IMOVÉIS PÚBLICOS: TERRENOS DE MARINHA. TERRENOS INDÍGENAS. - CORE

IMOV?IS P?BLICOS: TERRENOS DE MARINHA. TERRENOS IND?GENAS.

Lindoval Marques de Brito?)

1. Im?vel p?blico

I. Im?vel p?blico. 2. Terrenos de marinha. 2.1. Defini??o. 2.2. Import?ncia. 2.3. Natureza e utiliza??o. 2.4. ClassUica??o. 2.5. Distin??o: terrenos marginaiJ, de marinha. acrescidos e de mangues. 3. Terrenos ind?genas. 3.1. Hist?ria. 3.2. Terras de volutas ~ 3.3. Peculiaridades. Conclus?o.

Conceito. H? de se ver, inicialmente, que im?vel ? uma das esp?cies de bem, tido como aquele que ? estanque, imobilizado, sem movimento, podendo ser dito como im?vel p?blico o que faz parte dos bens dominicais, pertencentes a quaisquer das pessoas jur?dicas de direito p?blico. Assim, existem os im?veis p?blicos da Uni?o, Estados, Munic?pios e autarquias, sendo os primeiros, que s?o objeto do nos so estudo, reverenciados no Decreto-Lei n. 9.760, de 5 de setembro de 1946.

Os bens da Uni?o, de modo gen?rico, s?o coisas m?veis ou im?veis, materiais ou imateriais, ou presta??es concernentes ao ente pol?tico de hierarquia mais ele vada, objetivando os fins p?blicos, subordinando-se ?s regras jur?dicas de direito p?blico, que tem supremacia sobre o interesse privado, resultando da?, no dizer de Cretella J?nior, exercer um poder' 'exorbitante e derrogat?rio do direito comum, alicer?ado em princ?pios public?sticos" I. O fato de opor-se ao bem privado ? o que assinala o bem p?blic02?

Esse o sentido doutrin?rio e a concep??o extra?da da intelec??o do art. 65 do C?digo Civil, segundo o qual "S?o p?blicos os bens do dom?nio nacional, perten

(') Juiz Federal da 5' VaralGO.

R. Trib. Reg. Fed. I~ Reg .. Bras?lia, 8(4)139-159, out./dez. 1996

139

Revista do Tribunal Regional Federal 1? Regi?o, Bras?lia, v. 8, n. 4, out./dez. 1996.

Im?veis P?blicos: Terrenos de Marinha. Terrenos Ind?genas

centes ? Uni?o, aos Estados, ou aos Munic?pios. Todos os outros s?o particulares, seja qual for a pessoa, a que pertencerem."

A prop?sito, comentando citado dispositivo legal, Cl?vis Bevil?cqua anota que tal "classifica??o de bens p?blicos e particulares repousa no modo diverso, pelo qual se exerce sobre eles o direito dos respectivos propriet?rios' ".

Ainda a respeito da superioridade dos primeiros sobre os ?ltimos, o mesmo autor lega-nos o magist?rio de que existe no Direito Civil, de im.:ontest?vel impor t?ncia, "uma acentuada influ?ncia do direito p?blico sobre o privado". Como es te, por?m, ? subordinado ao p?blico, limita-se a receber-lhe os conceitos, sem pro curar disciplin?-los (idem ibidem).

De maneira conceitual, o arl. 66 do C?digo Civil cuida de subdividir os bens p?blicos, adotando-se como diretriz a forma ou o modo pelo qual s?o utilizados, advindo que ares communes omnium, pela pr?pria tradu??o do termo, s?o aque les pertencentes a todos, sendo deles propriet?rio a coletividade, o povo, caben do a guarda e gest?o ? Administra??o P?blica. O uso ? dado a todos, que se sujei tam, evidentemente, ?s regras impostas pelo Estado.

Em segundo, existem os bens de uso especial, como' 'os edif?cios ou terre nos aplicados a servi?o ou estabelecimento federal, estadual ou municipal" (inci so lI). S?o eles de propriedade da Uni?o, Estado ou Munic?pio, mas aplicados a certa ordem de servi?o p?blico.

Os patrimoniais, pela defini??o da lei, constituem o patrim?nio das citadas en tidades pol?ticas, que sobre eles exercem o animus domini, de conformidade com os regramentos de Direito Constitucional e Administrativo, como falou Bevil?cqua4.

Ali?s, ? em tais ramos do Direito que se encontra maior profundidade sobre o tema, chegando ao conceito moderno de Hely Lopes Meirelles de que o dom? nio patrimonial estatal sobre os seus bens "? direito de propriedade, mas direito de propriedade p?blica, sujeito a um regime administrativo especial"5. Subordi nam-se, pois, todos os bens p?blicos a tal regime, aplieando-se-lhes os preceitos de direito p?blico, n?o obstante lhes possam incidir, de ?ngulo supletivo, normas da propriedade privada.

No que diz respeito aos bens da Uni?o, a legisla??o ? espalhada, com destaque para o Decreto-Lei n. 9.760, de 05/09/46, apelidada de lei geral dos im?veis fede rais. Outras podem ser citadas: Decreto-Lei n. 178, de 16/l2/67, dispondo sobre ces s?o de im?veis da Uni?o; Decreto-Lei n. 1.414, de 18/08175, que disp?e sobre a ra tifica??o das concess?es e aliena??es de terras devolutas na faixa de fronteiras; Lei n. 6.383, de 07/l2176, disciplinadora do processo discriminat?rio de terras devolu tas; Lei n. 6.431, de 11/07177, que autoriza a doa??o de terras devolutas a Munic? pios da Amaz?nia Legal, com regulamenta??o pelo Decreto n. 80.511, de 07/10177; Decreto-Lei n. \.561, de 13/07177, que disp?e sobre ocupa??o de terrenos da Uni?o; Lei n. 6.454, de 24/l0177, que disp?e sobre a denomina??o de logradouros, obras,

140

R. Trib. ReR. Fed. l~ Re~ .. Bras?lia. 8(4) 139-1 59, ouUdez. 1996

Revista do Tribunal Regional Federal 1? Regi?o, Bras?lia, v. 8, n. 4, out./dez. 1996.

Doutrina

servi?os e monumentos p?blicos, com proibi??o de placas de inaugura??o e deno mina??o de pessoas vivas; Lei n. 6.634, de 02/05/79, regulando sobre faixa de fron teira. Pode ser citada, ainda, a Lei n. 4.504, de 30/11/64, denominada de Estatu to da Terra.

P?blicas s?o as terras de propriedade da Uni?o e as devolutas indispens?veis ? seguran?a e desenvolvimento nacionais, estando elas inclu?das entre os bens da Uni?o, elencados na letra d do art. 4? da Constitui??o Federal de 1967 e, hoje, no art. 20 da Carta de 1988, como se v? na especifica??o dos incisos lI, VII e XI, que s?o esp?cies do g?nero, os dois ?ltimos em considera??o no presente trabalho.

2. Terrenos de Marinha

2.1. Defini??o. Em primeiro lugar, como j? acentuado, os terrenos de mari nha s?o bens da Uni?o, cuidando o legislador de colocar a sua import?ncia a n? vel constitucional, visto no inciso VII do art. 20, apresentando-se interessante o estudo de J. Cretella J?nior, ao afirmar que nunca a express?o terrenos de mari nhafoi empregada nos textos constitucionais (de 1824, de 1891, de 1934, de 1937, de 1946, de 1967, de 1969)fi.

Cuidou, por?m, o Constituinte de 1988 de inseri-los entre os bens da Uni?o, mas isso, ou seja, a omiss?o anterior, contudo, n?o significa que os terrenos de ma rinha antes n?o tinham bem caracterizada a sua natureza jur?dica como bem p?bli co dominical federaF.

No dizer de Ives Gandra Martins, o acr?scimo na Constitui??o era desneces s?rio, pois considera expl?cito que se enquadravam nos bens da Uni?o, devido a exist?ncia pr?via de toda uma legisla??o bastante trabalhada pela doutrina e juris prud?ncia, "de tal forma que, se n?o houvesse o inc. VII, o inc. I j? garantiria a Uni?o em rela??o a tais terras"R. N?o deixa de ser acertada a acep??o de que to da e qualquer praia mar?tima est? situada em terreno de marinha, mas n?o ? ver dadeira a rec?proca, pois nem todo im?vel de marinha se localiza em praia de mar, no magist?rio arguto de Cretella J?niorY?

J? Gandra Martins, ao comentar o inciso m, faz ver que considera inclu?dos

os terrenos de marinha nas praias mar?timas, de onde, por intelec??o extensiva do entendimento, n?o seria, ent?o, apenas o inciso I que garantiria a inclus?o das ma rinhas entre os bens do Ente Pol?tico maior, mas tamb?m, e principalmente, o dis positivo referente ?s praias do mar.

A par da modernidade do pensamento, ? de certa maneira uma inova??o dou trin?ria a coloca??o do jurista contempor?neo a justifica??o de inclus?o no Texto Constitucional de terrenos e praias fluviais, no que diz respeito aos rios frontei ri?os e n?o como a dic??o sugere, ou seja, de qualquer terreno ou praia lO , che gando a contrariar, a meu sentir, ainda que de modo sutil, o ensaio de Alfredo Val lad?o, que entendia devesse o regime das margens dos rios naveg?veis ser o mes-

R. Trib. Reg. Fed. l~ Reg.. Bras?lia, 8(4)139-159, out./dez. 1996

141

Revista do Tribunal Regional Federal 1? Regi?o, Bras?lia, v. 8, n. 4, out./dez. 1996.

Im?veis P?blicos: Terrenos de Marinha. Terrenos Ind?genas

mo dos terrenos de marinha, afirmando que "Estes terrenos e seus acrescidos es t?o sujeitos ? mesma legisla??o que o regime dos terrenos de marinha e s?o mes mo impropriamente denominados terrenos de marinha. De modo que t?m aplica ??o a eles os princ?pios que dominam a mat?ria dos terrenos de marinha propria mente ditos".I'

As praias n?o constituem terrenos de marinha, deles se distinguindo, assim co mo elas tamb?m n?o podem ser confundidas com os acrescidos, que' 's?o terras que, acidental e parcialmente, podem ser alagadas, enquanto que a praia ? parte do fundo do mar, que diariamente se descobre com o refluxo", conforme li??o de Car valho Santos, com cita??o de Cl?vis e Vampr? 12 ?

A defini??o de terrenos de marinha pode ser extra?da do ? IOdo ar!. IOdo De creto n. 4.105, de 22 de fevereiro de 1868 13, segundo o qual s?o "todos os que, ba nhados pelas ?guas do mar ou dos rios naveg?veis, v?o at? a dist?ncia de quinze bra?as craveiras (33 metros) para a parte de terra, contadas desde o ponto a que chega o preamar m?dio" 14, vindo Celso Ant?nio Bandeira de Mello ao conceito de que "S?o faixas de terra de 33 metros de profundidade, contados horizontal mente, a partir da linha do preamar m?dia de 1831, para o interior das terras ba nhadas pelo mar - sejam continentais, costeiras ou de ilhas - ou pelos rios e la gos que sofram a influ?ncia das mar?s, entendendo-se como tal a oscila??o peri? dica em seu n?vel de ?guas, em qualquer ?poca do ano, desde que n?o inferior a 5 cent?metros, e decorrentes da a??o das mar?s"'s. Com escora nos tra?os da lei, a doutrina n?o encontra dificuldades em ter como conceito que os im?veis de ma rinha constituem uma faixa de terra banhada pelo mar ou por rios e lagos que so fram a influ?ncia das mar?s, que, ali?s, ? o que se extrai da dic??o das letras a e b do ar!. 20 do Decreto n. 9.760, de 5 de setembro de 1946.

O Aviso Imperial de abril de 1826 estabelecia a linha da qual se contam os trin ta e tr?s metros ou antigas quinze bra?as, que seria a partir do bater do mar nas ?guas vivas. Primeiramente, o Aviso de 18 de novembro de 1818 determinou a re serva de quinze bra?as da borda do mar para dentro da terra, que n?o adentravam na propriedade dos confinantes e tudo o que fosse alegado, com o intuito de apro pria??o de tal faixa era considerado abuso e n?o merecia ser atendido.

Na verdade, foi o Aviso de 27 de abril de 1826 - n?o se conhece o dia exa to, havendo autores que mencionam 26, outros dizem que ? 27, como tamb?m h? men??o de 29 - que primeiro definiu o que se entende por marinha. Contudo, tal dispositivo n?o era de car?ter geral e foi editado a Andr? Pires de Miranda, que desejava construir um trapiche na Praia do Peixe.

H? refer?ncia liter?ria de que o diploma legal definidor do significado de ter renos de marinha e que fixou a linha ou o ponto inicial dos trinta e tr?s metros te ria sido o Aviso Imperial de 13/07/1827, eis que declarava que "o espa?o de ter reno que propriamente se chama marinha ? aquele que se compreende em quinze bra?as entre a terra e o bater do mar nas ?guas vivas".

142

R. Trib. Reg. Fed. 1~ Reg .. Bras?lia, 8(4)139-159, out./dez. 1996

Revista do Tribunal Regional Federal 1? Regi?o, Bras?lia, v. 8, n. 4, out./dez. 1996.

~

Doutrina

A profundidade das marinhas n?o sofreu altera??o com o tempo, mas o pico de contagem resultou modificado algumas vezes, como, em seguida ao menciona do Aviso, pelas Instru??es da Fazenda, de 14 de novembro de 1832, estabelecen do que as quinze bra?as tinham como in?cio a linha da preamar m?dia, conforme leitura do ar!. 4?, sendo reafirmado pela Ordem de 12 de julho de 1833, do Presi dente do Tribunal do Tesouro P?blico. Manteve-se tal crit?rio at? o advento do De creto n. 4.105, de 22 de fevereiro de 1868, que fixou a linha da preamar m?dia, con substanciado na execu??o da Lei de 15 de novembro de 1831.

Enquanto n?o sobreveio o Decreto-Lei n. 4.120, de 21 de fevereiro de 1942, n?o houve modifica??o do sistema de aferi??o dos terrenos de marinha. Com o in? cio de sua vig?ncia, alterou-se fundamentalmente a sistem?tica de demarca??o, es tabelecendo como linha inicial a preamar m?xima, a partir de quando "N?o mais vigoraria o preamar de 1831, mas o de 1942, n?o mais o preamar m?dio de 1831, mas o preamar m?ximo de 1942" 16.

Quatro anos depois, perfilou-se o Decreto-Lei n. 9.760, de 5 de setembro de 1946, vigente at? hoje, que retomou a tradi??o secular l7 vigente de 1831 a 1942, esclarecendo no ar!. 2? ser a linha da preamar m?dia de 1831 o ponto inicial da con tagem dos trinta e tr?s metros que constituem os terrenos de marinha. Messias Jun queira, como Procurador-Chefe do Patrim?nio Imobili?rio do Estado de S?o Pau lo, em Justifica??o do Anteprojeto do Decreto-Lei n. 9.760/46, dirigida ao Minis tro de Estado da Fazenda, chamou a aten??o para o tema e, dando-o como de bem maior import?ncia IR, fundamentou a mudan?a, dizendo que "como o assunto en volve antecipa??es prov?veis e poss?veis invas?es da propriedade particular, con frontante com as marinhas, preferiu o projeto, a ser acoimado de inconstitucional, voltar ? regra tradicional que definiu os terrenos de marinha como sendo aqueles situados em uma profundidade de 33 metros, medidos para a parte de terra, da po si??o em que passava a linha do preamar m?dio de 1831" 19.

2.2. Import?ncia. A Ordem R?gia de 21 de outubro de 1710 vedava que as ter ras dadas em sesmarias compreendessem as marinhas, porque deveriam estar de simpedidas para qualquer servi?o da Coroa e de defesa da terra. Era, pois, inicial mente a id?ia de necessidade de defesa do territ?rio que se dava a import?ncia a tal faixa de terras fronteiri?as ao mar, com manifesto de interesse de se as preser varem para a constru??o de obras ou implanta??o de servi?os imprescind?veis ? es trat?gia militar.

Gasparini, com base na legisla??o em vigor no in?cio da efetiva ocupa??o do nosso territ?rio, explicita que, al?m do aspecto de seguran?a, a destina??o das ma rinhas estava direcionada a tr?s outros aspectos, pois eram necess?rias ao embar que e desembarque de coisas p?blicas e particulares, obten??o de renda e, algumas vezes, se prestavam para a extra??o de sapo.

R. Trib. Reg. Fed. l~ Reg., Bras?lia, 8(4)139-159. out./dez. 1996

143

Revista do Tribunal Regional Federal 1? Regi?o, Bras?lia, v. 8, n. 4, out./dez. 1996.

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download