SOBRE A FORMAÇÃO DE DIMINUTIVO DO PORTUGUÊS …

SOBRE A FORMA??O DE DIMINUTIVO DO PORTUGU?S BRASILEIRO

Seung-Hwa LEE Universidade Federal de Minas Gerais

0. Introdu??o

A forma??o de diminutivo ? muito produtiva no Portugu?s Brasileiro (doravante, PB), que exibe duas maneiras de derivar as formas de diminutivo das palavras n?overbais (i.e. nomes e adjetivos/adv?rbios): a sufixa??o -inho(a) e a sufixa??o -zinho(a). O primeiro sufixo ? acrescido aos radicais com vogais tem?ticas (-a, -o, -e, que representam, nas palavras n?o-verbais, classes morfol?gicas, como n?mero e g?nero), enquanto o segundo sufixo ? acrescido aos radicais sem vogais tem?ticas. Na literatura, h? diverg?ncias quanto ? explica??o para os sufixos de diminutivo, que s?o tratados como: i) sufixos derivacionais; ii) palavras fonol?gicas; iii) deriva??o por sufixa??o inho(a) e composi??o fonol?gica por sufixa??o -zinho(a); etc. (cf. C?mara, 1970; Leite, 1974; Moreno, 1977; Brakel, 1981; Lee, 1992; Menuzzi, 1993).

Este trabalho prop?e uma nova proposta para a an?lise dos diminitivos no PB e argumenta-se que a forma??o de diminutivo no PB deve ser tratada diferentemente da deriva??o/composi??o e da flex?o nos processos de forma??o de palavras, adaptando o modelo da Fonologia Lexical Pros?dica (FLP, Inkelas 1989, 1993).

1. Algumas propriedades do diminutivo

Os morfemas do diminutivo, -inho(a) e -zinho(a) podem ser afixados nas formas n?o-verbais, como mostra (1):

(1) a. casa -> casinha, bonita -> bonitinha b. menino -> menininho, perto -> pertinho c. caf? -> cafezinho d. flor -> florzinha

De modo geral, na forma??o de diminutivo, o morfema -inho ? afixado a uma forma n?o-verbal contendo marcador de palavra, como ocorre em (1 a, b), e o morfema -zinho ? afixado a uma forma n?o-verbal sem o marcador de palavra, como se verifica em (1 c, d). Nas palavras proparox?tonas e nas palavras que terminam em s?laba pesada, o diminutivo ? formado atrav?s da afixa??o do morfema -zinho, como mostra (2)1:

(2) a. l?mpada -> lampadazinha n?mero -> numerozinho

1 No entanto cabe ressaltar que, na fala cotidiana, h? varia??es, tais como: lampadazinha ~ lampinha ~ lampadinha, numerozinho ~ numerinho, arvorezinha ~ arvinha, chacarazinha ~ chacrinha, facilzinho ~ facinho, papelzinho ~ papelinho, etc.

2 b. judeu -> judeuzinho

trof?u -> trofeuzinho irm?o -> irm?ozinho

c. mar -> marzinho sol -> solzinho

Al?m disso, os diminutivos apresentam algumas carater?sticas, que podem ser observadas a seguir:

i) A afixa??o de -inho(a), -zinho(a) n?o muda os tra?os do radical derivacional, tais como os tra?os de categoria lexical e g?nero, o que ? atestado pelos exemplos de (3):

(3) a. a mesaN -> a mesinhaN, o marN -> o marzinhoN

b. velhoA -> velhinhoA f?cilA -> facilzinhoA

c. o dente -> o dentinho a sorte -> a sortinha

d. a casa -> o caseiro o livro -> a livraria

Os exemplos de (3 a, b, c) mostram que a categoria lexical e o g?nero da palavra resultante do acr?scimo dos sufixos s?o determinados pelos tra?os do radical, diferentemente do que ocorre no processo derivacional, no qual, a categoria lexical e o g?nero s?o determinados pelo constituinte ? direita, como em (3 d). Isso significa que os sufixos -inho e -zinho, diferentemente dos sufixos derivacionais, n?o cont?m os tra?os de categoria e de g?nero.

ii) No processo derivacional, a qualidade das vogais m?dias, /E, O/ na posi??o t?nica muda para [e, o] na posi??o ?tona durante a deriva??o, como ilustra (4):

(4) a. b[?]lo -> b[e]leza caf[?] -> caf[e]teira

b. p[?] -> p[o]eira d[?]lar -> d[o]lariza??o2

Este processo ? conhecido na literatura como neutraliza??o voc?lica (Wetzels 1989, 1991, 1997). Essa neutraliza??o, no entanto, n?o ocorre na forma??o produtiva do diminutivo, embora se aplique na posi??o ?tona, como mostra (5):

2 Em alguns dialetos do PB, [E, O] ocorre na posi??o pret?nica, como d[O]lariza??o, p[O]eira. Esses dialetos n?o apresentam contraste de [e, o] vs. [E, O] na posi??o pret?nica, de modo que h? 5 vogais [a, E, i, O, u] nessa posi??o pela neutraliza??o voc?lica (abaixamento voc?lico).

3

(5) a. b[?]la -> b[O]linha b. v[?]la -> v[E]linha c. caf[?] -> caf[E]zinho d. b[?]la -> b[E]linha

Al?m disso, outras forma??es produtivas encontradas no PB tamb?m n?o apresentam essa neutraliza??o voc?lica, conforme ilustram os exemplos de (6):

(6) a. b[E]lamente b. b[E]l?ssima c. d[O]larzinho

iii) H? somente um acento lexical em palavras com os sufixos -inho(a), ?ssimo(a), ao passo que, h? mais de um acento lexical3 em palavras com os sufixos zinho(a), -mente (cf. Brakel, 1981):

(7) a. sapat?nho bel?ssimo

b. rigor?sam?nte c?fez?nho

iv) A palavra com o sufixo -zinho permite o morfema plural entre o radical derivacional e o sufixo4, enquanto a palavra com o sufixo -inho n?o permite, conforme exemplifica (8), abaixo:

(8) a. hotelzinho -> hoteizinhos marzinho -> marezinhos

b. casinhas, *casasinhas

2. Forma??o produtiva e dom?nio Pros?dico

Apesar das semelhan?as entre -inho e -zinho, em an?lises anteriores sobre a forma??o do diminutivo no PB (cf. C?mara 1970; Leite 1974; Moreno 1977; Brakel 1981; Lee 1992), -inho ? considerado como um sufixo (ou seja, um elemento que faz parte de um processo derivacional), ao passo que -zinho ? considerado como um elemento que faz parte de um composto.

3 De acordo com Lee (1995), h? dois tipos de acento secund?rio no PB - por exemplo, em p?ndam?nhang?ba, o acento secund?rio ? determinado pelo ritmo, enquanto, em gu?rda-ch?va, o acento secund?rio ? determinado pela regra de acento lexical.

4 A forma de plural contendo a flex?o entre o radical e o sufixo ? a forma adotada como padr?o, mas, na fala cotidiana, exemplos como hotelzinhos e marzinhos s?o muto bem aceitos; parece, inclusive, que a tend?ncia do PB atual ? evitar (perder ??) a flex?o entre o radical derivacional e sufixo -zinho.

4 Nesta se??o, a partir das an?lises anteriores, discute-se o dom?nio pros?dico da forma??o produtiva do diminutivo do PB, ? luz do modelo da Fonologia Lexical Pros?dica (FLP, Inkelas 1989, 1993), no qual a morfologia ? distinta e separada da fonologia, mas as regras fonol?gicas aplicam-se nos objetos criados pela morfologia, a n?o ser que haja falta de isomorfia entre as estruturas morfol?gicas e as estruturas fonol?gicas. Essa falta da isomorfia pode ser explicada pela Hip?tese de Refer?ncia Indireta5, introduzindo a no??o de dom?nio pros?dico no l?xico. Os dom?nios pros?dicos s?o formados pela Forma??o de Constituinte Pros?dico (PCF), derivado pela Forma??o de Constituinte Morfol?gico (MCF) que mant?m as id?ias da Hip?tese de N?vel Ordenado (Siegel 1974). Em outras palavras, as regras fonol?gicas aplicam-se nos dom?nios pros?dicos, mas esses dom?nios pros?dicos n?o implicam o isolamento do componente morfol?gico - os dom?nios pros?dicos s?o baseados indiretamente nas informa??es morfol?gicas. De acordo com a FLP do PB (Lee 1995), o l?xico do PB tem dois n?veis ordenados - n?vel derivacional () e n?vel flexional ().

Pode-se postular, inicialmente, que a forma??o do diminutivo envolvendo o elemento -inho ? um processo derivacional (-inho ?, portanto, um sufixo), ao passo que a forma??o do diminutivo envolvendo o elemento -zinho ? um processo de composi??o6 (-zinho ?, portanto, considerado como uma palavra fonol?gica). Em primeiro lugar, em rela??o ao processo que envolve o sufixo -inho, h? alguns problemas:

i) os processos derivacionais se sujeitam ? regra de neutraliza??o voc?lica, como se observou em (4), enquanto, o processo de forma??o com sufixo -inho n?o se sujeita a tal regra, como em (5);

ii) h? regras de alomorfia nos processos derivacionais, tais como a regra de assibila??o e a regra de abrandamento de velar, exemplificado em (9):

(9) a.

paciente + ia -> paci?n[s]ia presidente + ia -> presid?n[s]ia

b. fon?lo[g]o + ia -> fonolo[Z]ia el?tri[k]o + idade -> eletri[s]idade

Mas essas regras n?o se aplicam com o sufixo -inho, embora se satisfa?a a descri??o das regras no n?vel , como mostra (10):

(10) pacien[t/*s]inho, eletri[k/*s]inho

iii) os processos de forma??o de nova palavra (deriva??o) mostram que a categoria e o g?nero s?o determinados pelo elemento ? direita - n?cleo ? direita enquanto a palavra formada com o sufixo -inho n?o apresenta essa propriedade - n?cleo ? esquerda, como foi observado na se??o anterior.

5 Hip?tese de Refer?ncia Indireta (Indirect Reference Hypothesis (Inkelas: 1993:77): Phonological rules have access only to p-structure (i.e. not to m-structure or c-structure)

6 Este trabalho, seguindo Lee (1997 a) assume que, no PB, h? dois tipos de compostos: compostos lexicais e compostos p?s-lexicais. Os compostos lexicais s?o formados no n?vel junto com os processos derivacionais e os compostos p?s-lexicais s?o formados no componente p?s-lexical. Os compostos lexicais mostram mesmas carater?sticas dos processos derivacionais.

5 Esses fatos, portanto, mostram que o sufixo de forma??o produtiva -inho n?o pode ocorrer no n?vel , junto aos sufixos derivacionais. Em outras palavras o sufixo inho n?o pode ser o sufixo derivacional. Em segundo lugar, no processo de forma??o produtiva, o sufixo -zinho, assim como o composto, apresenta propriedades similares a propriedades pr?prias dos compostos p?s-lexicais, que s?o: i) a exist?ncia de plural entre os constituintes; ii) a concord?ncia entre os constituintes (ou seja, entre radical derivacional e sufixo). No entanto, apesar dessas semelhan?as, h? algumas diferen?as claras entre o sufixo zinho e os compostos p?s-lexicais: 1?) A forma??o produtiva apresenta o deslocamento de acento, como em (11a), mas isso n?o ocorre nos compostos p?s-lexicais e nas frases sint?ticas, como em (11 b, c):

(11) a. caf? z?nho -> c?fez?nho jacar? z?nho -> jac?rez?nho

b. cirurgi?o-m?dico am?r-pr?prio, * ?mor-pr?prio az?l-f?no, *?zul-f?no

c. um computad?r l?nto, *um comput?dor l?nto

2?) Na forma??o de plural, a forma??o produtiva sofre a regra de simplifica??o para satisfazer o Princ?pio da Preserva??o de Estrutura - na medida em que o PB n?o permite as seq??ncias /S z/ e /S s/ na sua estrutura fonol?gica durante opera??es lexicais - o que se verifica em (12 a); o composto p?s-lexical e a frase sint?tica, entretanto, n?o se sujeitam ao princ?pio de preserva??o de estrutura7 (cf. Lee 1995, 1997 b), como mostram os exemplos de (12 b, c):

(12) a. cafes zinhos -> cafezinhos hoteis zinhos -> hoteizinhos

b. m?dicos-[s]irurgi?es

c. pa[s] s?lida

Os exemplos de (11, 12) mostram que o sufixo -zinho n?o pode ser considerado como o composto p?s-lexical, embora demonstre semelhan?as. Em outras palavras, a sufixa??o -zinho n?o pode acontecer no n?vel p?s-lexical, onde acontece o composto p?s-lexical.

Os fatos mencionados acima evidenciam que os sufixos de forma??o produtiva do PB n?o pertencem ao n?vel , nem ao n?vel p?s-lexical - a forma??o produtiva ocorre depois do n?vel e antes do n?vel p?s-lexical, de modo que, possivelmente, a forma??o

7 De acordo com Lee (1997b), as seq??ncias de /S s/ e /S z/, encontradas nos processos derivacionais e a pluraliza??o da forma??o produtiva (-zinho), essas seq??ncias n?o s?o consoantes geminadas, uma vez que o vozeamento de /S/ n?o est? especificado na representa??o subjacente. Mas observe-se que essas seq??ncias compartilham todos os tra?os, exceto o tra?o [sonoro].

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