FIGURAÇÕES DO RECIFE EM CONTOS E NOVELAS DE GILVAN LEMOS

XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENS?O ? JEPEX 2013 ? UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro.

FIGURA??ES DO RECIFE EM CONTOS E NOVELAS DE GILVAN LEMOS

Taffarel Bandeira Guedes1, Tamyris Mayara Silvestre da Silva2, Antony Cardoso Bezerra3

I. INTRODU??O Nascido em 1.o de julho de 1928, na cidade de S?o Bento do Una, no agreste de Pernambuco, Gilvan de Souza Lemos possui, em sua produ??o liter?ria, romances, novelas e contos. Nas narrativas, retrata uma realidade com toques de naturalismo, abordando temas diversos como amor, viol?ncia, sexo e morte. Parcela de suas obras ? o objeto de estudo do projeto de pesquisa intitulado Representa??es do Recife nas Narrativas de Gilvan Lemos, de que o presente trabalho ? resultado inicial. O objetivo da pesquisa, conforme o pr?prio t?tulo indica, consiste em, a partir da recens?o da produ??o liter?ria do escritor, detectarem-se e analisarem-se composi??es que fa?am refer?ncia ? capital pernambucana; sejam, as alus?es, topon?micas, culturais ou relativas a aspectos mais gerais, que indiquem, de alguma forma, a cidade em quest?o.

Nas investiga??es at? ao momento realizadas, em car?ter seminal, percebe-se que consider?vel propor??o da produ??o de Lemos tem a metr?pole nordestina como espa?o em que se desenvolvem as narrativas. Vivendo no Recife a partir do ano de 1949, Lemos n?o figura a cidade como mero pano de fundo; antes, o Recife se converte em fator que concorre diretamente para a estrutura??o da narrativa e para a exposi??o ficcional da realidade. Partindo dessa condi??o, no presente estudo, ? luz de um instrumental que combina discuss?es acerca da exposi??o da realidade na Literatura a reflex?es cr?ticas sobre o espa?o urbano na dimens?o ficcional, busca-se identificar como o Recife ? exposto em quatro narrativas do autor pernambucano ? dois contos e duas novelas.

Material e m?todos

A. A. Corpus Os livros de contos e de novelas de Gilvan Lemos que constituem o corpus da pesquisa que abrange o presente

trabalho s?o, em ordem cronol?gica, A Noite dos Abra?ados (1975), Os que Se foram Lutando (1976), Morte ao Invasor (1984), A Inocente Farsa da Vingan?a (1991), Onde Dormem os Sonhos (2003), Largo da Alegria (2003), A Era dos Besouros (2006) e Na Rua Padre Silva (2007). No recorte preliminar em que consiste o presente trabalho, restringe-se a leitura a dois contos de Largo da Alegria, a uma novela de A Inocente Farsa da Vingan?a, e a uma outra, de A Noite dos Abra?ados.

Os contos "Pra Voc? Ver, Guido" e "Novo Lar" t?m em comum o Recife como espa?o ficcional exposto nas narrativas. Em ambos os textos, encontram-se tipos humanos caracter?sticos da capital pernambucana, assim como as suas ruas, avenidas, pra?as e espa?os comerciais. Tamb?m a viol?ncia, a desigualdade social e demais problemas recorrentes nos centros urbanos s?o apresentados nesses textos, que trazem um sumo tem?tico da produ??o ficcional de Lemos. A novela "Adeus ? Inf?ncia", por seu turno, relata as mem?rias da inf?ncia de um garoto que sempre viveu na cidade do Recife, mais precisamente, na Rua da Conc?rdia. J? "Alfaiataria Zingoni" ? uma novela que narra a hist?ria do alfaiate Nino, que, desde crian?a, nutria uma admira??o incomum por seu pai, um fora da lei, o qual acaba por passar v?rios anos na cadeia, perdendo todo o crescimento do filho, que, ainda assim, n?o esquecia o pai.

B. B. A cidade na Literatura No ?mbito da Modernidade ocidental, o espa?o urbano configura-se pela marca da diversidade. Williams (2011) o

observou, afirmando: "[O] car?ter social da cidade ? no que tem de transit?rio, inesperado, na prociss?o de homens e eventos, e no isolamento essencial e inebriante ? era visto como a realidade de toda a exist?ncia humana.". ? bem verdade que metr?poles tendem a assemelhar-se, como num processo de espelhamento ocasionado pelos avan?os materiais. Para se ficar numa ilustra??o, recorre-se a versos do poema "O Sentimento dum Ocidental", do autor portugu?s Ces?rio Verde, em que o eu po?tico, ao caminhar pela Lisboa de fins do s?c. 19, afirma: "Ocorrem-me em revista, exposi??es, pa?ses: / Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!" (Verde, 1992.) Entrementes, s? na particularidade de cada espa?o se pode configurar a express?o liter?ria, fruto de uma viv?ncia individual, tensionada num meio social. ? a? que se d? o que o fil?logo alem?o Auerbach chamar? de "exposi??o da realidade", no sentido de

1Taffarel Bandeira Guedes ? licenciando em Letras na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Dois Irm?os, Recife? PE, CEP: 52171-900. E-mail: taffarelbandeira@.

2Tamyris Mayara Silvestre da Silva ? licencianda em Letras na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Dois Irm?os, Recife? PE, CEP: 52171-900. E-mail: tamyris_silvestre@.

3Antony Cardoso Bezerra, orientador deste trabalho, ? Professor Adjunto 2 do Departamento de Letras e Ci?ncias Humanas da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Rua Dom Manoel de Medeiros, s/n, Dois Irm?os? Recife? PE, CEP: 52171-900. E-mail: bezerra.a.c@.

XIII JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENS?O ? JEPEX 2013 ? UFRPE: Recife, 09 a 13 de dezembro.

que, a partir dos instrumentos de que o artista disp?e, instaura-se uma nova realidade no discurso ficcional (Auerbach, 1976).

Por meio, assim, do entendimento da experi?ncia recifense de Lemos, observa-se, preliminarmente, que figura??es ficcionais ele opera da cidade. Na caracteriza??o do Recife feita pelo autor, consideram-se, al?m de men??es expl?citas ao espa?o, a constru??o lingu?stica de uma ambi?ncia que acaba por envolver as pr?prias personagens (o que Auerbach, 1976, chamou de "realismo atmosf?rico"), fazendo com que homem e meio se integrem numa ficcionaliza??o da vida cotidiana ? ainda que despida de sobressaltos, ainda que tr?gica. Para fins de coment?rio do texto liter?rio, trabalha-se com trechos dos contos e das novelas, que, em sua condi??o diversificada, possibilitam vislumbrar a variedade de procedimentos e de implica??es por meio das quais se elabora o Recife de papel de Lemos.

Resultados e Discuss?o

C. A. O Recife em contos e novelas de Gilvan Lemos

Num texto que visa a compor um panorama da obra de Lemos, Silverman (1994), entre v?rios outros aspectos pertencentes ? produ??o do escritor investigado, observa: "Normalmente, o autor prefere povoar [os] planos cinematogr?ficos de uma maneira que ressalta tanto a cor local como o dinamismo [...]." E esse quadro, com efeito, parece delinear-se nos textos que se analisam no presente inqu?rito. No conto "Pra Voc? Ver, Guido", est?-se diante da hist?ria de Adriano, um vi?vo de idade avan?ada que passou longos anos enclausurado em seu apartamento, apenas saindo ? rua para se abastecer do que lhe era indispens?vel. Encarado pelos vizinhos como um sujeito recluso, Adriano resolve, certo dia, dar uma volta pelo centro do Recife, a fim de reencontrar os espa?os de outrora, t?o apreciados por ele. Mas o que depara ? uma capital diversa da que conheceu, onde a popula??o, os modos de se vestir ? rua e os espa?os de conviv?ncia se modificaram, resultado do passar dos anos. Al?m da figura??o dos espa?os urbanos do Recife, alude-se ? urbaniza??o por que passou a cidade e ?s mudan?as dos costumes sociais. Os elementos topon?micos do trecho a seguir permitem reconhecer a capital pernambucana como espa?o ficcional em que se passa a hist?ria ? "Afinal, a Rua do Imperador aquilo que ele estava vendo? Casas banc?rias, nenhuma leiteria, nenhuma casa de especiarias, quase ningu?m transitando. Cadeiras de engraxate na cal?ada, barracas de vendedores de coco verde... Que mais? Nada, nada, nada. A Krause transformada em dep?sito, a Ramiro Costa em papelaria. E fiteiros de cigarros e bancas de jogo do bicho, loterias v?rias." (Lemos, 2003.) Mais que a figura??o ficcional de uma cidade, percebe-se diante de um entrecruzar de tempos, o que revela um conflito entre as expectativas da personagem e a realidade que ? obrigada a vivenciar.

Tamb?m ambientado ficcionalmente na cidade do Recife, no conto "Novo Lar", que tem por cen?rio privilegiado uma famosa avenida que cruza a cidade (a Agamenon Magalh?es), exp?em-se as mazelas sociais da capital, em especial a viol?ncia. Trata-se da hist?ria de Birita, uma moradora de rua. Birita perambula pelas ruas, avenidas e demais espa?os da cidade, convivendo entre tipos humanos comuns ? regi?o. "Quando come?aram a constru??o do viaduto da Agamenon Magalh?es, passando por cima da Jo?o de Barros, Birita gostava de apreciar o trabalho daqueles pe?es fortudos." (Lemos, 2003.) Desvalida, a personagem tem um percurso permeado por uma nota tr?gica, que se confirmar? no desfecho da narrativa. Esse ?, a prop?sito, um tema caro ?s narrativas de Lemos, e a viol?ncia do conto revela um dos muitos problemas por que passam os grandes centros urbanos.

Na novela "Adeus ? Inf?ncia", as mem?rias de uma inf?ncia passada na Rua da Conc?rdia recuperam a imagem do pai, apaixonado pela bo?mia e pelo Recife, sendo essa clara neste trecho: "Meu pai, nascido e criado no bairro de S?o Jos?, n?o admitia deixar o centro. Noutra ocasi?o recusava a ger?ncia dum departamento da empresa onde trabalhava, com grande vantagem financeira, para n?o ter de ir trabalhar na Encruzilhada. // ? Assim, vou logo morar no interior. // Tejipi?, V?rzea, Olinda: tudo interior. // ? Olinda tamb?m? // ? Saiu do Recife ? interior. Jaboat?o, a cidade mais distante que conhecia, para ele j? era Sert?o. // Minha m?e, ao lado das meninas, sonhava com um jardim, canteiros de alface, tranquilidade, sil?ncio: // ? De fato, a Conc?rdia est? se transformando num verdadeiro centro comercial. // ? E da?? // ? Pens?es de rapazes, bares, casas suspeitas... Ora, as fam?lias est?o se mudando. // ? Que se mudem. Melhor pra quem fica." (Lemos, 1991.) A personagem n?o admite deixar o centro; qualquer bairro que se distanciasse dessa ?rea do Recife seria considerado interior, e as transforma??es que come?am a indicar o crescimento da capital, a forma??o de um centro comercial, n?o o incentivariam a abandonar a capital. Outro trecho da mesma novela ilustra a dimens?o da pr?xis cultural da cidade do Recife, o famoso Carnaval, citando os caracter?sticos maracatus e caboclinhos, descrevendo a trajet?ria dos blocos e tro?as e brincadeiras de crian?a com confetes. "No carnaval, a Rua da Conc?rdia era uma das mais animadas. Todos os blocos passavam por l?. Tro?as, mascarados, maracatus, caboclinhos, carros aleg?ricos, patuscadas. O cheiro de lan?a-perfume incensava, o confete na rua ficava de se apanhar de p?. De chin?s, na varanda, eu regrava os punhados de confete. De vez em quando apalpava o saquinho a tiracolo, calculando a defasagem. Contrariado, desperdicei muitas rodelas de serpentina: n?o sabia atir?-las. Meu pai, cheio de bate-bate, tentava agarrarse com mam?e, que se lhe escapava entre muxoxos. O velho era mestre no passo, dan?ava o frevo como ningu?m." (Lemos, 1991.)

Na novela "Alfaiataria Zingoni", tem-se a hist?ria de Nino, que cresce tentando firmar-se e sustentar-se na profiss?o de alfaiate em sua terra natal, a pequena Ic?-Mirim (ficcionaliza??o de S?o Bento do Una). Ap?s alguns desenganos, resolve tentar a sorte na capital (? necess?rio atentar para que, ao citar a capital, Lemos tem como referencial a cidade do Recife, embora n?o a nomeie): "A capital era uma Babil?nia. Em cada rua, cada esquina, cada pra?a se reproduzia o burburinho da festa anual da sede do munic?pio, que antes Nino tanto admirava. Gente em demasia, preg?es, autom?veis, tudo isso acrescido de pr?dios suntuosos, constru??es descomunais. Nino apagava-se, insignificante no

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meio da popula??o bem vestida, cujo af? figurava nunca ter fim. Andava cauteloso, escolhendo onde pisar, procurando pontos de refer?ncias nas ruas onde penetrava pela primeira vez, a fim de, na volta, n?o se perder entre a multid?o. E a despeito da indiferen?a de todos, parecia-lhe que a grande cidade possu?a dono, um vigia que n?o o largava, reprovando-lhe as maneiras canhestras, a timidez de habitante do Mirim." (Lemos, 1975.) A personagem descreve a movimenta??o da crescente capital, que ele chama de Babil?nia: muita gente, carros, altos pr?dios e todo o contraste com sua pequena cidade. Um outro ponto tamb?m a ser considerado ? a indiferen?a revelada pelos citadinos com os interioranos, caracter?stica que, n?o raro, costuma-se pensar como t?pica do habitante de metr?poles.

D. B. Considera??es preliminares e perspectivas

? maneira de conclus?o, faz-se imprescind?vel frisar que esta pesquisa encontra-se em est?gio embrion?rio de desenvolvimento. Dessa forma, tanto as refer?ncias te?ricas quanto o corpus que constitui o material de an?lise seguem em processo inicial de leitura e estudo. Contudo, alguns ind?cios j? podem ser observados a partir do que foi avaliado at? este momento.

Conforme ilustrada na se??o dedicada ? an?lise das obras, a presen?a de elementos topon?micos interfere diretamente na comprova??o de que a cidade do Recife recorre como espa?o ficcional nas narrativas de Lemos. Sendo citado diretamente ou retratado por meio de suas ruas, pra?as, avenidas e institui??es, o Recife ? figurado como o ambiente em que se passam as hist?rias narradas nos contos e nas novelas. Assim, concebido ficcionalmente dentro desses g?neros, observam-se, j? nas leituras iniciais, os alcances gerados pelas transforma??es de ordem social e urban?stica no Recife que nos ? apresentado. As transforma??es registradas servem, inclusive, como valioso material tem?tico para as narrativas, fazendo-se vis?veis as mudan?as por que passou a cidade no seu processo de moderniza??o.

Sendo representada num avan?ar do tempo que ? tamb?m o das publica??es liter?rias de Lemos, a cidade do Recife aparece em seu desenvolvimento urbano, em sua viol?ncia, em suas mazelas e em seus inconfund?veis espa?os. Aparece, sobretudo, como um ambiente ficcional que mant?m influ?ncia sobre o que ? contado e como ? contado. O in?cio das leituras e an?lises, enfim, j? permite confirmar um imperativo presente nos objetivos desta pesquisa, que ? a validade de se incluir nos estudos acad?micos a Literatura de Lemos: representativa e significante no ?mbito da narrativa brasileira contempor?nea.

REFER?NCIAS

Auerbach, E. Mimesis: a representa??o da realidade na Literatura Ocidental. S?o Paulo: Perspectiva, 1976. Lemos, G. Largo da Alegria. 3. ed. Recife: Baga?o, 2008. ______. A Inocente Farsa da Vingan?a: novelas e contos. S?o Paulo: Esta??o Liberdade, 1991. ______. A Noite dos Abra?ados: novelas. Porto Alegre: Globo, 1975. Silverman, M. A Universalidade da Obra de Gilvan Lemos. Ci?ncia e Tr?pico, Recife, v. 22, n. 1, p. 81-108, jan.-jun. 1994. Verde, C. O Livro de Ces?rio Verde. Lisboa: ?tica, 1992. Williams, R. O Campo e a Cidade: na Hist?ria e na Literatura. S?o Paulo: Companhia das Letras, 2011.

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