Estudo Avaliação das Escolas: Fundamentar Modelos e ...

Estudo Avalia??o das Escolas: Fundamentar Modelos

e Operacionalizar Processos

Jos? Maria Azevedo

Estudo realizado com o apoio da Funda??o Luso Americana para o Desenvolvimento

Julho de 2005

AVALIA??O DAS ESCOLAS

Sum?rio Introdu??o I. A press?o para a avalia??o das escolas ? quest?es pol?ticas, sociais e econ?micas II. As correntes dominantes a n?vel europeu e o caso do No Child Left Behind (EUA) III. Aspectos recentes da avalia??o das escolas em Portugal IV. Uma avalia??o para a melhoria das escolas V. A auto-avalia??o e o apoio externo VI. Sugest?es para o desenvolvimento da avalia??o das escolas em Portugal Refer?ncias bibliogr?ficas

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SEMIN?RIO

Introdu??o

As cria??es sociais s?o sempre muito mais complexas que os instrumentos de que dispomos para as avaliar, mas podemos sempre tentar avaliar e, nesse tentar, ir melhorando.

A escola existe como um n? de uma rede escolar e social, pelo que a sua avalia??o ? complementar ? avalia??o de outros n?veis dessa rede, ou seja, dos alunos, dos profissionais, da administra??o educacional, das medidas de pol?tica. Por outro lado, h? facetas da realidade escolar que podem ser avaliadas isoladamente, como, por exemplo, a ac??o social escolar, os equipamentos, as bibliotecas ou os manuais escolares. Mas ? de avalia??o das escolas enquanto institui??es que aqui se trata. Qual o lugar da avalia??o da escola no esfor?o global de melhoria da educa??o?

Temos muita informa??o ou muita base para informa??o que n?o ? utilizada. Tanto teste, tanta "nota", tanta prova global ou de aferi??o, tanto exame, tanta acta ou relat?rio, tanta auditoria ou inspec??o, tanto relat?rio de avalia??o dos modelos de gest?o, das reformas curriculares ou de projectos financiados pelo PRODEP! Podemos correr o risco de uma avalia??o "banc?ria", por analogia com a "educa??o banc?ria" de Paulo Freire, em que se acumula informa??o, se verifica os resultados e se deposita relat?rios, sem a ac??o implicada e criadora dos actores, sem partir da realidade da escola e das pr?ticas para a elas voltar. Que avalia??o melhor serve para passarmos da informa??o ao conhecimento e do conhecimento ? ac??o?

De facto, a produ??o de informa??o em levantamentos estat?sticos, provas e exames n?o tem "fornecido dados operativos com incid?ncia seja no desenvolvimento do curr?culo, na supera??o das dificuldades de aprendizagem dos alunos e na evolu??o das aprendizagens dos alunos, seja na diagnose de necessidades e implementa??o de programas de forma??o dos docentes" (Formosinho e Machado, 2004:19). E perguntamo-nos: que se alterou na oferta das institui??es de forma??o inicial ou cont?nua de professores, em fun??o dos resultados das provas de aferi??o, dos exames, dos testes internacionais ou da "Avalia??o integrada" da Inspec??o-Geral da

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AVALIA??O DAS ESCOLAS

Educa??o? Que decis?es pol?ticas se apoiaram nessa informa??o? Ser? a nossa administra??o educativa constitu?da por "organiza??es aprendentes"? Conhecer os problemas tem ajudado a melhorar a ac??o?

A avalia??o ? instrumental, n?o substitui o debate sobre a escola, antes deve ser um instrumento para suportar e qualificar esse debate. Parece que quanto menos se est? de acordo sobre o que se quer da educa??o e da escola, mais se receita a avalia??o, como se dela viessem as respostas aos problemas centrais ou como se constitu?sse, em si, uma pol?tica ou um valor. No entanto, os processos de avalia??o est?o bem mergulhados no campo da pol?tica, implicando valores e aspira??es da sociedade. Nesse sentido, a quest?o pertinente ser?: como pode a avalia??o alimentar a lucidez?

Eis algumas das perguntas a que valer? a pena tentar responder, mesmo que abram para um horizonte demasiado amplo para o alcance deste relat?rio, que se limita a apresentar uma s?ntese de caracteriza??o de modelos de avalia??o de escolas e uma reflex?o sobre os caminhos a prosseguir no futuro pr?ximo, partindo de modelos de outras paragens e da experi?ncia colhida em Portugal. Na realidade, fornece elementos para um ponto de situa??o, mas est? longe de ser uma "revis?o da literatura" ou um relato hist?rico; aponta linhas de ac??o e propostas para sustentar decis?es, mas n?o ? um programa de ac??o.

No cap?tulo I, s?o apontados factores que poder?o caracterizar as diferentes origens da press?o no sentido da avalia??o dos servi?os p?blicos e, em especial, das escolas; no cap?tulo II, ? apresentada uma s?ntese das correntes dominantes na Europa, o programa pol?tico que se desenvolve nos EUA, consubstanciado no No Child Left Behind Act e algumas notas sucintas sobre a influ?ncia de estudos internacionais nas pol?ticas nacionais; no cap?tulo III, s?o sumariamente caracterizadas din?micas de avalia??o mais not?rias em Portugal e apresentadas breves considera??es sobre a Lei 31/2002, de 20 de Dezembro; no cap?tulo IV, s?o enunciados oito t?picos para reflectir sobre princ?pios gerais de uma avalia??o para a melhoria das escolas; no cap?tulo V, trabalha-se conceitos, modalidades e implica??es da auto-avalia??o; no cap?tulo VI, adiantam-se algumas sugest?es para o desenvolvimento da avalia??o das escolas.

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SEMIN?RIO

I. A press?o para a avalia??o das escolas ? quest?es pol?ticas, sociais e econ?micas

A press?o no sentido da avalia??o dos servi?os p?blicos e, em especial, das escolas, tem origens muito diversas e l?gicas diferentes, quando n?o contradit?rias. Por isso, a avalia??o n?o pode ser reduzida a uma dimens?o t?cnica, pois envolve vis?es, interesses e expectativas de cariz pol?tico, social e econ?mico, de que enunciamos o que nos parece mais pertinente.

1. O destaque atribu?do ? avalia??o das escolas decorre de duas tend?ncias que marcam a generalidade dos pa?ses europeus, a saber, a descentraliza??o de meios e a defini??o de objectivos nacionais e de patamares de resultados escolares (Eurydice, 2004). Assim, a autonomia dos servi?os p?blicos, consubstanciando uma delega??o de poder, pressup?e a responsabiliza??o e a transpar?ncia, a defini??o de objectivos e a recolha de informa??o sobre resultados. A presta??o de contas ?, neste sentido, apresentada como o contraponto necess?rio ? substitui??o da gest?o directa e centralizada dos sistemas p?blicos pela regula??o, independentemente do grau de efectiva descentraliza??o e de real autonomia. Por outro lado, a avalia??o ? um factor de regula??o e governabilidade das sociedades contempor?neas e de gest?o de rela??es de poder; no caso da educa??o, "a diversidade de fontes e modos de regula??o faz com que a coordena??o, o equil?brio ou a transforma??o do funcionamento do sistema educativo resultem mais da interac??o dos v?rios dispositivos reguladores do que da aplica??o linear de normas, regras e orienta??es oriundas do poder pol?tico" (Barroso, 2003:40). Na realidade, os mesmos princ?pios ou doutrinas podem ser mobilizados para enquadrar dispositivos diferentes e aplic?veis a realidades deveras distintas.

2. Na sua rela??o com a escola, os actores sociais assumem diversos pap?is, como os de consumidor, de cliente ou de cidad?o; assim, o consumidor quer ter informa??o sobre as escolas para escolher a que oferece a melhor rela??o custo-benef?cio, o cliente quer ter garantias de qualidade do servi?o e informa??o actualizada, o cidad?o quer a informa??o necess?ria para fomentar a responsabilidade colectiva face ? educa??o, nos campos

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AVALIA??O DAS ESCOLAS

pol?tico, social, cultural, empresarial, pois a educa??o ? um assunto de todos. Assim sendo, a avalia??o surge, entre uma l?gica de mercado e uma l?gica de cidadania, como uma fonte de informa??o e de controlo social da educa??o. Embora do mesmo processo possam decorrer resultados ?teis para as diferentes l?gicas, a escolha dos fins determina a selec??o dos meios e dos crit?rios. Quem quer saber? O qu?? Para qu??

3. Os focos, entre eles o da avalia??o, que incidiam predominantemente sobre os indiv?duos e sobre o "sistema", concentram-se agora nas escolas: multiplicam-se os estudos sobre a efic?cia das escolas, as caracter?sticas das escolas boas, a melhoria das escolas, o "efeito-estabelecimento". Na mesma corrente, considera-se central a an?lise da escola como organiza??o ou institui??o, desenvolve-se o discurso pol?tico transversal sobre a escola como "unidade cr?tica" do sistema educativo ou cultiva-se a ideia da "escola como unidade b?sica de mudan?a" (Murillo, 2003:1).

4. Os limites dos recursos financeiros p?blicos acentuam a necessidade de maior escrut?nio da efici?ncia dos servi?os educativos: "para onde vai tanto dinheiro?" H? que conhecer os factores que explicam os n?veis de efici?ncia e de efic?cia apresentados pelas escolas e patenteados nos ?ndices de reprova??o e abandono e nos resultados dos exames. S?o crescentemente referidas uma baixa "produtividade" e uma gest?o desadequada das escolas e vai aumentar a press?o sobre os resultados das escolas, com recurso a indicadores como o da despesa por aluno, a rela??o alunos por professor e alunos por escola ou a remunera??o dos professores, em confronto com os resultados escolares. Neste contexto, ganham relevo os paradigmas da gest?o empresarial que apontam a avalia??o das escolas como instrumento de promo??o da qualidade, nomeadamente em mat?ria de organiza??o e de mobiliza??o eficiente de recursos. Numa perspectiva pol?tica, j? n?o est? em causa s? a acessibilidade ? educa??o, mas tamb?m a qualidade da forma??o. Mas esta pode ser vista na "tradicional dimens?o t?cnica e instrumental da qualidade, entendida como a adequa??o de recursos e procedimentos em rela??o ?s finalidades enunciadas" ou como

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SEMIN?RIO

"uma dimens?o pol?tica onde se real?am os valores que s?o dominantes nas pol?ticas e pr?ticas organizacionais" (Afonso, 2002:54).1

5. Os n?veis de escolariza??o da popula??o mais jovem subiram claramente, mas ainda h? muitos adolescentes que abandonam a escola sem as aprendizagens consideradas b?sicas. Este insucesso da universaliza??o da escolaridade b?sica ?, possivelmente, a maior das fontes de interpela??o da escola e do modo de organiza??o do trabalho escolar: o que est? a impedir que todos possam aceder a um n?vel elementar de forma??o geral? Porque h? valores t?o d?spares no que diz respeito a indicadores de escolariza??o? Importa perceber o que depende de cada escola e o que deriva de factores externos econ?micos, sociais, culturais.

6. H? cada vez mais escolas a entenderem que a avalia??o pode ser instrumento decisivo de processos de melhoria e de estrat?gia de desenvolvimento, accionando processos de auto-avalia??o ou contratando avalia??es externas. Em termos gerais, as escolas privadas aperceberam-se mais cedo da necessidade de serem "organiza??es aprendentes", tamb?m como componente de uma estrat?gia de marketing (Costa e Ventura, 2002).

7. As expectativas desmedidas sobre a resposta da escola a m?ltiplas necessidades e solicita??es sociais n?o se v?em suficientemente respondidas. Note-se, como bom exemplo, a forma desequilibrada como se faz incidir no campo educativo e formativo os problemas da rela??o muito complexa entre escolariza??o, diplomas escolares e mercado de trabalho. A escola enfrenta os seus limites face aos horizontes incertos de crescimento das crian?as e dos jovens, entre a evolu??o da fam?lia e as mudan?as no

1 H? quem se abalance a definir a qualidade na escola. Por exemplo: "uma escola de qualidade ? a que potencia o desenvolvimento das capacidades cognitivas, afectivas, est?ticas e morais dos alunos, contribui para a participa??o e a satisfa??o da comunidade educativa, promove o desenvolvimento profissional dos docentes e influencia com a sua oferta educativa o contexto social. Uma escola de qualidade tem em conta as caracter?sticas dos seus alunos e do seu meio social. Um sistema educativo de qualidade favorece o funcionamento deste tipo de escolas e apoia especialmente aquelas que escolarizam os alunos com necessidades educativas especiais ou est?o situadas em zonas social ou culturalmente desfavorecidas." (Marchesi e Mart?n, 1999:33).

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AVALIA??O DAS ESCOLAS

mundo das profiss?es e dos empregos. A que deve e pode responder cada escola, no seu contexto?

8. O sistema educativo tem uma imagem p?blica pouco favor?vel, decorrente de uma avalia??o medi?tica, gen?rica, impressiva, expressa na resson?ncia p?blica de acontecimentos, problemas ou incidentes e na divulga??o de penosas compara??es internacionais ou de resultados de exames. No entanto, estudos de opini?o revelam que as pessoas gostam mais da "sua" escola que do "sistema", embora os crit?rios de aprecia??o possam n?o ser os mesmos. Qual ? a imagem justa de cada escola? Muitas escolas querem provar que a sua realidade ? melhor que o medi?tico manto cinzento-escuro que tende a cobrir todas.

9. A "massifica??o" gerou uma crise de confian?a na escola, pelo menos junto de determinados sectores sociais, pois alguns dos problemas mais dif?ceis que a escola enfrenta s?o consequ?ncia dos avan?os na democratiza??o, dos esfor?os de concretiza??o do princ?pio da educa??o para todos. Mas, n?o raro, confunde-se a massifica??o do acesso ao sistema ou o gigantismo da administra??o educativa gerado nas ?ltimas d?cadas com a massifica??o da vida quotidiana de cada escola e das pr?ticas educacionais, confus?o de que se retiram conclus?es abusivas; mas a vida nas escolas de hoje ser?, de facto, mais "massificada" que a das escolas de n?vel correspondente de h? vinte, trinta ou quarenta anos? Por outro lado, apesar de reconhecermos que h? demasiada press?o para a homogeneiza??o das caracter?sticas das escolas, elas s?o diferentes. Em que s?o diferentes? O que explica as diferen?as?

10. A disponibilidade de dados de refer?ncia e de compara??o entre escolas, como ? o caso dos resultados dos exames do ensino secund?rio ou das provas de aferi??o no ensino b?sico, induz a vontade de conhecer o que, em cada escola, explica os valores obtidos. Neste campo, a avalia??o pode estabelecer uma fun??o compensadora dos resultados devastadores que os rankings tantas vezes causam; ali?s, uma avalia??o s?ria das escolas evidencia a pobreza e os efeitos perversos e nocivos dessas formas de "avalia??o", t?o pregui?osas e t?o simp?ticas para os media. N?o podendo

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