Werlang, Sérgio - Federal University of Rio de Janeiro



Werlang, Sérgio. “É hora de desdolarizar a economia brasileira”. São Paulo: Valor Econômico, 23 de Julho de 2001. Jel: E

É hora de desdolarizar a economia brasileira.

Sérgio Werlang

Desde a adoção do câmbio flutuante tem-se visto o constante aumento de preços administrados, isto é, de tarifas de eletricidade, combustíveis, transportes e telecomunicações. Com efeito, o aumento destes componentes, com os pesos do IPC da FGV, em 1999 foi de 23,65%, em 2000 de 17,21% e em 2001 já acumula até junho 3,85%, sem contar com os aumentos de combustíveis, energia elétrica e telecomunicações que ocorreram em julho. Por outro lado, o restante dos preços da economia subiram 6,53% em 1999, 3,99% em 2000 e em 2001 até junho 2,85%. A razão básica para tal discrepância está no fato destas tarifas serem afetadas fortemente pelo valor da taxa de câmbio real/dólar.

No Brasil acoplou-se a este fenômeno o sistema de metas para a inflação em um índice de preços cheio, o IPCA do IBGE. O IPCA representa uma média de todos os preços da economia, as tarifas e os preços livres. Ocorre que para manter a inflação medida pelo IPCA dentro dos limites permitidos pelo sistema de metas, o Banco Central tem que compensar uma eventual alta dos preços administrados fazendo com que o segmento livre da economia tenha aumentos bem inferiores. Assim, os administrados sobem acima da meta, e os livres abaixo. O mecanismo que permite ao Banco Central manter sob controle os aumentos dos preços livres é a taxa de juros, que por sua vez determina o nível de atividade.

Em 1999 e em 2000 as metas tinham folga suficiente para que o Banco Central, com o comportamento exibido pela taxa de câmbio, pudesse agir de forma a atingir as metas de inflação sem custos exagerados para a sociedade brasileira. Em 2001 a situação é muito distinta. Isto porque não só as metas são mais apertadas (como deveriam ser em um país que almeja chegar com sua inflação perto da média internacional - cerca de 3,6% ao ano em 1998), mas também, e principalmente, por terem acontecido dois eventos de grande excepcionalidade, que causaram uma forte desvalorização do real frente ao dólar.

Primeiro, houve um racionamento de energia elétrica, fato não vivenciado por brasileiros desde a década de sessenta. Segundo, o sistema cambial argentino está mostrando claros sinais de que pode ser rompida a paridade peso dólar, estabelecida em 1 para 1 desde de 1991. Este último evento causa uma retração nos investimentos diretos para o Brasil pelo efeito contágio. Racional ou não, e provavelmente não, esta diminuição já pode ser sentida. O Banco Central estima para este ano um investimento direto (contando com o empréstimos entre matriz no exterior e filial no Brasil como investimento) de 20 bilhões de dólares, enquanto que em 2000 este número foi de 32 bilhões de dólares. A solução só pode ser uma no sistema de câmbio flutuante: o real desvaloriza-se. Isto fará com que o superávit comercial seja aumentado, e o déficit em serviços diminuído, ajudando a cobrir a falta de dólares provenientes de investimento direto que financia o balanço em transações correntes.

Como subproduto, tem-se um repasse às tarifas controladas desta desvalorização, e o Banco Central vê-se forçado a aumentar as taxas de juros para conter a expansão da economia e os preços livres. De fato, a própria estimativa do Banco Central é de crescimento este ano de 2,8%, quando ano passado a atividade expandiu-se em 4,5%. E mesmo assim a inflação deverá bater próximo da banda superior de tolerância do sistema de metas para a inflação (a meta é de 4% mais ou menos 2%, o que resulta em um limite superior de 6% ao ano), se não ultrapassá-la.

Duas medidas devem ser urgentemente tomadas. Primeiro, as metas para a inflação deveriam ser anunciadas excluindo-se os preços administrados, ou utilizando-se um índice núcleo. Infelizmente o Ministério da Fazenda já determinou as metas até 2003 inclusive. E não pode-se pensar em voltar atrás em tal anúncio, pois a perda de credibilidade seria fatal para o sistema. Mas podem-se começar estudos sobre o tema, visando à implantação em 2002 da meta de 2004, já em novas bases. Segundo, há que se desdolarizar a economia brasileira. Para tanto é fundamental entender um pouco como e porque as tarifas controladas são reajustadas de acordo com o dólar.

Há duas razões. Primeiro, alguns preços são diretamente afetados pelo dólar. Estes incluem: i) o dos combustíveis, de acordo com a fórmula ora em vigor; ii) o repasse do preço da energia elétrica gerada por Itaipu, cerca de 25% do total do Brasil, que é corrigido pelo dólar; e iii) o preço do gás que é transportado da Bolívia, que também é dolarizado, e os repasses deste ao preço da energia gerada pelas termoelétricas que usarão o gás. Segundo, há os preços que são reajustados periodicamente pelo IGP ou pelo IGP-M da FGV, por contrato. Estes incluem a distribuição de energia elétrica em geral, e os serviços de telecomunicações. Tanto o IGP como o IGP-M sofrem maior impacto com a desvalorização do dólar que os índices de preço ao consumidor.

Quanto à segunda causa, nada há a fazer com os contratos em andamento, mas os novos podem ser referenciados a um índice de preços ao consumidor, por exemplo, o IPC da FGV. Mas em relação à primeira razão, muito pode ser feito. Com efeito, o governo poderia alterar a indexação de muitos desses contratos, incorrendo com o custo da proteção cambial quando não for possível outra solução. E para isso deveria aumentar o superávit fiscal. E de dois em dois anos poder-se-ia realizar uma análise para comparar o nível médio do câmbio em que houve a proteção e o nível médio então observado. Se houvesse uma discrepância grande, então um ajuste, ao menos parcial, das tarifas seria efetuado. A desvinculação dos preços internos do dólar é o que fará com que o sistema de câmbio flutuante tenha total eficácia.

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