazer valer a preced?ncia legal desse cr?dito. Explico.

Uma vez estabelecido que os cr?ditos formados ap?s o deferimento do pedido de recupera??o judicial, n?o se sujeitam aos efeitos desta e que devem ser adimplidos com prefer?ncia, ? de se imaginar que caberia ao Ju?zo de Origem, no qual o cr?dito foi constitu?do, prosseguir com os atos de execu??o a fim de obter a satisfa??o do direito.

Ocorre, por?m, que o Superior Tribunal de Justi?a, ao decidir um sem numero de Conflitos de Compet?ncia submetidos a sua aprecia??o, sedimentou o entendimento de que mesmo no caso de cr?ditos extraconcursais, n?o pode o Ju?zo de Origem dar prosseguimento ? execu??o contra a empresa em recupera??o, na medida em que os atos de constri??o patrimonial emanados de Ju?zos outros, poder?o comprometer a viabilidade do plano de recupera??o aprovado.

3

Assim, de acordo com o STJ, o controle dos atos de constri??o patrimonial, inclusive quanto aos cr?ditos extraconcursais, deve prosseguir no Ju?zo Universal, como forma de preservar tanto o direito credit?rio, quanto a viabilidade do plano de recupera??o judicial, vejamos:

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARA??O NO CONFLITO DE COMPET?NCIA. DEFERIMENTO DE RECUPERA??O JUDICIAL. MEDIDAS DE CONSTRI??O DO PATRIM?NIO DA EMPRESA. CR?DITO EXTRACONCURSAL. COMPET?NCIA DO JU?ZO DA RECUPERA??O JUDICIAL. AGRAVO IMPROVIDO. 1. S?o incompat?veis com a recupera??o judicial os atos de execu??o proferidos por outros ?rg?os judiciais de forma simult?nea com o curso da recupera??o ou da fal?ncia das empresas devedoras, de modo a configurar conflito positivo de compet?ncia. 2. Tratando-se de cr?dito constitu?do depois de ter o devedor ingressado com o pedido de recupera??o judicial (cr?dito extraconcursal), est? exclu?do do plano e de seus efeitos (art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005). Por?m, a jurisprud?ncia desta Corte tem entendido que, como forma de preservar tanto o direito credit?rio quanto a viabilidade do plano de recupera??o judicial, o controle dos atos de constri??o patrimonial relativos aos cr?ditos extraconcursais deve prosseguir no Ju?zo universal. 3. Franquear o pagamento dos cr?ditos posteriores ao pedido de recupera??o por meio de atos de constri??o de bens sem nenhum controle de essencialidade por parte do Ju?zo universal acabar? por inviabilizar, a um s? tempo, o pagamento dos credores preferenciais, o pagamento dos credores concursais e, mais ainda, a retomada do equil?brio financeiro da sociedade, o que terminar? por ocasionar na convola??o da recupera??o judicial em fal?ncia, em preju?zo de todos os credores, sejam eles anteriores ou posteriores ? recupera??o judicial. 4. Agravo regimental improvido. (STJ, 2? Se??o, AgRg nos EDcl no CC 136.571/MG, Rel. Min Marco Aur?lio Bellizze, DJe de 31/05/2017) grifei

CONFLITO DE COMPET?NCIA. RECUPERA??O JUDICIAL. EXECU??O TRABALHISTA. PROSSEGUIMENTO. ATOS DE CONSTRI??O. COMPET?NCIA DO JU?ZO DA RECUPERA??O JUDICIAL. 1. No caso de deferimento da recupera??o judicial, a compet?ncia da Justi?a do Trabalho se limita ? apura??o do respectivo cr?dito (processo de conhecimento), sendo vedada a pr?tica, pelo citado Ju?zo, de qualquer ato que comprometa o patrim?nio da empresa em recupera??o (procedimento de execu??o). 2. Classificam-se como extraconcursais os cr?ditos de obriga??es que se originaram ap?s o deferimento do processamento da recupera??o, prevalecendo estes sobre os cr?ditos concursais, de acordo com os arts. 83 e 84 da Lei n? 11.101/2005. 3. Segundo a jurisprud?ncia desta Corte, como forma de preservar tanto o direito credit?rio quanto a viabilidade do plano de recupera??o judicial, a execu??o de cr?ditos trabalhistas constitu?dos depois do pedido de recupera??o judicial deve prosseguir no Ju?zo universal. 4. Conflito de compet?ncia conhecido para declarar competente o Ju?zo de Direito da 2? Vara C?vel de Blumenau/SC. (CC n. 145.027/SC, Relator o Ministro Ricardo Villas B?as Cueva, DJe de 31/8/2016 - sem grifo no original)

Infere-se dos julgados do STJ, portanto, a preocupa??o pungente com a preserva??o da empresa, bem como a tentativa de se evitar, o quanto poss?vel, a convola??o da recupera??o judicial em fal?ncia, em preju?zo de todos os credores, sejam eles anteriores ou posteriores ? recupera??o judicial.

Com efeito, extrai-se da jurisprud?ncia dessa Corte, que a preced?ncia legal do cr?dito extraconcursal significa que este deve ser pago prioritariamente, contudo,

4

desautoriza a conclus?o de que o ser? em decorr?ncia de atos constritivos emanados de Ju?zo alheio ao da recupera??o judicial.

Concordando-se ou n?o com esse entendimento, o fato ? que ? do Ju?zo Recuperacional a compet?ncia para prosseguir com a execu??o e realizar o controle sobre os atos de constri??o patrimonial com rela??o a cr?ditos extraconcursais apurados em outros ?rg?os judiciais. Logo, a Justi?a do Trabalho, no caso de cr?dito trabalhista formado ap?s o processamento da recupera??o judicial, encontra-se igualmente impedida de prosseguir com a execu??o de valores em face da recuperanda.

Se imposs?vel prosseguir com atos de constri??o patrimonial na Justi?a do Trabalho, como assegurar a preced?ncia do pagamento ao cr?dito trabalhista extraconcursal?

? preciso reconhecer que se est?, aqui, diante em uma t?pica situa??o de limbo jur?dico, ficando o Ju?zo Trabalhista, por vezes, limitado em sua atua??o, sentindo-se o magistrado verdadeiramente engessado em seus movimentos, sem meios efetivos de satisfa??o do cr?dito exeq?endo ? sua disposi??o.

Como ? evidente, afigura-se in?til requerer ao Ju?zo Universal a habilita??o de credito extraconcursal, pois j? dito e repisado, que essa esp?cie de cr?dito n?o est? sujeita ao regramento dos efeitos da recupera??o judicial, nos precisos termos do art. 49 da LRJ.

A negativa de tal pretens?o, pelo Ju?zo Recuperacional, ser?, portanto, iminente, sob o argumento de que o exeq?ente poder? "adotar outras provid?ncias para a realiza??o de seu cr?dito", resposta comum emanada de Ju?zos Recuperacionais, por diversas vezes j? recebida por esta magistrada, em processos que tramitam perante a unidade jurisdicional em que atuo.

Reitero, aqui, o questionamento dantes formulado: quais outras provid?ncias seriam essas?

Sem respostas na lei e na jurisprud?ncia, algumas ideias descortinam-se e dedico as pr?ximas linhas a explor?-las.

A primeira delas consiste na comunica??o ao Ju?zo Recuperacional acerca da exist?ncia do cr?dito extraconcursal e da necessidade do seu pagamento, pois na esteira do disposto no artigo 84, da Lei 11.101/05, trata-se de cr?dito cujo pagamento prefere os cr?ditos concursais.

Essa comunica??o, esclare?a-se, n?o consiste na expedi??o de cr?dito para fins de habilita??o, o que, como dito, ? vedado pela Lei de Recupera??o Judicial. Trata-se de simples of?cio dirigido ao Ju?zo Universal, a fim de que este, ciente do cr?dito preferencial, determine ? empresa recuperanda a satisfa??o do mesmo, ou indique bens n?o essenciais da pessoa jur?dica, pass?veis de constri??o pela Justi?a do Trabalho.

A despeito de n?o ter obtido, na pr?tica, perante a unidade jurisdicional em que atuo, ?xito na ado??o desta provid?ncia ? at? porque recentemente implementada -, destaco que esta medida vem sendo empregada no processo de recupera??o judicial do

5

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download