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vida & arte FORTALEZA-CE, TER?A-FEIRA, 27 de fevereiro de 2007

TRECHOS

DEUS SOMBRIO

A solid?o, meu Deus, ? uma cadela que me persegue com furor maligno. Esta tarde ? uma outra face. N?o aquela tarde de aldeia em que nem sol nem sino celebram meu sonho. Hora e estrela s?o achas que se acendem no menino. Quando o arcanjo al?a v?o, uma janela se abre para as terras do divino. Esta tarde ? outra tarde. E em mim se deita seu perfil de afogado, a gotejar. De vento e espuma e eternidade ? feita. Esta ? uma ponte. Eu sou o rio que carrega espantalhos para o mar e ado?a espigas para um deus sombrio.

VIDA

A vida, esse r?ptil de espinha?o veloz que arrasta o c?u a v?rtebra indomada. A vida, essa potranca de estirpe grega que anda a galope nos prados da treva. Essa loba parida que amamenta as crias com o leito ?cido de suas orgias. (...) Essa vertente obscura que jorra do corpo e o leva de volta para junto dos mortos.

PERFIL

Com mais de 50 anos dedicados ao fazer po?tico, o cearense Francisco Carvalho nasceu em Russas, no dia 11 de junho de 1927. Entre seus principais livros de poesia, est?o Centauros Urbanos (2003), Mem?rias do Espantalho - Poemas Escolhidos (2004) e Corvos de Alum?nio (2007). Venceu a 1? Bienal Nestl? de Literatura Brasileira com o livro Quadrante Solar (1982) e obteve o pr?mio da Funda??o Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, com Girass?is de Barro (1997). H? 49 anos, ? casado com Dora Carvalho, 75, e tem tr?s filhos, oito netos e um bisneto.

VERSOS FEITOS DE

SIL?NCI0

POESIA E TEATRO ] Aos 79 anos, o poeta cearense Francisco Carvalho ? homenageado pelo dramaturgo Ricardo Guilherme,

que faz leituras dramatizadas dos poemas do autor, hoje, ?s 16h, no Centro Cultural Banco do Nordeste. Em entrevista ao O POVO,

Carvalho fala de poesia, timidez, inf?ncia e finitude

CL?UDIO LIMA-5/10/2004

POEMAS de Francisco Carvalho ganham leitura dram?tica do teatr?logo Ricardo Guilherme. Abaixo , trecho de resposta da entrevista enviada pelo poeta ? Reda??o datilografada em papel azul

Camila Vieira

da Reda??o

E m busca da palavra essencial, o poeta recolhe-se ? solid?o. "Um bom poema ? sil?ncio", dizia o fil?sofo e escritor franc?s Paul Val?ry. No encontro com o verso t?cito, o poeta cearense Francisco Carvalho, 79, acredita que escrever poesia ? estar disposto a conviver com o sil?ncio e reverber?-lo na escrita. Testemunho das limita??es humanas e "forma de compromisso com todas as sedu??es da vida", o poema deve absorver o intang?vel. "Todo poema ? estrada de incerteza / caminho que se alonga ou se bifurca", verseja no livro Mem?rias do Espantalho (2004). Antologia dos melhores poemas de Francisco Carvalho, a obra ? o mote da leitura dram?tica proposta pelo ator e dramaturgo Ricardo Guilherme, que celebra o poeta cearense hoje, ?s 16h, no programa Ouvir Dizer, do Centro Cultural Banco do Nordeste.

A homenagem induziu uma entrevista com Francisco Carvalho, que j? contabiliza 50 anos de poesia. Inquilino da timidez, o poeta preferiu ser sabatinado ? dist?ncia. As perguntas deveriam ser enviadas por escrito, sem a possibilidade da tradicional entrevista feita frente a frente. Nem tanto por causa do acanhamento, mas principalmente pelo rigor e compromisso com o discurso, que precisa ser podado dos excessos para encontrar as palavras exatas. Se "o poema n?o deve dizer demais", a prosa tampouco precisa tagarelar.

Com a ajuda da esposa do poeta, Dora Carvalho, 75, as 10 perguntas pr?vias foram entregues nas m?os de Francisco Carvalho, na tarde chuvosa da ?ltima sexta-feira. Os olhos curiosos e o leve sorriso no rosto do poeta resultaram na disposi??o para responder o question?rio. No dia seguinte, um novo breve encontro. Em envelope lacrado, as respostas chegaram datilografadas em papel azul piscina. Sobre as letras impressas pela m?quina de escrever, as ?ltimas corre??es feitas com caneta. No rodap? de cada p?gina, a rubrica do poeta.

Ao finalizar a entrevista, Francisco Carvalho formula para si a 11? pergunta: "Quais as suas expectativas para o futuro?" E responde de prontid?o: "Estou numa faixa et?ria em que as pessoas costumam morrer. N?o se trata de uma quest?o de pessimismo. Velho otimista n?o passa de uma fraude. Aos 80 anos, n?o existem raz?es biol?gicas nem ontol?gicas para uma pessoa posar de otimista. Nessa idade estamos ? merc? do imponder?vel. Um min?sculo trombo nas art?rias erosadas, e tudo desmorona. E um velho n?o tem o direito de ignorar quando o bonde chega ao fim da linha".

O POVO - Em v?rios poemas seus, h? vest?gios de sua inf?ncia em Russas e das impress?es causadas pela cidade ao menino Francisco Carvalho. Que recorda??es desse per?odo foram importantes para o seu fazer po?tico? Francisco Carvalho - Parte de minha inf?ncia vivi na cidade de Russas, em casa de parentes meus. ? natural que algumas recorda??es desse per?odo tenham influenciado alguns dos meus primeiros poemas, infelizmente de m? qualidade. S?o reminisc?ncias banais de um menino de imagina??o prec?ria, numa cidade pobre de acontecimentos e expectativas econ?micas e culturais. Era um tempo em que as beatas acredi-

tavam piamente que o papa Pio XII conversava diretamente com Deus.

OP - Como come?ou seu interesse por poesia? Quando o senhor descobriu-se poeta? Carvalho - Comecei a me interessar por poesia quando fazia o curso prim?rio no Ateneu S?o Bernardo, de Russas. Um dos meus livros de leitura era uma antologia de escritores brasileiros e portugueses, constitu?da de textos em prosa e de poemas. Minha predile??o pelos poetas, com o passar do tempo, veio a se transformar numa op??o defi nitiva.

OP - Quando passou a morar em Fortaleza, como se deu o encontro com a gera??o de poetas e prosadores que aqui residiam? Que lembran?as o senhor nutre dessa ?poca? Carvalho - Em 1946, aos 19 anos, passei a residir definitivamente em Fortaleza. Era ent?o uma cidade de costumes nitidamente provincianos e de limitados atrativos arquitet?nicos. Durante algum tempo, desprovido de base intelectual, acompanhei de longe os eventos liter?rios da capital, protagonizados por poetas e prosadores ligados ao Grupo Cl?. A esse tempo trabalhava no com?rcio, de modo que os assuntos liter?rios me chegavam atrav?s dos jornais da ?poca. Minhas lembran?as desse tempo s?o inconsistentes, at? porque s? mais tarde vim a dialogar com alguns intelectuais integrantes do Grupo.

OP - Em entrevista ao O POVO, o senhor afirmou que "sempre foi inquilino da timidez". ? dif?cil conviver nessa morada ou o senhor j? se acostumou? Carvalho - A timidez me acompanhou desde menino. Algo semelhante a uma verruga que j? nascemos com ela. Talvez pelo fato de, com a morte de meu pai, ter vivido algum tempo em casa de parentes, inclusive em Fortaleza. A timidez n?o leva a lugar nenhum, mas tudo indica que isso est? escrito no DNA de cada pessoa. ? um estigma para o resto da vida.

OP - De que maneira sua postura reservada e taciturna de "ser um poeta obscuro por conta pr?pria" influencia no seu of?cio de poeta? Carvalho - N?o sou daqueles que v?o ? pra?a p?blica declamar os seus poemas. Nenhuma censura de minha parte aos que procedem desse modo, muito pelo contr?rio. As galinhas tamb?m cantam para anunciar a postura de seus ovos. Parece que tudo se reduz a uma quest?o de temperamento. N?o acredito que esse modo de ser venha a prejudicar o desempenho dos poetas. Carlos Drummond de Andrade, conhecido por sua timidez e ojeriza ? publicidade, n?o causou dano algum ? sua grandeza por causa disso.

CONTINUA NA 2

SERVI?O

OUVIR DIZER - O ator e dramaturgo Ricardo Guilherme faz leitura dramatizada de poemas do livro Mem?rias do Espantalho, do poeta cearense Francisco Carvalho. Hoje, ?s 16h, no cine-teatro do Centro Cultural Banco do Nordeste (rua Floriano Peixoto, 941 - Centro). Gr?tis. Info.: 3464.3108.

FALE COM A GENTE [ VIDA&ARTE EDITORES: REGINA RIBEIRO, LUCIANO ALMEIDA E DALVIANE PIRES FONES: 85 3255 6137 - 3255 6115 FAX: 85 3255 6139 - 3255 6049 E-MAIL: vidaarte@.br ] .br

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FORTALEZA-CE, TER?A-FEIRA, 27 de fevereiro de 2007

CR?NICA

FALE COM O CRONISTA [ airtonmonte@.br ]

[ Sonia Pinheiro csonia@.br

AO CORRER DA PENA

Airton Monte

Cronista do Vida & Arte

P osto em friorento sossego no alpendre de casa, deixo-me olhando a chuva chata despencar sem pressa de cessar como uma can??o mon?tona, afogando lentamente a nascente madrugada, sob um c?u gordo, cinzento e eu t?o vazio. Subitamente menino, tenho uma vontade moleque de sair tomando banho pela rua, lavando a sambada moleira nas cascatinhas que jorram das biqueiras. Infelizmente vejo-me tolhido em meu desejo de ousar tal extravag?ncia pelo fato de ainda me encontrar depauperado pela recente visitinha da velha chiadeira.

Preso dentro de casa feito peixe no aqu?rio, mais chateado do que bode amarrado embaixo de goteira, s? me resta o fugaz consolo de escrever estas mal tra?adas pra matar o tempo antes que ele me mate: ingl?ria e v? batalha. Pra piorar a j? periclitante situa??o, me aflige uma feroz falta de assunto. Nada de interessante no r?dio, na tev?, na internet. Vou escrevendo palavras que me surgem na cabe?a feito um pescador inexperiente ansiando que um peixe suicida fisgue a isca. O maior inimigo do cronista ? o tempo. H? prazo pra

enviar o p?o ao forno voraz da reda??o.

Eis-me num senta-levanta agoniado diante das teclas do computador escrevendo palavras ao correr da pena. Ao que parece, a ?nica novidade acontecendo na cidade ? a chuva propriamente dita. Pois ?, vida de cronista ? mesmo assim. O cotidiano ou vai ou racha com a ilus?ria inspira??o. E as musas de plant?o n?o passam em verdade de garotas de programa das mais vol?veis. Ponho um disco na vitrola, ligo a tev?, leio os jornais do dia. Metido em tamanho aperreio, bem que podia apelar para o assunto da falta de assunto se tal desculpa n?o fosse t?o manjada.

Vin?cus de Moraes dizia que a boa cr?nica se assemelha ao delicioso cafezinho que se bebe com incontido prazer ap?s um lauto almo?o. Por falar nisso, apesar de haver dobrado o Cabo da Boa Esperan?a, estar meio ro?do pela lagarta e totalmente fora da garantia, considero-me um quase sexagen?rio que viveu algumas experi?ncias aterrorizantes: a primeira cal?a comprida, mostrar o primeiro poema, cantar a primeira namorada, escapar do servi?o militar, o primeiro corpo de mulher, a primeira farra quando voltei pra casa ao amanhecer com os olhos de quem volta da Terra do Nunca.

aiRton monte escreve neste espa?o de segunda a sexta-feira

H? 75 anos

Fortaleza-ce, 17 de FEVEReiRO de 1932

Diretoria do Club 3 de Outubro toma posse

Aconteceu no Teatro Jos? de Alencar, a posse da primeira diretoria do Club 3 de Outubro do Cear?. Com a presen?a do srs. Major Juarez T?vora e do capit?o Carneiro de Mendon?a, que foram recebidos com prolongadas salva de palmas. Imediatamente, tiveram come?o os trabalhos, ocupando a presid?ncia o Major Juarez T?vora.

H? 65 ANOS

Fortaleza-ce, 17 de FEVEReiROO de 1942

Faltam padres no Brasil

"Faltam padres no Brasil", declarou o padre Newton de Almeida Batista. Esse sacerdote que ? diretor das Obras de Voca??es Sacerdotais acrescentou que h? necessidade de mil padres, s? no Rio de Janeiro, onde existem apenas 180.

H? 50 ANOS

Fortaleza-ce, 17 de FEVEReiRO de 1957

Novo presidente do Rotary Oeste

Realizou-se a elei??o para renova??o dos ?rg?os dirigentes do Rotary Clube Oeste de Fortaleza, institui??o que congrega as mais expressivas figuras das diversas camadas sociais de nossa terra. Foi eleito presidente do Rotary Oeste, numa

congregadora unanimidade de votos, o nosso estim?vel conterr?neo, Dr. Jos? Borges de Sales, m?dico dos mais conceituados de Fortaleza, professor da Faculdade de Farm?cia e Odontologia e secretario-geral do Clube dos Di?rios.

H? 30 ANOS

Fortaleza-ce, 17 de FEVEReiRO de 1977

Pel? deixa o futebol mais uma vez

O Rei Pel? jogar? finalmente a ?ltima partida de sua carreira no dia primeiro de outubro de 77, justamente contra seu antigo clube, o Santos, segundo anunciou o presidente do Cosmos, Clive Toye. O astro m?ximo do futebol mundial, de 36 anos, prefere atuar durante a primeira etapa da partida com a camisa do Cosmos e na etapa complementar passar?

para o outro lado, com a camisa do Santos, o clube que o projetou. Toye adiantou que a pedido de Pel? foi cancelado um giro mundial do Cosmos. O jogador faria uma despedida particular em cada pa?s. Pel?, autor de mais de 1.200 gols em seus 21 anos de futebol, prometeu dedicar todos os seus esfor?os para a conquista do campeonato norte-americano.

...E DEFENSORES...

...da candidatura de Ciro Gomes ? PR, em 2010, fazem coro ao N?O do manito de Cid quanto ? ocupa??o de minist?rio no poder Lula-2. n Primeiro, porque o PT n?o endossar? tal objeto do desejo cirista-suceder Lula; segundo, porque Ciro ter? que se esquecer que j? integrou o staff lulista um dia; terceiro, porque um minist?rio para um presidenci?vel ? chamariz inesgot?vel de pedidos por parte de pol?ticos, e, finalmente, porque ? no papel de parlamentar que CG formar? suas alian?as com os colegas sem gastar money(em tal cap?tulo) e ganhando nestes apoios legi?es de deputados estaduais, alcaides e edis vinculados aos deputados aliados e, via acord?o com siglas , endossos de senadores e governadores. n E mais: tendo, a cada momento, a tribuna como vitrine para exposi??o do que faz e do que projeta-? ali que se aprende, ainda, o chamado pulo do gato.

E SOFT MESMO...

...anda a ex-vereadora e, ao que parece, ex-guerrilheira Rosa da Fonseca. n Exemplinho: outro dia, ao v?la cruzando a Pra?a do Ferreira, um pop assim se dirigiu ? eterna musa de J?lio Rego: - Eu n?o quero mais saber de pol?tica. S? penso, agora, em salvar a minha alma. Acabo de perceber que para este mundo n?o existe escapat?ria. E Rosa, toda meiguinha: n Voc? est? sendo radical. N?o ? por a?. H? solu??o, sim! E como se fosse uma analista: - Vamos conversar. n Acontece que o tal pop, que imaginava uma resposta naquele figurino: Voc? t? certo, vamos tocar fogo em Roma, digo em Fortaleza...tratou, vapt-vupt, de dar no p?. E segurando o queixinho ca?do.

EM SALVADOR

A FAMOSA promoter L?cia F?bio com Eliana e Astrid Fontenele (D?bora Paes clicou)

EM GUARAMIRANGA

O MAESTRO Poty Fontenele e sua New Orleans Jazz Band brilharam a mil durante o carnaval. A partir da meia-noite, o rest? Confraria de Guaramiranga, na pra?a principal, virava uma festa s?! Ao som de jazz e blues tradicionais at? ?s 3 da manh?, como no ?ltimo dia de folia.

FESTA RELIGIOSA

n Muitos nomes conhecidos circularam, domingo, no bosque do Marina Park Hotel, onde o querido padre Airton Freire (de Arco Verde-PE)celebrava Missa gratulat?ria marcando seu jubileu de prata de sacerd?cio. n Ao som de linda trilha sonora executada por Paulo Jos? Benevides e Kelly Cristina. Ainda no script: bolo e refrigerantes no Sal?o Iracema. No cap?tulo: ? frente da Funda??o Terra, que j?

tem ramifica??o no CE, Freire vai inaugurar, dia 3, a reforma da Igreja Nossa Senhora da Concei??o, em Maracana?, que teve sua absoluta dedica??o na restaura??o. n Compuseram, entre muitos outros nomes, a lista de presen?as: os Assis Machado, os Lauro Fiuza, os Deda Studart, os Marcos Silveira, os Samuel Oliveira, os Carlos Augusto Morais, os Jaime Vieira C?mara, e os Pedro Fiuza. E tamb?m: os Luiz Wagner Gonzaga, os Eliseu Batista, Adauto L?cio Couto e Daniela Quinder?, Maria Fiuza, Mara Ximenes, Ana Vale, Nelba Fortaleza e Erivan Carlos.

M AT ? RIA DE CA P A

Falta oportunidade ao poetas do NE

O POVO - Com mais de cinq?enta anos dedicados ao fazer po?tico e 30 livros publicados, sua obra ? pouco conhecida tanto aqui como fora do Cear?, embora o senhor j? tenha conquistado o Pr?mio Nestl? de Literatura e o pr?mio da Funda??o Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A que o senhor atribui o fato de n?o ter conquistado ainda o devido reconhecimento? Carvalho - Penso que essa falta de reconhecimento, antes de ser um fato de ordem geogr?fica, ? um fen?meno que atinge a maioria dos poetas alojados nas cavernas (tamb?m chamadas de apartamentos) da periferia nacional. Todo mundo sabe os nomes da reduzida elite de poetas cortejados pelos grandes jornais do Rio, S?o Paulo e adjac?ncias. Jamais deram oportunidade a poetas e escritores nordestinos. Preferem abrir as portas aos escritores estrangeiros, numa demonstra??o expl?cita de rebeldia ? identidade nacional, segundo avalia??o de F?bio Lucas, para quem testemunhamos "alguns exemplos de colonialismo na ?rea das Letras, nesta era de degenera??o da cul-

tura e de anarquia de valores" (Express?es da Identidade Brasileira. S?o Paulo, 2002). Para n?o me alongar, diria que a falta de reconhecimento a prosadores e poetas do Nordeste deve-se a fatores de ordem geogr?fica e ? mentalidade subdesenvolvida dos latinos, que se deslumbram facilmente com a ret?rica colonizadora dos alien?genas.

OP - Segundo o senhor, "o poema n?o deve dizer demais, ? prefer?vel que diga de menos". Para chegar ao poema ideal, como o senhor lida com esse confronto constante com as palavras? Carvalho - Para chegar ao ponto ideal, o poeta precisa ler muitos livros, inclusive de teoria pol?tica. Mas as teorias n?o bastam, uma vez que mudam aos caprichos das b?ssolas do vento. Precisa ser fiel a si mesmo e ?s suas ra?zes, ?s suas convic??es, ao seu destino. Conhecer razoavelmente a l?ngua em que fala e escreve, reciclar seus projetos po?ticos com a convic??o de que n?o existe palavra insubstitu?vel no contexto do poema. O epis?-

dio citado por Manuel Bandeira (Itiner?rio de Pas?rgada) sobre Castro Alves, ? emblem?tico. O poeta dos escravos escreveu este verso num soneto de amor: "No seio da morena h? tanta amora". Posteriormente alterou o verso para: "No seio da morena h? tanta amora". Bandeira elogiou a mudan?a por entender que o poeta chegara ? conclus?o de que s? havia duas amoras no seio da morena.

OP - O senhor n?o costuma dar entrevistas pessoalmente. ? uma conseq??ncia de sua preocupa??o com as dubiedades do discurso? Carvalho - Entrevistas pessoais s?o desaconselh?veis para t?midos ou ansiosos. A preocupa??o pela busca da palavra exata e com a coordena??o das id?ias me deixa estressado. Quando isso acontece, acabo por dizer o que n?o devia. ? uma situa??o vexat?ria, pois o entrevistador fica respons?vel pelo sentido e a l?gica do texto.

OP - Hoje, o dramaturgo Ricardo Guilherme far? leituras dram?ticas

de seus poemas publicados em Mem?rias do Espantalho, no audit?rio do Centro Cultural Banco do Nordeste. ? poss?vel que boa parte do p?blico tenha o primeiro contato com sua obra a partir dessa iniciativa. Como o senhor se sente ao saber disso? Carvalho - Essa dramatiza??o de poemas meus pelo grande ator Ricardo Guilherme ? a realiza??o de um sonho por mim acalentado h? muito tempo. Acredito que esse espet?culo despertar? a aten??o do p?blico para o meu trabalho e, obviamente, para o desempenho do Ricardo Guilherme, possuidor de ineg?veis recursos c?nicos. Com tantos livros publicados, me considero um autor praticamente in?dito. A grande maioria dos livros que ofere?o a intelectuais do Cear? e de outros Estados, fica sem resposta. Alguns o fazem em bilhetes absolutamente ileg?veis, at? mesmo aos olhos das lupas. ? nesse planeta em que vivem os poetas do Nordeste sem esgotos e ?gua pot?vel, no qual ainda se morre de fome, apesar da metaf?rica cesta b?sica.

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