Defensoria Pública do Rio de Janeiro



MODELO PARA ALEGA??ES FINAISDA QUESTION?VEL CREDIBILIDADE DOS DEPOIMENTOS PRESTADOS PELOS POLIAIS MILITARES:Como procuramos demonstrar com a referência aos trechos dos depoimentos acima destacados, há evidentes contradi??es e disson?ncias entre os policiais militares ouvidos, além da questionável veracidade das declara??es ante as regras de experiência comum e a lógica do razoável. Do panorama extraído da prova oral, portanto, n?o há que se falar no cabimento in casu da inteligência contida no verbete n.? 70 da Súmula da Jurisprudência Dominante do Tribunal de Justi?a do Rio de Janeiro (doravante apenas Súmula 70), aqui criticada a partir dos seguintes perspectivas: a) legal; b) lógica; c) científica e; d) jurisprudencial.Desde já, cumpre lembrar que a orienta??o contida na Súmula 70 n?o corresponde à presun??o de veracidade das declara??es dos agentes da seguran?a pública, sendo de todo descabido qualquer viés interpretativo nesse sentido, como veremos mais detidamente no item D adiante. A) DO ASPECTO LEGAL:Antes de qualquer outra coisa, examinemos o teor do aludido verbete de Súmula, in verbis:PROCESSO PENALPROVA ORALTESTEMUNHO EXCLUSIVAMENTE POLICIALVALIDADE"O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes n?o desautoriza a condena??o."A própria reda??o da Súmula n?o representa a possibilidade de se emprestar às palavras dos policiais ouvidos maior ou menor credibilidade em rela??o às de quaisquer outras provas. Extrai-se do disposto no art. 203 do Código de Processo Penal a confirma??o de que n?o é permitido ao intérprete distanciar-se dos fatos ao valorar quaisquer das provas produzidas em juízo:Art.?203.??A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profiss?o, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas rela??es com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as raz?es de sua ciência ou as circunst?ncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade. (grifamos)Pela reda??o sumular, mesmo que se restrinja a prova oral ao depoimento de policiais, n?o se desautoriza a condena??o. Ao menos quanto à autoria, a prova dos autos é exclusivamente oral e esta exclusivamente extraída dos depoimentos dos policiais responsáveis pela diligência que culminou com a captura do acusado. Portanto, mutatis mutandis, n?o é que a Súmula 70 “n?o desautoriza”, mas efetivamente autoriza a condena??o. Ainda que a prova da autoria repouse única e exclusivamente nos depoimentos policiais. ? o que se questiona em termos de credibilidade. Eis aí aquilo com o que a defesa n?o pode se resignar e desde já sublinha.De fato, nenhuma “tarifa??o” da prova pode ser extraída da Súmula 70, menos ainda do Código de Processo Penal (art. 203, parte final) na medida em que todos os elementos de convic??o relacionados à credibilidade da testemunha devem estar apoiados em dois pressupostos: ou nas “raz?es de sua [do depoente] ciência” ou nas “circunst?ncias” (de fato). N?o se admite, portanto, qualquer supraposi??o axiológica, vertical e apriorística como vetor determinante da valora??o da prova. No entanto, este tem sido o mais fiel retrato do verbete em testilha.Cabe aqui, ad argumentandum, tra?armos um paralelo com o disposto no art. 155 do Código de Processo Penal, precisamente quando estatui a impossibilidade de fundamentar-se o julgador “exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investiga??o”. Justifica-se o comparativo analítico pela coincidência entre o advérbio de modo “exclusivamente” e a express?o “o fato de restringir-se a prova oral” constante da reda??o sumular. Mas se, mutatis mutandis, tanto na Súmula 70 quanto na reda??o do art. 155 inaugurada pela Lei 11.690/08, o mandamento sem?ntico é o mesmo; as conseqüências para a valora??o da prova, ao contrário, s?o distintas. Vejamos.No art. 155, o exclusivamente representa um limite ao intérprete - “n?o podendo”; já na Súmula, é representativo de uma autoriza??o, um desbordamento excepcional que “n?o desautoriza”, ao mesmo tempo em que, em larga medida, subverte o mandamento legal. A melhor doutrina critica o dispositivo justamente pela carga inquisitória concentrada na palavra “exclusivamente”, pela qual se permitirá a higieniza??o retrospectiva do conteúdo declarado em sede policial, com sua formal reprodu??o em juízo. Neste sentido é o lapidar escólio de DENIS SAMPAIO:“O que se denota, na realidade, é a impossibilidade de uma decis?o com elementos exclusivamente colhidos no Inquérito Policial. Porém, se observados nessa fase e ratificados em juízo (o que vem sendo a prática judiciária), sua decis?o se mostra regular, colocando, como conteúdo decisório, toda a carga ‘probatória’ produzida em sede judicial. Mas n?o podemos nos esquecer que esse material probatório somente p?de ser analisado, na maioria das vezes, a partir daqueles elementos que somente serviriam para criar a possibilidade de exercício da pretens?o condenatória pela acusa??o (...)A situa??o é agravada quando ocorre uma pris?o flagrancial, o que na realidade, tanto a acusa??o quanto a decis?o acabam sendo apenas uma formaliza??o chanceladora da atua??o inquisitória (...) estruturando apenas uma ritualiza??o ratificadora da primeira fase exclusivamente inquisitória, como se fosse possível, a partir dessa estrutura, uma segunda fase acusatória.”Compreendida a pertinácia da crítica ao disposto no art. 155 do codex – onde se estabelece um limite – com mais raz?o se deve ter cautela na aplica??o da inteligência da Súmula 70, tendo em vista que nela se estabelece uma autoriza??o haurida da jurisprudência; uma autoriza??o excepcional e que deve ser tomada com o máximo grau crítico na valora??o da prova oral. E n?o é o que temos visto.B) DO ASPECTO L?GICO:Destacamos a porosidade da prova oral também no que diz respeito à lógica. A contradi??o que envolve elementos fáticos – portanto, concretos e verificáveis – n?o pode subsistir como apto ao livre convencimento motivado na exata medida em que, nas mesmas circunst?ncias de tempo e lugar, dois enunciados divergentes sobre fatos materiais n?o podem coexistir, mormente no processo penal.Deve estar claro que a narrativa acusatória engendrada na denúncia carreia uma hipótese, sendo certo que esta pode ou n?o corresponder à realidade. Assim, n?o coincidindo os depoimentos policiais sobre eventos nucleares contidos na denúncia, questionável se torna o espectro probatório e afasta-se a aplicabilidade da Súmula 70. Em consequência, tem-se como n?o confirmada a hipótese acusatória no ponto sobre o qual recai a divergência. Eis a li??o de MICHELE TARUFFO, in verbis:“Os fatos materiais existem ou n?o existem, porém n?o tem sentido dizer deles que s?o verdadeiros ou falsos; somente os enunciados fáticos podem ser verdadeiros, se est?o referidos a fatos materiais acontecidos, ou falsos, se afirmam fatos materiais n?o acontecidos. Em consequência, a ‘verdade do fato’ é unicamente uma forma elíptica para referir-se à verdade do enunciado que tem por objeto um fato.” - grifamosBem compreendido este aspecto (lógico), n?o se pode emprestar credibilidade aos depoimentos prestados. Deve ficar claro que dois enunciados dissonantes que têm por objeto um mesmo fato n?o podem, ao mesmo tempo, corresponder à verdade. Neste caso, imp?e-se afastar a credibilidade dos depoimentos n?o só no que toca às circunst?ncias sobre as quais recaem a contradi??o, mas porque a in-coincidência das vers?es imp?e o descrédito das declara??es no momento da valora??o da prova oral.Consoante li??o de AMILTON BUENO DE CARVALHO quanto ao dever do E. Juiz no sistema acusatório:“...é dever constitucional do juiz ingressar no feito convencido da inocência do acusado: é um pré-juízo constitucional. Logo, a condena??o somente poderá explodir quando, apesar de todos os esfor?os interpretativos, for impossível absolver. Uma espécie de diálogo se trava com o acusado: ‘tu és inocente e somente serás condenado se a acusa??o destruir absolutamente todas as hipóteses defensivas.” Do que se pode concluir, desde já, n?o estar provada a hipótese acusatória nos pontos já destacados, precisamente porque os depoimentos transcritos n?o s?o uníssonos, daí derivando a conclus?o lógica ora sustentada pela defesa técnica. C) DO ASPECTO CIENT?FICO:Ao tratar da rela??o do direito processual penal com outros ramos do direito e ciências auxiliares, TOURINHO FILHO destaca “a Psicologia Judiciária, fornecendo ao Juiz elementos para avaliar adequadamente a prova testemunhal, os motivos do crime etc.”Neste sentido, o atual estado da arte na Psicologia do Testemunho tem ênfase na memória do depoente, tomada como essência do testemunho, destacando-se a absoluta inconveniência científica de tomar os “depoimentos de autoridades policiais e seus agentes” de modo acrítico. O julgador n?o está dispensado de considerar apropriadamente as quest?es estruturantes da memória como forma de se aproximar da verdade e da justi?a. A constata??o de que as emiss?es discursivas das testemunhas s?o destinadas à produ??o de lógicas penais casuísticas implica a necessidade de todos os atores sociais partícipes do processo criminalizador (concreto) serem erigidos em objeto de estudo, porque “um discurso nunca é fruto do acaso nem da coincidência, antes traduz as cren?as, as convic??es e as expectativas de quem o emite, podendo ser alterado (acrescido ou diminuído) pelas cren?as de quem for o receptor. Assim, é nítido que o discurso das testemunhas pretende contribuir para a constru??o do real a que o Tribunal vai proceder: essa a raz?o pela qual devem incidir sobre as testemunhas os focos da Psicologia, procurando conhecer da veracidade dos depoimentos prestados: esta é, aliás, a lógica estruturante da Psicologia do Testemunho”.Na equa??o que se instaura a partir da instru??o probatória (mais precisamente na fase de valora??o da prova), a Súmula 70 acaba tornando nebuloso o que deve ser tomado com clareza pelo magistrado: a necessidade de fazer da prova “objeto de estudo” para compreender que um enunciado “nunca é fruto do acaso nem da coincidência, antes traduz as cren?as, as convic??es e as expectativas de quem o emite”, como visto.Ante a referida recomenda??o do saber científico, a aplica??o a-crítica da Súmula 70 afasta-se da ciência e se volta ao retorno da prova tarifada esvaziando o sistema acusatório. Destaque-se, ainda no sentido aqui explorado, a seguinte li??o:“O testemunho é objeto de uma estratégia transmissora, ou seja, o ?[...] sujeito escolhe, organiza e gere as suas a??es com vista a concluir uma tarefa ou atingir um objetivo? (Ducret, 2001, p. 309); reprogramar o discurso, enchendo-o, porventura, de pormenores, com que quer dar consistência à idea??o da ocorrência. Significa isto que ele pode ter perdido a no??o dos fatos - ou, até, nunca a ter tido - construindo uma imagem, virtual ou suced?nea, que crê verdadeira. Imagem do que viu ou ouviu.”As quest?es doutrinárias ser?o abordadas mais adiante. Por oportuno, desde logo, pontuamos algumas leituras referentes à eventual predisposi??o dos agentes de seguran?a pública a dirigir suas declara??es “com vista a concluir uma tarefa ou atingir um objetivo”. Vejamos por exemplo o escólio de GUSTAVO BADAR?: “se os policiais n?o podem ser considerados suspeitos, pelo simples fato de serem policiais, por outro lado, e inegável o seu interesse na demonstra??o da legalidade de sua atua??o”. No mesmo sentido CAMARGO ARANHA, para quem o policial deve ter suas palavras valoradas com alguma reserva, “pois ao depor está dando conta do trabalho realizado, tendo total interesse em demonstrar a legitimidade da investiga??o.”Em sentido contrário, SILVA SANTOS e COSTA NETO para quem “afigura-se válido dizer que a afirmada tendência natural do policial em pretender legitimar sua atua??o funcional n?o encontra comprova??o na praxe forense, sendo inferência que, embora de certa forma razoável, conjectura n?o deixa de ser”. Colacionamos entendimentos divergentes para ressaltar que a defesa n?o pretende confrontar o teor da jurisprudência dominante do TJRJ a partir de uma concep??o científica que – do mesmo modo verticalizado operado pela Súmula 70 – apenas estabelece outro ponto de partida a priori. Isto n?o seria próprio de um argumento que se afirma científico. Em outras palavras, se a aplicabilidade prática da Súmula 70 tem autorizado o julgador a revestir as declara??es policiais de maior valia do que os demais elementos de convic??o, a defesa n?o advoga idêntica solu??o à preconizada pelo entendimento sumulado, porém, com os “sinais invertidos”. N?o se trata disso.Neste sentido, invocamos os saberes colhidos e divulgados na Pesquisa intitulada “Avan?os Científicos ao Reconhecimento Pessoal e aos Depoimentos Forenses” apenas para ressaltar a falibilidade da memória, chamando a aten??o para a imprestabilidade da solu??o apriorística cristalizada na Súmula, a justificar também a funda divergência doutrinária já ventilada. O respeito ao sistema acusatório exige do julgador que se debruce sobre a prova oral guiado pelo espírito crí efeito, a partir da constata??o de que a memória humana n?o funciona como uma máquina fotográfica ou uma filmadora, a Pesquisa explora uma no??o cara à Psicologia do Testemunho que é a das falsas memórias. Destacamos alguns trechos das conclus?es apontadas no referido estudo precisamente porque guardam íntima rela??o com a necessidade de redobrar a aten??o no momento instrutório da valora??o do testemunho dos agentes de seguran?a pública:“As falsas memórias s?o diferentes da mentira, já que na mentira a pessoa conta intencionalmente algo que ela sabe que n?o aconteceu (VRIJ, 2008). Porém, ao se recordar de uma falsa memória, nem o nosso cérebro faz uma distin??o de memórias verdadeira (BERNSTEIN, LOFTUS, 2009). Assim, o individuo tem certeza que viveu aquilo, ainda que seja falso, podendo inclusive sofrer fortes emo??es (com comportamentos de choro, ansiedade) ao se recordar de uma falsa memória.(...)As sugest?es est?o muito presentes também no ?mbito judicial, com graves implica??es, como a condena??o de pessoas inocentes baseadas em falsas memórias (INNOCENCE PROJECT, 2008).(...)Entretanto, os profissionais que atuam no ?mbito jurídico ainda entendem o grau de certeza da testemunha como altamente relacionada a acurácia da memória, quando se avalia a fidedignidade de um testemunho ou reconhecimento.(...)O grau de confian?a de uma testemunha pode ser baseado em fatores internos e externos (LINDSAY et al., 2007). Brewer e Wells (2006) apresentam alguns fatores que buscam dissociar confian?a e acurácia: (a) as pessoas tendem a buscar confirma??es de suas hipóteses (viés confirmatório), resultando em super-confian?a; (b) julgamentos de incerteza n?o podem ser feitos de forma confiável, porque n?o há como ter um controle das possibilidades ou cenários que levaram a esse julgamento; (c) a dificuldade que os indivíduos têm em mensurar o seu grau de certeza, baseando-se em uma mera impress?o subjetiva; e (d) também, o grau de confian?a de uma pessoa que faz um reconhecimento pode ser efetuado pelo feedback oferecido por policiais, bem como por outras testemunhas.Enfim, a rela??o entre grau de certeza e acurácia do testemunho ou reconhecimento depende muito mais do momento de recupera??o das memórias (i.e., do momento do testemunho ou reconhecimento) do que da forma como as memórias foram registradas enquanto os fatos ocorriam (ROEDIGER; WIXTED; & DESOTO, 2012). (...)Entretanto, cabe lembrar que a memória tem falhas. As falsas memórias s?o t?o ricas em detalhes quanto as memórias verdadeiras. Portanto, as pessoas podem recordá-las com muita convic??o apesar de n?o serem acuradas (STEIN, 2010). Conclui-se com bases nesses estudos que a rela??o confian?a-acurácia da memória é fraca, pois ao mesmo tempo em que reconhecimentos e testemunhos corretos podem ter muita confian?a, o mesmo pode ocorrer para reconhecimentos e testemunhos err?neos.”O que se pretende demonstrar é a falibilidade da memória, mesmo diante da alegada certeza do depoente. Se é certo que n?o se trata de advogar a inclina??o das autoridades policiais e de seus agentes pela incrimina??o do acusado, que o julgador n?o deixe de manter sobranceira à interpreta??o dos elementos de convic??o, o fato de que a prova oral está sujeita a diversas interferências, dentre as quais assume relev?ncia in casu a tendência “a buscar confirma??es de suas hipóteses (viés confirmatório), resultando em super-confian?a”. ? no viés confirmatório das hipóteses previamente cristalizadas na memória dos depoentes que podem estar repousadas as falsas memórias ensejadoras das disson?ncias destacadas e aqui exploradas. Neste sentido, o saber científico ora brandido pode e deve auxiliar o intérprete na justa valora??o da prova oral produzida.Por fim, quanto a este aspecto da valora??o probatória calcado na Psicologia do Testemunho, é certo que a forma de inquiri??o usualmente adotada em juízo em nada colabora para a extra??o fidedigna do acervo mnem?nico das testemunhas.“...Fischer e Geiseman (1992) propuseram formas de aprimorar as técnicas para conduzir a coleta de depoimentos de vitimas e testemunhas através da Entrevista Cognitiva. A Entrevista Cognitiva é uma das mais respeitadas técnicas de entrevista investigativa, sendo amplamente utilizada no mundo inteiro, principalmente com testemunhas/vitimas adultas, tendo sido adotado como o padr?o a ser seguido por lei em vários países como Inglaterra, Nova Zel?ndia, Austrália, entre outros. Existe um numero expressivo de estudos (por exemplo, KOHNKEN et al., 1999; MILNE, BULL, 1999; FISHER, ROSS, CAHILL, 2010; FISHER, SCHREIBER, 2007, RIVARD et al., 2014), incluindo no Brasil (STEIN, MEMON, 2006), que testaram os efeitos e comprovaram a eficácia desse tipo de entrevista.(...)2. A técnica central para coleta de informa??es é buscar um relato livre, sem nenhuma interferência, a n?o ser estimular que a testemunha fale mais com base no que conseguir recordar. Assim, a instru??o dada aos entrevistados e reportar absolutamente tudo que lembram, mesmo o que considerem irrelevante ou o que só lembrem parcialmente; 3. Somente após esgotar todas as possibilidades de um relato livre por parte da testemunha/vitima, é que perguntas ser?o feiras tendo por base informa??es trazidas neste relato livre. O procedimento de questionamento compatível com a testemunha refere-se a que o entrevistador(a) deve buscar seguir a linha da narrativa e as informa??es trazidas, e n?o deve seguir um roteiro preestabelecido de perguntas. A necessidade de elucidar algum ponto deve ser feito a partir da adapta??o das perguntas a cada situa??o, com base nas informa??es fornecidas pela pessoa. Em outras palavras, deixar a testemunha seguir a sua linha de raciocínio e seguir a entrevista através dessa linha, no lugar de o entrevistador guiar a entrevista;”4. Tipos de Perguntas: um dos pontos críticos da entrevista é o formato no qual a pergunta e formulada. Existe abundante literatura científica mostrando que perguntas abertas (por exemplo, você me falou que viu um carro branco, fale mais o que lembra disso?) tem maiores chances de produzir informa??es confiáveis do que perguntas fechadas (p.ex., tinha mais alguém dentro do carro branco?, quando a testemunha nada falou a respeito de ter visto alguém no carro). Alem disso, toda e qualquer interven??o por parte do entrevistador(a) que inclua novas informa??es, ainda n?o trazidas pela testemunha, devem ser evitadas (por exemplo, outra pessoa que estava na loja disse ter visto uma mulher no carro branco, você conseguiu vê-la?). Este último tipo de pergunta, ademais de ser no formato de pergunta fechada também é potencialmente sugestiva, já que inclui informa??es novas, ainda n?o trazidas pela testemunha o que pode ser ainda mais deletérias para a fidedignidade do testemunho (FRENDA et. al., 2011).Deve ter ficado claro que a atual forma de condu??o da inquiri??o das testemunhas funciona de modo completamente alheio aos avan?os científicos acima pontuados. Na prática forense, ao menor sinal de que o depoente exporá os fatos de que tem conhecimento a partir de um “relato livre”, sói ser interrompido pelo inquiridor, o qual n?o raro assume o lugar de “guia”, roteirizando a inquiri??o a partir de “perguntas fechadas”. Neste sentido, todo o modo de extra??o do conhecimento dos fatos é recha?ado pela literatura científica, o que corrobora para a baixa de credibilidade dos depoimentos assim extraídos, como procuramos demonstrar.D) ASPECTOS JUR?DICOS E JURISPRUDENCIAIS:Está claro que os argumentos articulados até aqui n?o deixam de lado a ciência jurídica, a qual permeia toda a tese defensiva, ainda que n?o predominantemente nos vieses lógico e psicológico abordados. Viu-se que, apesar da divergência, a processualística converge para a necessidade de valora??o do testemunho dos agentes policiais. Assim, a Súmula 70 n?o é um cheque em branco ao julgador, seja porque n?o é esse o entendimento doutrinário e jurisprudencial, seja porque n?o é o que se extrai da própria reda??o do verbete.A Súmula 70, portanto, n?o sufraga a tese de presun??o de veracidade dos depoimentos prestados pela autoridade policial ou seus agentes. FERNANDO CAPEZ, por exemplo, opera um evidente e incorreto deslizamento do sentido ao buscar no direito administrativo a justificativa para tomar como presumidamente legitimo o depoimento de policiais no processo penal. A interpreta??o segundo qual isso seria possível deve ser recha?ada, porque se vale de categorias mecanicamente extraídas de um ramo do direito a outro sem cuidar das peculiaridades regentes que regem a jurisdi??o criminal. Sobreleva-se o sistema acusatório, onde o onus probandi é inafastavelmente de quem engendra a acusa??o e jamais pode ser remanejado (por via oblíqua) para que passe a ficar à cargo da defesa. Neste sentido, a li??o de RUBENS CASARA:“...presumir a veracidade do depoimento de policiais é uma idealiza??o incompatível com as op??es constitucionais para o processo penal brasileiro. Em primeiro lugar, porque gera um desequilíbrio na rela??o processual (o Estado-Administra??o, titular do poder de punir, passa contar com elementos probatórios ‘confiáveis’ construídos por seus agentes). Segundo: por inverter o ?nus probatório em oposi??o à normatividade constitucional; por contrariar o princípio da presun??o de inocência.” grifamosEm verdade, as determina??es concretas e práticas do processo penal brasileiro n?o respeitam eficazmente o sistema acusatório, na medida em que a fase pré-processual é inquisitória e dos depoimentos colhidos no inquérito é que se extrai a hipótese acusatória. Se o processo reveste-se de ulterior acusatoriedade, n?o se pode dizer que seja plena. Menos ainda quando a prova a ser valorada é aquele que se produz sob o crivo de um contraditório que se aperfei?oa e perfaz tendo como insumo os depoimentos das mesmíssimas pessoas (policiais) que permitiram a confec??o da denúncia.Neste contexto, ao julgador se imp?e o dever de cuidar para que o processo n?o se converta numa repeti??o (quase teatral) do que se operou na primeira fase (inquérito); em outras palavras, é preciso que a produ??o probatória n?o se resuma à mera reprodu??o dos elementos indiciários colhidos em sede policial. Para isso, em nada ajuda a Sumula 70 e sua desvirtuada compreens?o e aplica??o. Forte nas palavras de AURY LOPES JR.:“...a fraude reside no fato de que a prova colhida na inquisi??o do inquérito, sendo trazida integralmente para dentro do processo e, ao final, basta o belo discurso do julgador para imunizar a decis?o. Esse discurso vem mascarado com as mais variadas fórmulas, do estilo: a prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada; e assim todo um exercício imunizatório (ou melhor, uma fraude de etiquetas) para justificar uma condena??o, que na verdade está calcada nos elementos colhidos no segredo da inquisi??o. O processo acaba por converter-se em uma mera repeti??o ou encena??o da primera fase.”Inúmeros acórd?os perscrutados no sítio do Tribunal de Justi?a revelam o usual recurso à Súmula 70 (n?o raro acompanhado de precedente do STF) e seguido da constata??o de que o depoimento dos policiais merece a mesma credibilidade dada aos testemunhos em geral, só podendo ser afastada a sua credibilidade (CPP, art. 203, caput, in fine) quando houver raz?o concreta para tanto.Ora, é exatamente esta interpreta??o do entendimento sumulado que estabelece, na prática, a invers?o do ?nus probatório no processo penal, o que pode ser sintetizado em dois motivos: primeiro, porque o depoimento dos policiais presta-se usualmente à prova da autoria, isto é, quanto à autoria, a prova acusatória é exclusivamente oral – e o caso destes autos é apenas mais um – de modo que “o belo discurso do julgador” consiste em asseverar que as declara??es dos policiais encontram eco nas demais provas carreadas aos autos (atinentes à materialidade), quando na verdade em rela??o à autoria n?o se produz quaisquer outras provas; segundo, porque eventuais motivos para questionar a credibilidade da testemunha devem ser levantados e demonstrados, pela defesa na medida em que n?o há qualquer desconfian?a crítica a repousar sobre os agentes de seguran?a pública por for?a da interpreta??o que se tem dado à orienta??o sumulada.Vejamos, v.g., o que se tem decidido quanto aos aspectos aqui brandidos em confronto à Súmula 70. Dizem os Relatores:“...n?o foi trazido aos autos qualquer dado que retirasse a credibilidade das oitivas dos agentes da lei.”“?os depoimentos dos Policiais Militares s?o merecedores de plena?credibilidade,?pois se apresentam coerentes e harm?nicos, além do que n?o tinham motivos para imputar falsamente ao acusado t?o graves crimes, e tal posicionamento está sumulado neste Tribunal de Justi?a pelo Verbete n? 70...”“...goza o testemunho policial de presun??o de?credibilidade.?Assim, para restar destituído de valor probante é necessária a demonstra??o de motivo sério e concreto, n?o sendo suficiente mera alega??o desacompanhada de elementos de convic??o.”“N?o tendo sido comprovada a vers?o defensiva, n?o há porque questionar a idoneidade dos depoimentos, diante da seguran?a com que foram prestados, conforme a Súmula n? 70 do TJ/RJ.”“...só se pode negar valor à vista de algum fato concreto e objetivo, devidamente provado nos autos.”“...ao contrário do que alega a defesa, os depoimentos prestados pelos policiais mostraram-se seguros e congruentes, merecendo, à míngua de prova em contrário, total prestígio, a teor da Súmula n? 70 da Corte.”“...n?o se afigura razoável admitir que o Estado permita fazer-se representar por agentes indignos de credibilidade.?Pensar de outra forma seria subverter por completo a presun??o de legalidade, atributo essencial dos atos administrativos, notadamente quando ausente qualquer fato indicativo de que as declara??es dos policiais n?o possam merecer crédito e aptid?o para embasar a convic??o judicial.”“A simples alega??o de falta de isen??o e confiabilidade, desacompanhada de qualquer elemento objetivo e concreto capaz de abalar a?credibilidade?da palavra dos policiais, n?o basta para afastar o seu valor probatório.”“Os depoimentos dos policiais militares possuem inteira?credibilidade,?porquanto s?o harm?nicos e firmes quanto à din?mica dos fatos, divergindo apenas em detalhes que, por si só, n?o têm o cond?o de desmerecê-los, especialmente, à considera??o das inúmeras diligências que os policiais realizam diariamente, impedindo recordarem-se de várias minúcias, n?o havendo como discutir, por isso, sua validade, incidindo na hipótese o entendimento consolidado nos Tribunais, inclusive nesse, por meio da Súmula 70.”A amostragem colacionada consigna elementos representativos da invers?o do ?nus da prova, da credibilidade apriorística e até mesmo da presun??o de legitimidade dos depoimentos, extraída do direito administrativo. As divergências s?o minimizadas e, quanto a estas (que aproveitariam ao acusado), já n?o se exige a demonstra??o de elementos objetivos e concretos devidamente provados, bastando as regras de experiência comum como as que atribuem as disson?ncias às inúmeras diligências realizadas diariamente (nenhuma delas provada nos autos, naturalmente).Há, no entanto, outros julgados que enfrentam a espinhosa quest?o da valora??o da prova de modo mais acurado e cauteloso para, reconhecendo a aplicabilidade da Súmula 70, afastar sua incidência diante do caso concreto. Merecem men??o, neste sentido, os excertos a seguir, nos quais n?o se exige da defesa que produza qualquer prova, sendo certo – e acertado – que a própria análise judiciosa e crítica na valora??o da prova recomenda que n?o se empreste credibilidade aos policiais ouvidos:“...o ?nus da prova, no processo penal brasileiro, é unicamente do Ministério Público, isso na hipótese de a??o penal pública e em decorrência da presun??o de inocência prevista no artigo 5?, inciso LVII, da Constitui??o Federal. Descabe ao réu fazer prova de que n?o praticou o crime que lhe foi cominado pelo órg?o acusador, pois milita em seu favor a presun??o de que n?o o praticou. Compete àquele que acusa provar, de forma concludente, a existência do fato ensejador da aplica??o da pena bem como sua autoria, porque é precisamente a certeza evidenciada que legitima a procedência da denúncia, o que n?o ocorreu in casu. Assim, descabe invocar prote??o da Sumula n° 70 do TJRJ, já que a contradi??o está nos próprios relatos policiais. Por tais raz?es, deve ser aplicada a hipótese o princípio in dubio pro reo, que fundamenta a absolvi??o do acusado da imputa??o da exordial.”“...devemos afastar a credibilidade dos depoimentos dos policiais responsáveis pela pris?o e investiga??o dos delitos narrados na exordial, pois, muito embora a súmula 70 deste E. Tribunal disponha sobre a plena credibilidade dos depoimentos de agentes da polícia, entendo que diante das peculiaridades do caso concreto e de evidências concretas acerca da ilegalidade na atua??o policial, n?o é possível a condena??o quando esta possui como sustento basilar os referidos depoimentos dos agentes de polícia.”“Importante destacar que, em regra, os depoimentos dos Policiais Militares, s?o merecedores de plena credibilidade, consoante os termos do enunciado da Súmula n? 70, editada por este Egrégio Tribunal de Justi?a Estadual, porém, in casu, a vers?o apresentada por eles no que toca a finalidade da droga, n?o é capaz de manter o decreto condenatório.”“Inobstante o verbete n? 70 da súmula deste Egrégio Tribunal de Justi?a já ter firmado o entendimento quanto à possibilidade do juízo de reprova??o ser calcado nos depoimentos de autoridades públicas, desde que firmes e harm?nicos com os demais elementos do processo, constata-se, pelas provas produzidas durante a instru??o criminal que este n?o é o caso trazido aos autos.”“Pois bem, n?o de desconhece a credibilidade que deve merecer os depoimentos dos agentes policiais na condi??o de testemunhas, tanto que a matéria está consolidada no verbete n? 70 da Súmula de Jurisprudência deste Tribunal, todavia, na situa??o dos autos, há evidente contradi??o entre as declara??es.”O que se verifica nos exemplos destacados é, como pano de fundo das decis?es adotadas, a manuten??o do ideário segundo o qual, a Súmula 70 disp?e sobre “a plena credibilidade dos depoimentos de agentes de polícia”, mas, apesar disso, diante das evidências apuradas no caso concreto, afasta-se a sua aplicabilidade. Isso demonstra o desvirtuamento da aplicabilidade prática da Súmula na medida em que a mesma se apresenta como óbice à isenta valora??o da prova. Em outras palavras, o intérprete tem que vencer a resistência exsurgida com a jurisprudência que se cristalizou no entendimento sumulado. Sem dúvida, isto desequilibra a paridade de armas no processo. A maior demonstra??o disso s?o os arestos adredemente mencionados nos quais se faz alus?o à carência de provas produzidas pela defesa.Pretende-se, em sentido já ventilado na presente, que o ponto de partida do intérprete seja o de questionar a credibilidade dos agentes de seguran?a pública, pena de solapar-se a presun??o de inocência. N?o porque de tais agentes se deva desconfiar em raz?o de seu eventual interesse em ver legitimada a diligência da qual participara, mas precisamente porque o ?nus da prova n?o é do acusado – e nenhuma operacionalidade prática pode subverter esse c?non – constituindo dever e voca??o ancestral da jurisdi??o criminal postar-se e comportar-se no feito tendo em mente que o acusado é inocente; jamais o contrário. Neste diapas?o, GUILHERME NUCCI:“Preceitua o art. 202 do CPP que “toda pessoa poderá ser testemunha”, logo, é indiscutível que os policiais, sejam eles os autores da pris?o do réu ou n?o, podem testemunhar, sob o compromisso de dizer a verdade e sujeitos às penas do crime de falso testemunho. Ressaltamos, entretanto, que é preciso cautela, em determinadas peculiares situa??es, para a aceita??o incondicional desses depoimentos. Parece-nos cauteloso que o magistrado, visualizando, em processos de apura??o de crime de tráfico ilícito de entorpecentes, um rol de testemunhas de acusa??o formado somente por policiais, indague dos mesmos a raz?o pela qual n?o se obteve nenhuma outra pessoa, como testemunha, estranha aos quadros da polícia. Essa verifica??o é essencial, pois uma apreens?o de drogas feita à vista de inúmeras pessoas, em local público, por exemplo, pode perfeitamente contar com o testemunho de pessoas que n?o sejam policiais. Por outro lado, uma apreens?o ocorrida em lugar ermo, durante a madrugada, realmente, pode apresentar apenas o depoimento de agentes policiais. Tudo depende, pois, do caso concreto. Porém, voltamos a insistir que qualquer policial pode servir como testemunha. A valora??o do seu depoimento, entretanto, se confiável ou n?o, fica, como de praxe, ao critério prudente do julgador”.E) CONCLUS?O:Procuramos demonstrar que as incongruências apontadas nos depoimentos dos policiais s?o suficientes ao esvaziamento da credibilidade que se lhes poderia emprestar a partir da inteligência usualmente extraída da Súmula 70. Em outras palavras, em respeito ao ineditismo do caso concreto, tendo a prova da autoria esteio exclusivamente em declara??es cujo conteúdo é substantivamente idêntico ao que se extrai do inquérito, o juízo n?o está autorizado a tomar o conjunto probatório como hígido, ex vi do que disp?e o art. 155 do Código de Processo Penal. Neste sentido, também, n?o há lógica que justifique o crédito a depoimentos conflitantes na medida em que a hipótese acusatória imprescinde de confirma??o para além de qualquer dúvida razoável, exigindo-se a certeza da autoria, o que n?o se infere da prova oral produzida in casu.Ao longo dos últimos trinta anos, a Psicologia do Testemunho reuniu saberes científicos suficientes a afirma??o de que o método de inquiri??o das testemunhas usualmente aplicado no sistema de justi?a criminal – e a prova produzida nestes autos n?o representa exce??o – n?o é o mais adequado a extrair dos depoentes a mais fidedigna reconstru??o histórico-processual dos fatos. Nestes autos, n?o se pode afirmar, por exemplo, que “a defesa n?o apresentou nenhuma tese que pudesse enfraquecer os elementos de convic??o.” na medida em que as no??es de falsas memórias e as técnicas de entrevista ventiladas no presente arrazoado têm lastro teórico suficientemente capaz de inquinar a credibilidade das vers?es policiais guerreadas. Por fim, a inteligência da Súmula 70 n?o autoriza interpreta??o que tenda à invers?o do ?nus da prova, tal como procuramos demonstrar ao elencar os excertos de julgados aqui colacionados. Pelo contrário, o ponto de partida da jurisdi??o criminal está incondicionalmente adstrito à presun??o de inocência do acusado, exigindo do julgador que se debruce sobre o testemunho de policiais de modo crítico. Portanto, deve valorar a prova oral como ?nus exclusivo da acusa??o. Apenas assim estará conduzindo o processo inspirado pela única postura compatível com as exigências e garantias convencionais e constitucionais estabelecidas pelo sistema acusatório, a despeito de todas as vicissitudes e contamina??es inquisitórias que o cotidiano forense parecer impor aos atores do sistema de justi?a criminal. ................
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