Unificação monetária no Mercosul
Unificação monetária no Mercosul?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. (pnbjr@)
Desde a criação do euro, em janeiro último, há um certo deslumbramento
internacional com propostas de unificação monetária. Como não poderia deixar
de ser, o modismo chegou rapidamente à América do Sul.
Nos últimos dias, voltou-se a falar de uma moeda única para o Mercosul,
proposta que a Argentina já vinha, na verdade, patrocinando nos últimos
anos. O governo brasileiro continua relutante, mas parece agora um pouco
mais propenso a discutir o tema.
Vale a pena? Vejamos. A adoção de uma moeda comum só faz sentido quando é
muito elevado o grau de integração das economias nacionais. É verdade que as
economias do Mercosul aproximaram-se bastante nos anos 90, sobretudo no
terreno comercial.
No entanto elas continuam apresentando acentuadas divergências
macroeconômicas. O aumento do comércio intra-Mercosul está longe de ter
produzido uma sincronização dos ciclos econômicos. Persistem, ao contrário,
diferenças consideráveis entre as taxas de expansão do nível de atividade e
as taxas de desemprego.
Para o conjunto da economia do Brasil, as relações com o resto do Mercosul
pesam relativamente pouco. Desse modo, não há razões para pensar seriamente
em ter uma moeda única, um Banco Central comum e uma política monetária
unificada.
No caso do Mercosul, há um motivo especial para encarar com ceticismo
propostas de unificação monetária: o Brasil tem moeda; a Argentina,
praticamente não. Não há dúvida que a moeda brasileira é vulnerável e
problemática. Mas o contraste com a situação monetária da Argentina é
enorme.
O peso argentino é, na realidade, uma meia-moeda, uma espécie de recibo de
depósito de dólares. Quem o diz é o próprio presidente do Banco Central da
Argentina, Pedro Pou. Em artigo recentemente publicado, Pou afirmou que "o
peso não pode ser uma moeda plena". Segundo ele, "a Argentina possui hoje
uma moeda muito particular, que cumpre limitadamente a função de meio de
troca, mas não é uma unidade de valor nem reserva de valor no médio e longo
prazos".
A Argentina já está semidolarizada. A maioria dos contratos de médio e longo
prazos está expressa em dólares. Os depósitos em dólares representam cerca
de 60% dos depósitos totais no sistema bancário do país (no Uruguai, diga-se
de passagem, essa proporção chega a 85%).
No campo monetário, as assimetrias entre a Argentina e o Brasil aumentaram
ainda mais em 1999. Nós realizamos uma desvalorização bastante bem-sucedida
e passamos para um regime de flutuação administrada. Temos todos os motivos
para consolidar o novo regime e recuperar as condições de praticar políticas
próprias nas áreas monetária e cambial.
Enquanto isso, infelizmente, a Argentina continua amarradíssima ao seu
"currency board", um sistema monetário de origem colonial, que subordina a
moeda doméstica a uma moeda estrangeira forte. As dificuldades de sair desse
sistema são muito maiores do que geralmente se imagina aqui no Brasil.
Trata-se de um modelo cambial e monetário muito mais rígido do que aquele
que tivemos até janeiro deste ano.
O pior é que, pressionado pela desvalorização da moeda brasileira, o governo
argentino resolveu divulgar planos de dolarização plena da economia, por
meio de acordo com os EUA ou até unilateralmente, o que transformaria a
Argentina num grande Panamá! A proposta só não avançou porque o governo
Menem está nos seus meses finais e não tem cacife político para mais nada de
importante.
Nesse ambiente, como pensar seriamente em moeda comum? O cômico é que, no
Brasil, há quem apresente o "aprofundamento" do Mercosul, em particular o
início de um diálogo sobre unificação monetária, como forma de fazer um
contrapeso aos EUA e às propostas de dolarização...
Poderá ser exatamente o contrário: uma forma de enfraquecer as resistências
brasileiras ao dólar e à perda de soberania monetária e cambial.
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