LÍNGUA PORTUGUESA: GUINÉ-BISSAU E BRASIL UM CASO DE VARIAÇÃO ...

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L?NGUA PORTUGUESA: GUIN?-BISSAU E BRASIL UM CASO DE VARIA??O LINGU?STICA

Danildo Mussa Fafina

RESUMO: Este trabalho de car?ter geo-sociolingu?stico consiste em uma investiga??o da varia??o encontrada nos diferentes n?veis de an?lise da l?ngua ? fon?tico-fonol?gico, sem?ntico-lexical e morfossint?tico ? de dois pa?ses: Brasil e Guin?-Bissau. A an?lise se baseia nos princ?pios te?rico-metodol?gicos da Sociolingu?stica e da Dialetologia. A an?lise permitiu observar que essas duas variedades se distanciam, tendo em vista que a forma??o social e cultural dos dois pa?ses ? diferente. Palavras-chave: L?ngua portuguesa. Brasil. Guin?-Bissau. R?SUM?: Ce travail du caract?re g?o-sociolinguisique consite dans l`une investigation de la variation retrouv?e dans les deferonts niveaux d`analyse de la langue ? phon?tique-phonologique, semantique-lexical et morphosyntaxtique ? de deux pays: Guin?e-Bissau et Br?sil. L`analyse est bas?e sur les pr?ncipes th?oriquesm?thodologiques de la sociolinguistique et de la dialectologie. L`analyse a permis d`observer que ces deux vari?t?s s`?toigment, consid?rant que la formation sociale et culturelle des deux pays est diff?rente. Mots cl?s: Langue portuguais. Br?sil. Guin?e-Bissau.

1. Introdu??o A expans?o da l?ngua portuguesa come?ou com o descobrimento portugu?s que

se deu in?cio no s?culo XV, em um conjunto de viagens realizadas pelos portugueses para explora??es mar?timas e descoberta de novas terras. Nessas viagens, eles

1 Universidade Federal do Maranh?o. Departamento de Letras. Aluno do Curso de Letras. E-mail: danimussa86@

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carregavam consigo um dos mais importantes patrim?nios da sua na??o ? a l?ngua portuguesa.

Hoje, a l?ngua portuguesa ? uma das mais faladas no mundo, devido a sua presen?a em quase todos os continentes, o que corresponde a oito pa?ses que a adotaram como idioma oficial ? Brasil, Angola, Mo?ambique, Guin?-Bissau, Cabo Verde, S?o Tom? e Pr?ncipe e Timor ? al?m dos distritos de Macau e Goa.

O trabalho tem como objetivo mostrar as peculiaridades da l?ngua portuguesa falada em Guin?-Bissau, e fazer compara??es com a variedade falada no Brasil, principalmente, no Maranh?o.

2. A l?ngua portuguesa em Guin?-Bissau

N?o ? por acaso que Portugal ? reconhecido mundialmente como um dos melhores navegadores. Os portugueses empreenderam muitas viagens a diversos continentes com intuito de dom?nio e conquista de novas terras. As expedi??es n?o se restringiam simplesmente a explorar as riquezas naturais, elas buscavam tamb?m a expans?o do imp?rio portugu?s que era centrado na propaga??o da f? crist?. Crist?v?o (1929, p. 19), citando Antonio de Nebrija, diz que "a l?ngua era companheira do imp?rio". Por essa raz?o havia domina??o pol?tica, social, econ?mica e lingu?sticocultural em todos os territ?rios a que chegavam. O dom?nio portugu?s durou muito tempo at? que todos os pa?ses tornaram-se independentes de Portugal. Mesmo assim, ainda h? um elemento que os une, o maior patrim?nio imaterial e cultural que Portugal deu de presente a essas na??es. Esse patrim?nio ? a l?ngua portuguesa que ? veiculo de comunica??o de povos de na??es diferentes e de povo de uma mesma na??o, como ? o caso de alguns pa?ses africanos.

A l?ngua portuguesa chegou ao continente africano junto com os navegadores que se dedicavam a fazer viagens e descobertas de novas terras. Segundo Augel (2007, p. 51), o primeiro registro que se tem da presen?a de navegadores portugueses na Costa da Guin? e de 1446. Costa e Silva (2002, p.152) tamb?m enfoca a trajet?ria dos portugueses na costa ocidental da ?frica, descrevendo assim o percurso feito por Nuno Trist?o. Segundo esses autores, o maior trajeto percorrido por esse navegador portugu?s

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foi na regi?o da Seneg?mbia (cujo territ?rio se localiza na costa ocidental da ?frica e que hoje corresponde a dois pa?ses independentes, Rep?blica de Senegal e G?mbia). Ele percorreu ainda o canal do rio Geba, localizado no norte de Guin?-Bissau, rio esse considerado o maior do pa?s. Essa penetra??o fez com que Portugal ganhasse mais espa?o no territ?rio guineense, come?ando assim a captura dos escravos. Mas a rea??o por parte dos nativos n?o deixou de acontecer. Mesmo com enorme dificuldade por falta de muni??es para travar combate contra os invasores, os nativos apostavam nas suas for?as e conseguiram combater a invas?o. Segundo Augel (2007, p.52), "(...) a hostilidade dos nativos tem sua raz?o de ser na rea??o africana aos permanentes ataques de frotas portuguesas ? costa ocidental, quando sequestradores incursionavam pelas aldeias litor?neas, levados pela cobi?a, apresando escravos."

Assim, a luta era constante de ambas as partes: de um lado eram os invasores que tinham como objetivo ter dom?nio em todas as ?reas; do outro eram os nativos que lutavam para preservar seus direitos. Apesar de frequentes ataques dos invasores contra os nativos, houve a rea??o forte dos aut?ctones que n?o se conformavam com a forma como estavam sendo tratados. Isso resultou numa situa??o de desconforto e descontentamento que deu origem ? luta pela independ?ncia de Guin?-Bissau. Essa atitude tomada pelos nativos fez com que ap?s da luta da independ?ncia houvesse acordo por via pac?fica, acordo esse que precedeu a ado??o da l?ngua portuguesa no Pa?s.

Tido como idioma oficial em Guin?-Bissau, o portugu?s ? falado apenas por 10% da popula??o, e ainda ? desconhecido por uma grande parcela dos guineenses. Esse dado pode ser assustador, mas, para bem entender isso, ? importante conhecer a real situa??o de funcionamento dessa l?ngua no Pa?s.

Guin?, como outros pa?ses africanos, possui v?rias outras l?nguas que convivem lado a lado com as dos colonizadores. Ap?s a independ?ncia de Guin?Bissau, em 1973, o portugu?s tornou-se a l?ngua oficial do pa?s, principalmente no cen?rio pol?tico. Mas antes do portugu?s ser adotado, j? havia mais de duas dezenas de l?nguas ?tnicas distribu?das em diversos grupos ?tnicos (cf. AUGEL, 2007, p.76), al?m do crioulo que ? falado por 90% dos guineenses.

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Como visto anteriormente, as expedi??es portuguesas no mundo tinham como uma das suas prioridades deixar suas marcas nas terras por onde passavam. Assim, os guineenses foram obrigados a se submeter ? l?ngua de "tugas" que lhes foi imposta mediante repreens?es cru?is e, em consequ?ncia, tiveram de abandonar as suas l?nguas. Mas tudo durou pouco, e o desejo portugu?s n?o se concretizou gra?as ? interven??o massiva dos nativos e luta contra esse tipo de domina??o.

Para os nativos, a quest?o lingu?stica ? inalter?vel. Dizendo de outra maneira, n?o se pode mexer com a l?ngua sendo ela o mais valioso patrim?nio do povo, ou seja, mexer com a l?ngua ? mexer com a identidade. A quest?o da l?ngua ? levada t?o s?rio em Guin? que, no pr?prio pa?s, nenhuma l?ngua poderia ganhar o status de l?ngua oficial, como afirma Couto:

O fato ? essa delimita??o artificial resultou em estados multi?tnicos e multil?ngue, para os quais seria dif?cil encontrar-se um princ?pio unificador. Um dos primeiros problemas, se n?o o primeiro, com que se defrontaram os fundadores do estado Guin?-Bissau constituiu na decis?o de que l?ngua adotar-se como l?ngua oficial. Nenhuma etnia aceitaria que a l?ngua da etnia vizinha tivesse este privil?gio (COUTO, 2009, p.55).

Para os guineenses, "muda di lingua i muda di ra?a" (mudar de l?ngua ? mudar de etnia). Em outras palavras, mudar de l?ngua ? mudar de identidade. Por essa raz?o, o crioulo surgiu naturalmente para resolver um dos primeiros problemas com que se defrontaram os guineenses no per?odo da funda??o do Estado. O crioulo serve, assim, como mediador das l?nguas ?tnicas, por?m ? considerado "l?ngua de ningu?m", ou seja, a l?ngua que pertence todos os guineenses. No que diz respeito ao portugu?s, cabe-lhe o papel de l?ngua de liga??o com outros povos mais distante de povo guineense. N?o ? por acaso que Amilcar Cabral, fundador da Nacionalidade guineense, afirma:

Temos que ter um sentido real da nossa cultura. Portugu?s (l?ngua) ? uma das melhores coisas que os tugas nos deixaram, porque a l?ngua n?o ? prova de nada, mas sen?o um instrumento para os homens se relacionarem uns com os outros, ? um instrumento, um meio para falar, para exprimir as realidades da vida e do mundo (CABRAL, 1976 apud CANIATO, 2002, p. 134).

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Por essa raz?o que os guineenses adotamos o portugu?s para que pudesse se comunicar com outros povos, porque a comunica??o entre guineenses n?o necessariamente ? em portugu?s, ou seja, a l?ngua portuguesa n?o ? necess?ria no cotidiano guineense, visto que h? varias op??es dentro do pr?prio Pa?s. Em s?ntese, o portugu?s n?o ? ferramenta importante na comunica??o cotidiana, mas sim serve para comunica??o com outras comunidades que o adotaram como idioma oficial, porque sem ele n?o haveria a possibilidade de comunica??o entre diferentes pa?ses, inclusive entre os africanos, visto que em cada pa?s s?o faladas v?rias outras l?nguas nativas.

Segundo Caniato (2002, p. 133), o dom?nio do portugu?s nos pa?ses que o adotaram como idioma oficial transformou a l?ngua portuguesa em instrumento do poder, principalmente quando ? sua utiliza??o na escrita de livros, jornais, revistas e nas comunica??es oficiais. O seu uso por esses meios fez com que a l?ngua portuguesa n?o criasse ra?zes nesses pa?ses, como ? caso de Guin?, onde a intercomunica??o entre diferentes grupos ?tnicos se faz em crioulo, a l?ngua da unidade nacional.

A percentagem dos guineenses que fala, ou seja, que conhece e tem dom?nio da l?ngua portuguesa ? muito baixa, e uma das principais causas desta situa??o reside no fato de que os que levaram essa l?ngua para Guin? n?o eram falantes "cultos", e seus objetivos n?o eram especificamente ensinar a l?ngua (cf. ABDALA JUNIOR, 2002, p. 135), mas sim o com?rcio de escravos e a explora??o das riquezas naturais. Em Guin?, viveu-se uma situa??o diferente da do Brasil, j? que aqui, por decis?o do Marqu?s de Pombal, em 1757, o ensino da l?ngua portuguesa tornou-se obrigat?rio, sendo proibindo o uso e o ensino das l?nguas ind?genas. Tamb?m situa??o semelhante ocorreu em Angola, sob ordem do General Norton de Matos.

Guin?-Bissau n?o recebeu a mesma aten??o que outras col?nias portuguesas. Isso teve reflexos e consequ?ncias danosas na hist?ria do Pa?s, tais como a luta da independ?ncia e pouco interesse pela l?ngua portuguesa, como explica Abdala Junior (2002, p.135):

A Guin? n?o teve a mesma aten??o que outras col?nias. Geralmente eram comerciantes portugueses que iam para l?, ficando apenas algum tempo, raz?o pela qual pouco mais de 10% de sua popula??o fala e escreve

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portugu?s. Posteriormente, com a independ?ncia, tornou-se a l?ngua das escolas e das rela??es oficiais, como nas outras na??es luso-africanas. (ABDALA JUNIOR, 2002, p.135).

O outro fato importante que se considera no que concerne ? l?ngua portuguesa em Guin? ? o descaso para com o ensino p?blico. Dizem que na escola p?blica ? o lugar onde deveria aprender melhor essa l?ngua e que tamb?m ? o lugar onde mais se "pr?tica" o portugu?s. Entretanto isso n?o corresponde ? m?nima verdade, uma vez que os ditos "preparados" para ensin?-la n?o t?m o seu dom?nio e, muitas vezes, n?o conseguem passar adequadamente o conte?do aos alunos, o que lhes leva, ?s vezes, a recorrer ? l?ngua crioula para explicar melhor o conte?do.

3. A variedade do portugu?s da Guin?-Bissau

A lingu?stica como ci?ncia j? provou que toda l?ngua varia constantemente independentemente do lugar em que est? inserida. Para Bagno (2009, p. 20), "(...) a l?ngua ? um rio caudaloso, longo e largo, que nunca se det?m em seu curso (...)", ou seja, ? como uma corrente de ?gua que se arrasta conforme a dire??o de mar?, n?o fica estagnada num s? lugar, mas sempre em constante movimento.

A sociolingu?stica, por sua vez, postula que n?o existem l?nguas homog?neas, uma vez que, em um mesmo grupo social, os falantes n?o falam todos da mesma forma: cada falante possui seu modo de falar. Dito de outra maneira, uma l?ngua se apresente de maneira diferente em cada lugar. Para Antunes (2009, p.21), "[...] a l?ngua comporta a dimens?o de sistema em uso, de sistema presa ? realidade hist?rico-social do povo [...] depende da cultura dos seus usu?rios, no sentido mais amplo da palavra". Ou seja, ? o falante que nomeia as coisas de acordo com a cultura local. Um exemplo desse fato pode ser observado na fauna: quando uma esp?cie de animal t?pica de uma determinada regi?o ? encontrada, os pr?prios nativos v?o ter que nome?-la, e a pr?pria l?ngua lhes d? a possibilidade de faz?-lo. Nessa perspectiva, n?o h? como separar a l?ngua e a cultura, elas s?o companheiras ?ntimas, uma n?o vive sem outra, assim como explica Couto (2011, p.16): "As l?nguas e as culturas fazem como as criaturas: trocam genes e inventam s?mbolos como resposta aos desafios do tempo e do ambiente".

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Por isso o portugu?s falado em Guin?-Bissau apresenta suas peculiaridades e se distancia das variedades faladas em outros pa?ses de l?ngua portuguesa, tendo em vista que a forma??o social e cultural dos pa?ses lus?fonos ? diferente. Para explicar esse fen?meno, ser? necess?rio buscar o suporte da dialetologia e da sociolingu?stica, disciplinas que t?m como foco o estudo da varia??o lingu?stica.

Como ? sabido, a l?ngua levada ? Guin?, pelos portugueses, sofreu ao longo do tempo v?rias transforma??es por estar em novo espa?o, com novos falantes e novas realidades. Para demonstrar a diferen?a da variedade do portugu?s falado em Guin?Bissau e no Brasil, foram consultados trabalhos publicados no ?mbito da sociolingu?stica e da dialetologia que tinham o portugu?s falado no Maranh?o e em Guin?-Bissau como objeto de an?lise.

O corpus deste estudo ? constitu?do por dados reais de fala de indiv?duos oriundos dos dois pa?ses investigados: Brasil e Guin?-Bissau. Com rela??o ao Brasil, foram utilizados dados do Projeto Atlas Lingu?stico do Maranh?o (ALiMA)/ UFMA referentes a tr?s n?veis de an?lise lingu?stica, a saber: fon?tico-fonol?gico, sem?nticolexical e o morfossint?tico. Os dados referentes ? Guin?-Bissau foram recolhidos por meio da aplica??o de question?rios fon?tico-fonol?gico, sem?ntico-lexical e morfossint?tico a alunos de ensino superior oriundos de Guin?-Bissau, com moradia fixa no Brasil.

Quadro 1. Varia??o Fon?tico-fonol?gica

Fen?meno lingu?stico Palataliza??o /r/ Vibrante Deslateriza??o

Ep?ntese

Ap?cope de consoante

Guin?-Bissau /dia/ /tia/ /carru/

/corragem/ /brazil/ /sal/ /azul/

/advogado/

/digno/

/falar/

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Brasil /djia/ Tchia /caru/ /coragem/ /braziu/ /sau/ /azu/ /adjivogado/

/djiguino/

/fal?/

final /r/ Ditonga??o Monotonga??o

/comer/ /servir/ /pax/ /arrox/ /caixa/ /couro/

/com?/ /servi/ /paix/ /arroix/ /caxa/ /coru/

A varia??o fon?tico-fonol?gica do portugu?s falado em Guin?-Bissau ? muito pr?xima da de Portugal e, consequentemente, mais distante da variedade do portugu?s brasileiro. Isso ? resultado de conviv?ncia entre diferentes l?nguas correntes nos dois pa?ses: em Guin?, a presen?a das v?rias l?nguas ?tnicas; no Brasil, a presen?a das l?nguas ind?genas, das africanas e da emigra??o.

Quadro 2. Varia??o Sem?ntico-lexical

Guin?-Bissau Autocarro Afiadeira Alcatr?o Casa de banho Comboio Hospedeira Paragem Pe?o Tabanca

Brasil ?nibus Apontador Asfalto Banheiro Trem Aeromo?a Ponto de ?nibus Pedestre Aldeia

No n?vel sem?ntico-lexical, observa-se que em Guin?-Bissau h? uma grande presen?a de itens caracter?sticos da variedade do portugu?s falado em Portugal, tendo em vista a a??o da escola que elege como norma, para o ensino-aprendizagem do portugu?s, a variedade europeia. ? obvio que h? elementos do l?xico que s?o peculiares de Guin?, como ? o caso de "tabanca", "mancara", entre outros que n?o s?o

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