Português Brasileiro e Português de Portugal: algumas observações

XI ENCONTRO NACIONAL DA APL

Lisboa, 2-4 de Outubro de 1995.

Portugu¨ºs Brasileiro e Portugu¨ºs de Portugal:

algumas observa??es

Luzia Helena Wittmann, T?nia Regina P¨ºgo e Diana Santos

Grupo de Linguagem Natural do INESC

O portugu¨ºs de Portugal e o portugu¨ºs do Brasil diferem a n¨ªvel fonol¨®gico,

lexical, morfol¨®gico e sint¨¢ctico. O estudo e a quantifica??o dessas diferen?as,

contudo, ainda se encontra quase totalmente por fazer, ao contr¨¢rio do que

acontece no caso do ingl¨ºs, para o qual, citando Johansson, "the literature on the

relationship between British (BE) and American English (AE) is vast and varied"

(1980:85).

Neste artigo fazemos a apologia desse estudo, propondo uma metodologia baseada

tanto em corpora quanto em dicion¨¢rios, e descrevemos alguns primeiros

resultados.

I. Da necessidade de uma abordagem cient¨ªfica ao estudo das duas

variantes

Embora concordemos com Mateus, quando afirma que "a consci¨ºncia de falar

uma l¨ªngua ? forma privilegiada do comportamento dos homens ? est¨¢

intimamente ligada e at¨¦ certo ponto dependente das suas convic??es e dos seus

receios, dos seus desejos e, em ¨²ltima an¨¢lise, da sua vontade" (Mateus,

1984:303), existem tr¨ºs ordens de raz?es pelas quais uma afirma??o deste tipo n?o

¨¦ suficiente para os linguistas portugueses e brasileiros quando se debru?am sobre

a sua l¨ªngua.

1. A necessidade pr¨¢tica

A partir do momento em que ¨¦ necess¨¢rio descrever, formalizar, um sistema

lingu¨ªstico para ser abrangido como um todo ? como ¨¦ o caso da engenharia

lingu¨ªstica ? deparamo-nos com a necessidade de n?o apenas descrever o que por

alguns ¨¦ chamado um "n¨²cleo comum" ("common core", ou "portugais commun"

(Teyssier, 1984)), mas todas e quaisquer manifesta??es lingu¨ªsticas do portugu¨ºs.

Ao reduzir a l¨ªngua a um n¨²cleo comum, ela deixa de cobrir a linguagem padr?o

de cada variante.

Do mesmo modo, quando se ensina o portugu¨ºs como l¨ªngua estrangeira, deve-se

apresentar as diferen?as entre as variantes de forma clara (se n?o se pretender

optar pelo estabelecimento de cursos distintos, de costas viradas entre si, o que ¨¦,

pelo menos, economicamente desfavor¨¢vel para a Universidade ou Escola em

quest?o).

Uma op??o que n?o pode ser tomada ¨¦ a de, por outro lado, aceitar

indiscriminadamente sintaxe e/ou l¨¦xico das duas variantes. Assim, sustentamos

que a seguinte frase, por exemplo,

# Quando mo deu, ele n?o tinha se apercebido...

n?o ¨¦ portugu¨ºs correcto, porque mistura dois fen¨®menos sint¨¢cticos de variantes

diferentes: mo n?o ¨¦ usado em portugu¨ºs do Brasil, enquanto que a ordem dos

cl¨ªticos n?o tinha se apercebido n?o ¨¦ aceit¨¢vel em portugu¨ºs europeu.

Ou, no campo do l¨¦xico, a frase seguinte

# Encontrei o banheiro no bonde

n?o pode ser aceite, porque mistura um termo exclusivo do portugu¨ºs de Portugal:

banheiro (salva-vidas em portugu¨ºs do Brasil) com outro apenas brasileiro: bonde

(el¨¦ctrico no portugu¨ºs de Portugal).

Em suma, nem no ensino do portugu¨ºs, nem em processamento de linguagem

natural, tais aberra??es deveriam ser permitidas, o que milita contra a abordagem

pr¨¢tica de "apenas ensinar (ou armazenar em computador) aquilo que ¨¦ comum ¨¤s

duas variantes".

Pela mesma raz?o, os dicion¨¢rios de portugu¨ºs que queiram cobrir ambas as

variantes n?o se podem limitar a uma soma dos l¨¦xicos (e/ou a uma soma das

acep??es das entradas).

2. O interesse cient¨ªfico

Parece-nos ¨®bvio para a comunidade lingu¨ªstica o interesse de um estudo

aprofundado sobre o tema das diferen?as entre as duas variantes do portugu¨ºs, t?o

s¨® porque, como Ryd¨¦n explica claramente, "Linguistic variation is a condition for

linguistic change though variation does not necessarily imply change and the

2

study of diachronic change presupposes the study of synchronic variation"

(1980:38).

No entanto, listamos aqui algumas das vias que nos parece interessante seguir:

- o estudo de diferentes evolu??es e de evolu??es paralelas

- o estudo de influ¨ºncias lingu¨ªsticas distintas

- o estudo da influ¨ºncia da normaliza??o

- o estudo de tend¨ºncias actuais que resultar?o em diferen?as futuras prov¨¢veis

- e, mesmo, o estudo da influ¨ºncia de uma variante sobre a outra.

3. O interesse pol¨ªtico

Se, de facto, como defende entre outros Montes, a diferen?a entre variante

lingu¨ªstica e l¨ªngua distinta n?o ¨¦ lingu¨ªstica, mas sim pol¨ªtica: "el problema

lengua-dialecto y por tanto de una o varias lenguas no puede resolverse por

medios puramente ling¨¹istico-sist¨¦micos (Internos)" (1989:130), como se poder¨¢

negar que um estudo conducente a um melhor conhecimento da realidade

lingu¨ªstica dos dois povos s¨® pode servir para os aproximar? Pelo contr¨¢rio,

escamotear as diferen?as ¨¦ que n?o pode ser vantajoso para a coopera??o entre as

duas comunidades.

Pensamos pois ineg¨¢vel a necessidade de estudar as duas variantes em contraste,

restringindo-nos inicialmente ¨¤ l¨ªngua escrita1.

II. Breve descri??o do estado da arte

1. O estudo das variantes em geral

A l¨ªngua inglesa, em particular nas suas variantes brit?nica e americana, encontrase numa situa??o lingu¨ªstica paralela ¨¤ portuguesa, ainda que de um ponto de vista

da descri??o das suas diferen?as se v¨¢ muito mais ¨¤ frente.

Com efeito, primeiro para o ingl¨ºs americano, e depois para o ingl¨ºs brit?nico,

foram constitu¨ªdos corpora informatizados com uma constitui??o paralela (os

chamados Brown corpus (Francis e Kucera, 1979) e Lancaster-Oslo/Bergen

corpus, Johansson et al. (1978). Dada essa situa??o, virtualmente qualquer estudo

feito sobre um destes corpora pode ser replicado para a outra variante. No

1 Esta restri??o ¨¦ motivada por numerosos factores, de ¨ªndole cient¨ªfica uns, de ordem pr¨¢tica

outros: maior homogeneidade e estandardiza??o, mais facilidade em obter materiais de estudo, e

maior n¨²mero de aplica??es (em termos de sistemas de processamento de linguagem natural) para

os resultados obtidos.

3

entanto, os compiladores do LOB corpus fizeram tamb¨¦m investiga??o espec¨ªfica

sobre as diferen?as: veja-se Johansson (1979, 1980), Coates and Leech (1980),

Krogvig (1979), etc. Hofland e Johansson (1982) apresentam uma compara??o

das frequ¨ºncias das palavras (de frequ¨ºncia maior do que 10) nos dois corpora,

afectados de um coeficiente de signific?ncia estat¨ªstica. Essa lista (que ¨¦

suplementada por todas as concord?ncias no corpus, fornecidas em microfilme)

permite imediatamente alguns estudos globais, nomeadamente a verifica??o dos

contrastes ortogr¨¢ficos e morfol¨®gicos, o confronto entre o uso de diferentes

palavras gramaticais (como por exemplo as terminadas em -ward e -wards), o

contraste entre o uso de modais e auxiliares, assim como alguns contrastes lexicais

e institucionais ou culturais.

Em rela??o ao franc¨ºs, e por nestas actas a comunica??o de Blanche-Benveniste

se lhes referir de forma inigual¨¢vel, n?o trataremos aqui os diversos estudos

existentes.

Em rela??o ao castelhano ib¨¦rico e mexicano, foi feito um contraste entre o

vocabul¨¢rio espanhol peninsular, apresentado em (Juilland & Chang-Rodriguez,

1964), e o mexicano, coligido por (Lara, 1992). Contudo, o tamanho dos corpora

envolvidos era muito diferente, como aponta Biderman (1994). O trabalho desta

investigadora, no entanto, contrastando o vocabul¨¢rio fundamental de Portugal

com o que calculou para a variedade brasileira, n?o desmerecendo o ineg¨¢vel

m¨¦rito, sofre do mesmo problema, ou seja, dos dois vocabul¨¢rios se apoiarem

sobre corpora n?o compar¨¢veis, a saber: um corpus exclusivamente oral

espont?neo (suplementado depois com inqu¨¦ritos de disponibilidade), PF (1984),

por oposi??o a um corpus de l¨ªngua escrita com uma parte de oral formal

(orat¨®ria). Tamb¨¦m o m¨¦todo de obten??o dos vocabul¨¢rios foi distinto (baseado

exclusivamente num limiar de frequ¨ºncia o brasileiro, e suplementado por outros

itens o portugu¨ºs, como mencionado acima).

Ora, sabe-se de estudos sobre registos/n¨ªveis de l¨ªngua que as l¨ªnguas t¨ºm

comportamentos muito variados em textos de tipo diferente (e, que, por

consequ¨ºncia, "textos" orais espont?neos diferem consideravelmente de textos

escritos elaborados2.) Por isso, n?o obstante as considera??es acertadas feitas em

2 De facto, na sua obra sobre as diferen?as entre o oral e a l¨ªngua escrita, Biber (1988) sustenta que

o contraste ¨¦ maior em rela??o ao tipo de texto ("text type"), do que ao meio (oral/escrito), e que,

por consequ¨ºncia, h¨¢ mais parecen?as entre o g¨¦nero epistolar familiar e o oral espont?neo, por um

lado, e o g¨¦nero oral formal e escrito, por outro, do que entre textos elaborados vs. textos

espont?neos.

4

Biderman (1994) sobre as diferen?as vocabulares entre as duas variantes,

pensamos que esse estudo n?o ¨¦ suficiente para estabelecer de forma rigorosa os

contrastes que aponta.

Por outro lado, estudos sobre l¨ªnguas pr¨®ximas n?o s?o muito frequentes numa

abordagem tipol¨®gica, embora Dahl, tipologista de renome, afirme que "a

comparison of several closely related languages may well throw light on the ways

in which almost identical grammatical systems may differ in details, and suggest

how diachronic processes may influence the grammar" (1985:38).

Tamb¨¦m no campo da tradu??o autom¨¢tica, e embora atraente do ponto de vista

pr¨¢tico, tem havido poucos sistemas que tratem l¨ªnguas pr¨®ximas ("closely-related

languages"), provavelmente por as raz?es que presidem ¨¤ escolha das l¨ªnguas

envolvidas terem a ver com factores econ¨®micos e n?o lingu¨ªsticos. No entanto, os

investigadores envolvidos s?o un?nimes em declarar que a complexidade do

processo ¨¦ qualitativamente a mesma, envolvendo apenas um esfor?o muito

menor de um ponto de vista quantitativo (cf. B¨¦mov¨¢ et al. (1988), Santos e Engh

(1992)).

2. O estudo das variantes do portugu¨ºs

Embora a especificidade do portugu¨ºs brasileiro em rela??o ao portugu¨ºs europeu

seja um assunto ciclicamente retomado no Brasil, poucos s?o os estudos que

foquem especialmente o contraste.

No entanto, podemos considerar como indirectamente relacionados com os

estudos contrastivos, investiga??es incidentes sobre a especificidade do portugu¨ºs

brasileiro. Os artigos reunidos em Roberts e Kato (1993), nomeadamente, cont¨ºm

informa??es muito ¨²teis para a defini??o de alguns tipos de contrastes. Por sua

vez, um estudo sincr¨®nico das diferen?as entre as duas variantes poder¨¢ ser ¨²til na

compreens?o do processo diacr¨®nico.

Dicion¨¢rios contrastivos como o de Mauro Vilar (1989), trabalho rico de

informa??es e elaborado com muito rigor, e at¨¦ mesmo o dicion¨¢rio humor¨ªstico

de M¨¢rio Prata (1993), constituem os ¨²nicos registos voltados especificamente ¨¤

observa??o dos contrastes entre PE e PB, al¨¦m do trabalho de Tereza Biderman, j¨¢

citado acima.

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