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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA PRIMEIRA VARA CRIMINAL E INFÂNCIA E JUVENTUDE DA COMARCA DE FERNANDÓPOLIS-SP

Autos nº …./2009 – Seção da Infância e Juventude

“Inquérito Judicial”

Requerente: Juízo da V.I.J. de Fernandópolis

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, por seu Promotor de Justiça que esta subscreve no uso das atribuições legais, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, nos autos do processo em epígrafe, com fundamento no art. 198 e 199 da Lei Federal nº 8069/90, interpor o presente recurso de APELAÇÃO contra a r.Sentença de fls. 859-1145, com fundamento nas razões pragmáticas e jurídicas aduzidas em anexo, e requerer, caso não acolhido o inconformismo na oportunidade do juízo de retratação, a remessa dos autos ao Egrégio Tribunal de Justiça – Câmara Especial, para conhecimento e julgamento do recurso, provendo-se-o.

Nestes termos,

Pede deferimento.

Fernandópolis, 5 de maio de 2010.

__________________________________

Promotor de Justiça

Promotoria de Justiça de Fernandópolis

Autos nº .../2009 – V.I.J. de Fernandópolis

“Inquérito Judicial”

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude da comarca de Fernandópolis

RAZÕES DE APELAÇÃO

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

COLENDA CÂMARA ESPECIAL.

EMINENTE PROCURADOR DE JUSTIÇA.

Insurge-se o Ministério Público do Estado de São Paulo contra a r.Sentença de fls. 859-1145, pela qual encerrou o inquérito judicial 75/2009, instaurado para “se obter informações sobre os procedimentos de fiscalização, que não foram, voluntariamente, enviadas a este Juízo, quer pelo Ministério Público, quer pelo Ministério do Trabalho, pela Delegacia respectiva” (item 5 de fl. 3), decidindo, em síntese e pertinentemente:

“Diante dessa demanda, com amparo na lei, na doutrina e na jurisprudência, a Vara da Infância e da Juventude passa a expedir autorizações judiciais de trabalho aos adolescentes, por meio de um procedimento simples: um termo de autorização, que sintetiza prévia investigação do Conselho Tutelar sobre notas e comportamento do adolescente na escola, interesse dos pais, condição econômica da família e inspeção no local de trabalho, além de algumas orientações, entre elas, a de inserção do menor no regime de aprendizagem” ( fl. 862 – pág. 2 do relatório final – terceiro parágrafo)

....

Sem desconsiderar ações específicas, como o combate incisivo às situações de risco de crianças e adolescentes, aquelas que ocorrem altas horas da noite, por meio da medida que foi apelidada pela comunidade de toque de recolher¸ a oportunidade oferecida aos adolescentes, inclusive para os infratores, com o trabalho remunerado, contribuiu para a queda da criminalidade juvenil, para uma adolescência mais segura, saudável e responsável. Por isso, também, a insistência na continuidade do programa de inclusão de jovens no mercado de trabalho, adotando as autorizações com o intuito de desmitificar o receio dos empresários com a lei trabalhista, de aproveitar a ocasião e promover o sistema de aprendizagem (como consta das autorizações) e de caminhar para o combate ao excesso de formalismo administrativo trabalhista que só inviabiliza a efetivação do direito constitucional do adolescente ao trabalho remunerado, à profissionalização, à assistência e à educação. (grifo meu) – fl. 872 – pág. 12 do relatório de encerramento – segundo parágrafo.

O apego desmedido e a desproporcional valorização das normas regulatórias trabalhista, presentes na esfera administrativa, e que aqui foram sufragadas pelo irregular protocolado do Ministério Público Estadual e pela sua respectiva fiscalização, conduzem, na prática, ao absurdo de – a um só tempo – vedar o direito ao trabalho dos menores de 18 anos e inverter o sistema legal e hierárquico. A Constituição Federal prevê, como regra, o direito dos adolescentes ao trabalho fixando, ela mesma, as exceções. Entretanto, sob o pressuposto de uma extensa proteção aos menores contra uma exploração eminentemente teórica e abstrata, já que desgarrada de realidades específicas, as restrições acabam ampliadas e levadas ao extremo pelos regramentos infraconstitucionais, numa inflação e num apetite regulatório e penalizador peculiares de um processo kafkaniano, a sobrepujar a Constituição. – fl. 873 – pág. 13 do relatório de encerramento.

Os adeptos de exclusivismo dos regulamentos trabalhista talvez não entendam, mas o Judiciário tem o dever indeclinável de se debruçar sobre os temas controvertidos sob o prisma da realização da justiça, singularmente definida como a medida das coisas.

2.1. Da natureza jurídica deste procedimento

Este procedimento não é administrativo. A Portaria 2/2009 instaura um rito jurisdicional, previsto o art. 153 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de natureza de jurisdição voluntária, com intervenção do Ministério Público, e nesta comarca, da OAB, que participa de todos os atos, ativamente. – fl. 876 – pág. 16 do relatório de encerramento.

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Diante disso, como consta da portaria inicial, o objetivo deste procedimento é saber se existem situações periclitantes aos jovens em razão do trabalho, quais os motivos pelos quais foram realizadas fiscalizações trabalhistas na comarca, mormente, pela magnitude delas, apurar as dispensas, considerando que, até hoje, os resultados do programa de inclusão dos adolescentes no mercado de trabalho são muito satisfatórios e há maciço apoio da comunidade a esse programa que é decorrente das decisões judiciais e da atuação do Conselho Tutelar. – fl. 880 – pág. 20 do relatório de encerramento.

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2.2 Da competência da Vara da Infância e da Juventude para expedição das autorizações de trabalho para adolescentes:

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Por tais normas, a autorização de trabalho ao adolescente, a ser expedida pelo Juiz de Menores (atual Juiz da Infância e da Juventude), constitui-se num instrumento legal, prévio e indispensável, destinado à proteção de menor, quando o trabalho se realizar em local público (ruas, praças e outros logradouros) ou em outros lugares que poderiam comprometer moralidade do adolescente. Por tais disposições, em suma, a autorização judicial de trabalho é necessária para proteção do menor, mas limitada aos casos pré-estabelecidos pela CLT, quais sejam, local público ou outros que possam comprometer a moralidade do menor. No entanto, a própria CLT e outras leis criam outras espécies de trabalho do menor, para além daquele desenvolvido em local público e das questões de moralidade. – fl. 882 – pág. 22 do relatório de encerramento.

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Sendo assim, a proteção, que é o mandamento nuclear do sistema de trabalho do menor na CLT, pelo argumentum a simili deve ser estendida para as outras modalidades de trabalho do menor previstas na mesma CLT, utilizando, para isso, o instrumento protetivo já existente: a autorização judicial de trabalho. – fl. 882 – pág. 22 do relatório de encerramento.

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Pelo princípio da proteção integral (art. 1º), o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei muito mais ampla do que a CLT, quando se trata de proteger interesses e direitos de menores de 18 anos, o que inclui, obviamente, a proteção ao trabalho de menores. Desse modo, patentes as possibilidade factuais e legais de trabalho para adolescentes em tanto outros lugares, que não aqueles limitados na CLT, e diante do princípio estatutário da proteção integral (um princípio muito mais forte do que o seu similar na CLT e, diga-se de passagem, irrenunciável), a proteção aos menores trabalhadores deve passar, com maior razão, in argumentum a fortiori, pela autorização prévia e necessária do Juiz da Infância e Juventude. – fl. 883 – pág. 23 do relatório de encerramento – segundo parágrafo

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2.3 Da atuação do Conselho Tutelar e do princípio da inafastabilidade da jurisdição na apreciação de autorização de trabalho para menores:

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Contudo, existe uma resistência por parte de empregadores, estigmatizados por informações equivocadas e até mitos, relativamente à lei trabalhista, que puniria, inexoravelmente, os empresários que abrigassem adolescentes, em qualquer condição de trabalho, salvo na condição de aprendiz, ligado a uma instituição de aprendizagem. Desde já, isso de fato é uma lenda (embora reforçada pela indigitada fiscalização), à medida que existe não apenas a espécie de aprendiz, destinada ao trabalho de adolescente, bem como, para tantas outras modalidades de trabalho de menor, sequer há vínculo empregatício, como mostra atual e abalizada jurisprudência de tribunais trabalhistas.

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Impulsionado pelas peculiaridades locais (repita-se: intensa e lídima demanda dos próprios adolescentes e famílias por trabalho lícito aos menores; resistência, sem fundamento, de empresários em oferecimento de postos de trabalho; ocorrência, não rara, de menores que estão em serviço, embora sem qualquer exploração, mas fora do alcance da proteção integral, isto é, sem acompanhamento na escola e verificação prévia do local de trabalho pela Justiça da Infância e Juventude; e, ameaça constante e em elevação das drogas, até pela arregimentação de mão-de-obra de menores), logrou-se ajustar a emissão das autorizações de trabalho por meio do trabalho prévio e de campo do Conselho Tutelar. – fl. 890 – pág. 30 do relatório de encerramento

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Além da inafastabilidade da jurisdição, como princípio constitucional e cláusula pétrea, o Estatuto da Criança e do Adolescente é taxativo ao dispor (art. 148, VII): A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis. – fl. 891 – pág. 31 do relatório de encerramento

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Nos casos desta comarca, em geral, o Conselho Tutelar resume a “lide” – interesse do adolescente e da família ao trabalho e dificuldade de sua efetivação – num procedimento prévio que conta com averiguação de matrícula e notas de aluno na escola, condições do local de trabalho, recomendação de pelo menos uma modalidade de trabalho ao adolescente (aprendiz) e reclama a autorização judicial para o garoto ou a garota trabalhar. – fl. 891 – pág. 31 do relatório de encerramento

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Singelamente, esse é o rito empregado nesta comarca, cuja Justiça da Infância e Juventude expediu dezenas de autorizações de trabalho, negou algumas, cassou outras. Era isso que vinha e é isso que vem sendo feito, sistematicamente, antes e depois da fiscalização indiscriminada da Gerência Regional do Trabalho e Emprego, requisitada pelo Promotor de Justiça da Infância e Juventude; pois, além de formalmente legal, o procedimento concessivo das autorizações de trabalho é materialmente lícito, uma vez que torna concreto um direito social importantíssimo, de estatura constitucional, que beneficia a sociedade e, principalmente, os menores de 18 anos. – fl. 892 – pág. 32 do relatório de encarremento

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Diante dessa quadra, a ação fiscalista operada pelo mandante e pelos seus mandatários feriu direito constitucional fundamental do adolescente ao trabalho, bem como atacou um sistema judicializado de efetivação desse direito constitucional ao não respeitar as autorizações judiciais de trabalho conferidas aos adolescentes. Fl. 898 – pág. 38 do Relatório de Encerramento

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2.4.2. Do exercício do trabalho como proteção constitucional especial ao adolescente:

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Ademais e acima disso, a mensagem constitucional é muito clara: proteger crianças e adolescentes significa, prioritariamente, assegurar direitos; não o empenho em aplicar suas restrições. Desse modo, quando se elevam em demasia as restrições ao trabalho de menor, sobretudo, de modo indiscriminado e por meios sigilosos, tem-se uma ação contrária não apenas ao direito ao trabalho dos adolescentes, mas também ao sistema de proteção dos menores, cuja essência, repita-se, é assegurar direitos. fl. 900 –pág. 40 do relatório de encerramento

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Ora, se ficamos inflexíveis, lendo a lei de maneira fria, corremos sério risco de tê-los trabalhando na clandestinidade, sem qualquer direito assegurado e sem o acompanhamento da Justiça menorista. – fl. 906 – pág. 46 do relatório de encerramento

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A forma de abertura do protocolado do Ministério Público, o seu sigilo e o seu encerramento, de legalidade altamente duvidosa, o modo imotivado, desproporcional e indiscriminado como forma requisitadas as fiscalizações, sem entrar na questão do uso indevido de atribuição pertencente a outro órgão do Ministério Público, tudo isso e a maneira como a Gerência Regional do Trabalho realizou sua tarefa (bem a verdade, em obediência à ordem superior vinda do Promotor de Justiça e a ela vinculada, mas, mesmo assim, de costas à justiça responsável pelas autorizações de trabalho) revelam a adesão dos rigorosos fiscalistas a essa lógica (juridicamente inconstitucional) de que o trabalho do adolescente, sem a regulamentação privativa do direito trabalhista, é algo prejudicial e necessita ser combatido. – fl. 911 – pág. 51 do relatório de encerramento.

...

Por isso, também, a insistência na continuidade do programa de inclusão de jovens no mercado de trabalho, adotando as autoriações com o intuito de desmitificar o receio dos empresários com a lei trabalhista, de aproveitar a ocasião e promover o sistema de aprendizagem (como consta das autorizações) e de caminhar para o combate ao excesso de formalismo administrativo trabalhista que só inviabiliza a efetivação do direito constitucional do adolescente ao trabalho remunerado, à profissionalização, à assistência e à educação. – fl. 922 – pág. 62 do relatório de encerramento

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2.5 Da questão do vínculo empregatício e das várias modalidades de trabalho do adolescente:

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Examinar, como poder de decisão, se tal ou qual modalidade de trabalho juvenil cria ou não vínculo empregatício, não é tarefa de competência da Justiça Comum, do Juiz de Menores, a quem a CLT outorga a competência par expedir autorizações de trabalho. Não cabe ao Juiz da Infância e da Juventude perquirir, como condição da expedição da autorização de trabalho, se tal ou qual relação autorizada gera ou não vínculo e, daí, exigir CTPS ou qualquer outro documento do empregador. Fl. 928 – pág. 68 do relatório de encerramento

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6) O Juiz da Infância e Juventude não tem que exigir declaração de que o empregador atende às especificações da legislação trabalhista para o trabalho de aprendiz (Tribunal de Justiça de Minas Gerais); 7) a invocação de normas trabalhistas, de maneira desligada da realidade dos fatos, pode se constituir em intolerável discriminação do adolescente que não tenha acesso às entidades de aprendizado, impedindo, assim, ao adolescente o direito de trabalhar (Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul) – fl. 953 - pág. 93 do relatório de encerramento

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2.6 – Considerações preliminares e providências necessárias

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Até porque não há qualquer segurança de que a Justiça da Infância e da Juventude possa continuar a cumprir o seu dever constitucional e legal, com eficiência e tranqüilidade, de autorizar os adolescentes a trabalhar, à medida que o Promotor de Justiça da Infância e da Juventude, instado por este juízo a suspender seu procedimento depois das primeiras provas aqui produzidas (ausência de denúncia nos órgãos competentes sobre exploração de trabalho e pelo teor da prova testemunhal), não atendeu tal solicitação, mantendo por vários meses o seu procedimento em aberto, continuando com o mesmo foco de investigação, qual seja, vínculo empregatício, bem como, reiteradamente, em vários outros processos e procedimentos desta Vara, permanece com a mesma posição de exigir vínculo empregatício em pedidos, por exemplo, de autorização para estudo noturno ( o que é um direito do adolescente: ECA, art. 54, VI) diante do trabalho diurno ( como se deu nos autos 82, 83, 86, 92 e 93/2010), com sérias advertências a diretores de escolas para que eles exijam CTPS como condição para que os alunos possam estudar a noite, pese a decisão judicial que autoriza o estudo noturno dos adolescentes; ou seja, tais ultimatos podem intimidar diretores de escolar a não matricular os alunos a noite, pese a decisão judicial concessiva desse direito. – fl. 959 – pág.99 do relatório de encerramento.

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5. Dos fatos apurados neste inquérito judicial:

5.1 Dos benefícios públicos e particulares gerados pelo programa de inclusão de adolescentes no mercado de trabalho:

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DELEGADO DE POLÍCIA DA DELEGACIA SECCIONAL DE FERNANDÓPOLIS: ... o trabalho do adolescente, respeitada a situação do desenvolvimento educacional e lazer, devidamente autorizado pela Justiça, com registro em carteira e salário correspondente, só enobrece e dignifica a pessoa. – fl. 1061 – pág. 201 do relatório de encerramento

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ROTARY CLUB DE FERNANDÓPOLIS (f. 187): (...) Decisão unânime favorável ao procedimento acima citado (autorizações judiciais a fim de incluir menores no mercado de trabalho), desde que a autorização seja a partir, no mínimo de 12 anos de idade; e, com registro de acordo com a lei. – fl. 1065 – pág. 205 do relatório de encerramento.

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6. Considerações conclusivas:

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Vale lembrar que, entre os benefícios gerados e já antes mencionados e provados, além da iniciativa e dedicação que são comuns ao fernandopolense, com aspecto fundamental, também em razão do que consta de todos os termos de autorização de trabalho expedidos pela Vara da Infância e da Juventude, consistente numa simples orientação para inclusão do adolescente no regime de trabalho como aprendiz, outra instituição de aprendizagem foi criada no município (a Acredite do Centro Social de Menores), que, junto às entidades já existentes, CAEFA e CEADS, tem ajudado enormemente o Judiciário a encaminhar os adolescentes ao mercado de trabalho naquela que julgamos ser a melhor das modalidades de trabalho do adolescente, a de aprendiz.

DECISÃO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS – FL. 1191

... Também, diante da insistência do embargante na questão do vínculo empregatício, reativando nos embargos pedido não só enfrentado como extensamente afastado durante o relatório, no tocante à necessidade de se cobrar questões trabalhistas que não são da competência da Justiça Comum, o que traz embaraço à atividade protetiva da Vara da Infância e Juventude na expedição de autorizações judiciais do trabalho ...”

Entretanto, a r.Sentença de fls. 858-1145, complementada a fls. 1189-1191, não pode ser mantida, devendo ser cassada, por vícios processuais, ou reformada, por vícios materiais, conforme abaixo demonstrar-se-á.

1 – Da Legitimidade do Ministério Público do Estado de São Paulo

A legitimidade do Ministério Público do Estado de São Paulo e, portanto, da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude é evidente, na medida em que correlata a competência do órgão judiciário para apreciar a questão sub examine. Logo, diferentemente do que quer fazer crer o Magistrado sentenciante, à competência dele segue a atribuição da Promotoria de Justiça, cujas manifestações fundam-se na lei e na independência funcional, mormente entre as instituição, reservando-se ao Juiz de Direito o poder de deferir, indeferir, acolher ou rejeitar as proposições ministeriais.

Neste sentido está disposto nos artigos 202 e 203 da Lei Federal nº 8059/90.

Ainda, o Protocolado foi instaurado com fulcro no art. 324 do Ato Normativo nº 168/98-PGJ-CGMP, não derrogado implícita ou expressamente pelo Ato Normativo nº 484/2006-CPJ, para coleta de subsídios gerais em face do disposto nos artigos 402 a 441 da Consolidação das Leis do Trabalho[1], artigos 60 a 69 e 201, incisos III (promover e acompanhar ... bem como oficiar em todos os demais procedimentos da competência da Justiça da Infância e Juventude da Lei Federal nº 8069/90 –ECA), VI, VIII e X, da Lei Federal nº 8069/90-ECA e art. 7º, inc. XXXIII, da Constituição Federal de 1988, , art. 201, inc. III”), para buscar reunir subsídios, por meio de documentos e/ou diligências, para tomar conhecimento da referida rotina judicial e do Conselho Tutelar estabelecida e, se caso, adoção das providências pertinentes, seja em relação aos genitores permissivos de trabalhos prejudiciais à saúde, ao desenvolvimento físico ou à moralidade do adolescente (art. 407 da CLT) com a invocação do art. 249 da Lei Federal nº 8069/90 (penalidade por infração administrativa), seja ao Conselho Tutelar pela não exercício das atribuições legais dos Conselheiros Tutelares.

Orbitando sobre o tema e lastreando este convencimento, trago também a íntegra da Recomendação expedida pelo Ministério Público do Estado de Gioás (por meio do Coordenador do Centro de Apoio da Infância, Juventude e Educação, e integrantes do Núcleo de Apoio Técnico da Infância, Juventude e Educação daquele parquet goiano), o Aviso nº 041/2009 da Egrégia Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo e correspondente parecer (importante destacar que referida decisão, vida de regra, aplica-se a pessoas com mais de 18 anos, acentuando, pois, o dever de ação da Promotoria de Justiça quando se envolve trabalho de menor), a Resolução SE-77, de 30-10-2009 da Secretaria Estadual de Educação, o ENUNCIADO 2 DO FONCAIJ – FÓRUM NACIONAL DOS CENTROS DE APOIO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DOS MPEs[2] e Resolução 74 do CONANDA.

Também, está previsto no art. 442, inc. I, do Ato Normativo nº 168/98-PGJ-CGMP o dever funcional da Promotoria de Justiça defender interesses difusos, coletivos e individuais, entre outros, relativos à profissionalização.

Ainda, junto aos autos o Aviso nº 43/GACOR/2004, do Departamento de Orientação e Análise Correicional, de autoria de Sua Excelência o Desembargador Ronev Oliveira, DD. Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, que Recomenda aos juízes de Direito competentes para apreciar questões relativas à infância e Juventude que, para a concessão do Alvará de autorização para o trabalho de crianças e adolescentes, observem fielmente o disposto na legislação constitucional e infra-constitucional de regência.”

Junto cópia da Portaria nº 20, de 13 de setembro de 2001, da Secretaria de Inspeção do Trabalho e da Diretoria do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho.

Ainda, transcrevo trechos da obra literária de Tania da Silva Pereira, Do Direito da Criança e do Adolescente, um Proposta Disciplinar:

“O Código de Menores (Lei nº 6697/79) incorporou, através do art. 83, os princípios da CLT ao estabelecer que a proteção do ‘trabalho do menor’ seria regulada por lei especial. Com isto, o Código de Menores aderiu, na época, à proibição do trabalho antes dos 12 anos (art. 403, CLT), devendo ficar sob a fiscalização direta do Juizado de Menores (arts. 402 a 407, CLT)” – pág.572 (Se o Juiz de Menores tinha competência, o Ministério Público tinha a atribuição).

...

“Atualmente, a matéria de emissão de CTPS do adolescente está regulada em comum com os maiores de 18 anos nos arts. 14 a 17, 20 e 21, CLT”. Pág. 587.

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“Consequentemente, na forma do art. 424, CLT os responsáveis legais de adolescentes trabalhadores têm o dever de afastá-los de empregos que diminuam o tempo de estudo, de repouso necessário à sua saúde e constituição física, ou prejudiquem a sua educação moral. No âmbito da CLT, com a reforma ocorrida em 2000, desapareceram os dispositivos concernentes à aplicação de penalidade, no caso de descumprimento do pátrio poder, hoje poder familiar. No entanto, o art. 249, ECA considera infração administrativa o caso de ‘descumprimento doloso ou culposo dos deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrentes da tutela ou guarda. Aos empregadores cabe zelar pelo ambiente de trabalho, mantendo os bons costumes e a decência pública e, na forma do art. 425, CLT, deve cuidar da segurança e saúde do trabalhador (art. 425 da CLT).

O art. 407, CLT disciplina que se o Juiz da Infância e Juventude constatar que o trabalho exercido pelo menor de 18 anos é prejudicial à saúde, ao seu desenvolvimento físico e á moralidade poderá obrigá-lo a abandonar o serviço. A empresa, nesse caso, deve proporcionar ao adolescente facilidade para mudar de função (art. 426, CLT),. Porém, caso haja resistência quanto a esta última providência, configurar-seá a rescisão indireta do contrato de trabalho.” Pág. 594. (Mais uma vez se alude a competência da Vara da Infância e Juventude, logo também de atribuição da Promotoria de Justiça)

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Fiscalização do trabalho.

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No âmbito dos municípios, caberá à autoridade judiciária fazê-lo na forma do art. 406 da CLT; ao Conselho Tutelar cabe encaminhar ao Judiciário os casos de violação (art. 136, V, ECA); ao Conselho de Direitos da criança e do Adolescente cabe priorizar as políticas básicas de controle do trabalho urbano e rural da população infanto-juvenil, sem excluir a fiscalização realizada pelas Secretarias do Trabalho e demais ór~gaos de fiscalização ligados ao Poder Público. Pág. 597( Se o Juiz de Direito da Infância e Juventude e o Conselho Tutelar têm poderes de fiscalização, igualmente o tem o Ministério Público).

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III – A educação profissional na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e Legislação Pertinente.

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Após o registro da entidade, cabe ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente comunicar ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciária da respectiva localidade 9art. 91, ECA). A fiscalização dessas entidades pode se dar pela sociedade, através dos Conselhos Tutelares, pelo titular dos interesses indivíduos indisponíveis e dos interesses difusos e coletivos, que é o Ministério Público, e pelo Juiz da Infância e da Juventude.

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O ‘contrato especial de aprendizagem segue igualmente a disposição geral da CLT de proteção ao trabalho de adolescentes, alterada pela Lei nº 10.097/2000, atendidas a Convenção nº 182 e a Recomendação nº 190, da Organização Internacional do Trabalho, e, finalmente, regulamentada pelo Decreto nº 5.598/2005.

Assim, a validade do contrato pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social (art. 4º do Decreto nº 5.598/2005); é assegurado o direito ao benefício da lei nº 7.418/85, que institui o vale-transporte (art. 27 do Decreto nº 5.598/2005); são vedadas a prorrogação e a compensação de jornadas (art. 19 do Decreto nº 5.598/2005).pág. 620-621.

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Aprendizagem no Estatuto da Criança e do Adolescente.

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No que concerne à fiscalização do ‘programa’ Antonio Carlos Flores de Moraes destaca que ‘a elaboração do programa deverá especificar o regime de atendimento do adolescente, bem como as suas finalidades, podendo ser fiscalizado pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares, além da Secretaria municipal de Educação e do Ministério do Trabalho, em face da especificidade do aludido programa (art. 95 da Lei nº 8.069/90) – pág. 626

...

Com este perfil educacional não se pode afastar a possibilidade do Neam/PUC/Rio prosseguir desenvolvendo o seu ‘programa de trabalho educativo’ dentro da Universidade, o que jamais foi objeto de questionamento pelo Conselho Tutelar, pela Fiscalização do Trabalho, pelo Ministério Público e pela Justiça da Infância e Juventude.

Assim, tem o Ministério Público estadual plena legitimidade para tratar de questões trabalhistas, porque envolvem a profissionalização de adolescentes, matéria regrada no Estatuto da Criança e do Adolescente.

2 – Da Incompetência da Vara da Infância e Juventude

Por outro lado, caso não se acolha a legitimidade do Ministério Público estadual inexoravelmente afasta-se a competência da Vara da Infância e Juventude.

Preliminarmente, cumpre-me asseverar ter manifestado em alguns raros pedidos de autorização de trabalho judicializados mediante protocolo, registro e autuação formal na Vara da Infância e Juventude, sem argüição da incompetência da Vara da Infância e Juventude, porque não reputava prejuízo a administração da Justiça e a boa aplicação da lei a existência de tais procedimentos, principalmente porque sempre atendidos os apontamentos do Ministério Público acauteladores da segurança do adolescente trabalho, seja física, seja jurídica; contudo, a constatação de diversas autorizações de trabalho sem formação de prévio procedimento formal, sem prévia manifestação ou ciência ao Ministério Público Estadual ou do Trabalho, a bem da verdade, centenas delas, impõe-me conduta diferente, ou seja, buscar pelos mecanismos legais impedir conduta indicadora de evidente abuso do direito e contra a lei. Ainda, à época dos procedimentos formais, este Promotor de Justiça desconhecia, com profundidade, o funcionamento das entidades de aprendizagem de Fernandópolis; tomando conhecimento, não há mais razão para a atividade supletiva da intervenção judicial, devendo o ingresso de adolescentes no mercado de trabalho se dar em um trabalho do Conselho Tutelar com as entidades de aprendizagem apenas.

Por isso, arguo nesta oportunidade a incompetência da Vara da Infância e Juventude para expedição de autorizações de trabalho doravante, devendo ser revistas a já concedidas.

E, com efeito, não tem a Vara da Infância e Juventude competência para conceder autorizações de trabalho para adolescentes na condição de aprendizes, com se faz nesta comarca. Aqui, não se concede autorização de outras formas de trabalho, outrossim apenas de aprendiz. Isto porque a Consolidação das Leis do Trabalho somente prevê hipótese de intervenção do Juiz da Infância e Juventude nas hipóteses dos artigos 405 e 406 do referido diploma legal, alusivo às representações artísticas. Logo, não se pode subverter as palavras da lei para dizer que o adolescente trabalhador em artes cênicas tenha a mesma aptidão para qualquer outro trabalho, são situações distintas. Nas demais hipóteses de trabalho, aprendiz, a regra já é estabelecida em lei e dispensa autorização judicial. Logo, onde não é prevista competência, não pode ter intervenção judicial.

A respeito de autorizações de trabalho, merece trazer à baila o trabalho desenvolvido pelo Ministério Público do Trabalho, in verbis:

II – BREVE HISTÓRICO

O primeiro Provimento relativo às autorizações judiciais para o trabalho antes da idade legal, resultado da atuação ministerial, foi o Provimento nº 13/2001, expedido pelo Corregedor do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, por iniciativa da Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região, a partir de ofício encaminhado àquele Tribunal (Anexo 1), solicitando a revisão do Provimento 19/97, à vista da alteração procedida no inciso XXXIII, do art. 7º, da Constituição Federal, pela Emenda Constitucional nº 20/1998. Referido Provimento (Anexo 2) trata da matéria nos seguintes termos:

“Art. 1º - Enfatizar, nos termos do artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, que é vedada a concessão de autorização para o trabalho de menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 (catorze) anos.

Art. 2º - Em havendo pleito de trabalho por adolescentes entre 14 (catorze) e 16 (dezesseis) anos, nos moldes do art. 153 do estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA), a pretensão deverá ser encaminhada ao Conselho Tutelar, o qual avaliará a oportunidade de inclusão em programa de trabalho educativo, na condição de aprendiz, ou outro programa comunitário ou oficial que, em consonância com as diretrizes do ECA e da Lei 10.097/2000, possa satisfazer os direitos assegurados no art. 3º daquela legislação.”

Nessa época, a Procuradoria Regional do Trabalho da 8ª Região atuou junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará, que expediu o Provimento nº 007/2001, com o mesmo conteúdo do Provimento antes transcrito (Anexo 3).

No mesmo sentido, a atuação da Procuradoria Regional do Trabalho da 24ª Região, merecendo posicionamento da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado no sentido de “se oficiar a todos os juízes da infância e da juventude do Estado, com a recomendação de observarem a regra constitucional invocada”.

Em 2003, a Procuradoria Regional do Trabalho da 17ª Região obteve junto ao Corregedor Geral do Ministério Público do Estado o Provimento nº 003/2003, do teor seguinte:

“Art. 1° Enfatizar, nos termos do artigo 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, que é vedada a concessão de autorização para o trabalho de menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 (quatorze) anos.

Art. 2º Recomendar aos Srs. Promotores de Justiça com atribuição em matéria de

Infância e Juventude, que, em havendo pleito de trabalho por adolescente entre 14

(quatorze) e 16 (dezesseis) anos, nos moldes do art. 153 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o Ministério Público deverá promover pelo encaminhamento da pretensão ao Conselho Tutelar, o qual avaliará a oportunidade de inclusão em programa de trabalho educativo, na condição de aprendiz, ou outro programa de trabalho educativo, na condição de aprendiz, ou outro programa comunitário ou oficial que, em consonância com as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Lei 10.097/2000, possa satisfazer os direitos assegurados no art. 3º daquela legislação.

Art. 3º Recomendar, outrossim, que na hipótese de ser expedida a autorização em

desconformidade com o art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, deverá o Ministério público adotas as medidas judiciais cabíveis, além de noticiar o fato ao Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude e ao Ministério Público do Trabalho. ......................................................................................................................................”

Mais recentemente, tem-se a atuação das Procuradorias Regionais do Trabalho da 3ª e da 4º Regiões, que resultou na expedição, pela Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, do Provimento nº 10/2005, que revogou os arts. 955 e 956 da sua Consolidação Normativa Judicial, que disciplinavam a concessão de alvará autorizando o trabalho do adolescente, e do Aviso nº 43/GACOR/2004, pelo Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, do seguinte teor:

“RECOMENDAR aos juízes de Direitos competentes para apreciar questões relativas à Infância e Juventude que, para a concessão do alvará de autorização para o trabalho de crianças e adolescentes, observem fielmente o disposto na legislação constitucional e infraconstitucional de regência.”

Importante assinalar que a atuação da PRT 3ª também resultou na expedição pelo Procurador-Geral de Justiça do Estado, pelo Corregedor-Geral do Ministério Público e pelo Coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Infância e Juventude do Estado, de Recomendação aos órgãos de execução, nos termos a seguir transcritos:

“Recomendam aos órgãos de execução, especialmente àqueles com atribuições na defesa dos direitos da infância e juventude, que adotem medidas extrajudiciais e externem pronunciamentos processuais que visem adequação das diretrizes pertinentes às atuações conjuntas consecutadas com o Ministério Público do Trabalho, objetivando, mormente, combater o trabalho infantil e opor-se à expedição de autorizações judiciais que permitam trabalho a menores de 16 anos de idade ou que possibilitem exercício laborativo aos adolescentes entre 16 e 18 anos em locais perigosos, insalubres, penosos ou em horário noturno, procurando dar integral cumprimento ao Termo de Convênio celebrado em 29 de agosto de 2003 entre o Ministério Público do estado de Minas Gerais e a Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região.”

Merece destaque a recente atuação da PRT 12ª, ocorrida no decorrer de 2006, à vista da concessão de inúmeros alvarás autorizando o trabalho de adolescentes com idade inferior à legal, por magistrado da Vara de São Joaquim, como antes referido.

As sucessivas autorizações foram questionadas pelo MPT, pela DRTSC e pelo Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, causando perplexidade às entidades atuantes na área de proteção da criança e do adolescente, à vista do número significativo de alvarás expedidos por um mesmo magistrado, em um dado período, e quando se entendia superada qualquer dúvida com relação à matéria, considerando-se o Provimento da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado.

De se considerar, no entanto, que, mesmo após a expedição dos Provimentos, de 1997 e de 2001, por aquela Corregedoria, continuaram a ser concedidas autorizações judiciais, com a expedição dos respectivos alvarás autorizando o trabalho de adolescentes com idade inferior à legal, com seu ponto culminante no período de 2004/2005.

Observe-se que as manifestações do Ministério Público nos

respectivos processos foram favoráveis à concessão das autorizações pleiteadas, dando ensejo a que a Corregedoria-Geral expedisse Orientação aos Promotores de Justiça, nos termos seguintes:

“[...] tendo em vista o que dispõe o artigo 6º do Ato CGMP nº 18 de 22 de dezembro de 2003, orienta-se aos Promotores de Justiça, no sentido de que em suas manifestações processuais se oponham ao deferimento de autorizações judiciais para trabalho de adolescentes com idade inferior a 16 anos, salvo na qualidade de aprendizes, interpondo, em caso de solução positiva, o necessário recurso, em efetivo respeito aos princípios constitucionais que regem a matéria. “

Relevante assinalar que a Procuradoria Regional do Trabalho da 22ª Região está diligenciando no sentido de revisão do Convênio firmado com o Ministério Público do Estado para a inclusão de item relativo a processo de requerimento de autorização judicial para o trabalho de adolescente com idade inferior à legal, assim como para que o Tribunal de Justiça do Estado expeça Provimento sobre a matéria, a exemplo daqueles obtidos em outros Estados, como relatado. Já foi expedido ofício nesse sentido.

Ressalte-se que ações nesse sentido estão sendo desenvolvidas em outros Estados.

Finalmente, importante referir à decisão prolatada pelo Exmo. Sr. Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Mato Grosso, em 12 de julho de 2004, no pedido de providências nº 17/2002, em que o Conselho Superior da Magistratura entendeu necessária a expedição de provimento regulamentando os requisitos objetivos para a expedição de alvará autorizando o trabalho de adolescentes

Após considerações a respeito da matéria, conclui nos termos seguintes, verbis:“[...] Veja-se, então, que a matéria abordada pela legislação trabalhista, impõe uma série de restrições ao trabalho do adolescente, fato que conduz, necessariamente, a uma ampla atividade de fiscalização sobre seu eventual exercício, mesmo quando precedido de autorização judicial. Essa atividade fiscalizadora, evidentemente, não pode ser exercida pela autoridade judiciária que expede o alvará judicial, máxime, diante da notória insuficiência de meios materiais e funcionais para tal desiderato.

Por essas razões, respeitando os doutos entendimentos contrários, filio-me, também, a corrente dos que entendem que a regulamentação do trabalho de adolescentes é matéria que escapa a órbita de atuação do Poder Judiciário, razão pela qual, deixo de formalizar qualquer provimento em relação ao tema em desate, determinando, por conseguinte, o arquivamento destes autos.”

Tendo em vista esse contexto, entendeu a Coordenadoria ser necessária a efetivação da proteção integral do adolescente, com o cumprimento das disposições constitucionais e legais específicas, no seu maior interesse, como expresso na Convenção dos Direitos da Criança da ONU, art. 3º, item 1, verbis:

“Art. 3º 1 – Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o maior interesse da criança..”

III - INEXISTÊNCIA DE AMPARO LEGAL PARA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA O TRABALHO - INCOMPETÊNCIA DO JUIZ DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE PARA EXPEDIR ALVARÁ DE AUTORIZAÇÃO PARA O TRABALHO

A legislação brasileira é explícita ao proibir qualquer trabalho antes dos 16 anos, limite previsto na Constituição Federal, art. 7º, inciso XXXIII, com a redação dada pela Emenda nº 20/1998, exceção feita apenas ao trabalho em regime de aprendizagem, a partir dos 14 anos. Trata-se de regra constitucional, que não permite qualquer interpretação, sendo de aplicação imediata.

Sobre o caráter de regras e princípios dos direitos fundamentais, pertinente trazer à colação as palavras de Robert Alexy, em palestra ministrada no Rio de Janeiro:

“A segunda decisão capital sobre os direitos fundamentais refere-se ao seu caráter de regras e princípios. No contexto da primeira decisão, tratava-se de saber se os valores fundamentais têm valor jurídico. Na segunda, cumpre indagar o que eles representam enquanto instrumento jurídico ou enquanto instrumento de direito. Não apenas a solução de problemas decorrentes da colisão, mas também as respostas a quase todas as perguntas da dogmática do direito fundamental geral dessa decisão fundamental.[...] Segundo a definição básica da teoria dos princípios, princípios são normas que permitem que algo seja realizado, da maneira mais completa possível, tanto no que diz respeito à possibilidade jurídica quanto à possibilidade fática.

Princípios são, nesses termos, mandados de otimização (Optimierungsgebote).Assim, eles podem ser satisfeitos em diferentes graus. A medida adequada de satisfação depende não apenas de possibilidades fáticas, mas também de possibilidades jurídicas. Essas possibilidades são determinadas por regras e sobretudo por princípios. O processo para a solução de colisões de princípios é a ponderação.

Princípios e ponderações são dois lados do mesmo fenômeno. O princípio refere-se ao aspecto normativo; o outro, ao aspecto metodológico. Quem empreende ponderação no âmbito jurídico pressupõe que as normas entre as quais se faz ponderação são dotadas de estrutura de princípios e quem classifica as normas como princípios acaba chegando ao processo de ponderação. A controvérsia em torno da teoria dos princípios apresenta-se, fundamentalmente, como uma controvérsia em torno da ponderação.

Outra é a dimensão do problema no plano das regras.

Regras são normas que são aplicáveis ou não-aplicáveis. Se uma regra está em vigor, é determinante que se faça exatamente o que ela exige: nem mais nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no contexto do fático ejuridicamente possível. São postulados definitivos (definitive Gebote). A forma de aplicação das regras não é a ponderação, mas a subsunção.” (grifos nossos)

Nessas condições, as autorizações para o trabalho antes da idade mínima, e mesmo na faixa dos 14 aos 16 anos, sem que o trabalho esteja voltado à aprendizagem, carecem de respaldo legal. A regra constitucional insculpida no art. 7º, inciso XXIII, que dispõe sobre a idade mínima para o trabalho é peremptória, exigindo aplicação imediata.

Observe-se que, dado à faixa etária atingida pelas autorizações judiciais – 14 e 15 anos -, que nenhuma autorização de que se tem notícia enfoca o trabalho em regime de aprendizagem, na forma legal, ainda que algumas vezes a ela se refira para justificar a medida, mas sem qualquer observância dos princípios que informam o instituto.

Veja-se, como exemplo, a sentença prolatada pela Juíza da Vara Cível, Crime e Anexos de Pomerode (SC), em 8 de setembro de 2005, em que determina a expedição de alvará judicial, autorizando Luiz de Souza Cosméticos-ME a empregar adolescente com 15 anos de idade. Embora reconheça que “as atividades relativas ao trabalho ofertado... não se enquadram nas hipóteses de labor na condição de aprendiz ou, ainda, de estágio”, entendeu que “a pré-qualificação”, no caso, “existe de fato” e que “a adolescente manifesta satisfação ao laborar junto a empresa... justamente por estar em contato com a área das ciências biológicas, na qual pretende desenvolver seus estudos em nível superior.”

Com relação à alteração procedida pela Emenda Constitucional nº 20/98, que suscitou reações, considerando-se a realidade brasileira, assinale-se que ela não se apresenta desarrazoada, uma vez que vem ao encontro do que dispõe a Convenção nº 138 da OIT, que trata da idade mínima para o trabalho, no sentido de que essa idade não seja inferior à data de conclusão da escolaridade básica, o que, no caso do Brasil, em se tratando do ensino fundamental, a previsão de conclusão é 15 anos, considerando-se a alteração procedida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que passou para nove anos o tempo de duração desse período escolar.

E, mais, considerando-se o direito à formação profissional, direito fundamental que integra os direitos discriminados no art. 227, da Carta Magna, a possibilidade de trabalho na faixa etária dos 14 aos 16 anos é permitida, mas somente em regime de aprendizagem.

Importante trazer à colação as observações de Viviane Colucci, Juíza do Trabalho do TRT da 12ª Região, sobre essas autorizações judiciais:

“As decisões que autorizam o trabalho em regime de aprendizagem, no âmbito das empresas, sem a observância aos ditames da Lei nº 10.097/00, transgridem o art. 227 da Constituição, uma vez que o direito à profissionalização não pode ser confundido com o mero trabalho produtivo.

Tais decisões, a exemplo daquelas que autorizam o trabalho comum antes dos 16 anos, fixam-se no argumento de que a sociedade brasileira não se encontra preparada para a mudança da legislação. Frise-se que as atribuições outorgadas ao magistrado encontram-se devidamente enumeradas nos arts. 148 e 149 do ECA, não se incluindo entre estas atribuições o ato de autorizar o trabalho de crianças e adolescentes, como era possível extrair-se do já revogado Código de Menores.

Ademais, no Estado de Direito apenas por meio de processo legislativo é possível alterar-se a norma legal. Ao Magistrado, neste sentido, não é permitido inova-la,ainda que sob o fundamento, deveras contestável, de que esta mesma lei não se sintoniza com as necessidades sociais e econômicas da criança ou do adolescente.”

Não pode ser esquecida a realidade de que grande número de jovens, na maioria, provenientes de famílias carentes, apresentam defasagem escolar, o que desloca para cima esse limite de idade.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nos arts. 405 e 406, prevê a possibilidade de autorização para o trabalho de adolescente nas situações discriminadas, mas, frise-se, nunca antes da idade legal, dirigindo-se sempre a adolescente com idade entre 16 e 18 anos.

Os dispositivos em questão referem-se a trabalhos em ambientes e locais que, a princípio, se caracterizam como prejudiciais ao adolescente, deixando ao magistrado aferir da possibilidade do trabalho caso este não lhe traga prejuízos.

Trata-se de situações específicas, como o trabalho em logradouros públicos e trabalhos exercidos em atividades artísticas. Sabe-se dos riscos do trabalho nas ruas e em outros logradouros públicos. São espaços em que o adolescente está vulnerável, sujeito a acidentes, abusos e maus tratos, aliciamento para o tráfico e para a exploração sexual, entre outros.

A matéria é tratada nos arts. 405, incisos I e II, e §§ 2º, 3º e 4º , e 406, da CLT, a seguir transcritos:

“Art. 405 - Ao menor não será permitido o trabalho:

I - nos locais e serviços perigosos ou insalubres, constantes de quadro para este fim aprovado pela Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho;

II – em locais ou serviços prejudiciais à sua moralidade.

§ 2º - O trabalho exercido nas ruas, praças e outros logradouros dependerá de prévia autorização do juiz de Menores, ao qual cabe verificar se a ocupação é indispensável à sua própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e se dessa ocupação não poderá advir prejuízo à sua formação moral.

§ 3º Considera-se prejudicial à moralidade do menor o trabalho:

a) prestado de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, boates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos;

b) em empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes;

c) de produção, composição, entrega ou venda de escritos impressos, cartazes,desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a juízo da autoridade competente, prejudicar a sua formação

moral;

d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas.

§ 4º Nas localidades em que existirem, oficialmente reconhecidas, instituições destinadas ao amparo dos menores jornaleiros, só aos que se encontrem sob o patrocínio dessas entidades será outorgada a autorização do trabalho a que alude o §2º.

“Art. 406 – O Juiz de Menores poderá autorizar ao menor o trabalho a que se referem as letras a e b do § 3º do art. 405:

I – desde que a representação tenha fim educativo ou a peça de que participe não possa ser prejudicial à sua formação moral;

II – desde que se certifique ser a ocupação do menor indispensável à própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral.”

Essas disposições não mais se justificam porque, à vista da proteção integral consagrada no texto constitucional, não há falar em autorização judicial para o trabalho sob o argumento de ser a ocupação indispensável à subsistência do adolescente ou à de seus pais, avós ou irmãos, assim como o fato de não trazer prejuízo à sua formação moral, como disposto nos artigos sob enfoque. E, isto, numa avaliação subjetiva do magistrado. Fosse o caso, e o afastamento dos prejuízos ao desenvolvimento pleno do adolescente deveria ser constatado por meio de laudo técnico, portanto, objetivamente, com avaliação criteriosa do local de trabalho e da atividade exercida, que se traduzem nas condições de trabalho inerentes.

Esses, infelizmente, são, via de regra, os fundamentos das sentenças concessivas dessas autorizações, numa demonstração de que o magistrado está voltado ao paradigma da situação irregular e não ao novo paradigma da proteção integral. Nesse sentido também as recentes autorizações concedidas pelo Judiciário de Santa Catarina, em especial, da Vara da Comarca de São Joaquim, que visaram atender à demanda de trabalho na cultura da maçã em momento crucial da safra.

Essa urgência, que deveria privilegiar a demanda por trabalho adulto, chama ao trabalho adolescentes locais, premidos pela necessidade de sobrevivência de suas famílias, e que se constituem em mão-de-obra mais barata e acessível. Como ilustração, os trechos abaixo, extraídos da decisão relativa ao processo nº 063.05.000436-3 (Anexo 11), que autoriza adolescente com 14 anos de idade a trabalhar na colheita da maçã:

“[...] O autor conta hoje com mais de quatorze anos de idade, demonstrando vontade e interesse pelo trabalho, mas, ante a norma proibitiva, está impedido para tanto, salvo na condição de aprendiz.

Não obstante, o fator determinante e que o legislador não quis enxergar, é a necessidade que tem o autor (como de resto uma verdadeira legião e menores) em auxiliar na renda familiar já que sua família não é abastada economicamente

[...] O fato de possibilitar-se o trabalho para menor acima de quatorze anos, além de permitir que o mesmo passe a assumir responsabilidades e compromissos mais cedo;

Conforme dados colhidos em reportagem do jornal Diário Catarinense, edição do dia 4 de dezembro de 2005, São Joaquim é o segundo maior produtor de maçã de Santa Catarina. Referida reportagem relata que durante a colheita, os mil produtores da região serrana contratam cerca de 3 mil pessoas, muitas oriundos dos Estados vizinhos, do Rio Grande do Sul e Paraná, com salário que varia de R$ 450,00 a R$ 500,00. contribuindo para o fortalecimento da renda familiar, pois no caso, restou patente que a progenitora do autor, que o representou em juízo, tinha pleno conhecimento da oferta de emprego e da disposição de seu filho ao labor.

[...] O fato social no caso é a vontade de trabalhar e a existência do emprego em função digna e condigna com a díade e condições físicas do menor, que tem necessidade de salário. Não há trabalho escravo e muito menos sobrejornada ou atividades insalubres. O valor que deve ser conferido é o de que a ocupação lícita e remunerada contribui para a educação e formação da personalidade do menor, engrandecendo o seu caráter. Diante deste quadro qual a norma ideal? Proibir trabalho, criar obstáculos e embaraços para quem quer trabalhar? Não.”

Esses fundamentos não são mais passíveis de ser invocados, considerando-se o novo paradigma legal. Eles remontam à época em que a tutela da criança e do adolescente em situação de risco era a regra, como disciplinada nos Códigos do Menor de 1927 e 197913, quando vigente a doutrina da situação irregular.

O primeiro Código, de 1927, foi aprovado pelo Decreto nº 17.943, expedido em 12 de outubro, e consolidou as leis específicas, dispondo seu art. 1º aquele a que se referia: “o menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinqüente, que tiver menor de 18 anos”.

Essa explicitação é, por si só, indicativa da tutela desse segmento da população e do conteúdo da situação irregular, doutrina que o permeia e orienta.

Ao longo de seus artigos referia-se aos menores abandonados, vadios, mendigos e libertinos, conceituando cada um deles (arts. 26 a 30) e dispondo que a autoridade ou a quem incumbir a sua assistência e proteção poderia ordenar a sua apreensão e adotar medidas de assistência e proteção (arts. 55 a 67).

Registre-se, por outro lado, que o art. 68, inserido no Capítulo VII, sobre menores delinqüentes, em seu § 2º, tratava do menor abandonado, pervertido ou estiver em perigo de o ser, a demonstrar uma vez mais o caráter tutelar da legislação, deixando à autoridade competente a definição dessa situação.

Com relação ao trabalho, o Código previa como idade mínima 12 anos (art. 101), assim como dispunha que na faixa etária dos 12 aos 14 anos o trabalho era também proibido, caso o menor não tivesse completado sua instrução primária (art. 102).

No entanto, dispunha sobre a possibilidade de a autoridade

competente autorizar o seu trabalho, quando o considerasse indispensável para a sua subsistência ou a de seus pais ou irmãos, contanto que recebessem a instrução escolar que lhes fosse possível (art. 102). A fiscalização do trabalho dos menores ficava a cargo dos juízes de menores (art. 447, inciso XI). De se observar que somente com a Constituição Federal de 1946 a Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário.

A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5,452, de 1º de maio de 1943, passou a dispor sobre o trabalho dos adolescentes nos arts. 402 a 441. O limite de idade para o trabalho continuou a ser o mesmo previsto no Código de Menores, então vigente, sendo que o trabalho na faixa etária dos 12 aos 14 anos ficava sujeito às seguintes condições: garantia de freqüência à escola para formação ao menos no “ensino primário”17 e serviços de natureza leve (art. 403), que não sejam nocivos à saúde e ao seu desenvolvimento normal, condição esta não referida pelo Código.

O Código de Menores instituído pela Lei n º 6.697, de 10 de outubro de 1979, não alterou essa sistemática; apenas atualizou-a. O art. 1º dispunha sobre a assistência, proteção e vigilância de menores até 18 anos, encontrados em situação irregular, e de menores com idade entre 18 e 21 anos nos casos ali expressos, e o

art. 2º conceituava situação irregular, elencando as situações assim consideradas.

Importante referir que o Código remetia à legislação especial a proteção do trabalho do menor (art. 83).

A proteção integral é dever da família, da sociedade e do Estado, como dispõe a Carta Magna, e se fará concomitantemente, afastando-se a responsabilidade da criança e do adolescente pela sua própria sobrevivência e a de sua família.

Na impossibilidade de a família garantir a proteção devida, caberá ao Estado supri-la com políticas públicas até que a situação de pobreza, carência, falta, seja ultrapassada. Nesse caso, o órgão ministerial deverá diligenciar no sentido da criação das políticas públicas necessárias para que essa proteção se efetive e, ao Judiciário, a efetivação dos seus direitos.

Importante ressaltar que entre estas sobressai a política educacional voltada a garantir o acesso da criança e do adolescente a uma educação gratuita, em tempo integral e de qualidade no ensino fundamental e no ensino médio. Emboraessas qualidades ainda não sejam uma realidade na educação pública brasileira,torna-las efetivas é a única forma de se efetivar o direito à educação para toda criança e adolescente, previsto no art. 227, da Constituição Federal.

Com relação aos dispositivos consolidados antes referidos, deve-se assinalar que o art. 405 mencionado subsiste em face do seu caput e incisos I e II, e dos seus §§ 3º e 5º. E, para atender à determinação contida no inciso I, a Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego, expediu a Portaria nº 20/2001, com as alterações procedidas pela Portaria nº 4/2002.

Ela é bastante para disciplinar a questão, listando as atividades consideradas perigosas ouinsalubres em que o trabalho do adolescente é proibido, e dispondo no § 1º do art.1º que:“A proibição do caput deste artigo poderá ser elidida por meio de parecer técnico circunstanciado, assinado por profissional legalmente habilitado em segurança e saúde do trabalho, que ateste a não exposição a riscos que possam comprometer a saúde e a segurança dos adolescentes, o qual deverá ser depositado na unidade descentralizada do Ministério do Trabalho e Emprego da circunscrição onde ocorrerem as referidas atividades.”

Frise-se, portanto, que, exceção feita apenas às autorizações prevista no Código de Menores de 1927, conforme antes referido, a nossa legislação nunca contemplou qualquer possibilidade de autorização para o trabalho antes da idade legal, ainda mais após a Carta Política de 1988, da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente e da ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas e das Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de nº 138, sobre a idade mínima para admissão ao trabalho, e de nº 182, sobre as piores formas de trabalho infantil.

A consagração pela Constituição Federal de 1988 da doutrina da proteção integral instalou um novo paradigma no tratamento legal das questões relativas à criança e ao adolescente.

Com isso, a Comissão conclui que não subsistem os artigos antes referidos da Consolidação das Leis do Trabalho.

E, ainda que se entenda que referidos artigos permanecem, a competência para as autorizações neles referidas é da Justiça do Trabalho, em especial, após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2005, que amplia a competência da Justiça do Trabalho, dando nova redação ao art. 114, da Constituição Federal. O caput do referido artigo é do seguinte teor:

“Art. 114 –Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o ; VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial,decorrentes da relação de trabalho; VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.

É certo que a Consolidação das Leis do Trabalho refere-se ao Juiz de Menores, hoje, Juízes da Infância e da Juventude. Todavia, de se esclarecer que ela se reporta à época de vigência dos Códigos do Menores de 1927 e de 1979. Observe-se que referidos dispositivos, assim como outros dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, tiveram sua redação alterada pelo Decreto-Lei nº 229, de 1967, não mais sofrendo qualquer alteração no seu texto. Assim, a referência àqueles magistrados se fez em momento em que vigentes os Códigos antes citados, não mais se justificando em face da competência especializada, e, em especial, após a Carta Política de 1988, lidando aqueles Juízes com questões atinentes, principalmente, à família e a situações de conflito com a lei. Nesse sentido, inclusive, o ECA, arts. 148 e 149, verbis:

“Art. 148 – A Justiça da Infância e da Juventude é competente para: I – conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis;

II – conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção do processo; III – conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes;

IV – conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209;

V – conhecer de ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento, aplicando as medidas cabíveis;

VI – aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção a criança ou adolescente;

Esta a redação do art. 209: “As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.”

VII – conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis. Parágrafo Único – Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98, é também competente a Justiça da Infância e da Juventude para o fim de:

a) conhecer de pedidos de guarda e tutela;

b) conhecer de ações de destituição de pátrio poder, perda ou modificação da tutela ou guarda;

c) suprir a capacidade ou o consentimento para o casamento;

d) conhecer de pedidos baseados em discordância paterna ou materna, em relação ao exercício do pátrio poder;

e) conceder a emancipação, nos termos ad lei civil, quando faltarem os pais;

f) designar curador especial em casos de apresentação e queixa ou representação,ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente;

g) conhecer de ações de alimentos; h) determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento e óbito.”

“Art. 149 - Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:

I – a entrada e permanência de criança e adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:

a)estádio, ginásio e campo desportivo;

b)bailes e promoções dançantes;

c)boate e congêneres;

d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas.

e)estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão;

II – a participação de criança e adolescente em:

a)espetáculos públicos e seus ensaios;

b) certames de beleza.

Esta a redação do art. 98: “As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II – por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta.”

§ 1º -Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores: a) os princípios desta lei; b) as peculiaridades locais; c) a exigência de instalações adequadas; d) o tipo de freqüência habitual ao local; e) a adequação do ambiente a eventual participação ou freqüência de crianças e adolescentes; f) a natureza do espetáculo.§ 2º - As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter legal.”

Interessante que ambos os Provimentos do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina trazem entre os seus “considerandos” a referência a esses artigos, dizendo que eles “não outorgam competência para o magistrado autorizar o trabalho para crianças e adolescentes”.

Reportam-se, ainda, à legislação, que não admite dúvidas quanto ao seu conteúdo, e, conseqüentemente, não admite qualquer interpretação que lhe retire o sentido e alcance.

De se assinalar, finalmente, que a autorização a que se refere o art.149, inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, não envolve trabalho, mas a simples participação de criança e de adolescente em espetáculo público e seu ensaio e em certame de beleza. E, ainda assim, merece cuidado, para que não se exponha a criança e o adolescente, e que a participação tenha cunho cultural, de diversão, sem revestir trabalho. A participação a que se refere a lei tem caráter restrito, não podendo perpetuar-se no tempo.

No entanto, deve-se registrar que há julgados que confirmam a competência da Justiça Comum, conforme se vê do julgado cuja ementa é a seguir transcrita:

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA ESTADUAL E DO TRABALHO. PEDIDO DE LIBERAÇÃO DE ALVARÁ JUDICIAL. AUTORIZAÇÃO DE MENOR PARA TRABALHAR NA CONDIÇÃO DE APRENDIZ. CAUSA DE PEDIR DE NATUREZA CIVIL. JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. DIREITOS ASSEGURADOS AO ADOLESCENTE. AUSÊNCIA DE QUALQUER DAS HIPÓTESES PREVISTAS NOS INCISOS DO ART. 114 DA CF, COM A NOVA REDAÇÃO QUE LHE DEU A EC 45/2004. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITOS, ORA SUSCITADO. Discussão acerca da competência para a liberação de alvará judicial autorizando um menor a trabalhar, na condição de aprendiz, em uma empresa de calçados. Pedido de jurisdição voluntária, que visa resguardar os direitos do requerente à manutenção de seus estudos, bem como assegurar-lhe um ambiente de trabalho compatível com a sua condição de adolescente (*art. 2º do ECA). Não há debate nos autos sobre qualquer controvérsia decorrente de relação de trabalho. Conflito conhecido, para declarar a competência do Juízo de Direitos, ora suscitado. (CC 53279/MG, Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA, acórdão unânime, prolatado pela 2ª Seção do STJ, em 26.10.2005, publicado no DJ de 02.03.2006, p. 137)

Sobre o seu conteúdo, a Comissão se permite uma breve avaliação.

Não há dúvida, no entanto, que a matéria em debate na decisão transcrita é trabalhista, em especial, por envolver trabalho em regime de aprendizagem, que segue parâmetros específicos, e em empresa de calçados, embora não especificada, se na área da indústria ou do comércio. De outro lado, de se registrar que o pedido visa “resguardar os direitos do requerente à manutenção de seus estudos, bem como assegurar-lhe um ambiente de trabalho compatível com a sua condição de adolescente”, avaliação que compete à Justiça Especializada.

O trabalho, portanto, antes da idade legal, não é permitido, salvo em regime de aprendizagem após os 14 anos, situação que deverá rigorosamente seguir os parâmetros legais específicos. Fora dessa hipótese a ocorrência de trabalho representará uma violação de direitos do adolescente envolvido, direitos fundamentais, direitos humanos.

Sobre a proteção integral da criança e do adolescente, consagrada no art. 227, da Constituição Federal, que se expressa na garantia dos direitos que discrimina, direitos fundamentais, que têm prioridade absoluta considerando sua especificidade de pessoas humanas especiais, porque em desenvolvimento, escreve Martha de Toledo Machado:

“Em harmonia axiológica com a supremacia que o valor dignidade da pessoa humana recebeu no Pacto de 1988, é que foi inserida na generosa concepção da Carta Cidadã um sistema de proteção especial para crianças e jovens, reconhecidos na sua especificidade de serem humanos ainda em desenvolvimento físico, psíquico e emocional.

A existência desse sistema especial de proteção emana do próprio texto constitucional. Esse sistema especial de proteção vem expressamente referido no parágrafo 3º do artigo 227 – embora não se reduza às garantias ali posicionadas. De fato, ele permeia todo o artigo 227 e o artigo 228, e manifesta-se, ainda que subsidiariamente, também no disposto nos artigos 226, caput e §§ 3º, 4º. 5] e 8º e 229, primeira parte, todos da Constituição Federal. Mas diz, também diretamente, com outros dispositivos da Constituição, como os incisos XXXIII e XXX do artigo 7º e o § 3º do artigo 208.

De plano cumpre notar, ademais, que me parece inequívoco, cristalino mesmo, que os direitos elencados no caput do artigo 227 e no seu parágrafo 3º e no artigo 228 da CF são direitos fundamentais da pessoa humana: a própria natureza deles assim o faz.

Com perdão da obviedade: se o caput do artigo 5º da CF menciona a vida, a liberdade, a igualdade, para depois especificar os inúmeros desdobramentos (ou facetas) desses direitos nos seus incisos, e se o artigo 227, caput, refere-se expressamente à mesma vida, liberdade, dignidade, para em seguida desdobra-las,seja no próprio caput, seja no parágrafo 3º, seja no artigo 228, evidente que se trata de direitos da mesma natureza, ou seja, dos direitos fundamentais da pessoa humana. É de ver, desde já, que dentro da terminologia que distingue direitos fundamentais individuais de direitos fundamentais sociais, os direitos arrolados no artigo 227 não se reduzem a nenhum dos dois grupos, mas contemplam direitos que se enquadram em ambos. A mera análise comparativa entre o rol do art. 227, de um lado, e o rol dos artigos 6º e 7º, de outro, assim já demonstra. Só que são direitos fundamentais de uma pessoa humana de condição especial: da pessoa humana ainda em fase de desenvolvimento. E se, topologicamente, não estão incluídos no Título II da CF, tal circunstância não os desnatura, porque não se pode transformar, por via de interpretação, o amarelo em azul. E nem se poderia interpretar de outra forma, quando se tem em mente que a dignidade da pessoa humana ‘se é fundamento (CF, art. 1º, III) é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante’ do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, caput) no qual se organiza a Nação Brasileira.”

Por fim, a Comissão enfatiza que, em se tratando de direitos da criança e do adolescente, não cabe falar em ponderação ou proporcionalidade de princípios, ao contrário do entendimento manifestado nas sentenças prolatadas pelo Juiz da Vara de São Joaquim e outras, ante a doutrina da proteção integral, e a prioridade absoluta consagrada no texto constitucional, menos ainda, ante a regra constitucional inscrita no art. 7º, inciso XXXIII, porque taxativa quanto à proibição que consagra.

A respeito da ponderação de regras, escreve Ana Paula de Barcellos:

“É verdade que, por vezes, elementos contidos na própria estrutura da regra conferem ao intérprete certa liberdade na definição de seu sentido. O exemplo mais evidente dessa situação é o das regras que empregam conceitos jurídicos indeterminados ou cláusulas de indeterminação de outra natureza – como ‘mulher honesta’, ‘relevante interesse social’, dentre outros. Nessas hipóteses, o aparente conflito da regra com outras disposições poderá ser superado dependendo do sentido que se atribua ao conceito nela contido.

Nada obstante, quando não for esse o caso, é difícil conceber a aplicação mais ou menos intensa de determinada regra. E a submissão de uma regra ao processo de ponderação poderá ter como resultado final a sua não aplicação no caso específico.

Isto é: a ponderação de regras poderá acarretar a ruptura do sistema do Estado de direito, já que o intérprete simplesmente deixaria de aplicar uma regra válida em abstrato e que seria pertinente no caso concreto.”

O texto transcrito é apenas uma referência, uma vez que ele se insere numa discussão ampla que a Autora faz em seu livro. No entanto, ele dá um indicativo do que se propõe ao dizer que não cabe, no caso, falar em ponderação ou proporcionalidade. A regra insculpida no art. 7º, inciso XXXIII, da Carta Política de 1988, como já referido, é clara em seu conteúdo, não deixando margem a dúvidas que possam indicar a necessidade de se lançar mão desses recursos.

IV – AÇÕES DE ENFRENTAMENTO

Diante da realidade da concessão de alvarás autorizando o trabalho de adolescente antes da idade legal, em que pese a vedação constitucional, a atuação ministerial e os provimentos e orientações expedidos por Corregedorias de Justiça e Ministérios Públicos, impõe-se a adoção de ações e articulações com vistas a se obter eficácia no seu combate. Para tanto, a Comissão sugere um elenco de ações para o enfrentamento do problema.

Cada membro deverá verificar a situação concreta em seu Estado e/ou área de atribuição, aplicando, no que entender cabível, as ações sugeridas.

SUGESTÕES DE AÇÕES:

Aos Membros titulares e suplentes da Coordenadoria: 1 - Encaminhamento de ofício ao Ministério Público Estadual, por intermédio do Centro de Apoio à Infância e à Juventude, onde houver, solicitando: a) que oriente os Promotores de Justiça para que em suas manifestações processuais argúam, preliminarmente, a incompetência da Vara Especializada, e, se superada, se oponham à concessão de autorizações judiciais para o trabalho de adolescentes com idade inferior a dezesseis anos, salvo na qualidade de aprendizes, e desde que a aprendizagem siga os parâmetros legais específicos, interpondo, em caso de concessão da autorização, o necessário recurso; b) que tão logo tome ciência do ajuizamento de pedidos nesse sentido, comunique o fato ao Ministério Público do Trabalho; c) quando da remessa dos autos para manifestação do MP, que o Promotor solicite ao juízo a manifestação do MPT.

2 - Diligenciar junto aos Tribunais de Justiça nos Estados e Tribunais Regionais do Trabalho no sentido de que expeçam provimento que enfatize a vedação da concessão de autorização para o trabalho de adolescente com idade inferior à legal, nos termos dos arts. 7º, inciso XXXIII, 226 e 227, da Constituição Federal;

3 – Firmar Termos de Convênio com o Ministério Público Estadual ou, em caso de sua existência, inserir cláusula inerente à atuação nesses casos, nos moldes dos convênios firmados pelo MPT com o MPEMG e o MPEPI;

4 – Diligenciar no sentido de incluir a temática em Seminários, Congressos e outros eventos, especialmente, nos Estados que enfrentam o problema em maior abrangência.

À Coordenação Nacional:

1 - Atuar junto ao FONCAIJ (Fórum Nacional dos Centros de Apoio à Infância e Juventude) com o objetivo de conseguir auxílio dos Centros de Apoio para articulação com os Promotores de Justiça e as Corregedorias;

2 – Informar sobre a questão ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, órgão vinculado ao Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais do Ministério Público, para sensibilizar os Promotores de Justiça e Procuradores da República quanto à atuação nos casos que envolvam esta temática;

3 – Informar a questão ao Ministério Público Federal, por intermédio da Promotoria da Defesa dos Direitos do Cidadão, para sensibilizar os Procuradores da República quanto à atuação nos casos que envolvam esta discussão, inclusive, quanto aos mandados de segurança impetrados em face de Auditores Fiscais do Trabalho, responsáveis pela fiscalização trabalhista;

4 – Promover, por intermédio da Corregedoria-Geral do MPT, a articulação com o Colégio dos Corregedores Gerais do MP, no sentido de que se consiga uma atuação uniforme na expedição de Provimentos e/ou Orientações aos membros da instituição;

5 – Promover, por intermédio da Câmara de Coordenação e Revisão do MPT, a articulação com a Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, para se obter uma atuação uniforme com relação á temática;]

6 – Sugerir alteração ou revogação de artigos da Consolidação das Leis do Trabalho que tratam do trabalho dos adolescentes, através da Subcomissão de Adequação da Legislação da Comissão Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil – CONAETI, a saber: a) nova redação ao artigo 402; b) revogação do parágrafo único do artigo 402; c) revogação dos §§ 2º e 4º, do artigo 405; d) nova redação do caput, do artigo 406; e) revogação do artigo 410.

7 – Recomendar aos Procuradores do Trabalho que procurem manter contato com os Promotores de Justiça atuantes nas Varas da Infância e da Juventude de sua Regional para atuação conjunta nos casos de pedidos de concessão de autorização para o trabalho;

8 – Recomendar a interposição de recurso das decisões de Juízes do Trabalho concessivas de autorização para o trabalho antes da idade legal, sugerindo que este aborde, pelo menos, os seguintes tópicos:

. insistir na impossibilidade de concessão da autorização, pelos aspectos constitucionais (arts. 7º, inciso XXXIII, e 227); pelos aspectos normativos ordinários (art. 149, do ECA, que não concede tal prerrogativa aos magistrados);

. fazer referência aos Provimentos, ressaltando o encaminhamento do adolescente para programas de assistência, e não para o trabalho;

. fazer referência ao prejuízo no aproveitamento escolar, podendo se utilizar dos dados do censo ou PNAD;

. requerer o encaminhamento para as empresas, na qualidade de aprendiz, ressaltando as disposições legais específicas;

. fazer referência aos prejuízos físicos, morais, emocionais e de desestruturação dos vínculos familiares do precoce ingresso no mundo do trabalho;

. indicar programas sociais para o encaminhamento do adolescente;

. em último caso, fazer referência aos comandos legais de proteção do trabalho do adolescente.

9 – Recomendar aos Procuradores do Trabalho atuantes no combate à exploração do trabalho de crianças e de adolescentes, a instauração de procedimento de investigação, em face do empregador, para análise do caso concreto que envolva a autorização para o trabalho antes da idade legal.

Medidas Posteriores:

1 – Consultar na segunda reunião de 2007 se as medidas tomadas junto aos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais do Trabalho e TST tiveram resultado;

2 - Analisar as estratégias expostas, com o objetivo de avaliar se foram obtidos resultados satisfatórios com a sua adoção; 3 - Diligenciar junto ao Tribunal Superior do Trabalho para a emissão de provimento que enfatize a vedação da concessão de autorização para o trabalho de adolescente antes da idade legal.

Diante do exposto, arguo a preliminar de incompetência da Vara da Infância e Juventude para a concessão de autorizações judiciais para o trabalho de adolescentes com idade entre 14 e 16 anos, como aprendizes, e acima desta idade, pela absoluta desnecessidade.

3 – Da nulidade das autorizações judiciais de trabalho concedidas pela ausência de procedimento devida e formalmente judicializado e ausência de manifestação do Ministério Público

Conforme assentou o Magistrado no relatório de encerramento do “inquérito judicial” nº 75/2009, dezenas de autorizações de trabalho foram expedidas:

“Diante dessa demanda, com amparo na lei, na doutrina e na jurisprudência, a Vara da Infância e da Juventude passa a expedir autorizações judiciais de trabalho aos adolescentes, por meio de um procedimento simples: um termo de autorização, que sintetiza prévia investigação do Conselho Tutelar sobre notas e comportamento do adolescente na escola, interesse dos pais, condição econômica da família e inspeção no local de trabalho, além de algumas orientações, entre elas, a de inserção do menor no regime de aprendizagem” ( fl. 862 – pág. 2 do relatório final – terceiro parágrafo)

Impulsionado pelas peculiaridades locais (repita-se: intensa e lídima demanda dos próprios adolescentes e famílias por trabalho lícito aos menores; resistência, sem fundamento, de empresários em oferecimento de postos de trabalho; ocorrência, não rara, de menores que estão em serviço, embora sem qualquer exploração, mas fora do alcance da proteção integral, isto é, sem acompanhamento na escola e verificação prévia do local de trabalho pela Justiça da Infância e Juventude; e, ameaça constante e em elevação das drogas, até pela arregimentação de mão-de-obra de menores), logrou-se ajustar a emissão das autorizações de trabalho por meio do trabalho prévio e de campo do Conselho Tutelar. – fl. 890 – pág. 30 do relatório de encerramento

Nos casos desta comarca, em geral, o Conselho Tutelar resume a “lide” – interesse do adolescente e da família ao trabalho e dificuldade de sua efetivação – num procedimento prévio que conta com averiguação de matrícula e notas de aluno na escola, condições do local de trabalho, recomendação de pelo menos uma modalidade de trabalho ao adolescente (aprendiz) e reclama a autorização judicial para o garoto ou a garota trabalhar. – fl. 891 – pág. 31 do relatório de encerramento

...

Singelamente, esse é o rito empregado nesta comarca, cuja Justiça da Infância e Juventude expediu dezenas de autorizações de trabalho, negou algumas, cassou outras. Era isso que vinha e é isso que vem sendo feito, sistematicamente, antes e depois da fiscalização indiscriminada da Gerência Regional do Trabalho e Emprego, requisitada pelo Promotor de Justiça da Infância e Juventude; pois, além de formalmente legal, o procedimento concessivo das autorizações de trabalho é materialmente lícito, uma vez que torna concreto um direito social importantíssimo, de estatura constitucional, que beneficia a sociedade e, principalmente, os menores de 18 anos. – fl. 892 – pág. 32 do relatório de encarremento

...

Com efeito, foram expedidas muitas e muitas autorizações de trabalho em um procedimento assaz injurídico, não formal, sem registro, sem autuação, alijando a qualquer interveniente obrigatório da participação, postulação ou qualquer direito de recurso, ou seja, em absoluta afronta ao disposto nos artigos 202 e 203 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

É o que se constatada das autorizações juntadas a fls. 360-492/623-7 dos autos principais, ou seja, não simplesmente dezenas, mas 135 autorizações (que vieram para os autos, porque certamente existem muitas outras); no apenso da cópia do protocolado que tramitara na Promotoria de Justiça, constam diversas autorizações sem qualquer prévia abertura de oportunidade para manifestação do Ministério Público Estadual ou do Trabalho ou até ciência formal da expedição, conforme fls. 13 a 246 (ou seja, 213 autorizações de trabalho). Pasmem, muitas ainda continuam sendo expedidas conforme afirmou o próprio Magistrado absolutamente à revelia do Ministério Público Estadual e do Trabalho.

Muito apropriados os julgados apresentados pelo Magistrado no afã de justificar o procedimento adotado, porque provam justamente que as autorizações de trabalho alhures expedidas e concedidas deram-se mediante um procedimento legal, formal, com ciência a todos os intervenientes obrigatórios, seja para prévia manifestação, seja somente da decisão proferida. Aqui, em Fernandópolis, pouquíssimos casos, talvez que não preencham os dedos das mãos, são levados ao Ministério Público para conhecimento e manifestação. Daí a necessidade de instauração de um protocolo. À propósito, com tantas autorizações “judiciais” que nada têm de judiciais porque nem registro judicial receberam, mas pessoais vindos de específicos Conselheiros Tutelares e do Juiz de Direito Evandro Pelarin, expedidas à revelia dos Ministérios Públicos Estadual ou do Trabalho, perfeitamente plausível conotar este procedimento do Magistrado de sigiloso e não o protocolado, cuja existência e trâmite seguiu todas as regras legais e normativas institucionais.

Diante do exposto, ante a ilegalidade das referidas autorizações “judiciais” para trabalho de adolescentes na condição de aprendiz, seja porque não derivadas de uma portaria que gizasse claramente as regras para concessão, seja porque expedidas sem instauração de formal e judicializado procedimento, inclusive com registro na Vara da Infância e Juventude, seja porque sem oportunizar prévia manifestação do Ministério Público ou mesmo ciência ao órgão ministerial, impõe a decretação da nulidade de todas as autorizações de trabalho de fls. 360-492/623-7 dos autos principais e fls. 13 a 246 da cópia do protocolado que tramitara na Promotoria de Justiça (apenso).

4 – Da necessidade de se impor regras para a concessão da autorização judicial visando a proteção de adolescentes trabalhadores e aprendizes

Caso superadas as questões acima suscitadas, pelas quais se sustenta o impedimento da concessão de autorizações judiciais de trabalho de adolescente na condição de aprendiz, de rigor o estabelecimento de regras claras e procedimentos cristalinos e técnicos para subsidiar a expedição de autorizações visando a verdadeira proteção do adolescente.

Desarrazoado o inconformismo do Magistrado, com todo o respeito, quanto as providências de fiscalização pelo Ministério Público e pelos agentes da Delegacia do Trabalho, porque ele mesmo não concedeu ao Ministério Público a oportunidade de se manifestar previamente nos pedidos apresentados pelo Conselho Tutelar, nem deu ciência da expedição. Assim, para ter acesso às autorizações concedidas e saber se os destinatários a cumpriam, não restou outra providência. Mesmo porque, não havia procedimento algum instaurado de cada autorização, para se postular fiscalizar neles.

O objeto do presente inquérito é uma preocupação do Ministério Público do Trabalho, tanto que a fls. 513-4/591/604/606-7, consta cópia de Portaria do Procedimento nº 033426/2007-90 pelo Ministério Público do Trabalho, no qual figuram como denunciados a Vara da Infância e Juventude de Fernandópolis e o Conselho Tutelar de Fernandópolis, de 7 de dezembro de 2007. O referido procedimento procedimento foi arquivado pelo M.P.T, porque ajuizada ação civil pública sobre um caso individual; depois da remessa do protocolado do Ministério Público ao M.P.T, este instaurou procedimento investigativo nº 000177.2009.15.007/3-91.

Da análise da fiscalização, verifica-se o saldo de 19 adolescentes trabalhando em situação regular (8 empresas); 11 adolescentes em situação irregular, sem registro ou autorização judicial, lavrando-se os respectivos autos de infração (7 empresas); 3 adolescentes em situação de autorização de trabalho, não lavrando-se o auto de infração por respeito a decisão judicial. Logo, foram encontrados 32 adolescentes. Do universo de 105 empresas, apenas 6 estavam irregulares (6,66%).

A flexibilização às leis trabalhistas ou a indiferença a elas quando da concessão da autorização para trabalho como pretendido pelo Magistrado faz com que os órgãos de proteção aos adolescentes, entre eles Conselho Tutelar, Poder Judiciário e Ministério Público percam a impar oportunidade de realmente proteger o adolescente, assegurando-se um trabalho realmente profissionalizante ( no sentido de evolução profissional e não estagnação em subempregos), com documentação para currículo de trabalho, registro na CTPS (com o qual pode contrair financiamentos de toda sorte), contagem de tempo de trabalho para aposentaria e qualquer outro benefício legal, e mais importante¸ a proteção previdenciária em face de acidentes de trabalho, doenças ocupacionais ou afastamentos do trabalho por motivo de doença, garantindo-se a estabilidade, além de todas as demais vantagens trabalhista, como verbas, fundo de garantia por tempo de serviço e seguro desemprego.

Além disto, as autorizações judiciais, cujas cópias estão encartadas aos autos, aludem a trabalho apenas na condição de aprendiz e não em outras modalidades como agora introduz o Magistrado no relatório de encerramento do inquérito judicial.

O inquérito judicial deixou uma lacuna muito grande e é imperioso o seu preenchimento. Foi instaurado para apurar o cumprimento das autorizações de trabalho, mas nenhuma diligência foi determinada com este fim; apenas realizou-se atos de colheita de manifestações de apoio e registros de dramas pessoais de diversos indivíduos.

Então, houve desvio de finalidade do objeto móvel da instauração, porque nenhuma diligência para ver se as autorizações judiciais eram cumpridas foi realizada. Ao contrário, pelas fiscalizações dos auditores do Ministério do Trabalho, há notícia de descumprimento em alguns casos.

À propósito, traga à baila a doutrina sobre a relação trabalho-escola elaborada por psicólogos, filósofos, Doutores na área e professores universitários, pesquisadores do assunto, portanto maiores autoridades a gizar a questão sub judice cujos trechos dos documentos literários transcrevo, juntando a íntegra dos mesmos:

Psicologia: Reflexão e Crítica, 2005, 18(1), pp.125-133

A Positividade e a Negatividade do Trabalho nas Representações Sociais de Adolescentes

Denize Cristina de Oliveira1 2 3

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Frida Marina Fischer

Mariana Almeida Amaral

Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira

Universidade de São Paulo

Celso Pereira Sá

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

“respectivamente dos períodos diurno e noturno, sobre o trabalho, a associação trabalho-estudo e o adolescente trabalhador”

Alguns autores argumentam sobre os aspectos positivos e benéficos da entrada precoce na força de trabalho, no sentido de contribuir para o crescimento como pessoa ou cidadão, incorporando sentimentos de auto-estima e realização à sua personalidade, desde que compatível e equilibrado com seu potencial energético (Forastieri, 1997). No entanto, o trabalho pode tornar-se uma atividade com conseqüências negativas para o jovem quando não pode ser conciliado com outras atividades tão importantes para o adolescente como, por exemplo, o estudo, o lazer e o próprio convívio familiar. Asmus, Suyanna, Ruzani e Meirelles (1996), Dauster (1992), Lima e Câmara (2002) e Neto e Moreira (1998) mostram os múltiplos efeitos negativos do trabalho infanto-juvenil, destacando a desmotivação, o cansaço, a pouca remuneração salarial e os problemas de saúde, entre outros.

Sato (1993) destaca que a penosidade do trabalho está relacionada à falta de controle do trabalhador sobre a atividade laboral, uma vez que esse controle depende da possibilidade do trabalhador intervir na resolução de conflitos que se apresentam no cotidiano. E, ainda, do reconhecimento de um limite subjetivo, que varia de acordo com as condições de trabalho e com o próprio trabalhador, ou seja, quanto, quando e o que é possível agüentar no trabalho. No caso dos trabalhadores jovens, tal controle não está presente, o que é um forte indício de prejuízos causados a sua formação por diversas atividades que exercem.

Martins, Fischer e Oliveira (2000), Fischer e colaboradores (2003) e Martins e colaboradores (2002), em pesquisa realizada em duas cidades do interior de São Paulo, encontraram resultados que corroboram algumas das conseqüências negativas do trabalho infantil e adolescente, destacando-se a falta de experiência no trabalho, a inadequada supervisão, a execução de tarefas perigosas que envolvem riscos à vida e o inadequado conhecimento sobre os riscos do trabalho, além dos débitos acumulados de sono, decorrentes das atividades de trabalho e estudo, uma vez que a perda aguda de sono gera nível elevado de sonolência durante o dia, momentos de desatenção, curtos episódios de sono que passam despercebidos, queda no desempenho e alterações dos estados de ânimo.

Oliveira (2000) e Oliveira, Fischer, Martins, Teixeira e Sá (2001) destacam os riscos psicossociais do trabalho para o adolescente, que consistem, especialmente, no comprometimento da temporalidade do desenvolvimento da criança e do jovem trabalhador, que deixam de vivenciar experiências fundamentais para o seu desenvolvimento psicossocial em momentos nos quais essas experiências seriam fundamentais. Esses autores destacam, ainda, a competição entre trabalho e escola, resultando no abandono precoce da escola, e a exposição a situações e agravos incompatíveis com o estágio de maturação intelectual, emocional e social, que podem ser obscurecidos pela aparente maturação física.

Para análise dessa questão, além da abordagem objetiva dos danos à saúde e ao aproveitamento escolar, igualmente importante é a abordagem das imagens que os atores sociais constroem do trabalho, da relação trabalho-estudo e de si próprios como trabalhadores.

Essas imagens, ou representações, acabam por sustentar as práticas sociais que tendem a priorizar o trabalho sobre o estudo e a manutenção do jovem trabalhador no mercado de trabalho, muitas vezes abandonando a escola precocemente, ainda num momento de escolarização obrigatória. O processo de exclusão escolar se desenvolve a partir da associação do trabalho a valores morais, a um melhor futuro do que aquele reservado ao jovem em função da sua inserção social, ao esforço pessoal e como forma de contornar problemas urbanos, tais como o envolvimento com drogas ilícitas e a marginalidade, conforme observado em estudos desenvolvidos por Martins e colaboradores (2000).

A necessidade econômica não foi um elemento central da representação de trabalho no grupo do noturno, uma vez que se localiza no quadrante inferior esquerdo, apontando a maior importância dada a outras funções do trabalho, como aquelas relacionadas com o desenvolvimento humano e a aprovação pessoal, expressas nas evocações “essencial”, “bom”, “responsável”, presentes no quadrante superior esquerdo.

Um elemento negativo central, e compartilhado por ambos os grupos, referiu-se a “muita responsabilidade”, que reflete a falta de experiência no trabalho, o excesso de tarefas e, especialmente, exigências psicossociais incompatíveis com o momento de desenvolvimento do jovem trabalhador, e geradoras de estresse psicológico.

Ao comparar as evocações localizadas nos núcleos centrais da representação social do objeto representado, observa-se que as referências negativas associadas à dupla jornada representada pelas atividades de trabalho e estudo foram muito mais freqüentes no grupo da noite do que no grupo da manhã.

Já no grupo da noite observa-se a palavra “esforço”, que é específica do núcleo central desse grupo, apontando para um significado estreitamente relacionado com a conciliação do estudo e do trabalho, e que se refere, ao mesmo tempo, a um atributo pessoal necessário para suportar a dupla jornada, e também a reafirmação da dureza dessas atividades. Essa mesma evocação aparece apenas como elemento periférico na análise do grupo diurno.

Observa-se em diversos estudos que, embora represente um enorme sacrifício o fato de estudar e trabalhar, esses adolescentes desejam prosseguir seus estudos e são vítimas dos efeitos negativos desta dicotomia. Autores como Mielnik (1987) e Pinheiro (1999) referem os baixos salários, poucas horas de sono, menor tempo para recreação e lazer, e redução do tempo para o estudo, dificuldades para se alimentar, desinteresse pelo estudo.

Porém destaca-se que, embora existam essas avaliações positivas, os jovens evocaram termos que sinalizam sua rejeição à dupla jornada estudo-trabalho, como por exemplo, na palavra “desmotivado”.

Assim como no termo trabalho, o grupo da noite evocou palavras que expressam as dificuldades que enfrentam ao ter que estudar e trabalhar ao mesmo tempo, o que foi expresso nos termos “muita responsabilidade”, “estressante”, “ruim”, “correria” e “conciliar”.

Parece que os elementos periféricos suportam as múltiplas discordâncias da alternância do trabalho com o estudo, por um lado, porque o trabalho contribui para o amadurecimento pessoal, possibilita novas experiências e a independência econômica, e, por outro, atrapalha o estudo, gera aborrecimentos, representa uma obrigação, e compete com o tempo destinado ao estudo.

Chamou a atenção o fato de que no grupo do período noturno, diferentemente do outro grupo, apareceu o termo “exploração”, que evidencia a realidade desses adolescentes submetidos ao trabalho sem garantias empregatícias, o que já vem sendo denunciado por meio de inúmeros trabalhos (Kassouf, Mckee & Mossialos, 2001; Robazzi, Cano & Fávero, 1996).

Observa-se que os elementos positivos do grupo do período noturno estão dicotomizados entre a necessidade de identificação com o adulto (termo “respeitado”) e o ingresso no mercado de consumo e a contribuição com a renda familiar (“ajudar a família” e “comprar coisas”). Já os elementos negativos comportam aspectos das práticas sociais vivenciadas (“cansativo”, “estressante” e “difícil”).

Considerações Finais

Infere-se que para esses sujeitos o trabalho, no sentido moralmente associado ao termo, é visto como algo que dignifica o ser humano e que o faz crescer. No entanto, quando esse trabalho é contraposto ao estudo (termo indutor “trabalhar e estudar”), outros elementos negativos passam a ser compartilhados.

Acredita-se que a emergência de dimensões negativas do trabalho aparece pelo fato de o termo estar diretamente relacionado com as dificuldades enfrentadas pelos sujeitos ao conciliar o estudo com o trabalho, o que, muitas vezes, os leva a abandonar a escola, pressionados pelo horário, pelo estresse e pela sobrecarga de atividades. Os elementos negativos fizeram parte de categorias como “cansativo”, “difícil”, “muita responsabilidade” e “perdas”. Quando foram evocados elementos positivos, isso foi feito reforçando o sentido da moral social atribuída ao trabalho.

Memorização é menor à noite, diz pesquisador

O especialista em cronobiologia da Unicamp Edson Delattre adverte que a capacidade de memorização e de aprendizagem das pessoas atinge o ápice entre o fim da manhã e o início da tarde. "Independentemente da hora em que a pessoa costuma acordar ou dormir, é à noite que o sono é mais reparador e que os neurônios se restabelecem. A capacidade de aprendizagem é reduzida” (Folha de São Paulo. )

Oficina de Atividades e Projetos: um espaço para conhecer os problemas e as perspectivas escolares e de trabalho de adolescentes trabalhadores

Roseli Esquerdo LopesI; Diana Basei GarciaII; Paula Giovana FurlanIII; Carla Regina SilvaIV

IProfessora Adjunta do Departamento de Terapia Ocupacional e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

IIGraduanda do Curso de Terapia Ocupacional da UFSCar e Aluna do Programa Unificado de Iniciação Científica da UFSCar

IIITerapeuta Ocupacional do Núcleo UFSCar do Projeto Metuia e aprimoranda em Planejamento e Administração dos Serviços de Saúde pela UNICAMP - SP

IVTerapeuta Ocupacional e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar

ESTUDAR E TRABALHAR

Esses adolescentes trabalham todos os dias, das 8 horas da manhã até às 17 horas da tarde. Alguns, quando saem do trabalho conseguem ir até as suas casas, tomar banho e jantar; outros vão direto para a escola e as aulas começam às 19 horas. A reclamação dessa dupla jornada escola/trabalho foi muito presente em nossas discussões durante as Oficinas. Expressaram a vontade de sair deste cotidiano trabalho/escola, pois estão cansados de estudarem e trabalharem todos os dias. A maioria sente que seu dia-a-dia é muito corrido e não vê a hora do final de semana chegar para descansar e se divertir. Chegam cansados do trabalho na escola e, segundo eles, estão exaustos para raciocinarem. Isso mostra que o trabalho se sobrepõe à escola, e que é preciso estar disposto no trabalho pela responsabilidade exigida, enquanto que é possível faltar à aula, "matar a aula", dormir na classe, não prestar atenção na aula ou ficar no portão da escola. No estudo de Fonseca (2003), os adolescentes também relataram a questão do cansaço no dia-a-dia e a dificuldade de conciliar o trabalho de oito horas com a escola, com um turno de quatro horas, geralmente à noite.

Representações Sociais de Adolescentes sobre Trabalho Doméstico e Escola[3]

Maria Ignez Costa Moreira[4]

Sandra de Fátima Pereira Tosta[5]

Doutora em Psicologia Social PUC-SP, Professora no Mestrado em Psicologia - PUC Minas. Endereço para correspondência: Av. Itaú, 525, Bairro Dom Cabral – CEP.: 30.535-012. Belo Horizonte, MG. Tel (31) 3319-4568, 3319-4922. FAX: (31) 3319-4447. E-mail: maigcomo@.br

Doutora em Antropologia Social PUC-SP, Professora no Mestrado em Educação – PUC-Minas.

Neste sentido, Sarti (1996) ressalta, em sua pesquisa sobre o valor moral do trabalho para os pobres, que ensinar os filhos a serem trabalhadores é um sinal de honestidade, de responsabilidade, como valores que devem ser legados às gerações futuras. As adolescentes, com as quais tivemos contato nesta pesquisa, revelaram ter este princípio internalizado, ou seja, o trabalho como valor moral. No entanto, a verdade é que a excessiva carga horária de trabalho, o cansaço e o confinamento impedem e dificultam que essas adolescentes consigam desenvolver um processo de escolarização e formação profissional satisfatórios. Nas suas narrativas sobre histórias de suas famílias, pudemos perceber, claramente, que o ciclo de pobreza e de exclusão social está perpetuado entre as gerações e a possibilidade de ele ser rompido é bastante remota. Neste cenário, é preciso também considerar que a ocupação dessas adolescentes nas atividades de trabalho e nas tarefas escolares- o para casa - acaba por impedi-las de outra atividade essencial aos jovens: o lazer. Ora, é através das práticas de lazer e de esporte que eles poderão experimentar diversos e necessários graus de convivência com os outros e tecer suas redes de sociabilidade.

Escola, trabalho e serviço domésticos

A conciliação dos serviços domésticos com os afazeres da escola era fonte de tensão, conforme explicitada no grupo focal e sobre isso algumas adolescentes disseram: “tem hora para fazer tudo”, outras achavam ficar muito difícil trabalhar durante todo o dia e “ainda ter que estudar à noite”.

É importante destacar que das onze adolescentes que estavam empregadas, todas ainda exerciam tarefas domésticas, ou seja, tinham uma dupla jornada de trabalho, além das atividades escolares.

De fato, podemos perceber nos depoimentos que o serviço doméstico e sua aprendizagem eram vistos como se fossem próprios da vida das adolescentes, eram naturalizados em suas falas, raramente ouvimos algum questionamento a respeito. Trata-se de experiências vivenciadas com naturalidade e bem ditas por que propiciavam a inserção, ainda que precoce e não desejada, no mundo do trabalho indicando a dimensão socializadora do labor. Aliás, a conciliação do trabalho ou do serviço doméstico com as atividades escolares era possível e não prejudicial ao processo de escolarização, segundo as declarações de metade do grupo de meninas. Essa idéia foi defendida, principalmente, entre as adolescentes que não trabalhavam fora de casa. Já para as demais, que trabalhavam no espaço público ou no doméstico de terceiros, afirmaram o contrário. Segundo elas, tal conciliação não era fácil, pois se sentiam assoberbadas e cansadas.

Este estudo propiciou demonstrar que as adolescentes responsáveis pelo serviço/trabalho doméstico são muitas vezes exploradas, têm uma carga pesada de atividades cotidianas o que, às vezes, as impedem de estudar, de participar de atividades culturais e de lazer, próprias aos sujeitos nesta etapa da vida. Vimos que, muitas vezes, elas constroem uma representação do trabalho doméstico, de certa forma, real: a primeira é a possibilidade de se incluir no mundo do trabalho e de ter alguma renda. Nesse sentido ele não é tomado como fim em si mesmo. Por outro lado, elas procuram conciliar o trabalho doméstico com a escola. Esta é vista pelas adolescentes como um espaço importante de sociabilidade e de socialização e a aprendizagem, como uma importante ferramenta para a ascensão social. É através do processo de escolarização que elas imaginam ter uma profissão e alcançar bons postos de trabalho.

“TRABALHO PRECOCE: qualidade de vida, lazer, educação e cultura *

Maria do Carmo Brandt de Carvalho**

* Comunicação realizada durante o Seminário "Impactos do Trabalho Infantil sobre a Saúde de Crianças e Adolescentes",

organizado pela Fundacentro/Ministério do Trabalho.

**Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC/SP e diretora do Instituto de Estudos

Especiais da PUC/SP.

Pedro é um jovem, hoje com dezoito anos. Veio do Paraná com seus pais aos dez anos de idade, instalando-se na periferia de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Conseguiu, com algumas reprovações, concluir a 4ª série com treze anos. Foi trabalhar. Achou que não era inteligente para prosseguir na escola. Começou a trabalhar como aprendiz numa olaria. Aos catorze anos, registrado, teve o seu primeiro acidente de trabalho. Conduzia um carrinho de mão, cheio de tijolos, numa elevação do terreno na própria olaria. Não agüentou e o carrinho veio para cima dele. O patrão o levou imediatamente para o hospital. A pancada na cabeça e o desmaio aparentemente não resultaram em dano algum.

O caso não foi registrado como acidente de trabalho. O patrão deixou claro que aquilo não era acidente, e sim brincadeira de menino e caso continuasse a brincar perderia o emprego. A ausência de maturidade, o medo e a subalternidade levaram Pedro a convencer-se de que o problema era seu e deveria Ter mais cuidado. Aos quinze anos foi promovido para trabalhar no forno da olaria. A alternância de extremos de temperatura – o calor do forno e o frio externo – resultaram em dores de cabeça fortes (ou talvez do primeiro acidente?) e outros males. Mas o salário compensava. Nessa época, já ganhava três salários mínimos incluídas as horas extras. Foi possível até comprar uma moto de Segunda mão que lhe conferiu prestígio, liberdade e autoridade.

Aos dezesseis anos tentou fazer o supletivo. Já percebia que precisava estudar para melhorar de emprego. Pagava R$ 50,00 mensais para cursar um supletivo particular. Mas estudar à noite lhe foi algo insustentável. O cansaço não lhe permitia ter sucesso Desistiu com a sensação reforçada de que não tinha "cabeça" para aprender.

Próximo aos dezessete anos pediu as contas porque queria ir para o exército. Só que o exército o rejeitou: não foi considerado apto.

Quando saiu da olaria, uma coisa aprendeu sobre as relações trabalhistas: poderia conseguir o seguro-desemprego. E conseguiu. Mas não tinha parado de trabalhar; apenas foi terceirizado sem registro na carteira. Desta feita, seu novo trabalho era de auxiliar de carregamento e entrega de tijolos.

Levanta, ainda hoje, às três horas da manhã, ajuda no carregamento e segue para outras cidades próximas, incluindo São Paulo, para descarregá-lo no endereço certo. Nessa nova ocupação ganhou nova aptidão: aprendeu a se localizar em São Paulo.

Ganha R$ 20,00 diários pela tarefa sem registro em carteira. Para ganhar mais, faz duas viagens diárias, o que significa mais de doze horas de trabalho. Tem procurado outro emprego menos penoso que lhe dê mais condições, inclusive de voltar a estudar. Não consegue. Todas as vagas disponíveis exigem o 1º grau completo.

Em matéria de lúdico. Faz caratê. Está gostando porque se distrai e participa de vários "torneios" com outros grupos em outras cidades. Percebe também que o caratê o acalmou, deixou-o menos nervoso e lhe dá mais auto-estima. É uma atividade esportiva da sociedade jove.

Pretende ainda este ano se casar. Já namora há três anos. Com o trabalho precoce Pedro se adultizou, suas chances de se promover pelo trabalho são muito pequenas. Os projetos culturais a que tem acesso são reduzidos. Seu único projeto para se sentir mais gente é o casamento, o amor e um filho.

Esta caminhada de um adolescente dos treze aos dezoito anos ilustra a caminhada da maioria das crianças/adolescentes inseridas precocemente no mundo do trabalho.

A legislação por si reconhece que o trabalho precoce produz danos que podem ser físicos, psíquicos, sociais e morais. No entanto, a legislação só é efetiva se a sociedade compartilha este reconhecimento e pressiona pelo seu cumprimento. Neste sentido, a sociedade brasileira tem mostrado um enorme avanço. Nesses anos recentes, uma série de organizações, movimentos e fóruns têm sido criados para denunciar, combater e pressionar pela erradicação do trabalho infantil e fiscalização do trabalho do adolescente. Também o Ministério Público, os sindicatos e governos já introduzem novas estratégias para combater o trabalho infantil. E as universidades estão se preocupando mais em socializar os estudos que atestam e comprovam os comprometimentos bio-psico-sociais resultantes da inserção precoce de crianças e adolescentes no mundo de trabalho.”

Este artigo não pretende, nem poderia, realizar a empreitada de demonstrar a totalidade de riscos e comprometimentos na criança e adolescente decorrentes do trabalho precoce, mesmo que referentes à qualidade de vida, educação e cultura. O objetivo é permitir uma primeira aproximação ao tema.

O trabalho condenado, proibitivo, é aquele em que as crianças e adolescentes são forçados a realizá-lo para sobreviver, para contribuir na renda familiar; é o trabalho que os faz abandonar a escola e o brinquedo, que os faz renunciar ao desenvolvimento de suas potencialidades e, conseqüentemente, de participar de forma mais igualitária da riqueza cultural e econômica da sociedade a que pertence.

 Os estudos revelam que a maioria das crianças e adolescentes trabalham em regime de servidão e exploração. Exercem atividades desqualificadas, perigosas, abusivas, insalubres, expostos ao tempo e ao mundo da rua, muitas vezes em situações constrangedoras. Ou, ainda, os adolescentes são colocados em atividades caracterizadas pela imobilidade. São ocupações mortas para o trabalho adulto (empacotador, office-boy...). Cumprem jornadas superiores a quatro horas diárias, como demandas de produtividade iguais as exigidas de um adulto(Carvalho et al., 1994:11).

Crianças e adolescentes trabalhadores são o exemplo maior das formas do que hoje conhecemos como fenômeno de precarização das relações de trabalho.

Os efeitos do trabalho precoce ou os comprometimentos mais visíveis estão na área da saúde física, na baixa escolaridade e qualificação profissional.

Mas há outros comprometimentos mais sutis, mais finos, pouco perceptíveis numa sociedade de desiguais. Eles se referem à baixo auto-estima, à exclusão cumulativa dos bens culturais e riqueza societária, ao processo de subalternização quase irreversível, à adultização precoce.

O trabalho de crianças e adolescentes é ao mesmo tempo expressão e processo que ratifica a desigualdade e a exclusão.

Este significa, na sua radicalidade, ausência de proteção integral a que este grupo têm direito. E ausência de proteção integral é já no presente e no futuro ausência de qualidade de vida. Já no presente estão rodando a estrada da exclusão sem chances de sair dela.

O trabalho precoce sugere, pois, a baixa qualidade de vida dessas crianças e de seus familiares. Ou seja, são famílias que vivem abaixo dos níveis de qualidade de vida considerados socialmente satisfatórios. Não possuem acesso(ou se o possuem, é muito precário) a bens e serviços fundamentais, aos mínimos aceitáveis de qualidade de vida: serviços de saneamento básico, moradia, serviços de saúde e educação, bens culturais, informação, lazer...

Em geral, essas famílias vivem um projeto de vida corroído pela carência constante, privação, rotinas de vida lineares, baixíssimas chances de trocas culturais. São vidas severinas, apartadas, subalternizadas e excluídas.

E é esta "qualidade de vida" que o trabalho precoce reintroduz como círculo vicioso que aprisiona as novas gerações aos mesmos baixos padrões de qualidade de vida. As chances de ascensão e melhoria praticamente inexistem, pois o trabalho precoce fecha uma das poucas portas que a sociedade contemporânea abre para a mobilidade: a educação

Segundo dados do PNAD/1993, as crianças de sete a catorze anos que estavam na escola significavam 11,4% do total. No intervalo de dez anos(1983-93) este percentual caiu de 20,1% para 11,4%. Mas mesmo havendo novas reduções, o índice de crianças que não estão na escola é alto demais. Não estão porque não há escolas próximas(caso da zona rural); porque a inserção precoce de crianças pobres no mundo do trabalho é sina; porque as famílias em situação de pobreza, urbana ou rural, sonham com o sucesso escolar, mas reiteradamente convivem com sistemas excludentes que a escola reproduz.

As crianças e adolescentes que trabalham precocemente podem, de início, apresentar vantagens em ralação à crianças de classe média no âmbito cognitivo e de habilidades para a vida autônoma: iniciativa, circulação no espaço, criatividade e agilidade de respostas. No entanto estas vantagens se perdem com o decorrer do tempo.

As atividades ocupacionais em que as crianças e adolescentes se inserem são repetitivas, lineares e subalternizantes, levando-as a terem estas habilidades "encolhidas".

Com o passas do tempo, perdem a capacidade motora fina que facilita a escrita, e as demais habilidades não se desenvolvem, pela ausência de estímulos cognitivos e culturais. Não há processamento de novas informações, até porque nem mesmo estas chegam no ambiente de rotina em que se encontram.

Crianças e adolescentes precisam brincar, fazer esportes e competir com outros grupos nas atividades esportivas em que se habilitam. Também precisam Ter acesso à arte e ao desenvolvimento de seus talentos artísticos. Arte é expressão e possibilidade de troca cultural; é igualmente mediação na apreensão do belo. Este conjunto de atividades lúdicas, esportivas e artísticas são básicas ao sucesso escolar, ao desenvolvimento da auto-estima, comunicação e sociabilidade. Portanto, são ingredientes que não apenas complementam a escola, mas compõem o kit de proteção e desenvolvimento destinado ao grupo infanto-juvenil.

 

A escola e o trabalho entre adolescentes do ensino médio da cidade de São Paulo: uma análise de representações sociais

Denize Cristina de Oliveira Faculdade de Enfermagem/Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Frida Marina Fischer

Faculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo

Maria Cristina Triguero Veloz Teixeira

Faculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo/Universidade Presbiteriana Mackenzie

Mariana Almeida do Amaral

Faculdade de Saúde Pública/Universidade de São Paulo

A classe “A relação trabalho-estudo” comportou imagens compartilhadas sobre as múltiplas dificuldades decorrentes da conciliação entre essas duas atividades. Tais imagens foram associadas ao cansaço, à sobrecarga física e à falta de tempo para estudar, para descansar e para o lazer. As imagens indicaram que a condição de trabalhador tem sido imposta pelas necessidades econômicas pelas quais passam as famílias desses jovens. Isso foi confirmado nos resultados referentes à caracterização social do grupo estudado. Dos 354 adolescentes do período noturno, 184 eram trabalhadores, 85 desempregados e 85 não trabalhadores.

A Constituição Federal em seu artigo 6º elegeu a EDUCAÇÃO direito fundamental social e em seu artigo 205 estabeleceu que a educação é dever do estado, da família e visa o preparo para o exercício da cidadania.

Ante a ausência de adequada regulamentação para a concessão da autorização do trabalho, se for o caso, propõe-se as seguintes regras:

Controle da freqüência escolar, só podendo faltar mediante atestado médico ou comparecimento dos pais à escola para justificar;

Proibição de freqüência escolar noturna, a fim de lhe garantir tempo de descanso e para fazer as obrigações escolares;

Controle do aproveitamento escolar, não podendo tirar notas vermelhas;

Autorização para faltas nas vésperas das provas escolares;

Pagamento do salário, sendo 50% ao genitor e o outro 50% depositado em conta aberta em nome do menor, podendo ser o dinheiro sacado apenas ao final do ano, pelo genitor e sob gerência dele.

Proibição de realização de trabalhos perigosos e insalubres, segundo as normas do Ministério do Trabalho;

Apresentação de prévia do laudo da Delegacia Regional do Trabalho

5 – DO PEDIDO FINAL

Diante do exposto, são as presentes razões de apelação, para pedir o provimento do recurso e, por conseguinte:

1 – seja reconhecida a legitimidade do Ministério Público do Estado de São Paulo para intervir em todos os pedidos de autorizações de trabalho a serem expedidos pelo Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude de Fernandópolis;

2 – sucessivamente, seja reconhecida a incompetência da Vara da Infância e Juventude de Fernandópolis para expedir autorizações de trabalho de adolescente fora das hipóteses taxativas previstas nos artigos 405 e 406 da Consolidação das Leis do Trabalho, notadamente a incompetência para expedir autorizações de trabalho na condição de aprendiz, em face da existência de regime legal próprio e desnecessidade pela existência, nesta cidade, de entidades de aprendizagem;

3 – seja decretada a nulidade das autorizações de trabalho de fls. 360 a 492 e 623 a 627 dos autos principais e de fls. 13 a 246 do apenso do protocolado (procedimento administrativo da Promotoria de Justiça), porque não registrados como procedimentos judiciais, não autuados, não judicializados e porque não houve prévia nem ulterior ciência dos atos processuais concedida ao Ministério Público;

4 – finalmente, se caso, alternativamente, seja definida a regra para a concessão de autorização judiciais de trabalho, exigindo-se a presença prévia das seguintes informações e critérios

Controle da freqüência escolar, só podendo faltar mediante atestado médico ou comparecimento dos pais à escola para justificar;

Proibição de freqüência escolar noturna, a fim de lhe garantir tempo de descanso e para fazer as obrigações escolares;

Controle do aproveitamento escolar, não podendo tirar notas vermelhas;

Autorização para faltas nas vésperas das provas escolares;

Pagamento do salário, sendo 50% ao genitor e o outro 50% depositado em conta aberta em nome do menor, podendo ser o dinheiro sacado apenas ao final do ano, pelo genitor e sob gerência dele.

Proibição de realização de trabalhos perigosos e insalubres, segundo as normas do Ministério do Trabalho;

Apresentação de prévia do laudo da Delegacia Regional do Trabalho

Nestes termos,

Pede deferimento.

Fernandópolis, 6 de maio de 2010.

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Promotor de Justiça

Promotoria de Justiça de Fernandópolis

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[1] A Consolidação das Leis do Trabalho apenas prevêem intervenção judicial do “Juiz de Menores” nos art. 405, §§2º e 3º, alíneas “a” e “b”, c.c. art. 406.

[2] Enunciado 2.: Caracteriza grave violação aos direitos humanos infanto-juvenis, bem como ao ordenamento jurídico brasileiro, a concessão de alvará ou autorização judicial para o trabalho de crianças e adolescentes com idade inferior a 14 anos, devendo tal pratica ser veementemente combatida pelo Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal, com a observação de que o trabalho de adolescentes entre 14 e 16 anos só é permitido na condição de aprendiz, nos termos da Lei 10.097/00”.

[3]

[4] Doutora em Psicologia Social PUC-SP, Professora no Mestrado em Psicologia - PUC Minas.

[5] Doutora em Antropologia Social PUC-SP, Professora no Mestrado em Educação – PUC-Minas.

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