O futuro dos acordos das dívidas estaduais



O futuro dos acordos das dívidas estaduais

MARIA LUIZA LEVI

Está em jogo o futuro dos acordos de refinanciamento das dívidas estaduais

junto do governo federal e, com ele, uma chance para que se possa caminhar

na direção de uma solução de longo prazo para o problema do

sobreendividamento dos Estados. O governo, premido pela urgência em

demonstrar interna e externamente que tudo será feito para que o setor

público tenha capacidade de servir suas dívidas, assumiu a posição de

garantidor do cumprimento dos contratos de refinanciamento das dívidas dos

Estados a qualquer preço. Mais: os acordos se tornaram "imexíveis", já que

se acredita que qualquer atitude que possa sinalizar um alívio para os

devedores será automaticamente avaliada como quebra do compromisso com

relação ao ajuste fiscal. Levada ao limite, porém, essa postura pode acabar

comprometendo a própria continuidade dos acordos.

Foram necessários quase três anos para que as conversações para discutir

parâmetros de renegociação tomassem a forma da lei 9.496, de setembro de 97,

a qual deu amparo legal aos acordos hoje em vigor. Em parte, a demora do

processo se deveu ao fato de que os juros se elevaram a alturas sem

precedentes a partir de 95, fazendo com que as dívidas saltassem de patamar

no meio do caminho. Criou-se, assim, um impasse sobre como seriam

distribuídos os custos decorrentes dessa demora.

No caso do Estado de São Paulo, isso acabou sendo equacionado pela

negociação, antes mesmo da assinatura do acordo, de "datas de corte", a

partir das quais o custo das dívidas já ficaria limitado a juros reais de 6%

ao ano. Até que ponto tais subsídios deveriam ser vistos como benefícios

líquidos que os Estados receberam do governo federal é uma questão complexa.

Durante o primeiro ano de vigência do Real, enquanto a maior parte dos

Estados assistia impotente ao crescimento acelerado de suas dívidas devido

aos juros, o governo assegurou para si financiamento barato, devido aos

recolhimentos compulsórios sobre depósitos à vista e a prazo e sobre

operações de crédito (alternativa disponível só para quem tem o poder de

emitir moeda). Aos Estados, restou pagar juros mais altos para financiar

seus estoques de dívida. O subsídio poderia ser visto como uma forma de o

governo partilhar com os Estados os benefícios de seu poder de emissão, na

falta de critérios para distribuir o ônus associado à responsabilidade pela

política econômica adotada.

De qualquer forma, os acordos firmados recentemente sob a lei 9.496/97 têm

chance de constituir uma solução duradoura. Primeiro, porque sua taxa de

crescimento agora é fixa (6% reais ao ano para a maioria dos Estados), o que

significa que a evolução dos juros das dívidas está desvinculada dos juros

da economia. Segundo, porque, para o bem ou para o mal, a contratação de

novas dívidas tenderá a ficar cada vez mais difícil.

Se isso é assim, é mais do que natural que os elementos que possam impor

dificuldades ao pleno cumprimento dos contratos sejam identificados e

rediscutidos. Não se trata de colocar em discussão os parâmetros gerais (o

limite de comprometimento da receita, a taxa de juros e o prazo do

refinanciamento, a necessidade de proceder à amortização de parte da dívida

à vista); isso abriria uma nova rodada de negociações em torno da própria

lei de refinanciamento, algo impensável a esta altura.

Trata-se, sim, de lembrar que os contratos foram firmados tendo em vista

hipóteses que não necessariamente tendem a se verificar e reconhecer que é

preciso negociar mecanismos que permitam enfrentar essas situações. Só que

isso deve ser feito de forma aberta e transparente, sob pena de que a

questão acabe sendo encaminhada na base do caso a caso.

O problema que hoje mais aflige os Estados é o fraco comportamento da

receita, decorrente, fundamentalmente, da Lei Kandir e da alta juros. A Lei

Kandir foi aprovada após negociação entre o governo e os Estados, em que

ficou acertado que estes seriam ressarcidos das perdas decorrentes de sua

aplicação. Só que os critérios para proceder a esse ressarcimento se mostrar

am insuficientes para medir adequadamente as perdas. Em São Paulo, estima-se

que cerca de R$ 1,8 bilhão (já descontado da parcela do repasse aos

municípios) tenha deixado de entrar no caixa do Tesouro entre 1997 e 1998.

Já a elevação dos juros impactou negativamente a receita por duas vias.

Elevou-se o índice de inadimplência dos contribuintes, já que o custo do

capital de giro das empresas aumentou, tornando vantajoso adiar o

recolhimento dos tributos e se financiar em cima do Tesouro Estadual. E o

nível de atividade caiu, em decorrência do desaquecimento da economia.

Sem entrar no mérito do acerto ou não dessas medidas, suas consequências

tornaram patente a necessidade de discutir salvaguardas que possam constar

dos acordos, visando assegurar seu cumprimento por meio de flexibilizações

temporárias de certas obrigações. Afinal, as metas de ajuste fiscal dos

Estados, cujo cumprimento é condição necessária para garantir a continuidade

dos acordos, foram baseadas em projeções sobre a arrecadação que se

revelaram otimistas demais, por razões alheias à vontade dos governos

estaduais. E é absurdo esperar dos governos que, a cada mês, ao verem

frustradas as expectativas de receitas constantes dos acordos, procedam

automaticamente a corte de igual montante nas despesas, simplesmente para

cumprir as exigências.

De qualquer forma, se o comportamento da receita se apresenta hoje como o

ponto mais vulnerável dos acordos, é quase certo que não será o único

elemento a necessitar de revisão. Isso é natural e decorre da própria

abrangência das hipóteses sobre as quais foi montado o programa de metas dos

Estados.

É preciso reconhecer, portanto, que a capacidade dos governos de honrar suas

obrigações financeiras não depende só da "vontade política" dos governantes,

mas também da evolução de suas receitas e despesas, dadas as circunstâncias.

Adiar até o limite de resistência dos Estados uma discussão aberta sobre

como compatibilizar os contratos já firmados com sua real capacidade de

pagamento não é uma postura que possa ser vista como favorável à

transparência do processo ou mesmo à sobrevivência dos acordos. Ao

contrário, corre-se o risco de perder todo o esforço de negociação feito até

aqui.

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