Kawall, Carlos - Rede Academica de Ciencia Economica
Kawall, Carlos. “O que queremos do FMI ?”. São Paulo: Valor Econômico, 02 de agosto de 2001. Jel: G
O que queremos do FMI?
Carlos Kawall
A instabilidade dos mercados financeiros frente ao contágio da crise argentina recolocou, com rapidez, a necessidade de uma nova rodada de ajuste da política econômica, envolvendo um ajuste fiscal adicional e a busca de uma extensão do acordo com o Fundo Monetário Internacional. Isto implica decisões que envolvem um grau elevado de controvérsia, especialmente no momento atual do ciclo político, com a definição de alianças partidárias e candidaturas para as eleições gerais do ano que vem.
Desejamos aqui sobretudo nos concentrar na questão do recurso ao FMI em um contexto de contágio externo. Para alguns, o recurso ao FMI seria uma inaceitável perda de soberania nacional, envolvendo também a adoção de terapias recessivas que agravariam a situação econômica e o sofrimento da população. Através de uma rápida revisão histórica, é possível argumentar exatamente o contrário: hoje, a possibilidade de recorrer ao FMI e demais organismos internacionais não só significa minimizar os impactos sociais de um choque externo, mas também representa a alternativa progressista nos termos do debate que orientou a própria criação do Fundo e sua atuação ao longo do tempo.
Os livros de história econômica retratam o embate de alto nível entre Keynes e Harry Dexter White (representantes do Reino Unido e EUA, respectivamente) durante a reunião de Bretton Woods, em 1944, que levou à criação do FMI e Bird (hoje, Banco Mundial). Ambos, de modos diferentes, desejavam que houvesse um organismo multilateral com recursos substanciais para enfrentar crises de balanços de pagamentos de modo a minimizar os impactos na produção e emprego. Mas prevaleceu então a posição mais isolacionista dos EUA, levando a um FMI com escassos recursos.
Isso ficou claro para nós décadas mais tarde, no início dos anos 80, quando os países latino-americanos foram forçados a efetuar ajustes fortemente recessivos por ocasião da crise da dívida externa. No caso do Brasil, fomos levados a um ajuste de contas externas violentíssimo, culminando com a chamada "década perdida". Nas negociações feitas com o FMI a partir de 1983, o volume de recursos alcançava no máximo US$ 2 a 3 bilhões por ano, tendo como contrapartida condicionalidades draconianas pelo seus impactos sociais, com um grau de flexibilidade muito pequeno. Uma recuperação do debate da época mostraria claramente as fortes críticas feitas, sobretudo pela esquerda, à falta do apoio financeiro, por parte do FMI e governos dos países desenvolvidos, no tocante à solução da crise do endividamento latino-americano.
Já nos anos 90, as crises dos países emergentes (começando pelo México) mostraram um novo padrão de ação dos organismos multilaterais. Frente à hipótese de uma crise financeira de graves proporções atingindo os mercados emergentes, organizaram-se megapacotes financeiros de resgate que incluíram ajuda de governos de países desenvolvidos. Esta nova abordagem, que nos beneficiou em 1998/1999, permitiu uma recuperação relativamente rápida dos países em crise, mostrando também maior flexibilidade do FMI na negociação das condicionalidades. Em certo sentido, resgatou-se em parte as propostas iniciais de Keynes e White de fontes de liquidez internacional mais abundantes para enfrentar as crises de balanços de pagamentos.
Mas as críticas quanto à atuação do FMI no tocante à crise asiática, envolvendo tanto a sua incapacidade de prevê-la quanto a polêmica quanto às terapias recomendadas pelo Fundo para debelá-la, suscitaram um debate quanto à reformulação do papel do FMI e demais organismos multilaterais. A abordagem dos megapacotes, por sua vez, foi vista como responsável pela elevação do risco moral, com os investidores apostando em países muito arriscados na esperança de que seriam resgatados com o dinheiro dos contribuintes, via ação do FMI e governos. Uma importante novidade, a partir de então, foi a incorporação crescente de expedientes de compartilhamento do ônus ("burden sharing") das crises financeiras com os investidores privados, chamados a participar dos resgates financeiros ou a aceitar algum grau de perda em seus ativos.
Isso gerou uma evolução para uma situação intermediária entre os padrões dos anos 80 e 90, especialmente com a nova administração republicana nos EUA. É possível um apoio substancial dos organismos multilaterais, mas em menor volume se comparado à década passada, já que passou-se a descartar o envolvimento de governos, como no caso recente da Turquia. E o apoio não deve mais servir para resgatar o investidor privado e sim funcionar de modo preventivo, desde que o país tenha fundamentos saudáveis e esteja disposto a ajustes adicionais quando for o caso. Esta solução intermediária ocorreu a despeito de propostas ultraliberais mais radicais, na linha do Relatório Meltzer, feito nos EUA, que prevê em essência uma volta do FMI à atuação que teve até a década de 80, inexistindo recursos suficientes para pacotes de ajuda mais expressivos. Dentro desta concepção ultraliberal, países de renda média, como o Brasil, não receberiam o apoio do FMI, em sentido contrário ao espírito das propostas de Keynes em 1944. Em outras palavras, o Brasil e demais países de renda média passariam a enfrentar crises externas levados pelas forças de mercado.
Poder contar hoje com um apoio de US$ 15 a 20 bilhões do FMI e demais organismos permitiria ao Brasil minimizar, desde que acompanhado de medidas de ajuste fiscal, o contágio oriundo da crise argentina e do quadro de desaceleração da economia global. Isto tende a se traduzir em menor pressão sobre o câmbio, reduzindo o impacto sobre a inflação. Em conseqüência, haveria menor necessidade de elevar a taxa de juros, com menor impacto na produção e emprego. Assim, o mote "fora FMI" apresenta-se hoje como uma bandeira pseudo-progressista que, de modo curioso, só se mostra coerente com as concepções ultraliberais de soberania do mercado.
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