GÊNERO E PODER NO ALTO IMPÉRIO ROMANO: A …

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G?NERO E PODER NO ALTO IMP?RIO ROMANO: A ESTIGMATIZA??O SOCIAL DOS SACERDOTES DA DEUSA S?RIA

Hariadne da Penha Soares33

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar as descri??es estereotipadas dos sacerdotes da Deusa S?ria na obra Metamorphoses, de Apuleio de Madaura, como reveladores dos m?ltiplos discursos poss?veis acerca das constru??es de g?nero no Alto Imp?rio Romano. Classificados como desviantes sexuais, os sacerdotes estavam exclu?dos da cidade e marcados social, simb?lica e materialmente pelas rela??es de poder. Palavras-chave: G?nero; Atarg?tis; estigmatiza??o.

RESUM?

Le presente article vise ? presenter les descriptions st?r?otyp?es des pr?tes de la D?esse Syrienne en l'oeuvre Metamorphoses d'Apul?e de Madaure, comme revelateur des multiplex discours possibles sur les constructions de genre dans l'haut Empire romain. Class? comme d?viants sexuels, les pr?tes ont ?t? exclus de la ville et marque social, symbolique et mat?riellement pour les relations de povoir. Mots-cl?: Genre; Atarg?tis; stigmatisation.

A obra Metamorphoses, escrita por volta de 160-170 d.C. pode ser classificada como uma novela, g?nero liter?rio em que predominava o recurso ao fant?stico. Tendo alcan?ado, no s?culo II d. C., ampla difus?o em toda a bacia do Mediterr?neo e, em especial, no norte da ?frica, a novela se constituiu no principal ve?culo liter?rio de propaga??o dos mist?rios da deusa eg?pcia ?sis, recorrendo ?s narrativas nas quais o

33 Doutoranda em Hist?ria Social das Rela??es Pol?ticas (PPGHIS/UFES), sob orienta??o do Prof. Dr.: Gilvan Ventura da Silva, realizando pesquisa acerca das pr?ticas m?gico-religiosas do mundo grecoromano, com apoio da Coordena??o de Aperfei?oamento de Pessoal de N?vel Superior (CAPES). E-mail: correiodahariadne@

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objetivo central era mostrar as qualidades benfeitoras, redentoras e soberanas da divindade (HIDALGO DE LA VEGA, 1986, p.95).

As Metamorphoses constituem um complexo conjunto de aventuras e de hist?rias fant?sticas, envolvendo algumas religi?es orientais do s?culo II, a saber: o culto de ?sis e o da Deusa S?ria, tamb?m denominada Atarg?tis, com que Apuleio teria tido contato ao longo de suas viagens. A import?ncia da obra enquanto fonte hist?rica estaria na apresenta??o da vis?o de um provinciano da oligarquia romana alto-imperial sobre as diversas pr?ticas religiosas do Imp?rio de seu tempo e no fato de conter o mais importante texto sobre a inicia??o aos antigos cultos de mist?rio de que temos not?cia, o livro XI (BURKERT, 1991, p. 20). Al?m disso, a obra de Apuleio nos revela a vida de atores sociais que estavam ? margem da sociedade como ladr?es e sacerdotes itinerantes, que propagavam de cidade em cidade as benesses da Deusa S?ria.

Apuleio, nas Metamorphoses, apresenta a trajet?ria de L?cio, a personagem principal da obra, dividida em onze livros. Sendo assim, do livro I ao III, somos apresentados ao protagonista e ?s suas principais fraquezas: a sensualidade e a curiosidade. Movido pela curiosidade de aprender mais sobre magia, L?cio seduz F?tis, uma escrava da casa, e lhe pede que ela mostre os segredos de sua senhora. Em uma noite, F?tis leva L?cio ao local onde sua senhora realizava seus rituais m?gicos, e este presencia o momento em que a senhora se transforma em ave ap?s banhar-se num unguento. L?cio, muito surpreso, pede a F?tis que pegue o frasco com o unguento para ele poder experimentar a metamorfose. No entanto, F?tis pega, por engano, o recipiente errado. Quando o rapaz se banha com o l?quido m?gico esperando a transforma??o em p?ssaro, passa ? forma de asno. Imediatamente, F?tis leva L?cio para o est?bulo e promete que no dia seguinte consertaria a situa??o. Naquela mesma noite, enquanto L?cio estava no est?bulo, ocorre um assalto na casa de Mil?o, e o rapaz em forma de asno ? usado pelos ladr?es na fuga.

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A partir desse momento, do livro IV ao X, L?cio, em forma de asno, enfrenta uma s?rie de situa??es humilhantes para um cidad?o, contr?rias ? Humanitas.34: vive com crueis bandidos, submetido aos falsos sacerdotes da Deusa S?ria e tem como dono um violento soldado. Desde o instante em que se v? metamorfoseado em asno, a personagem passa a conviver com os estratos mais baixos e marginais da sociedade, como, por exemplo, ladr?es, escravos foragidos, condenados e feiticeiros:

Ent?o, um que superava os outros em for?a disse: "N?s finalmente tomamos de assalto a casa de Mil?o de Hypata. Al?m da grande fortuna que conseguimos com nossa coragem, voltamos com ao nosso acampamento intactos e aumentamos as nossas for?as em oito p?s. Mas v?s que atacastes a cidade da Be?cia, voltastes fracos em n?meros e perdestes o vosso grande Lamaco, cuja sa?de eu consideraria, justamente mais do que todos estes fardos que trouxestes. Mas no caso deles, no entanto, foi sua grande coragem que o destruiu, sua grande mem?ria de her?i ser? celebrada entre famosos e reis e generais de guerra. Mas, v?s, bons ladr?es, com seus pequenos roubos e t?mida servid?o somente rastejais em banhos p?blicos e apartamentos de velhas em busca de ninharias (Met, IV, 8)

No livro XI, Apuleio narra o renascimento do rapaz, que acaba por se tornar sacerdote do culto ? deusa ?sis, renunciando ao amor carnal e ? curiosidade. A escolha de ?sis como a deusa que transforma L?cio em homem ? extremamente particular e est? diretamente relacionada ? moral com a qual Apuleio se identifica. A experi?ncia de L?cio pode ser visualizada como uma liberta??o da morte e como a salva??o pela deusa ?sis ou, em termos plat?nicos, pode ser entendida como uma passagem da forma animal para uma maior contempla??o da realidade. Em outras palavras, a obra indica uma transforma??o em que o personagem principal renuncia a um amor carnal e escravo para atingir um que seja s?rio, repleto de beleza e de virtude.

A ESTIGMATIZA??O SOCIAL DOS SACERDOTES DA DEUSA S?RIA

A obra de Apuleio possui o m?rito de nos fornecer informa??es preciosas sobre o

34 "Humanitas designa os seres humanos que s?o dignos do nome de homem por n?o serem b?rbaros, nem incultos, nem inumanos. Humanitas significa cultura liter?ria, virtude de humanidade e estado de civiliza??o" (VEYNE, 1991, p. 283).

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modus vivendi dos adoradores da Deusa S?ria, dos escravos e foragidos do poder p?blico imperial que, estando ? margem da sociedade e n?o fazendo parte das elites citadinas romanas, poucas vezes se encontram descritos com tantos detalhes nas fontes antigas quanto na novela de Apuleio (SILVA, 2001, p. 31).

Ao longo de toda a narrativa desenvolvida por Apuleio, os sacerdotes e seguidores de Atarg?tis s?o caracterizados de forma altamente depreciativa. Percebemos que as cr?ticas feitas aos sacerdotes e aos devotos da Deusa S?ria podem ser destacadas em quatro n?veis: a falsa devo??o dos oficiantes da divindade, a pervers?o sexual dos sacerdotes, a explora??o da f? p?blica e as a??es il?citas perpetradas por eles.

Comecemos pelas descri??es estereotipadas dos sacerdotes de Atarg?tis no que tange ? postura moral que deveriam observar em rela??o ao seu culto. As cr?ticas se iniciam pela descri??o de Efilebo, sumossacerdote da deusa Atarg?tis, feita por Apuleio:

Mas a minha cruel fortuna, n?o contenta com as desgra?as passadas, colocou novamente seus cegos olhos sobre mim, e por arte de birlibirloque trouxe em minha presen?a o comprador mais apropriado as minhas tremendas desgra?as. Saiba de uma vez de quem se tratava: um maricas; um maricas velho e completamente calvo, ? parte alguns cabelos que caiam em cachos grisalhos, um homem da mais ign?bil estirpe, uma dessas figuras sa?das do res?duo das encruzilhadas, um desses que, pelas ruas, de cidade em cidade, tocando c?mbalos e castanholas, v?o levando a Deusa S?ria e a for?am a mendigar. Tinha um exagerado desejo de me comprar (Met, VIII, 24).

Podemos perceber que o modo como Apuleio descreve o principal sacerdote do culto de Atarg?tis transcorre de uma maneira muito pejorativa. O autor os acusa de serem libertinos afeminados e de manterem a seu servi?o escravos que tocavam instrumentos nas prociss?es da deusa e de servirem como amantes, a??es que contrastavam com o pudor e a castidade que deveriam observar.35 Podemos perceber

35 Apesar de a cr?tica de Apuleio quanto ?s rela??es entre escravos e sacerdotes ser bastante ir?nica, s?

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que a condena??o moral perpetrada por Apuleio ? consonante a caracteriza??o sexual do sacerdote.

O sacerdote procurou se informar com o leiloeiro acerca da mansid?o do burro, visto que ele seria respons?vel em carregar o andor da Deusa S?ria. O pregoeiro, que j? havia informado ser o asno da regi?o da Capad?cia, pois era forte e rijo, disse tamb?m que era manso e se prestava a todas as necessidades, insinuando, inclusive, para fins sexuais. Este trecho da fonte ? revelador e indica a suposta falta de postura moral dos oficiantes do culto e, principalmente, de seu sumossacerdote. O objetivo de Apuleio ? evidenciar o car?ter imoralizante dos representantes do culto da Deusa S?ria. No relato abaixo transcrito, a imagem p?blica do sumossacerdote Efilebo ? contestada devido aos seus escr?pulos relativos ? sexualidade, da? a insinua??o de que o sacerdote teria inten??es sexuais deplor?veis com o asno, como relata o autor:

Apesar de tudo, aquele odioso comprador n?o parava de perguntar umas coisas e outras, interessando-se inclusive por minha mansid?o, at? que contestou ao leiloeiro: - Aqui, como podes ver, ? um aut?ntico cordeiro, n?o um asno, e manso como ? para qualquer trabalho; n?o morde, nem dispensa pontap?s; diria que sob esta pele de burro se esconde um homem pacifico; n?o ? dif?cil comprovar o que digo, introduze-te entre as suas coxas, como hermafrodita; ver?s por ti como demonstrar? infinita paci?ncia (Met., VIII, 25).

A necessidade de se manter a imagem p?blica de um homem determina a educa??o moral recebida e, por extens?o, ao seu grupo social: aos "bem nascidos" ou ?s categorias inferiores, a conduta moral indicava a dist?ncia social existente. Apuleio nos indica que o sacerdote do culto de Atarg?tis n?o possu?a uma conduta moral que se coadunasse as caracter?sticas distintivas da elite municipal norte-africana pautadas na paideia, nos moldes da educa??o liter?ria, mas, principalmente, no processo de sua forma??o moral no controle da postura na cena p?blica.

podemos tom?-la como cr?tica no que tange ? posi??o casta que os sacerdotes e demais oficiantes do culto deveriam observar, uma vez que a homofilia praticada com pessoas de origem servil, desde que se mantivesse o escravo na posi??o passiva, n?o suscitava maiores pol?micas (SILVA, 2001, p. 31).

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Segundo John Scheid (1992, p. 52), o sacerdote no mundo greco-romano era aquele que realizava atos cultuais, diferenciando-se dos magistrados por ser o deposit?rio do direito sagrado e por exercer uma autoridade divina. ? interessante notar que em Roma n?o se tornava sacerdote quem o desejasse: o sacerd?cio n?o era uma quest?o de voca??o (pelo menos, n?o nos cultos tradicionais), mas de estatuto social. Como os atos religiosos eram celebrados em nome de uma comunidade, e n?o em nome de indiv?duos, s? aqueles que estavam destinados pelo seu nascimento ou pelo seu estatuto a represent?-la exerciam as fun??es sacerdotais (SCHEID, 1992, p. 53). Na vida comunit?ria do povo romano, o que determinava essa distribui??o eram as regras tradicionais da vida p?blica. Portanto, as fun??es sacerdotais eram confiadas a todos aqueles que eram, ou tinham sido, regularmente eleitos como magistrados ou sacerdotes do povo. Dito de outro modo: era preciso ser homem de indel?vel e distinta conduta moral, sendo esta formulada no ?mago dos mais antigos valores e costumes tradicionais de Roma, o mos maiorum (SCHEID, 1992, p. 54).

Todavia, o sacerdote descrito por Apuleio em sua obra est? longe da figura atuante e representativa de poder e de defensor da tradi??o e dos costumes ancestrais da sociedade greco-romana. Efilebo, sendo sumossacerdote de uma deusa sempre identificada na obra como estrangeira pertencente a um culto de mist?rio, cujos devotos possu?am duvidosa conduta moral, n?o poderia, por isso, estar associada ? religi?o tradicional romana, mas sim a uma superstitio, proveniente do Oriente e rotulada como b?rbara. A ?nfase nas caracter?sticas sexuais afeminadas do sumossacerdote da deusa Atarg?tis ? revelador de que devido a falta de virilidade do sacerdote ele n?o poderia representar o ideal aristocr?tico de homem e sacerdote exigido pela sociedade romana Alto imperial. Assim, ao que tudo indica o sacerdote, percebendo ser alvo de risos e motivo de chacota do p?blico em geral, retruca contra o pregoeiro:

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Alto l? cad?ver surdo e mudo, pregoeiro que s? sabe delirar! Que a Deusa S?ria, a toda poderosa, M?e universal e o santo Sab?zio, e Belona, e a M?e Ida, e Venus com seu Adonis te tornem cego a ti, que me provocas h? uma hora com tuas grosserias bufoneiras, est?pido. Acreditas ent?o, imbecil, que eu possa confiar a deusa a um animal duro de queixo, para que ele bruscamente estaque e derrube a divina imagem? (Met, VIII, 25).

No relato acima, Apuleio associa a Deusa S?ria ? Cibele, bem como a outros deuses cultuados por escravos e por populares no mundo greco-romano. O sacerdote da divindade Atarg?tis recorre a ela, a fim de impedir que o pregoeiro continue difamando a imagem dele enquanto sumossacerdote da divindade. Podemos perceber que, mesmo em p?blico, o respons?vel pela realiza??o do culto da divindade e da execu??o de seus ritos n?o possu?a status na sociedade nem distin??o moral que o diferenciasse dos demais. Sua condi??o de sacerdote de uma divindade vista como estrangeira e mesmo a necessidade que tem de recorrer a outras divindades provenientes do Oriente, como Belona, Sab?zio e Atis, n?o o colocam em condi??o de exigir respeito moral ou congratula??es. O homem precisava ser viril e apresentar todas as prerrogativas da masculinidade, relacionadas aos ideais do mos maiourum,como o comando nas rela??es p?blicas, pol?ticas, sociais e no sexo.

No entanto, apesar da troca de desaven?as, a compra foi efetivada, e L?cio ? levado ? casa dos sacerdotes e demais oficiantes da Deusa S?ria, onde ? recebido por um coro de vozes afeminadas que esperavam ansiosas pelo retorno do sumossacerdote. Tal relato nos leva a identificar o segundo n?vel de estigmatiza??o dos sacerdotes de Atarg?tis por Apuleio, a pervers?o sexual dos oficiantes do culto de Atarg?tis:

Mas aquele coro de meninas, era em verdade uns maricas, que se puseram a dar saltos de alegria e a dizer inconveni?ncias com suas vozes desafinadas, com voz de mulher quebrada e rouca, crendo que era um pequeno escravo que lhe haviam trazido para lhes prestar servi?os. Mas quando viram um burro em lugar de um homem, fizeram caretas e escarneceram de seu dirigente. N?o, n?o era um servo, mas um marido para ele, certamente. E depois, disseram, n?o o comas sozinho. Partilha-o algumas vezes conosco que somos tuas pombinhas (Met, VIII, 26).

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Apuleio tamb?m critica a postura desprez?vel do sacerdote em rela??o ? sua sexualidade. Ele acusa os oficiantes da Deusa S?ria de serem afeminados com vozes de mulher e de manterem rela??es sexuais com os escravos. Essa passagem de Apuleio est? atrelada a um apelo er?tico muito forte, a fim de apresentar ao leitor da obra a imagem ex?tica dos sacerdotes de Atarg?tis enfatizando a pervers?o sexual dos oficiantes. No mundo greco-romano, os respons?veis pelo culto da Deusa S?ria eram conhecidos como galli, sacerdotes eunucos, que haviam executado o ritual de autocastra??o em honra ? divindade. Ap?s o ritual, vestiam-se de mulher e dedicavamse integralmente ?s atividades em homenagem ? divindade. Possivelmente, da? decorre a cr?tica de Apuleio ? postura dita afeminada dos sacerdotes de Atarg?tis.

Contudo, no mundo greco-romano, as invers?es da verdadeira hierarquia ? como no caso da autocastra??o, a partir da qual o homem, ap?s o ritual, passa a vestir e a exercer atividades t?picas de mulheres ? s?o muito reprovadas e constituem estimulantes formas de degrada??o social (VEYNE, 2009, p. 219). O medo da efemina??o fundamentado na necessidade de manter a imagem p?blica de um homem determina sua conduta moral segundo a qual este conduz a sua vida sexual. Logo, as cr?ticas de Apuleio aos sacerdotes da deusa Atarg?tis n?o est?o relacionadas ao fato de serem ou n?o homossexuais, mas sim ao fato de se submeterem f?sica e moralmente, entregando-se aos prazeres, a um ser inferior.

De acordo com Veyne (1992, p. 60) "os romanos estigmatizavam a homofilia, no entanto n?o a estigmatizavam mais do que ao amor". Logo, n?o se estabelece distin??o entre amor homossexual e amor heterossexual: o prazer ? visto como uma continuidade subjacente entre os dois; o prazer sexual, enquanto tal, n?o traz nenhum problema para as consci?ncias dos mais tradicionais. Em compensa??o, julga-se o efeito que tal prazer pode exercer sobre o comportamento p?blico e as rela??es sociais do homem. Apuleio qualifica como antinaturais certas complac?ncias infames entre os homens, mas n?o estigmatiza a homossexualidade, por?m a atitude servil em

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