OS GERADORES DE VAPOR DA USINA DE ANGRA1: …

[Pages:15]OS GERADORES DE VAPOR DA USINA DE ANGRA1: De REJEITO A REGISTRO

M?nica Penco Figueiredo Museu de Astronomia e Ci?ncias Afins ? MAST

monicapenco@mast.br

Marcio Ferreira Rangel Museu de Astronomia e Ci?ncias Afins - MAST

marciorangel@mast.br

Resumo

Este artigo reflete sobre as possibilidades de musealiza??o, preserva??o e exposi??o dos antigos geradores de vapor da Usina Angra 1, componente da Central Nuclear Almirante ?lvaro Alberto, em Angra dos Reis - RJ. Os geradores, atualmente desativados, foram respons?veis pela produ??o do vapor que movimentou as turbinas do gerador de energia el?trica por mais de duas d?cadas. Esses equipamentos, que apresentavam sinais de degrada??o, foram substitu?dos por novos, sendo descartados e armazenados em um dep?sito no s?tio da Central Nuclear. O reconhecimento desses bens como patrim?nio industrial compreende a base te?rica do nosso trabalho, testemunhando o processo construtivo da hist?ria nuclear brasileira, interpretados como s?mbolos do complexo industrial que abrange as duas Usinas Nucleares em opera??o e a terceira em fase de constru??o. Al?m de tratar as quest?es referentes ? sua musealiza??o, analisaremos as especificidades da sua conserva??o e exposi??o considerando as pr?ticas adotadas no processo de descontamina??o do objeto.

Palavras-chave: musealiza??o, patrim?nio industrial, geradores de vapor.

Fragmentos da Hist?ria da Energia Nuclear

Reconhecendo os antigos Geradores de Vapor da Usina de Angra1 como testemunhos do processo de constru??o da hist?ria nuclear brasileira, torna-se necess?rio tra?ar um panorama da pol?tica nuclear desenvolvida no Brasil e no mundo, esclarecendo que a exposi??o dos fatos n?o configura uma abordagem profunda do tema. A partir do exposto, torna-se mister contextualizar a aplica??o dessa fonte de energia que encontrou no poderio b?lico o seu tra?o mais marcante.

A bomba at?mica lan?ada sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em agosto de 1945, foi gerada no ?mbito do Projeto Manhattan, um programa secreto desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial pelos Estados Unidos em parceria com o Canad? e Reino Unido. Esse atentado a uma popula??o civil, utilizando uma

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arma de destrui??o em massa, provocou a morte instant?nea de milhares de pessoas e a morte lenta de tantas outras, imprimindo aos sobreviventes uma lembran?a aterrorizante e inesquec?vel, marcando para sempre a hist?ria da humanidade.

Ap?s o ataque nuclear sobre o Jap?o e com o fim da Segunda Guerra Mundial, as duas superpot?ncias mundiais - Estados Unidos e Uni?o Sovi?tica - no contexto da Guerra Fria, hogemonizaram o poder mundial dispondo de um vasto arsenal b?lico, a maioria desenvolvida durante o conflito. A primazia da tecnologia nuclear cabia aos EUA, mas a disputa por uma hegemonia pol?tica, tecnol?gica, social, econ?mica, militar e ideol?gica, resultaria em uma corrida armamentista entre os dois pa?ses com a amea?a de exterminar a vida no planeta (Apolloni; Kuramoto, 2002).

Segundo Costa,1 a supremacia mundial exercida pelos EUA no dom?nio da tecnologia nuclear, n?o foi obst?culo para o Brasil investir no desenvolvimento de uma pol?tica nuclear mais aut?noma, encontrando na emblem?tica figura do Almirante ?lvaro Alberto da Mota Silva, seu principal articulador. Envolvendo a comunidade cient?fica, o Almirante alertou o governo sobre a import?ncia da utiliza??o nuclear no desenvolvimento e seguran?a do pa?s. Sua atua??o foi decisiva no incremento da pesquisa cient?fica brasileira com a institucionaliza??o em torno de uma estrutura nacional ?nica, criando e presidindo o Conselho Nacional de Pesquisa, atual Conselho Nacional de Desenvolvimento Cient?fico e tecnol?gico - CNPq. A postura adotada pelo CNPq estava pautada no princ?pio da autonomia, apesar da forte oposi??o de uma ala pr?-americana existente nos meios cient?ficos e governamentais. Desmembrada do CNPq, a Comiss?o Nacional de Energia Nuclear - CNEN assume o comando da pol?tica nuclear brasileira, em colabora??o com a pol?tica norte-americana2.

Pregando a utiliza??o da energia nuclear para fins pac?ficos, os EUA prop?em o programa ?tomos para a Paz. Na pr?tica, esse programa ratificava a depend?ncia dos

1 COSTA, C?lia Maria Leite. Fatos & Imagens. Acordo Nuclear Brasil-Alemanha/ Acordo Nuclear Brasil-Alemanha (1975). Dispon?vel em

< >. Acesso em 02 de maio de 2012.

2 Ob. Cit.

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pa?ses em desenvolvimento, mantendo-os na condi??o de meros importadores da tecnologia e exportadores de mat?rias-primas. O "Acordo de Coopera??o no Campo das Utiliza??es Pac?ficas na Energia At?mica com a Comunidade Europ?ia" foi firmado no ?mbito desse programa, estabelecendo a importa??o de reatores de pesquisa baseados na utiliza??o da tecnologia do ur?nio enriquecido, para laborat?rios no Rio de Janeiro, S?o Paulo e Belo Horizonte. A confirma??o desse acordo acirrou conflitos entre cientistas brasileiros que se dividiam em dois grupos: os que defendiam a importa??o da tecnologia americana e os que desejavam o desenvolvimento de uma tecnologia nacional, utilizando o ur?nio natural ou o t?rio, como solu??o para o desenvolvimento de uma pol?tica cient?fica verdadeiramente nacional3.

A compra do primeiro reator de pot?ncia fornecido pela Westinghouse Electric Corporation e que foi instalado em Angra 1 selou a vit?ria do grupo favor?vel ao desenvolvimento de uma pol?tica associada ? tecnologia norte-americana. A op??o t?cnica inclu?a assegurar a plena transfer?ncia para o Brasil das tecnologias envolvidas em cada uma das ?reas do ciclo do combust?vel correspondente ao tipo de reator adotado. Com a recusa dos EUA em colaborar com o Programa Nuclear do Brasil, o governo n?o vacilou em assinar um Acordo Nuclear com a Alemanha Ocidental. Frente ?s crescentes press?es estadunidenses para que o Brasil desistisse do Acordo com a Alemanha, o Brasil reage rompendo o acordo militar com os Estados Unidos. A Rep?blica Federal da Alemanha reunia as condi??es que tornaram poss?vel o acordo, pois atendia ? preocupa??o fundamental do Governo que era a de obter a transfer?ncia da tecnologia indispens?vel e adequada para implanta??o de uma ind?stria nuclear aut?noma para fins pac?ficos, abrangendo o ciclo completo do combust?vel e perfazendo um total de oito Usinas Nucleares4.

Na negocia??o do Acordo, o enriquecimento do ur?nio seria feito pelo processo de ultracentrifuga??o, cuja patente era mantida pelo cons?rcio Urenco, pertencente ? Alemanha, Inglaterra e Holanda, por?m, devido ? press?o dos EUA, a Holanda vetou a transfer?ncia daquela tecnologia. Ante esse veto, o processo adotado no ciclo do

3 Ob. Cit.

4 OB. Cit.

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combust?vel, mesmo contando com a participa??o das Empresas Nucleares Brasileiras S.A ? Nuclebr?s foi considerado economicamente invi?vel em termos do consumo de energia el?trica. Simultaneamente, a Marinha Brasileira implementou um projeto paralelo atrav?s do seu Centro Tecnol?gico de S?o Paulo, desenvolvendo com sucesso o m?todo da ultracentrifuga??o que, mais tarde, passaria a ser utilizado pelas Ind?strias Nucleares do Brasil - INB para enriquecer o combust?vel destinado as Usinas de Angra 1 e Angra 25.

Constru??o do pr?dio do reator de Angra 1 em meados da d?cada de 1970. Retirada do site da Eletronuclear. Dispon?vel em: . Acesso em 10 abr.2012.

Substitui??o e armazenamento Os Geradores de Vapor da Usina Nuclear de Angra 1 s?o os equipamentos respons?veis pela troca de calor entre os circuitos prim?rio e secund?rio. Buscando uma explica??o simplificada sobre seu funcionamento, podemos dizer que o circuito prim?rio carrega ?gua aquecida e radioativa sob alta press?o vinda do reator nuclear; a ?gua aquecida circula no interior dos tubos dos geradores, transferindo calor para a ?gua do circuito secund?rio, aquecendo-a at? a forma??o de vapor. O vapor seco e pressurizado move as palhetas das turbinas, acionando o gerador e produzindo energia el?trica.

5 Ob. Cit.

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A decis?o de substitui??o dos geradores de vapor de Angra 1 foi motivada pela constata??o de que os geradores j? "nasceram" com uma perspectiva de vida ?til abreviada, devido ? predisposi??o para desgaste do tipo de liga utilizada na fabrica??o dos tubos dos geradores. ? Eletronuclear - Eletrobr?s Termonuclear, empresa respons?vel pela opera??o e constru??o de usinas termonucleares no pa?s, coube o ?nus de administrar o problema, uma vez evidenciado que usinas estrangeiras que utilizaram equipamento similar fabricado tamb?m pela Westinghouse defrontaram-se com o mesmo tipo de problema6.

O processo de degrada??o desencadeava-se de forma progressiva e pontual, comprometendo todo o feixe de tubos, que passou a ser alvo de inspe??es minuciosas, uma vez que os tubos estavam suscet?veis a trincas por corros?o. A conseq?ente eleva??o nos custos de preserva??o e manuten??o dos geradores passou a exigir freq?entes testes de sua integridade. Essas medidas de seguran?a visavam evitar o risco de vazamento do circuito prim?rio e a conseq?ente contamina??o do secund?rio por ?gua radioativa.

A substitui??o foi preparada com mais de cinco anos de anteced?ncia, sendo necess?ria ? assinatura de contratos com a companhia francesa Areva NP, a brasileira Nuclebr?s Equipamentos Pesados S/A - Nuclep, a espanhola Iberdrola e a multinacional Odebrecht, al?m da pr?pria Westinghouse, respons?vel pelos os estudos de engenharia para a fabrica??o de componentes de suporte para o processo de substitui??o.

A complexa a??o de retirada dos geradores representou um grande desafio se considerarmos que os geradores s?o rejeitos de grande porte, variando de baixa a m?dia radioatividade e considerando que cada gerador tem vinte metros de altura por quatro metros de di?metro, pesando cerca de trezentos e cinq?enta toneladas.

Para a retirada dos equipamentos, al?m do desligamento da usina, foi necess?ria uma abertura interna na conten??o met?lica e na parede lateral do edif?cio do reator, pois

6 Associa??o Brasileira de Energia Nuclear - ABEN. Revista Brasil Nuclear, Ano 15, n 35, setembro de 2010. Dispon?vel em . Acesso em 10 de maio de 2012.

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devemos considerar a localiza??o e as dimens?es apresentadas pelos equipamentos. Os geradores de vapor antigos foram i?ados atrav?s de um mecanismo especialmente montado para facilitar o seu deslocamento at? uma plataforma de acesso, que serviu tamb?m para a entrada dos novos geradores de vapor.

Considerando que os geradores desativados passam ? categoria de rejeito nuclear, estes dever?o doravante estar armazenados de maneira segura, em concord?ncia com as normas e requisitos nacionais e internacionais aplic?veis a esse fim. Nesse sentido, foi constru?da uma instala??o provis?ria denominada Dep?sito Inicial dos Geradores de Vapor ? DIGV, com capacidade para armazenar estes e outros equipamentos.

O Dep?sito Inicial foi estrat?gicamente constru?do na ?rea denominada de Ponta Fina. O local determinado est? a aproximadamente oitocentos metros a leste da usina, permitindo que toda a movimenta??o dos equipamentos descartados ficassem restritos ? ?rea da Central. Dessa forma, a integra??o ao sistema de prote??o f?sica e de monitora??o radiol?gica foram mantidas, tornando a opera??o mais controlada e segura.

Toda a ?rea interna do dep?sito ? destinada ? estocagem de componentes radioativos, constituindo uma ?rea classificada como controlada, significando que ? obrigat?ria a realiza??o de medi??es constantes no local e os resultados ser?o avaliados periodicamente pela CNEN e por organismos internacionais. As paredes do dep?sito s?o de concreto com compartimentos individuais, projetadas para conter o n?vel de radia??o ali existente. Os n?ves de radia??o s?o monitorados, como garantia de prote??o aos trabalhadores, ? popula??o em geral e ao meio ambiente7.

O dep?sito inicial, representa a entrada na era de armazenamento de rejeito nuclear de grande porte, servindo de abrigo para estes equipamentos at? a remo??o para um dep?sito final a ser definido pela Comiss?o Nacional de Energia Nuclear ? CNEN, onde existe a previs?o de que a tampa do vaso do reator de Angra 1 seja substitu?da e

7 Ob. Cit.

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que tamb?m seja colocada no mesmo dep?sito dos geradores. A substitui??o dos novos geradores representa para a usina de Angra 1 uma extens?o de sua vida ?til, possibilitando o aumento da pot?ncia e reduzindo os custos de manuten??o.

Transporte do novo gerador de vapor da f?brica da NUCLEP para Angra 1. Retirada do site da NUCLEP. Dispon?vel em: < .br/>. Acesso em 10 abr. 2012.

Dep?sito inicial dos geradores de vapor. Foto: M?nica Penco.

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A musealiza??o dos Geradores de Vapor

O processo de reconhecimento dos geradores de vapor como patrim?nio industrial est? embasado em um conceito chave da disciplina Museologia, mais explicitamente no conceito de musealiza??o. Este pode ser entendido como o processo atrav?s do qual o objeto perde a sua fun??o prim?ria, diretamente relacionada ao seu uso, sendo incorporado ao acervo de um museu e passa a ser entendido como uma refer?ncia, um documento.

O estudo do processo de musealiza??o parte do pressuposto de que qualquer objeto pode ser musealizado, n?o existindo uma caracter?stica museol?gica impl?cita aos objetos. O objeto ? sempre escolhido e selecionado a partir de crit?rios hist?ricos, sociais e culturais, ou seja, a musealiza??o ? sempre um processo de atribui??o de valores. Baseada em R?ssio, Cancela (2010) afirma que "quando se recolhe/musealiza objetos que atuar?o como testemunhos nos museus a escolha ? feita mediante tr?s crit?rios: eles s?o testemunhos, s?o documentos e apresentam fidelidade".

O processo de musealiza??o "se desenvolve a partir da aplica??o do conceito museu a um espa?o/cen?rio determinado, que est? vinculado a uma intencionalidade representacional" (CHAGAS, 1994, p.6). Tal intencionalidade ? fundamental no entendimento dos geradores de vapor como patrim?nio, pois implica na explicita??o das inten??es que justificam o pr?prio processo de musealiza??o.

Quanto aos geradores, reafirmo que testemunham o processo de constru??o da hist?ria nuclear brasileira, podendo ser interpretados como s?mbolos do complexo industrial que abrange atualmente duas Usinas Nucleares em opera??o e uma terceira em constru??o. Sua import?ncia como documento perpassa a sua representa??o como s?mbolo da hist?ria da energia nuclear no Brasil. Para a hist?ria das ci?ncias e da tecnologia, os geradores podem ser vistos como fontes de an?lise e estudo para o entendimento de aspectos do desenvolvimento cient?fico e tecnol?gico.

1) Import?ncia educativa: explicar o processo de funcionamento de uma Usina e a import?ncia do objeto.

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