ARTÉRIAS RACIAIS NO CORAÇÃO DO MUNDO: IMPÉRIO E …

XIII Encontro da ABRALIC Internacionaliza??o do Regional

10 a 12 de outubro de 2012 UEPB/UFCG ? Campina Grande, PB

ART?RIAS RACIAIS NO CORA??O DO MUNDO: IMP?RIO E IMPROP?RIO EM JOSEPH CONRAD E

CHINUA ACHEBE

Profa. Dra. Sueli Meira LIEBIG (UEPB)

Resumo:

Propomo-nos a analisar neste trabalho a den?ncia de Chinua Achebe de que a novela O Cora??o das Trevas, de Joseph Conrad (1902), n?o passaria de uma distor??o da realidade do africano e do seu continente, numa narrativa eivada de improp?rios que v?o desde a supostamente grotesca figura do nativo sob o jugo do imp?rio belga, passando pela oblitera??o da sua cultura e enfim pela nega??o da sua pr?pria humanidade. Para a consecu??o deste objetivo, servimo-nos dos aparatos te?rico-cr?ticos de Edward Said (2011); Vladimir L?nin ([1917] 1987); Albert Memmi (2007); Claudemar Fernandes (2008); Eric Sipyinyu Njeng (2008); Silva & Silva (2008) e Eni Orlandi (2012), dentre outros. Estes estudos ir?o apontar para algumas quest?es relacionadas ? veia escorregadia da cr?tica p?s-colonial, demonstrando que o romance O Mundo se Despeda?a (1958), de Achebe, n?o s? carece de sustento para as bases das acusa??es feitas a Conrad, mas tamb?m desemboca num relativismo que termina por equipar?-lo ao seu opositor.

1 Introdu??o

A ideia de imp?rio surgiu j? na Roma antiga, entendida como a extens?o do pr?prio Estado e erguida a partir da coloniza??o. A pol?tica colonial imperialista j? existia antes mesmo do capitalismo, mas a palavra imperialismo veio a surgir no s?culo XIX, atingindo o seu ?pice entre 1890e 1914, servindo ainda hoje para nomear as pr?ticas militares e culturais arquitetadas pelas pot?ncias econ?micas para subjugar outros Estados. A estupenda extens?o mundial do imperialismo europeu ocidental ainda lan?a sombras consider?veis sobre a hist?ria da nossa pr?pria ?poca. O cr?tico liter?rio palestino Edward Said assegura que "atualmente, n?o existe nenhum norte-americano, africano, europeu, latino-americano, indiano, caribenho ou australiano que n?o tenha sido afetado pelos imp?rios do passado" (SAID, 2011, p.9).

Justificando-se pelo apelo ao tema do XIII Encontro da Associa??o Brasileira de Literatura Comparada, que prioriza as tradi??es nacionais e lingu?sticas com implica??es imperialistas, este estudo se debru?a sobre as rela??es contextuais e dial?gicas existentes no estudo comparatista entre a novela O Cora??o das Trevas (1902), do polon?s naturalizado brit?nico Joseph Conrad e o romance-resposta O Mundo se Despeda?a (1958), do nigeriano Chinua Achebe.

As controv?rsias em torno do preconceito racial apontado na obra de Conrad por Achebe s?o aqui tratadas sob um ponto de vista equidistante de quaisquer polariza??es essencialistas ou pol?ticas, levando-se em considera??o questionamentos instaurados na pr?pria fatura do discurso de Achebe, aventando-se as seguintes quest?es: a) A partir de que substrato Chinua Achebe consubstancia a sua den?ncia de racismo na obra de Conrad? b) Se racismo ? a cren?a em um povo com tra?os gen?ticos e culturais marcadamente inferiores, onde essa assertiva ? apresentada ou insinuada em O Cora??o das Trevas ? c) N?o seria a queixa do nigeriano de que os africanos s?o rotulados como b?rbaros uma mera confus?o entre as express?es culturais e os n?veis civilizat?rios entre a Europa e a ?frica evidenciados por Conrad? d) Seria racismo o fato de Conrad considerar o n?vel de civiliza??o do Congo do come?o do s?culo XX inferior ao de Londres? e) Negar tais diferen?as n?o seria tamb?m uma esp?cie de relativismo emp?rico por parte de Achebe? f) Seriam as diferentes teorias de ambos os autores sobre a arte o motivo da disc?rdia

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de Achebe?

Em suma, este estudo se prop?e, sen?o a encontrar a chave para as respostas a perguntas como estas, pelo menos a considerar se a obra de Achebe n?o seria mais um ataque pol?tico, um confronto ideol?gico do que propriamente cr?tica a uma obra liter?ria. ? guisa de contextualiza??o, trataremos de forma panor?mica algumas quest?es hist?ricas, pol?ticas e antropol?gicas que nos far?o compreender melhor os posicionamentos destes dois escritores frente ? experi?ncia de cada um com o impasse das rela??es ?tnico-culturais evidenciadas nas suas respectivas obras.

2 A partilha do mundo

Silva e Silva (2010) afirmam que o conjunto das pr?ticas que constitui o imperialismo come?ou a tomar corpo a partir do final do s?culo XIX na Europa Ocidental, com a concorr?ncia entre as economias capitalistas, propiciando o surgimento do capitalismo monopolista. Advindo da forma??o desses monop?lios, o imperialismo ensejou entre trustes e cart?is uma grande disputa por fontes de mat?rias-primas. Uma vez dominado o mercado interno em seus respectivos pa?ses, as pot?ncias precisavam espraiar-se para al?m de suas fronteiras, transformando o crescimento econ?mico em expans?o territorial.

Desta forma, o per?odo entre 1870 e 1914 foi marcado pela conquista pol?tica e militar de outras terras, e quase todo o planeta, excetuando-se a Europa e a Am?rica, foi partilhado em territ?rios dominados pela Inglaterra, Fran?a e Alemanha. O status de pot?ncia estava associado ao n?mero de territ?rios conquistados, tendo como pano de fundo a expans?o mundial das rela??es capitalistas de produ??o. O imperialismo tamb?m teve ra?zes pol?ticas e culturais, entre as quais se ressaltavam teorias racistas como o darwinismo e a eugenia, que disseminavam a cren?a na superioridade cultural e racial dos brancos.

A partilha da ?frica, continente tido como selvagem , rico em recursos naturais e portanto ampla fonte de mat?rias-primas, fez com que as grandes pot?ncias, notadamente a Inglaterra, interviessem na transforma??o dos seus territ?rios dominados em col?nias. Vladimir L?nin (1987 [1917]) assegura que no fim do s?culo XIX grandes l?deres pol?ticos da Gr?-Bretanha, como Cecil Rhodes e Joseph Chamberlain, punham em pr?tica as pr?ticas imperialistas como "uma pol?tica aut?ntica, s?bia e parcimoniosa" (L?NIN, 1987, p.77), insistindo na concorr?ncia que a Alemanha, a Am?rica e a B?lgica faziam ? Inglaterra no mercado mundial. Somente a posse de col?nias daria ao monop?lio completa garantia de sucesso face a todas as eventualidades da luta contra os seus rivais; quanto mais se desenvolvesse o capitalismo, mais mat?rias-primas seriam necess?rias e portanto mais territ?rios deveriam ser ocupados e subjugados. Assim aconteceu com o Congo, col?nia belga cuja impiedosa explora??o ? descrita e criticada por Joseph Conrad em O Cora??o das Trevas. O territ?rio era tido como col?nia particular do rei Leopoldo II da B?lgica, tirano que vitimou os povos que viviam naquele imenso territ?rio que ele, no alto da sua imensa arrog?ncia e concupisc?ncia, reclamou para si pr?prio e rapidamente transformou numa selva de insanidade moral, um verdadeiro teatro de horrores o ar livre.

Embora n?o sendo um escritor politicamente engajado, Conrad leva o leitor aos meandros da condi??o humana ao apresentar o tratamento desumano aplicado aos congoleses. A coloniza??o belga do Congo chegou a trucidar entre 8 e 10 milh?es de seres humanos. Um genoc?dio compar?vel ao holocausto, um pavor que Conrad descreve com as rubras tintas do sangue dos inocentes e com a alus?o aos macabros trof?us em forma de m?os e p?s decepados aos milhares.

Emerson Santiago (2011) nos d? conta de que ao assumir o trono do pequeno reino da B?lgica, o d?spota Leopoldo II logo manifestara sua inten??o de entrar na corrida colonial. A jovem Na??o de pouco mais de quarenta anos , chegando atrasada ? corrida pela divis?o dos territ?rios, foi atra?da pelo vasto espa?o existente no centro do continente africano, por se tratar de uma densa mata, at? ent?o desconhecida. O monarca inicia sem demora uma campanha

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publicit?ria salientando o princ?pio " humanista" de seu interesse na ?frica e envia o famoso explorador norte-americano Henry Morton Stanley para explorar e catalogar o imenso territ?rio, travando negocia??es com v?rios chefes locais e garantindo formalmente a soberania belga sobre o territ?rio hoje nomeado Rep?blica Democr?tica do Congo. Na desenfreada busca pelo retorno financeiro da sua empreitada colonial, Leopoldo come?a a se utilizar de meios coercitivos que n?o poupam qualquer esp?cie de viol?ncia para obter a necess?ria for?a de trabalho da popula??o local , imediatamente escravizada. A borracha e o marfim s?o eleitos como principais mat?rias-primas a serem extra?das da col?nia e os africanos s?o postos sob a mira de armas para trabalharem por at? 18 horas di?rias, sob pena de terem a m?o direita cortada caso n?o atinjam a cota estabelecida. Sendo for?ados a abandonar suas pequenas lavouras de subsist?ncia, e sem alimentos, logo se segue uma impiedosa crise de fome. No in?cio do s?culo passado, a calamidade chegaria ao seu ?pice. A matan?a e mutila??o de seres humanos fugira totalmente at? dos padr?es considerados normais pelas as pot?ncias colonialistas, que come?am a fundar associa??es humanit?rias defendendo o fim da coloniza??o belga, contando com o apoio irrestrito da m?dia. ? no auge das preocupa??es com a situa??o no Congo que surge a novela O Cora??o das Trevas (Heart of Dasrkness), cuja hist?ria retrata fielmente a m?sera condi??o humana dos congoleses aprisionados e desumanizados.

A press?o mundial recairia sobre o rei da B?lgica, que tinha a possess?o como sua propriedade particular, tornando-se para ele insustent?vel. Em 1908 chegaria ao fim o Estado "Livre" do Congo, ir?nico nome dado por Leopoldo ? sua col?nia, com a entrega dos direitos do territ?rio ao Estado belga. A partir da?, surgiria o chamado "Congo Belga", que iria manter uma administra??o r?gida, por?m menos truculenta que a exercida pelo insidioso Leopoldo.

Em Imperialismo, fase superior do Capitalismo L?nin ([1917] 1987) comenta que para por um fim ? quest?o da partilha do mundo falta-nos observar que a literatura americana nos dias subsequentes ? Guerra Hispano-americana, e a literatura inglesa p?s Guerra Anglo-boer n?o foram as ?nicas a esclarecer o reparte do globo. A literatura alem?, que observou de perto e com certa inveja o imperialismo brit?nico, n?o foi a ?nica a formular um julgamento sistem?tico a respeito do fato: na literatura burguesa da Fran?a o historiador Driault comenta que "... ressalvando a China, todos o lugares vagos do globo foram aprisionados pelas pot?ncias da Europa ou da Am?rica do Norte" (L?NIN, Idem, p.85). Referindo-se ainda ? febre da expans?o colonial, o autor ainda observa que

Nesta partilha do mundo, nesta ardente corrida aos territ?rios e aos grandes mercados da terra, a import?ncia relativa dos Imp?rios fundados neste s?culo ? S?culo XX ? n?o est? de modo algum em propor??o com o lugar que as na??es que os fundaram ocupam na Europa [...]. O imperialismo modificou j? e modificar? cada vez mais as condi??es pol?ticas da pr?pria Europa. (DRIAULT,1907, apud L?NIN, 1987, p. 86)

3 O protetorado colonial e seus desdobramentos

Em Cultura e Imperialismo (2011) Edward Said produz uma esclarecedora cr?tica liter?ria ao investigar de que maneira as ideias imperialistas influenciaram e continuam influenciando a pol?tica e a cultura ocidentais. Ele chega ? conclus?o de que a fic??o ocidental dos s?culos XIX e XX e os meios de comunica??o em massa contempor?neos podem se transformar em poderosas armas de conquista, al?m de observar as vozes de oposi??o dos nativos na literatura dos pa?ses colonizados. Segundo ele, o imp?rio brit?nico, juntamente com outros imp?rios, veio a unificar o planeta. Entretanto, jamais seremos capazes de apreender em toda a sua totalidade o mundo imperial: os cruzamentos entre cultura e imperialismo s?o inevit?veis. O chamado "Imperialismo cl?ssico"chegou ao fim com o desmantelamento das grandes estruturas coloniais ap?s a Segunda Guerra Mundial, mas continua exercendo, de um modo ou de outro, uma larga influ?ncia cultural at? os dias atuais.

Assim, a heran?a imperial de anos de colonialismo continua at? o presente a afetar , em

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todas as pr?ticas sociais, pol?ticas e ideol?gicas, as ainda estreitas rela??es entre o Ocidente e o mundo por ele repartido e colonizado.

A este respeito, ou contra este legado, o escritor nigeriano Chinua Achebe assim se pronuncia:

A meu ver, ? um grave crime qualquer pessoa se impor a outra, apropriar-se de sua terra e de sua hist?ria, e ainda agravar esse crime com a alega??o de que a v?tima ? uma esp?cie de tutelado ou menor de idade que necessita de prote??o. ? uma mentira total e deliberada. Parece que at? o agressor sabe disso, e ? por essa raz?o que ele ?s vezes procura camuflar seu banditismo com essa hipocrisia t?o descarada [...] Assim como toda a Europa contribuiu para a constru??o do terr?vel personagem de Mr. Kurtz em Cora??o das trevas, de Conrad, da mesma forma toda a Europa colaborou na cria??o dessa ?frica que Kurtz foi libertar e que acabou apenas subjugando a um terror obsceno. (CHINUA ACHEBE, 2009, p. 9)

Na ep?grafe acima, retirada do ensaio "A Educa??o de uma Crian?a sob o Protetorado Brit?nico", Achebe parece condensar toda a revolta do escritor africano contra o colonizador europeu e suas pr?ticas desumanas. De acordo com ele, seria tolice tentar estabelecer um paralelo entre o dom?nio colonial brit?nico na Nig?ria e as escabrosas atividades de "Sua Serena Majestade Leopoldo II" no Congo. Nisto h? diferen?as consider?veis. Entretanto, n?o se pode negar que todas as pot?ncias europeias que participaram da corrida ? ?frica contribu?ram para a constru??o do terr?vel personagem de Mr. Kurtz em Cora??o das trevas de Conrad como da mesma maneira a Europa como um todo colaborou na cria??o dessa ?frica que Kurtz foi resgatar e acabou subjugando a um "terror obsceno".

4 Achebe, Conrad e a vis?o da ?frica

Depois da II Guerra Mundial, muitos africanos, asi?ticos e povos de outros pa?ses lutaram pela sua independ?ncia pol?tica do jugo colonialista europeu. A batalha pelo reconhecimento das suas culturas de origem foi uma parte importante desse processo pol?tico e as d?cadas de 1960 e 1970 testemunharam uma profus?o de escritos oriundos dessas col?nias rec?m-libertas. Chinua Achebe, um dos mais proeminentes escritores desta gera??o trouxe para o mundo angl?fono um retrato da cultura nigeriana.

Recusando-se a admitir a vis?o da ?frica pintada por Conrad em O Cora??o das Trevas por consider?-la um reflexo dos pressupostos racistas da Europa sobre a negrura e a inferioridade dos africanos, Achebe publica o ensaio intitulado " Uma imagem da ?frica: Racismo em O Cora??o das Trevas, de Conrad (1977), que se torna a pedra angular da sua cr?tica anticolonialista. Sua primeira obra ficcional, O Mundo se Despeda?a , retrata a tradicional cultura do povo Igbo em choque com a cultura europeia , expondo uma vis?o nacionalista que contesta os mitos do colonizador e as distor??es sobe a ?frica e os africanos. Achebe argumenta que embora a novela O Cora??o das Trevas critique a miss?o imperialista europeia, apresenta os africanos como selvagens, sub-humanos e incapazes de falar. Ele condena tal vis?o como ofensiva e deplor?vel , ao mesmo tempo em que focaliza o seu ataque n?o exatamente em Conrad, mas na posi??o cr?tica do seu texto can?nico como obra-prima, a despeito do racismo nele contido. O professor nigeriano questiona, desta forma, o pr?prio c?none ocidental e os valores sociais e morais da arte.

Pressupondo uma teoria social da obra liter?ria e rejeitando os preceitos apregoados pelos defensores da art for art's sake ( arte pela arte) ele n?o compactua com a vis?o est?tica de que devemos apreciar uma obra de arte pelos seus m?ritos lingu?sticos e estil?sticos, mas pelos valores sociais que ela reflete e propaga.

As opini?es aqui se dividem: alguns estudiosos s?o da opini?o de que Conrad se op?e ao imperialismo europeu e que simpatiza com a causa dos africanos, solidarizando-se com o seu sofrimento, ideia com a qual pessoalmente tamb?m compactuamos. Outros, com vis?es menos

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pragm?ticas ou talvez mais filos?ficas, argumentam que a novela n?o representa uma ?frica real, mas a alegoria da decad?ncia psicol?gica de um indiv?duo numa batalha descontextualizada entre o bem e o mal. H? aqueles que acham que narrativas como O Cora??o das Trevas s?o inconsistentes na sua vis?o racista por enxergarem ?frica com olhos ocidentais. Alguns mais moderados, embora admitam o racismo embutido na obra defendem que de certa forma a vis?o de Conrad representa um relativo progresso em rela??o ? percep??o que se tinha do negro naquela ?poca. Pensamos que basta termos em mente a influ?ncia das teorias de Darwin sobre o pensamento da ?poca e j? ter?amos motivo para concordar com tal progresso.

Al?m do impacto causado pela cr?tica de Chinua Achebe ? obra de Conrad, a sua den?ncia tomou propor??es maiores durante as chamadas "guerras culturais" dos anos 1980 e 1990, em que alguns cr?ticos tentaram impor padr?es morais e pol?ticos ?s obras liter?rias cl?ssicas sob a ?gide do "politicamente correto", posicionamento adotado por Achebe ; os tradicionalistas levantavam a bandeira de que as obras can?nicas exibiam um alto valor est?tico j? caucionado pelo tempo e s? sob esse aspecto deveriam ser julgadas, como no caso da obra de Conrad; j? os cr?ticos p?s-colonialistas, afro-americanos, feministas, orientalistas etc., contestavam um c?none liter?rio pautado em valores sexistas, homof?bicos, gays, racistas, religiosos e outros valores tidos como negativos. Desnecess?rio dizer que estas opini?es conflitantes repousam nas diferentes teorias sobre a arte que cada grupo advoga.

Alinhado com o pensamento do romancista e cr?tico queniano Ngugi w Thiong'o e outros, Chinua Achebe vem pregando a descentraliza??o das representa??es culturais ancoradas no imperialismo, em favor de uma perspectiva cr?tica sob a ?tica do colonizado. Ao defender uma voz nativa distinta que efetivamente represente a pr?pria experi?ncia dos africanos, Achebe tem influenciado no desenvolvimento dos estudos p?s-coloniais, tanto quanto na literatura e na cr?tica afro-americanas.

5 Colonizador x colonizado: sujeito, ideologia e discurso

Claudemar Fernandes (2008) observa que a produ??o de sentidos de um texto se cristaliza atrav?s dos lugares ocupados pelos sujeitos no jogo interlocut?rio. Desta forma, uma mesma palavra toma sentidos diversos de acordo com o lugar socioideol?gico de quem a emprega. ? a partir da? que a l?ngua se insere na hist?ria no mesmo momento em que a constr?i, produzindo sentido. As condi??es de produ??o, neste caso, constituem basicamente os sujeitos e a situa??o social envolvida. Citando P?cheaux, o autor atenta para o fato de que "o sentido de uma palavra, de uma express?o, de uma proposi??o, etc., n?o existe em si mesmo[...], mas ao contr?rio, ? determinado pelas posi??es ideol?gicas colocadas em jogo no processo s?cio-hist?rico, no qual as palavras, express?es e proposi??es s?o produzidas" (P?CHEAUX, 1997b, p. 190, apud FERNANDES, 2008, p.16).

Baseados no argumento acima nos sentimos ? vontade para nos posicionarmos a respeito da ideia de Achebe sobre o racismo embutido na oba de Conrad: _ N?o seria a queixa do nigeriano de que os africanos s?o rotulados como "b?rbaros" uma mera confus?o entre as express?es culturais e os n?veis civilizat?rios entre a Europa e a ?frica evidenciados por este ?ltimo?

Segundo Orlandi ,

? a ideologia que fornece as evid?ncias que apagam o car?ter material do sentido e do sujeito. ? a? que se sustenta a no??o de literalidade: o sentido literal, na concep??o lingu?stica imanente, ? aquele que uma palavra tem independentemente de seu uso em qualquer contexto. [...] no entanto, se levarmos em conta na an?lise do discurso a ideologia, somos capazes de apreender, de forma cr?tica, a ilus?o que est? na base do estatuto primitivo da literalidade: o fato de que ele ? produto hist?rico, efeito de discurso que sofre as determina??es dos modos de assujeitamento das diferentes formas-sujeito na sua historicidade e em rela??o ?s diferentes formas de poder. (ORLANDI, 2012, p. 52)

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