Federal University of Rio de Janeiro



Comunidades

VIRTUAIS

Por que as empresas estão juntando gente para se reproduzir e formar tribos em sites da Internet? Resposta: para ganhar dinheiro

Por Mikhail Lopes

Por volta do ano 1500 (não há registros precisos da data), o navegador francês La Bêtise descobriu a foz do rio Approuague, na atual Guiana Francesa. Naquele sítio foi então fundada a cidade de São Herculano de Porto Claro. Incrustada entre o Brasil e a Guiana Francesa, a cidade cresceu e transformou-se no principado de Porto Claro. Declarou-se independente da França em 1900. Em março do ano passado, seus 383 cidadãos decidiram num plebiscito pôr fim à monarquia e instaurar uma república presidencialista no país. Em maio foi eleito o primeiro presidente: Francisco Russo, do Partido Social Democrata Nacional.

Se você não cabulou as aulas de geografia quando estava na escola deve saber que Porto Claro não está em nenhum mapa. Na verdade, Porto Claro só existe no ciberespaço. Foi criado há seis anos por uma trupe de garotos em idade escolar. O site cresceu e hoje é uma comunidade com gente de todas as idades. São pessoas que passam seus dias na frente do micro debatendo assuntos do interesse nacional, como a política e o esporte portoclarenses.

Assim como os cidadãos de Porto Claro, milhões de outras pessoas estão encarando a Internet de uma nova maneira. Em vez de navegar à deriva em busca de informações ou das últimas notícias, elas estão preferindo ancorar em lugares fixos, estabelecendo lares fora de seus lares. São sites como o Geocities, onde os cibercolonos podem formar suas capitanias virtuais, ou o Swingers do Brasil, para aqueles que só estão procurando conquistas mais prazerosas. É claro: os internautas continuam atrás de informações, mas querem algo mais. Querem fazer parte de uma comunidade. De acordo com uma pesquisa recente da revista Business Week, 57% dos internautas costumam ir aos mesmos sites repetidamente, em vez de vagar como nômades de uma home page a outra. "Estamos no começo de uma explosão", disse à Business Week Andrew Busey, da ichat (com minúscula, mesmo), empresa americana que faz programas para bate-papos virtuais. "As comunidades e a comunicação são a próxima grande onda da Internet."

A população on-line tende a se comportar de maneira mais parecida com a população do planeta. Ou seja: as pessoas começam a se agrupar em sites onde podem encontrar amigos e se sentir confortáveis. "Para a maioria das pessoas, entrar na Internet é como pular no oceano", diz Douglas Rushkoff, autor do livro Cyberia, sobre a cultura do ciberespaço. "As comunidades on-line fornecem os salva-vidas."

E o que as comunidades virtuais têm a ver com negócios? Muito. Os empreendedores mais espertos do mundo virtual já perceberam que o apelo cultural das comunidades é uma oportunidade real de ganhar dinheiro. Um estudo da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, revelou que há apenas 8 segundos para que um site capture a atenção do internauta - ou ele vai embora. Mesmo quando resolve ficar, o visitante não passa mais que 7 minutos em média no site. Sobra pouco tempo para que os cibermercadores anunciem ou vendam alguma coisa, concorda?

Dentro de uma comunidade virtual é diferente. Uma sala de bate-papo, por exemplo, onde as pessoas possam conversar em tempo real, incrementa muito o movimento num site. Veja o exemplo do Universo Online (UOL), dos grupos Abril e Folha. A página de entrada é a mais visitada: perto de 600 000 vezes por dia. A segunda área mais concorrida do site são as salas de bate-papo, com cerca de 120 000 visitas diárias. Nelas se reúnem comunidades que vão de partidários do ocultismo a adeptos do homossexualismo. Ali os anúncios custam em média 20 reais para cada 1 000 vezes que a página é visitada. Resultado: as salas de bate-papo são uma das áreas mais rentáveis do UOL.

Mas o que é mesmo uma comunidade virtual? Estamos ainda vivendo os primórdios da sua evolução e portanto ainda não há um modelo definido. As comunidades existentes são tão ecléticas e diferentes entre si quanto um bairro de São Paulo e outro de Jacarta. Em comum, têm a característica de se formar em torno de um interesse ou paixão. Assim funcionam os chamados portais, sites como o americano Yahoo! ou o brasileiro Cadê?, que têm áreas divididas por assunto. Mas só a divisão por área de interesse não basta. A comunidade ideal precisa encorajar a interação e a comunicação. Não se trata apenas da comunicação entre empresa e usuário. Estamos falando principalmente de comunicação entre usuários por meio de recursos como bate-papo eletrônico, murais de mensagens e fóruns de discussão. "É isso que dá personalidade ao site" diz Alejandro Picos, consultor de tecnologia da McKinsey. "Um concorrente pode até copiar seu conteúdo, mas não consegue copiar as pessoas que formam a comunidade e que são o verdadeiro patrimônio do site."

É importante também dar poder aos colonos virtuais. "Por que a Internet é diferente das outras mídias?", diz Marcelo Lacerda, diretor do site ZAZ. "Porque permite que o usuário se expresse em tempo real." É fundamental que os empreendedores saibam tirar proveito disso para tornar seus entrepostos virtuais mais atraentes aos olhos dos usuários. Uma amostra do que os internautas podem fazer quando lhes é dado poder: recentemente os usuários do bate-papo do Universo Online conheceram a Jane. Trata-se de um programa de computador feito na linguagem Java que adiciona vários recursos às salas de bate-papo, permitindo que os usuários mandem fotos e músicas uns para os outros ou repudiem mensagens inconvenientes. Jane (o nome foi inspirado numa personagem do livro de ficção científica Orador dos Mortos, de Orson Scott Card) foi criação de um informata conhecido no mundo virtual como Ender. Ele é membro de uma comunidade de aficcionados por computadores que freqüenta o bate-papo do UOL. Jane nasceu nessa comunidade, para uso de seus membros, que ajudaram a testá-la. "O sucesso foi tanto que resolvemos incorporar ao bate-papo a criatura de Ender e sua comunidade de informatas", diz Margot Pavan, editora de interação do UOL. Com o poder nas mãos dos internautas, aos donos dos sites resta atuar como mediadores. Se eles tentarem controlar os desígnios das comunidades, sob o pretexto de vender algum produto ou serviço, poderão espantar os internautas e os lucros. É preciso deixar a vida nas comunidades seguir seu curso.

Para muitos membros de comunidades virtuais, esse curso passa por suas vidas profissionais. Segundo a pesquisa da Business Week, 42% das pessoas envolvidas em comunidades on-line dizem que pertencem a comunidades relacionadas ao seu trabalho. Outros 35% são parte de um grupo social (pais, mulheres, etc) e 18% dizem que o assunto é um passatempo qualquer. Dois tipos de comunidades que têm se tornado muito populares são aquelas delimitadas por faixa etária ou região de residência dos membros - as pessoas tendem a se relacionar com quem more perto e tenha idade próxima. Outro exemplo de grande audiência na Internet são os sites de clubes de futebol. O do Flamengo, por exemplo, recebe 90 000 visitas por mês, segundo os responsáveis. Os flamenguistas podem ver notícias dos jogos e dos jogadores, além de comprar artigos esportivos como a camisa oficial do clube, que custa 54 reais. Para anunciar na página de entrada, é preciso desembolsar 3 000 reais por mês. Para funcionar como uma genuína comunidade on-line, como manda o manual, apenas faltam ao site do Flamengo recursos que permitam aos torcedores se comunicar uns com os outros.

Apesar de ser um fenômeno ainda novo na World Wide Web - a porção multimídia e mais conhecida da Internet -, as comunidades remontam aos primórdios da rede. No começo dos anos 70, a Internet nasceu como uma comunidade na qual só os cientistas do Departamento de Defesa americano trocavam informações. Logo plugaram-se à rede universidades e laboratórios privados de pesquisa. Isso fez proliferar uma série de subcomunidades. Em 1979 a chamada Usenet explodiu. Permitindo que os usuários publicassem mensagens em murais virtuais, a Usenet desabrochou em milhares de newsgroups, os grupos de discussão de temas que iam dos computadores Apple a seriados como Arquivo-X.

O site America Online foi provavelmente o primeiro a levar para as massas o poder das comunidades virtuais. No começo da década de 90, popularizou os bate-papos on-line e hoje tem milhares de salas onde seus membros trocam figurinhas. Há cinco anos, quando a Web emergiu do limbo acadêmico e caiu nas graças da massa de internautas, os fazedores de sites se deslumbravam com a recém-adquirida capacidade de publicar documentos empetecados com desenhinhos e animações. De uns dois anos para cá, a ordem tem sido desenvolver programas capazes de trazer para as páginas da Internet recursos sofisticados de fóruns de discussão e bate-papo. Empresas espertas como as novatas ichat e eShare, que fabricam esse tipo de software, enxergaram aí uma grande oportunidade de fazer negócios. Sites como o UOL e o ZAZ, onde as salas de bate-papo vivem lotadas, e como o Talk City, devotado exclusivamente à tagarelice on-line, seguiram essa mesma trilha.

Trata-se agora de transformar o velho apelo das comunidades em ouro. A Internet está ainda repleta de exemplos de perdularismo. Marcas famosas do ciberespaço como Amazon Books continuam dando prejuízo. O problema, segundo os especialistas, é que esses sites não tiram o proveito que poderiam da interatividade da Internet. Sem isso, a rede não difere muito das outras mídias como a TV e os jornais.

Desde que a Internet explodiu, os empreendedores estão à procura de uma maneira de ganhar dinheiro na rede. Já se falou em webcasting (você se lembra disso?) e agora a moda são os portais. Ninguém ainda conseguiu descobrir um modelo realmente consistente de negócios para fazer dinheiro na Internet -- mas são boas as chances de que no mapa do tesouro estejam as comunidades virtuais. Por quê? Uma comunidade virtual abriga um grupo definido, com interesses comuns. Isso é ouro para os anunciantes, que podem atingir públicos específicos. As 300 salas de bate-papo do ZAZ, por exemplo, divididas por assuntos como namoro e eleições, chegam a receber 2,5 milhões de visitas mensais -- o equivalente a um faturamento de 15 000 reais, considerando-se o custo de 6 reais para cada 1 000 visitas por anúncio.

Uma outra fonte de receita para os empreendedores virtuais pode ser a cobrança de taxas dos membros. Não é uma tarefa fácil. Os internautas são seres avessos a pagar por qualquer coisa na rede. É preciso oferecer algo valioso. O paraense Ricardo Neno se inspirou nos classificados eróticos de jornais e revistas e montou sua versão digital do negócio. Neno é o criador, junto com sua mulher, do site Swingers do Brasil, uma comunidade virtual de pessoas à procura de parceiros sexuais. Entre casais procurando casais, homens procurando mulheres, homens procurando homens, mulheres procurando mulheres, todas as demais combinações possíveis e vice-versa, Neno diz ter 6 000 anúncios em seu site. Colocar o anúncio é grátis. Eles são o grande chamariz do Swingers. Quem quiser prospectar um parceiro no meio dos anúncios, tem que pagar uma assinatura mensal de 7 reais. Como afrodisíacos extras, Neno construiu para os assinantes salas de bate-papo e de videoconferência que ficam abarrotadas todas as noites com os integrantes de sua comunidade do amor livre. "De cada 4 000 reais de faturamento, 1 000 reais são lucro", diz Neno.

Os construtores das comunidades virtuais podem também ganhar dinheiro vendendo cotas de patrocínio. Nesse caso, o patrocinador paga pelo direito de ser o único a anunciar em determinada área do site. Na maioria das vezes ele também vende produtos ou serviços de interesse da comunidade. Para patrocinar cada uma das 680 salas de bate-papo do Universo Online, o anunciante paga de 300 a 500 reais por mês. A revista Quatro Rodas, por exemplo, patrocina uma sala de bate-papo dedicada a seus leitores. É uma forma de publicidade considerada menos intrusiva do que os anúncios comuns. "Os patrocinadores ficam integrados à vizinhança", diz David Bohnett, fundador do Geocities, uma das maiores e mais movimentadas comunidades virtuais. O que o Geocities oferece? Terrenos e ferramentas para que os internautas construam seus lares no ciberespaço, divididos em vizinhanças temáticas, como Napa Valley, para bebedores de vinhos, ou Silicon Valley, para viciados em chips. A Microsoft patrocina o Programmers Pavilion, um ponto de encontro de informatas localizado dentro da vizinhança de Silicon Valley. A receita do Geocities no ano passado foi de 6 milhões de dólares, 80% proveniente de patrocínio e da venda de anúncios.

Ainda é cedo para saber como o modelo de negócio das comunidades virtuais evoluirá, mas os especialistas acreditam que os consumidores tendem a gravitar para comunidades onde tenham opções de escolha de informações e produtos. "As comunidades atuarão como agentes de seus membros, ajudando-os a conseguir dos vendedores melhores informações sobre produtos e serviços -- além de preços mais baixos -- ao mesmo tempo que atendem suas necessidades de comunicação", escreveram os consultores da McKinsey John Hagel III e Arthur G. Armstrong em seu livro Net Gain -- Expanding Markets Through Virtual Communities (Expandindo os Mercados por Meio das Comunidades Virtuais).

Antes disso acontecer, uma pergunta precisa ser respondida: o que colocar num site para atrair pessoas que possam formar uma comunidade? "Saber quais interesses podem gerar uma comunidade é muito difícil", diz Lacerda, do ZAZ. Novos softwares que estão sendo desenvolvidos para detectar gostos das pessoas poderão ajudar nessa tarefa. Se os construtores de comunidades on-line não sabem exatamente como ganhar dinheiro com elas, nada como perguntar aos especialistas: os membros.

|COMO GANHAR DINHEIRO DA | |

|TURMA | |

|As principais maneiras de| |

|obter receita nas | |

|comunidades virtuais da | |

|Internet | |

|Anúncios |O Geocities teve uma receita de US$ 6 milhões em 19997. Desse total, 80% vieram da venda de |

| |anúncios colocados em suas páginas. |

|Patrocínio |Para aparecer em cada uma das 680 salas de bate-papo do Universo Online, o patrocinador paga de R$ |

| |300 a R$ 500 por mês. |

|Cobrança de taxas |O Swingers do Brasil fatura R$ 40 000 por mês cobrando de seus membros uma taxa que dá direito a |

| |procurar um parceiro em meio a seus 6 000 anúncios. |

|Venda de produtos e |Na Fl@Shop, a loja virtual do site do Flamengo, podem ser encontrados artigos como a camisa oficial|

|serviços |do clube, por R$ 54, ou o calção, por R$ 25. |

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