Revista Política e Planejamento Regional



O CONHECIMENTO DO TECIDO URBANO COMO PONTO DE PARTIDA PARA O PLANEJAMENTO DA CIDADERESUMOO presente estudo estabelece por método de planejamento urbano a indispensável necessidade de se conhecer profundamente o tecido das cidades, para com isso, eliminar o máximo possível o aleatório na produ??o do espa?o. Para tanto, identifica-se como instrumento inicial ao planejamento coerente a constru??o de um cadastro territorial multifinalitário, onde seriam reunidas e atualizadas as informa??es essenciais sobre os elementos físicos, sociais, tributários e outros, com o objetivo de definir quais diretrizes seriam ideais ao tecido urbano e como aplica-las para que se conformem ao potencial fundiário local, especialmente à produ??o de moradia social, levando em conta o aproveitamento da ociosidade imobiliária existente por meio da efetiva??o da sua funcionaliza??o social. Contribuindo assim, para a redu??o do descompasso causado pela ades?o a planos padronizados que foram idealizados para todo o território nacional, como observamos nos programas federais de moradia que padronizam a sua produ??o desconsiderando as peculiaridades de cada território.Palavras-chave: cadastro multifinalitário, produ??o do espa?o urbano, imóveis ociosos, direito à moradia.ABSTRACTThe present study establishes by urban planning method the indispensable need to deeply understand the fabric of cities, in order to eliminate as much as possible the random in the production of space. For that, the construction of a multi-purpose territorial register is identified as an initial tool for coherent planning, where essential information about physical, social, tax and other elements would be gathered and updated, with the objective of defining which guidelines would be ideal for the fabric urban and how to apply them to conform to the local land potential, especially to the production of social housing, taking into account the use of existing real estate idleness through the realization of its social functionalization. Thus, contributing to the reduction of the mismatch caused by adherence to standardized plans that were designed for the entire national territory, as noted in the federal housing programs that standardize their production, disregarding the peculiarities of each territory.Keywords: multifinal record, production of urban space, idle properties, right to housing1. INTRODU??OAs rela??es do homem com a terra tornam-se cada vez mais complexas diante da enorme concentra??o da popula??o nas áreas urbanas. Esse fen?meno social segue o direcionamento imposto pela economia capitalista que detém os mercados de imóveis, empregos e produ??o, provocando o aumento das quest?es urbanas e reafirmando-as como material de fluxo contínuo ao alimento do mesmo sistema. Um dos resultados dessa tática é a horizontaliza??o das cidades pela produ??o de moradia, ou seja, a habita??o é levada para além da cidade onde ainda n?o há infraestrutura e servi?os básicos à popula??o. Essa din?mica imp?e uma for?osa amplia??o espacial da cidade e a necessidade de grandes investimentos em equipamentos públicos e infraestrutura básica para atender as novas demandas. Esse movimento de dilata??o urbana atende, principalmente, ao mercado privado de constru??o que determina o planejamento da cidade e alimenta seu lucro tanto da produ??o de moradia periférica quanto da amplia??o de infraestrutura (CANO, 2010).Isso tudo acontece apesar da existência de nichos urbanos ociosos que poderiam ser inseridos no planejamento urbano com o intuito de desenvolver mais o interesse social e desacelerar o protagonismo do mercado. Esta estrutura de produ??o retira a essência da fun??o social e reduz a habita??o a uma mercadoria urbana refém do mercado imobiliário (SHCIMBO, 2010).Diante deste quadro, observa-se que o planejamento urbano deve volta-se primordialmente ao bem estar social e n?o aos interesses individuais de mercado. Nesta linha de entendimento passa-se a pensar a cidade como um bem coletivo onde todos podem auferir dos seus direitos da forma mais igualitária possível. Sendo assim, como seria possível contribuir para um planejamento mais coerente com as fun??es sociais da cidade e da propriedade? Ou ainda, que mecanismos ajudariam a diminuir a hegemonia do mercado no direcionamento urbano? Como sugest?o a essas indaga??es, prop?e-se como primeiro passo estrutural à constru??o do planejamento urbano a elabora??o de um Cadastro Territorial. Este instrumento fornece uma base de dados integrada e ampla ao poder público permitindo o conhecimento profundo do tecido urbano e a coleta de subsídios indispensáveis ao planejamento coerente da cidade. Essa estrutura prévia de informa??o além de fortalecer a gest?o do município leva a possibilidade de conciliar as políticas públicas às condi??es locais. O presente artigo está composto desta introdu??o como o primeiro capítulo. No segundo, tra?amos de forma breve o histórico, a no??o, o conteúdo, forma de constru??o e atua??o do Cadastro Territorial estabelecendo sua conex?o direta à elabora??o de políticas públicas. No terceiro, apresentamos a utilidade do Cadastro Territorial Multifinalitário como instrumento essencial à formula??o de política de habita??o social e mecanismo de conten??o do mercado imobiliário. No quarto, apresentamos os imóveis ociosos como pe?a chave à formula??o da política de habita??o social elucidando seu conceito e evolu??o diante do caminho percorrido pela din?mica urbana, além de marcar a sua fundamenta??o no princípio da fun??o social da propriedade e da cidade. Finalmente, no quinto, apresentamos algumas considera??es a título de conclus?o. 2. CADASTRO TERRITORIAL: INSTRUMENTO FUNDAMENTAL ? GEST?O SOCIAL DO MUNIC?PIOOs primeiros cadastros elaborados pela administra??o pública foram estruturados para equacionar o sistema de tributa??o. As bases de composi??o do denominado Cadastro Econ?mico registravam o valor da parcela e essa era utilizada para o cálculo do imposto territorial. A maioria dos cadastros implementados atualmente nos diferentes níveis de governo ainda seguem esse mesmo objetivo. Entretanto, a necessidade de inserir novos métodos de avalia??o fundamentados em detalhes mais construtivos exige que as bases de dados sejam ampliadas para que ent?o possam refletir a realidade de ocupa??o do solo urbano. Tais amplia??es referem-se à identifica??o da localiza??o, forma, dimens?es e, principalmente, a funcionalidade dos imóveis urbanos. Este mapeamento multifinalitário serve de instrumento apto a incrementar a valoriza??o social da terra e o planejamento municipal de ocupa??o do solo, fornecendo subsídios importantes à formula??o de diversas políticas públicas, como por exemplo, aos programas de habita??o social. Esses dados mais precisos facilitam a implementa??o de instrumentos urbanísticos reguladores do solo urbano, como: o parcelamento, edifica??o e utiliza??o compulsórios, o IPTU progressivo no tempo e a desapropria??o por títulos da dívida pública (ERBA, 2005). O Cadastro possui duas dimens?es funcionais: positiva, quando protege o direto de propriedade mediante a publicidade imobiliária; e negativa, quando restringe o poder de livre disposi??o do bem pelo titular em benefício do interesse público. Desta forma, é um instrumento que contribui para a efetiva??o da fun??o social da propriedade, porque permite ao município assumir o papel de polícia territorial ao exercer o poder de fiscalizar a funcionalidade dos imóveis urbanos. A tendência de elaborar cadastros com o fim de conhecer a cidade e as possibilidades de aprimorar o planejamento do espa?o urbano n?o é t?o recente. Recebeu muito incentivo a partir de junho de 1996 com a Segunda Conferência das Na??es Unidas sobre Assentamentos Humanos (H?BITAT II), que reafirmou a necessidade de administrar corretamente o território para promover a seguran?a da moradia e acelerar os processos de desenvolvimento (ERBA, 2005).Com isso, afirma-se a necessidade de inserir o cadastro no planejamento e desenvolvimento contempor?neo das cidades, visando, principalmente, a promo??o da moradia social. A fun??o do cadastro tornou-se t?o fundamental para o correto planejamento do espa?o que a sua amplia??o foi determinada no sentido de incluir as informa??es ambientais e sociais às bases de dados econ?micos, físicos e jurídicos.Esse processo que come?ou a ser esbo?ado no final da Segunda Guerra Mundial, consolidou-se posteriormente na nova vis?o de Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM).O sistema de elabora??o de cadastro inicia-se com uma vis?o puramente fiscal, portanto, n?o delimita o direito de propriedade de cada parcela (menor unidade de registro) com precis?o, nem consegue identificar se o imóvel está efetivamente funcional. Também n?o mostra as limita??es impostas pelas normas de planejamento, tais como: servid?es e limita??es administrativas, parcelamentos e edifica??es compulsórios.Diante das falhas constatadas, tornou-se necessária a cria??o de um novo sistema de cadastro que trouxesse as informa??es de forma mais ampla e integrada.Em 2007, foi criado um grupo de estudos (GT-Cadastro) (BRASIL, 2007), para estudar a matéria e formular uma proposta de diretrizes compatível com a realidade diversificada dos municípios brasileiros, o que resultou em portaria ministerial de caráter orientador (BRASIL, 2009), que estabeleceu as diretrizes para a cria??o e atualiza??o do Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM) pelos municípios.Esse sistema torna mais amplo o registro de dados no cadastro e o transforma em um inventário público metodicamente ordenado de todos os objetos territoriais legais de determinado país, tomando como base a mensura??o dos seus limites. Tais objetos legais identificam-se sistematicamente por meio de alguma designa??o, a delimita??o da propriedade e o identificador. Junto à essa informa??o descritiva podem mostrar para cada objeto territorial sua natureza, o tamanho, o valor, os direitos e, ou, restri??es legais associadas a ele (ERBA, 2005).O novo sistema cadastral compreende desde as medi??es, que representam toda a parte cartográfica, até a avalia??o socioecon?mica da popula??o. Pretende mostrar a situa??o legal do território de forma completa ao incluir o direito público e as restri??es, assim substitui a cartografia tradicional pela modelagem cartográfica digitalizada de todo o sistema de informa??o. Os aspectos considerados pelo CTM s?o: econ?micos (variáveis que levam a determinar o valor do imóvel e do imposto), geométricos (como a localiza??o, forma e dimens?es da parcela), jurídicos (que determinam a rela??o homem-parcela), sociais (que permitem delinear o perfil do proprietário ou possuidor) e ambientais.Além desses fatores práticos pretende viabilizar uma grande participa??o do setor privado, podendo até mesmo ocorrer a privatiza??o total do cadastro com a consequente venda de dados a usuários e a possibilidade de reinvestimento e atualiza??o na melhoria do sistema. Essa forma técnica de conhecer o ambiente da cidade trará informa??es precisas e fundamentais para a gest?o territorial como um todo. Mas, precisamente, no que se refere ao planejamento de habita??o social, o cadastro conterá elementos indispensáveis que permitir?o definir a melhor forma de aproveitar o tecido urbano já estruturado, contribuindo com a indica??o de imóveis ociosos aptos à concretiza??o de programas habitacionais. Desta forma, o cadastro ao retratar a cidade relaciona a realidade local com a viabilidade de implementa??o dos institutos do Estatuto da Cidade, funcionando como um liame entre o direito posto e a efetividade da lei.A partir das informa??es gravadas no cadastro o poder público poderá elaborar políticas públicas e implementar instrumentos urbanísticos. Por exemplo, o cadastro indica que determinado imóvel está classificado como ocioso, e em raz?o disto está sujeito às san??es de parcelamento, edifica??o e utiliza??o compulsórios e, posteriormente ao IPTU progressivo no tempo como determina o Estatuto da Cidade. Tais san??es quando efetivadas pelo município também passam a compor o cadastro, e assim, o instrumento de registro é constantemente atualizado permitindo um planejamento coerente e integrado à realidade local.Esse percurso cadastro/política-pública seria o resultado ideal da articula??o entre os instrumentos urbanísticos e as informa??es gravadas no cadastro. Dito dessa forma, parece que todo esse arcabou?o legal e prático soa como uma utopia urbana sustentada pelas perspectivas propostas. Entretanto, sinaliza-se que n?o é legítimo abdicar de projetos transformadores nem nos contentarmos em “fazer aquilo que é possível”. Este jarg?o pode significar a reprodu??o do status quo alimentado pelas mesmas e perversas din?micas e rela??es que dominam nossas cidades. A defesa de mudan?as profundas está na ordem do dia. Transferir parte da produ??o e planejamento de habita??o social para o poder público municipal implica no enfrentamento do crescente déficit habitacional, retirando, de forma coerente, o protagonismo do setor da constru??o ao redirecioná-lo a valoriza??o fundiária no rumo da fun??o social. Essa necessidade de transferência designa uma política de freios e contrapesos no sentido de o Estado oferecer um movimento de resistência alternativo e contrário à padroniza??o da produ??o de moradia. Afinal, o domínio de um determinado sistema empobrece o alcance social e a diversidade de resultados que as a??es e programas governamentais s?o capazes de atingir.Trata-se de requalificar o poder público como o term?metro social, equilibrando a atividade econ?mica e a justi?a social, n?o permitindo que um seja diminuído pelo outro. Em outras palavras, a luta para democratizar a cidade e inserir um olhar mais sensível e humano que edifique os valores comunitários, históricos e culturais. Para que isso aconte?a há que se conhecer o próprio território e estudar as suas condi??es fundiárias e sociais. Este é um trabalho local, portanto, cabe ao poder municipal protagonizar sua elabora??o e direcionamento.Lefebvre (2013) em sua obra Direito à Cidade, afirma que os problemas urbanos n?o podem ser resolvidos apenas na prancheta do arquiteto: há que existir um entrela?amento de direitos e interesses diversos vindos dos vários segmentos sociais, para que todos sejam lembrados, e, assim, garantir que a no??o de sistema n?o “engula” a no??o de estratégia, a que melhor representa essa diversidade. 1.2. A UTILIZA??O DO CADASTRO TERRITORIAL MULTIFINALIT?RIO COMO INSTRUMENTO DE DEMOCRACIA E CONTROLE SOCIALCom o objetivo de elaborar estratégias que propiciem uma cidade mais justa na distribui??o de ?nus e benefícios , analisa-se a quest?o do conhecimento detalhado do tecido urbano como requisito essencial ao planejamento urbano e habitacional.Desta forma, o Cadastro territorial Multifinalitário (CTM) identifica-se como um instrumento fundamental à Administra??o Pública no exercício de sua governabilidade, e ainda, como um recurso útil e necessário à implementa??o de políticas públicas em raz?o da reserva de dados diversificada e integrada.O CTM além de aperfei?oar o planejamento municipal proporciona mais transparência administrativa e fiscal à popula??o. Como exemplo, destaca-se o caso de Belém, amplamente discutido por Georgina Galv?o e Mauro Gaia (2005) e cujas informa??es e dados passa-se a descrever nas linhas abaixo.Os autores descrevem o baixo desempenho da administra??o da cidade de Belém que n?o servia-se de nenhum mecanismo de integra??o entre os seus cadastros, utilizava informa??es e modelos desatualizados e atuava com dados insuficientes à elabora??o de estratégias capazes de orientar a a??o fiscalizadora e o correto lan?amento dos tributos.Relatam ainda que tentativas desastrosas de recadastramentos geraram lan?amentos de inscri??o em duplicidade, e também uma significativa concentra??o de erros fiscais na área de maior densidade populacional de Belém. O passo mais importante para a mudan?a estrutural da gest?o municipal foi a implanta??o do CTM que envolveu vários órg?os da administra??o, tanto para a defini??o do programa de necessidades quanto para a execu??o e acompanhamento do mesmo.A partir de ent?o, foi observado o aumento da arrecada??o e de isen??es fiscais, e o CTM se inseriu como instrumento de referência para viabilizar a implementa??o de políticas públicas nas mais diversas áreas de atua??o, tais como: interven??es no sistema viário, drenagem, pavimenta??o, ilumina??o pública, sinaliza??o viária, projetos de revitaliza??o de áreas degradadas e de moradia. A sua aplica??o trouxe como principal elemento de inova??o o rompimento da lógica tradicional adotada na elabora??o de cadastros municipais com viés desarticulado e limitado de informa??es. Em contraste, o CTM produziu a universalidade de seu alcance e a eleva??o da base de dados, que foi alterada de 220.000 para 360.000 inscri??es imobiliárias, perfazendo um aumento em torno de 61% em rela??o ao cadastro anterior. O cadastramento dos imóveis foi realizado com foco nas múltiplas potencialidades apontadas à gest?o municipal e n?o apenas no interesse fiscal. Dessa forma, foram cadastradas tanto as áreas valorizadas quanto os assentamentos populares sem infraestrutura, tradicionalmente desconsiderados pelas empresas de aerofotogrametria e levantamento cadastral que costumam representá-los no mapa como manchas denominadas de favela. A partir da decis?o política de cadastrar todos os imóveis localizados na área urbana do Município afastando o interesse meramente arrecadatório, foi necessário realizar um estudo de redistribui??o fiscal a fim de equilibrar a carga tributária no sentido de desonerar os ?nus tributários incidentes sobre os imóveis urbanos que cumprem sua fun??o social, bem como de reconhecer a isen??o daquelas propriedades residenciais de baixo valor patrimonial para o mercado imobiliário. Com os primeiros resultados obtidos pela implanta??o do cadastro multifinalitário, foi possível, através da Lei n? 7.986 de 30/12/1999, ampliar para 9.000 UFIR (equivalente a R$ 9.576,90) o limite da isen??o automática. Esta medida permitiu, já no lan?amento do IPTU 2000, elevar para 84.264 o número de contribuintes isentos que até 1999 somavam apenas 16.173 (em torno de 7% do total cadastrado). Isto foi conseguido sem que houvesse redu??o na arrecada??o, ou seja, o aumento do número de imóveis cadastrados, bem como a atualiza??o das benfeitorias dos imóveis anteriormente cadastrados, compensou a amplia??o do universo de imóveis beneficiados pela isen??o automática (GALV?O; GAIA, 2005, p.123).A redistribui??o da carga tributária alcan?ada com a conclus?o do Cadastro Multifinalitário permitiu o aumento nominal do limite de isen??o, elevando para 49% o número de contribuintes isentos no novo cadastro, e uma eleva??o na arrecada??o do IPTU junto com taxas agregadas em R$ 22,6 milh?es, em 1996, para R$ 39,0 milh?es, em 2003, mesmo com 179 mil imóveis isentos, em um total de 360 mil imóveis. Para poder cobrar o IPTU levando em considera??o a capacidade contributiva dos cidad?os tornou-se absolutamente imprescindível ter uma base cadastral confiável dos imóveis (GALV?O; GAIA, 2005).O novo cadastro possibilitou, ainda, que as áreas da cidade que historicamente sempre receberam maior aporte de investimentos passassem a participar com uma contrapartida maior e mais condizente com os benefícios recebidos, afinal podem suportar alíquotas superiores. Em contrapartida, áreas que anteriormente foram muito valorizadas e passavam por processos de degrada??o quase sempre resultantes de modelos de urbaniza??o inadequados, tiveram seus valores ajustados à nova realidade.? importante destacar que o crescimento das receitas municipais n?o se deu por aumento no valor dos tributos, mas pela aplica??o de uma POL?TICA DE JUSTI?A FISCAL, exigindo-se tributos de quem pode pagar, isentando quem n?o tem capacidade contributiva, corrigindo bases de cálculos, sem, contudo aumentar o valor das alíquotas (GALV?O; GAIA, 2005, p. 128).A partir do mapeamento multifinalitário o município reunirá for?as e organiza??o para protagonizar o desenvolvimento e crescimento da cidade, sem necessariamente tornar-se refém do mercado de constru??o que se antecipa na compra de terrenos baratos para edificar habita??o, e em consequencia acaba por determinar para onde a cidade deve crescer, resultando, com isso, na produ??o de espa?o urbano voltado para seus empreendimentos e interesses de lucro. Essa din?mica do setor privado tra?a previamente o seu planejamento de execu??o realizando vários estratagemas de a??o, tais como: investir especulativamente no mercado imobiliário, adquirindo um “banco de terras” para o futuro; formando aliados políticos por meio do financiamento privado de campanhas e participando da elabora??o de programas governamentais.Esse encadeamento de atos perpetrados pela iniciativa privada assume o papel de plano de investimento do empresariado. Da mesma forma, cabe ao poder municipal a tarefa de planejar suas a??es futuras ao conhecer o próprio terreno e colocar em prática os instrumentos urbanísticos que viabilizam a aquisi??o de imóveis qualificados ao enfrentamento da quest?o habitacional. Assim, surge uma divis?o de for?as entre empresários e poder público, uma vez que este passa a deter terrenos aptos à constru??o deixando de assumir uma postura simplória de autorizador de projetos pré-definidos para ascender como protagonista do planejamento municipal, o que leva a aloca??o da popula??o em centros urbanos qualificados, a promo??o da justi?a fiscal e o crescimento da arrecada??o. A aplica??o desses instrumentos somados a uma efetiva tributa??o pode contribuir para o aumento do recurso público vinculado ao financiamento de habita??o e melhoria de servi?os e infraestrutura, gerando com isso uma maior autonomia do município. Atualmente, constata-se que os municípios encontram-se reféns dos repasses federais e seus programas nacionais, o fortalecimento da gest?o municipal atrai mais autonomia financeira aos municípios diminuindo sua dependência dos recursos federais. Portanto, existe uma dupla dependência dos governos municipais: a vincula??o aos programas federais diante da suposta incapacidade dos mesmos em formularem suas próprias políticas públicas, e aquela vinculada a fun??o de autoriza??o de projetos definidos pelo setor privado sob a justificativa de escassez de terrenos e recursos. Essa estrutura é exemplificada pelo Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) do governo federal para a faixa de renda até R$1.600,00 (mil e seiscentos reais) que é executada via Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) com produ??o “por oferta”. Isso significa que a construtora define o terreno e o projeto, aprova-o junto aos órg?os competentes e vende integralmente o que produzir para a CEF, sem gastos de incorpora??o imobiliária e comercializa??o. E, ainda, sem risco de inadimplência dos compradores ou vac?ncia das unidades (FIX; ARANTES, 2009). Percebe-se, portanto, que o município é mero coadjuvante do mercado por intermédio do programa federal, n?o apenas porque a Lei oportuniza o setor privado, ou porque os municípios optam pela zona de conforto de deixar o programa federal resolver a política pública , mas sim pela dependência municipal em rela??o a esses elementos e a própria cren?a de que sem a Uni?o e o mercado n?o há op??o. A Lei 11.977/09 instituiu o PMCMV e abriu a oportunidade para o empreendedorismo transformar a habita??o em mercadoria, desta forma, o mercado, astuto como é, prevalece-se da permiss?o legal para auferir alto lucro a zero risco.Perde-se por todos os lados com a padroniza??o da habita??o de mercado, os projetos chegam prontos e localizam-se nas periferias sob a justificativa de que somente lá existem terrenos suficientemente amplos a comportar grandes condomínios, e como o município n?o oferece a contrapartida de terrenos melhores porque n?o conhece nem regula seu solo figura como mero autorizador em todo o procedimento. Entretanto, cabe salientar que essa hegemonia privada acontece descontroladamente justamente porque n?o se depara com nenhuma resistência contrária. O domínio de mercado leva a uma precariza??o de resultados (baixa qualidade, periferiza??o, capitaliza??o da moradia, ausência de infraestrutura, exclus?o de cidadania) e maximiza??o de lucros em decorrência da ausência de alternativas concretas. Diante desse quadro, cabe ao poder público entrar nessa produ??o diretamente ou por meio de mecanismos jurídicos e urbanísticos de planejamento, com o fim de interferir incisivamente no direcionamento do crescimento da cidade e seu desenvolvimento social. Se a resposta ao déficit habitacional restar exclusivamente nas m?os do mercado que visa somente ao lucro, cai por terra a ideologia constitucional da fun??o social e todas as suas conquistas. Ressalta-se, ainda, que o direcionamento da política urbana pode influenciar na diminui??o da alta dependência de recursos advindos das transferências de outros níveis governamentais. Essa situa??o fragiliza a autonomia dos municípios e estimula os administradores a desempenharem um papel passivo diante das dificuldades financeiras, aguardando por uma política nacional para a resolu??o dos problemas enfrentados em nível local. Ao observar o “passo a passo” para a reestrutura??o da habita??o social, percebe-se que esta deve ser iniciada pelos imóveis ociosos que comp?em o tecido urbano infraestruturado. Para tanto, o governo deve encarar seu papel de titular da política urbana e participar com os diversos atores de forma produtiva buscando o equilíbrio de interesses e a harmonia de resultados, sem submeter o direito à moradia ao lucro de mercado.Conhecer as condi??es de moradia dos cidad?os é um pressuposto básico à justi?a social. Portanto, os imóveis ociosos n?o s?o o único elemento de peso social no cadastro, cumpre ao poder público o cadastro detalhado de todo o território com o levantamento socioecon?mico da popula??o. Identificar a localiza??o, o endere?o, estado de conserva??o e a verdadeira fun??o de cada imóvel significa construir o retrato real da ocupa??o urbana. Defrontar isso com a necessidade de moradia da popula??o é realizar o primeiro degrau da justi?a social.4. CADASTRO DE IM?VEIS OCIOSOS COMO INSTRUMENTO FUNDAMENTAL ? POL?TICA HABITACIONAL DO MUNIC?PIOA moderniza??o da Administra??o Tributária tem como um de seus principais instrumentos o CTM que aprimora a gest?o pública das cidades. A partir de sua implementa??o abrem-se inúmeras possibilidades para novas conquistas e avan?os na promo??o da justi?a fiscal e social do município. A tributa??o progressiva no tempo sobre imóveis urbanos vazios, subutilizados ou ocupados para fins especulativos, conforme prevê a Constitui??o Federal e o Estatuto da Cidade (Lei Federal n.? 10.257, de 10 de julho de 2001), exemplifica uma dessas possibilidades.Aproveitando o universo de atua??o do CTM, sinaliza-se a import?ncia de inserir no cadastro territorial os imóveis vazios ou ociosos situados no tecido urbano central por configurarem elementos chaves do aproveitamento do solo. Ressalta-se que todo o território urbano deve ser conhecido e analisado, entretanto as áreas que oferecem infraestrutura sedimentada e servi?os públicos básicos à popula??o guardam um especial interesse às políticas de habita??o social, por isso refletem um ponto chave do cadastramento.Em primeira análise, pergunta-se: O que s?o imóveis ociosos? Por que a localiza??o central é importante? A primeira pergunta demanda um alargamento de compreens?o, uma vez que a mera defini??o superficial de que seriam apenas bens n?o ocupados e abandonados levaria a uma interpreta??o restritiva e pouco social. As fun??es sociais da propriedade e da Cidade inclinam-se ao entendimento de que os imóveis urbanos devem ser vistos com o olhar mais amplo quando se trata de política habitacional, uma das quest?es mais graves enfrentada pela realidade urbana. O adensamento populacional concentrado está sem precedentes em termos de desigualdade, violência e nega??o de direitos fundamentais. A Constitui??o surge das demandas sociais vividas em determinada época como resposta legislativa aos fatos sociais. Diante disto, nada mais justo do que definir um instituto jurídico a partir do seu paradigma constitucional, logo a fun??o social relaciona-se ao vazio urbano de forma a constituí-lo e referenciá-lo na sua aplica??o proporcionando o maior alcance do interesse social. Os vazios urbanos come?am a integrar o cenário das cidades em meados do século XIX como resultado do descontrolado êxodo rural provocado pelo processo de industrializa??o das cidades, que atingiram dimens?es metropolitanas em raz?o do crescimento físico e populacional.A partir de 1970 um novo processo urbano inicia-se, dessa vez a cidade sofre a desfuncionaliza??o do tecido industrial culminando em um movimento inverso ao anterior em decorrência da desativa??o de ferrovias, zonas industriais e edifícios. A partir da constitui??o desses espa?os inicia-se o estudo sobre vazios urbanos e surgem as primeiras indaga??es com rela??o à ambiguidade dessa express?o diante de algumas situa??es. Passa-se a perceber, por exemplo, que o vazio das áreas industriais desativadas n?o coincidia com a no??o de vazio dos terrenos vagos, e ainda, que tais espa?os relacionariam-se mais com a ideia de ausência de uso do que propriamente de n?o constru??o (SOUSA, 2010).Desde ent?o, a evolu??o do conceito de vazio urbano vem sendo elaborada a fim de expressar a mais justa adequa??o entre esse fen?meno de produ??o do espa?o urbano e os aspectos fundamentais do Direito à Cidade. Dessa forma, passa-se a identificar alguns dos principais conceitos de vazios urbanos.Primeiramente, com rela??o à ideia generalista de que os vazios urbanos s?o espa?os da cidade sem constru??o ou preferencialmente n?o edificados. Essa concep??o n?o é a mais adequada. Na realidade, a express?o é mais abrangente, havendo quem a designe como terrenos e edifica??es n?o utilizados, subutilizados, desocupados ou desestabilizados, localizados em terrenos infraestruturados e que passaram ou est?o passando por processo de esvaziamento (BORDE, 2006). Nota-se pela express?o “processo de esvaziamento” como a no??o de vazio urbano vem aproximando-se de uma vis?o mais útil ao aproveitamento do solo urbano. N?o espera-se que determinada área complete o seu ciclo de esvaziamento para que seja valorizado o seu uso, basta que o processo de esvaziamento esteja em curso. ? claro que os aspectos de desfuncionaliza??o devem estar claros ao indicar um caminho de estagna??o sem volta diante do processo ali deflagrado, descartando, assim, trata-se de uma antecipa??o de condi??o futura n?o garantida.Seguindo na conceitua??o, considera-se como vazios urbanos aqueles “terrenos localizados em áreas providas de infraestrutura que n?o realizam plenamente a sua fun??o social e econ?mica, seja porque est?o ocupados por uma estrutura sem uso ou atividade, seja porque est?o de fato desocupados, vazios” (BORDE, 2006, p. 8). Para Dittmar (2006), s?o áreas identificadas como resíduos do crescimento da cidade, podendo estar construídas ou n?o, desocupadas ou subutilizadas, e se identificam pelas quest?es físicas e, ou, esvaziamento de uso. Segundo Medeiros (2007), trata-se de um fen?meno urbano da sociedade industrial, podendo resultar de corredores e pátios ferroviários esquecidos, espa?os residuais, obsolescência de zonas industriais, especula??o imobiliária, edifícios centrais abandonados, ou catástrofes. O Manual de Reabilita??o de ?reas Urbanas Centrais (2008) define vazios urbanos como: Espa?os abandonados ou subutilizados localizados dentro da malha urbana consolidada em uma área caracterizada por grande diversidade de espa?os edificados, que podem ser zonas industriais subutilizadas, armazéns e depósitos industriais desocupados, edifícios centrais abandonados ou corredores e pátios ferroviários desativados (BRASIL, 2008, p. 142).? comum vincular vazios urbanos ou imóveis ociosos à degrada??o, abandono, estagna??o, ruínas, ausência de uso, associando-os de forma direta a uma coisa inútil à cidade. No entanto, percebe-se, pelo conteúdo das defini??es, que tais espa?os, mesmo revelando um aspecto desfuncional e sombrio do ambiente urbano, na realidade representam o novo, no sentido de constituírem espa?os de transi??o com potencialidade para a transforma??o e aperfei?oamento social da cidade. Implicam em nova reconfigura??o do tecido urbano pela oportunidade de construir e reutilizar imóveis. Visto dessa forma, aquilo que está ocioso deve ser considerando um potencial de reurbaniza??o e revitaliza??o, voltado, principalmente, ao Direito de Moradia e uso do espa?o público.A no??o de espa?o ocioso, vista de uma forma superficial, contrap?e-se à ideia de cheio. Mas as condi??es do vazio urbano e as manifesta??es que este adquire na contemporaneidade imp?em outra lógica de significa??o para os espa?os de ausência. Considera-se que a no??o de cheio/vazio possui uma rela??o din?mica no estudo dos vazios urbanos, uma vez que o que é cheio (no sentido de construído) pode ser vazio (no sentido de estar sem uso). Logo, a ausência associada ao vazio urbano n?o deve ser definida apenas como a inexistência de um objeto construído, “a verdadeira ausência n?o existe quando há falta de volume construído, mas sim quando, a uma lógica consequente, se sucede um lapso, uma falha ou uma ausência de remate” (JORGE, 2007, p. 3). Assim, invertendo a lógica da detec??o física do espa?o ocioso, prefere-se vinculá-lo à sua fun??o de uso permanente, privilegiando as quest?es urbanas com um olhar social e coletivo, reunindo esfor?os para contribuir com a solu??o dos seus conflitos e buscar a efetiva??o da fun??o social da propriedade e da cidade. Portanto, a identifica??o de imóveis ociosos no tecido urbano suplanta a velha no??o de espa?o físico puramente vazio de constru??o ou n?o ocupado, a ele é importante associar a ideia da melhor funcionalidade. Por isso, mesmo imóveis insatisfatoriamente ocupados sob o olhar da fun??o social (subutilizados), devem se adequar a melhor funcionalidade ou uso. Se determinado prédio central, apto a sediar um projeto habitacional, é ocupado por uma oficina mec?nica que utiliza pouco do seu espa?o interior, revela-se, com isso, um imóvel que n?o atende a sua plena capacidade funcional de uso. Torna-se, portanto, um vazio urbano sujeito a adequa??o urbanística municipal. Tais possibilidades de interven??o aumentam na medida em que outros fatores podem ser associados ao dito vazio, como por exemplo, o estado de degrada??o, tamanho, dívida fiscal, localiza??o. Vários aspectos devem ser avaliados para se concretizar a plena aptid?o do imóvel. N?o necessariamente devem ser desprezados espa?os ociosos de médio e pequeno porte, afinal, o mapeamento deles, através de cadastro, definirá, inicialmente, quais imóveis s?o aptos à funcionaliza??o e a partir das informa??es coletadas se determinará a qual tipo de política pública o mesmo se prestará. O planejamento municipal poderá estabelecer de acordo com as características do imóvel, aluguel social, habita??o coletiva, condomínio, edifício, entre outras possibilidades a critério do poder público. N?o escapa ao planejamento municipal o imóvel grande, com boa conserva??o, mas subutilizado. Da mesma forma, aquele imóvel funcionalizado, mas que é necessário a uma adequada e justa distribui??o do ambiente urbano. Afinal, a desapropria??o sempre será um instrumento de requalifica??o da justi?a urbana, à medida que permite, sem limites jurídicos (apenas indenizatórios), a possibilidade de remanejamento da finalidade fundiária.A quest?o limitadora gira em torno da indeniza??o a ser paga ao proprietário, ponto que os municípios apontam como empecilho à efetiva??o da transferência por expropria??o compulsória. Para contribuir com a solu??o desse problema, existe a possibilidade de utiliza??o da desapropria??o paga por meio de títulos da dívida pública, pelo prazo de até dez anos (art.8?, §1?, Lei 10.257/01). No entanto, a necessidade de manejo dos recursos disponíveis depende da vontade política dos poderes públicos (executivo/legislativo), associada à participa??o da sociedade. A implementa??o de instrumentos urbanísticos de forma articulada demanda um planejamento a médio/longo prazo e a institui??o de um fundo municipal vinculado ao fomento da política habitacional. Este servirá para financiar a execu??o do planejamento municipal de habita??o e a forma??o de um “banco de terras” com boa localiza??o e infraestrutura.O Direito à Moradia é o elemento principal na execu??o de programas habitacionais, quest?es de apoio à economia devem ter cunho secundário quando se relacionam com o déficit habitacional.Sendo assim, esse trabalho identifica como vazio urbano ou imóvel ocioso, primeiramente o terreno vago (imóvel n?o edificado) desprovido de constru??o ou de uso, e n?o qualificado como espa?o público (ou espa?o previamente concebido como livre). Em segundo, aquele imóvel edificado sem uso. E ainda, o imóvel subutilizado, que se relaciona, neste estudo, aos lotes e edifica??es que s?o parcialmente aproveitados em termos de uso (CLEMENTE, 2012).Os imóveis sem constru??o ou desprovidos de uso, assim como os subutilizados, s?o delimitados nas legisla??es municipais que disp?em sobre a regulamenta??o do solo urbano n?o edificado, n?o utilizado ou subutilizado. Esses textos normativos determinam as características básicas que o imóvel deve apresentar para ser classificado em alguma das categorias de ociosidade.N?o há uma normatiza??o geral nesse aspecto, motivo que leva a uma variabilidade de defini??es e, por vezes, uma defini??o vaga e imprecisa dos institutos, principalmente, quanto aos imóveis subutilizados que possuem um conceito aberto e podem gerar interpreta??es restritivas e ampliativas que atingem por consequência a sujei??o dos imóveis à funcionalidade compulsória. Cada município define o percentual de uso mínimo dos imóveis para que sejam classificados como subutilizados, além de especificarem outras características. Por exemplo, o município de Uberl?ndia-MG determina o seguinte na Lei Complementar n? 521, de 16 de fevereiro de 2011: Art. 2? Para efeito desta Lei Complementar entende-se por:II - imóvel subutilizado: aquele que, em sendo legalmente permitido, o proprietário n?o der o devido aproveitamento, sendo que:a) para fins residenciais, entende-se por devido aproveitamento o imóvel cujo valor da constru??o existente for superior à 20? (vigésima) parte do valor venal do respectivo terreno;b) para fins n?o residenciais, entende-se por devido aproveitamento, o imóvel que recebe usos devidamente licenciados e regulamentados, desde que atendidos os requisitos definidos na Lei de Uso e Ocupa??o do Solo.No caso de Uberl?ndia, n?o há uma defini??o quanto ao percentual mínimo de aproveitamento do imóvel como determina o artigo 5?,§ 1?, I do Estatuto da Cidade, nem um posicionamento que expresse o potencial do instituto urbanístico relacionando-o a concretiza??o da fun??o social. Ao contrário, vincula o aproveitamento do imóvel ao valor conferido à constru??o em rela??o ao custo do terreno, n?o fazendo men??o a porcentagem de uso da constru??o, especula??o, degrada??o, ou qualquer outra condi??o que alargue a no??o de subutiliza??o. A reda??o do artigo demonstra uma distor??o social de valores, uma vez que define o aproveitamento do imóvel de acordo com o valor da constru??o, permitindo com isso uma despropor??o entre os valores aferidos. Considere-se, por exemplo, um terreno avaliado em R$100.000,00, que possui uma metragem compatível com a constru??o de um condomínio para habita??o social. Nesse caso, para satisfazer o coeficiente de aproveitamento, bastaria que o valor da constru??o atingisse R$5.000,00, independentemente do coeficiente real de uso do terreno. Nesta hipótese, a casa em si ocupa uma parte insignificante de um terreno precioso para o planejamento de moradia, restando subutilizada a maior parte, o que leva a condi??o de existir um imóvel legalmente funcional, mas faticamente ocioso. Cabe lembrar que, nos termos deste estudo, os vazios urbanos s?o divididos em três linhas: imóvel sem constru??o e uso, imóvel com edifica??o e sem uso, e imóvel subutilizado, com constru??o e uso (ocupado por alguém), mas sem o devido aproveitamento. A quest?o polêmica reside justamente nessa última classifica??o, porque comporta a ocupa??o, mas esta é qualificada como subaproveitada, o que leva a admitir a interven??o de instrumentos urbanísticos para requalificar o tecido urbano em conson?ncia com a fun??o social da cidade. Esses imóveis subutilizados, nas palavras de Sousa (2010, p. 77), “têm uma ocupa??o e, ou uso, mas que atualmente essa ocupa??o/uso é inadequada, ou esses espa?os têm potencial para um uso/ocupa??o mais eficaz e eficiente no tecido urbano enquanto um todo”.Em 2010 o deputado Federal Chico Alencar (PSOL-RJ), prop?s ao Congresso Nacional o Projeto de Lei n? 7.537 que pretendia alterar a Lei n? 10.257, de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade, para dispor sobre a san??o à ociosidade de imóveis construídos. Tal projeto pretendia acrescentar um inciso ao § 1?, do art. 5? da referida lei, considerando subutilizado o imóvel “residencial mantido ocioso e fora do mercado de loca??o sob qualquer pretexto, desde que n?o seja necessário à habita??o do proprietário ou de seus dependentes”.O texto do projeto representava a tentativa de editar uma norma geral sobre a subutiliza??o de imóveis urbanos, com o objetivo de padronizar sua interpreta??o e definir os termos de sua abrangência na busca de combater à especula??o imobiliária e concretizar a efetividade da fun??o social da propriedade. Entretanto, o texto expressou-se de forma muito progressista e abrangente para os termos do Congresso Nacional. Os argumentos de rejei??o do projeto foram t?o fracos quanto o texto apresentado, que careceu de maior precis?o e técnica jurídica, mas representou uma importante tentativa de avan?o social. Naquela oportunidade, era necessário definir mais precisamente o imóvel ocioso, fixando critérios mínimos de classifica??o mesmo que genéricos. Pontua-se ainda, que a express?o “sob qualquer pretexto” generalizou de tal forma a no??o de subutiliza??o que a esvaziou.Cabe esclarecer que a defini??o de imóvel subutilizado é da maior import?ncia para o planejamento e justi?a urbana, por ser um componente frequente no tecido urbano, além de ser indicado como primeira op??o para implementa??o de políticas públicas de habita??o. Seu conceito precisa estar permeado de termos claros que direcionem os critérios para a avalia??o da situa??o fática.Portanto, em áreas urbanas, é razoável que se estabele?a um percentual mínimo de aproveitamento do imóvel relacionado à sua capacidade de uso, e n?o ao seu potencial construtivo, retirando do Plano Diretor e da legisla??o dele decorrente (art. 5?, § 1? do Estatuto da Cidade) essa responsabilidade.Da mesma forma, a Lei pode fazer referência à obsolescência do imóvel, que é designada por Peixoto (2011, p.18) como “o momento em que a fun??o original de um edifício deixa de “existir” podendo ser demolida, readequada ou até transformada e armada em outro local, se sua constitui??o assim permitir”. Dessa forma, se o coeficiente mínimo de uso n?o for alcan?ado, a obsolescência poderá definir o imóvel como subutilizado.A obsolescência ora se relaciona com o espa?o edificado e suas fun??es, ora com os espa?os urbanos em si, podendo ser física/estrutural, quando associada à perda de fun??o como resultado de fatores físicos ligados por uso, desgaste e envelhecimento, tais como, a deteriora??o (inferioriza??o de bem) ou degrada??o (aviltamento/desmoronamento). A obsolescência funcional acontece nos espa?os que n?o se afiguram mais como aptos ao uso original ou transformado, ou ainda quando se torne inadequado ao contexto da cidade (CLEMENTE, 2011).Logo, os “cheios” urbanos nem sempre se justificam dentro do conceito da cidade; da mesma forma, nem todo “vazio” é nocivo ou inútil ao ambiente em quest?o. Quando o vazio n?o possui uso nem fun??o prática ou simbólica, constitui um espa?o inútil que interrompe a regra do “cheio”. Contudo, mesmo o imóvel “cheio” pode representar uma exce??o à regra quando n?o estiver coerente à morfologia da cidade e adequado ao seu planejamento. Os vazios, por sua vez, podem significar espa?os adequados ao contexto da cidade ao destinarem-se, por exemplo, ao uso público e livre, ou histórico e ambiental.A degrada??o e deteriora??o de ambientes urbanos s?o sintomas relevantes para a manuten??o da vitalidade da cidade. Esta pode ser entendida como um organismo vivo que reflete a pulsa??o entre a produ??o do espa?o urbano e o elemento humano. Vista dessa forma, a cidade vivencia “doen?as urbanas” que tendem a contaminar o comportamento social e o seu próprio tecido. Naqueles espa?os obsoletos verifica-se a reverbera??o da situa??o física para os grupos sociais, representando pontos de desequilíbrio e instabilidade, e ainda, um possível “foco de contágio” no sentido de facilitar a multiplica??o desse tipo de vazio. Algumas vezes afastando a popula??o, em outras servindo de ocupa??o de risco para os mais pobres, ou ainda representando a nociva inten??o da especula??o imobiliária.Em resumo, o imóvel urbano precisa mostrar-se funcional em rela??o ao todo da cidade. Assim, o diagnóstico da ausência de constru??o ou uso, a subutiliza??o em raz?o do baixo coeficiente de uso, a obsolescência física/funcional e a inadequa??o ou incoerência ao contexto morfológico do tecido urbano, levam à classifica??o de ociosidade e às consequências urbanísticas pertinentes, e portanto, devem ser incluídas no CTM diante de sua inquestionável import?ncia ao planejamento urbano.5. CONCLUS?OA terra urbana constitui um importante capital da sociedade atual, term?metro do bem estar ou de sérias injusti?as sociais, em raz?o disto precisa estar constantemente observada e regulada pelo poder público.Os imóveis ociosos representam um grande potencial fundiário ao planejamento urbano e, em especial à política de moradia social que suporta graves injusti?as, algumas das quais discutidas neste artigo, como à localiza??o distante e a ausência de infraestrutura e servi?os públicos.O olhar empresarial n?o coincide com o devido interesse público que circunda o direito à moradia, logo há necessidade de se estabelecer um contraponto ao interesse privado de forma que este n?o se sobreponha aquele.Neste sentido, este estudo sinaliza que a fun??o social deve ser aplicada aos imóveis ociosos de forma a permitir que o uso do solo prevale?a sobre o direito à propriedade, associado a isto, afirma-se a necessidade do profundo conhecimento do tecido urbano por um cadastro completo e multifinalitário. A aplica??o articulada desses instrumentos de gest?o pública poderá contribuir de forma eficaz para a promo??o do direito à moradia por meio da revaloriza??o social do solo urbano. REFER?NCIASBORDE, A. P. L. Vazios urbanos: perspectivas contempor?neas. 2006. 226 f. Tese (Doutorado em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.BRASIL. Constitui??o (1988). Constitui??o brasileira, 1988. Texto constitucional de 5 de outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 292 p.BRASIL. Portaria n. 516, de 16 de outubro de 2007. Diário Oficial da Uni?o, 17 out. 2007.BRASIL. Manual de Reabilita??o de áreas urbanas centrais. Brasília: Ministério das Cidades, 2008.BRASIL. Lei 10.257/01, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constitui??o Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da Uni?o, 11 jul. 2001.BRASIL. Constitui??o (1988). 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