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Edi??o N? 56/2016 - Maio - Distribui??o Gratuita

CRISE FINANCEIRA MO?AMBICANA:

Uma oportunidade para reformar profundamente o procurement p?blico

- O procurement p?blico ? uma das principais fontes de desvio dos fundos do Estado

Por: Edson Cortez

Em face das recentes not?cias que d?o conta da suspens?o do apoio directo ao Or?amento do Estado (OE) por parte do G-141, devido a contornos pouco claros relacionados com o endividamento de Mo?ambique, o Ministro da Economia e Finan?as, Adriano Maleiane, anunciou, no dia 4 de Maio de 2016, cortes na despesa p?blica com destaque para a suspens?o da contrata??o de funcion?rios p?blicos, redu??o nos gastos com combust?veis, viagens das delega??es governamentais e em outras ?reas que o Governo julga n?o terem impacto relevante no funcionamento do pa?s.

Entretanto, o governante ainda n?o apresentou um plano de conten??o de gastos, consistente e monitor?vel, pelo que o Centro de Integridade P?blica (CIP) julga que as medidas avan?adas pelo Ministro da Economia e Finan?as s?o simplesmente paliativas.

A gest?o financeira do Estado necessita de reformas mais profundas e uma das ?reas que deveria, em particular e urgentemente, ser objecto de tal reforma ? o procurement p?blico, ou seja, o processo de

1 G-14 ? a denomina??o para o grupo de 14 pa?ses que continuam a financiar o or?amento de Estado, ap?s a sa?da de 5 pa?ses do original grupo de 19 pa?ses que desde 2005 apoiam o or?amento de Estado mo?ambicano.

contrata??o de bens, servi?os e empreitada de obras p?blicas, uma vez que esta ? uma das ?reas em que as finan?as p?blicas t?m sido lesadas em benef?cio de interesses individuais de figuras ligadas ? elite pol?tica nacional e de funcion?rios p?blicos dos mais diversos escal?es.

Reconhece-se ter havido progressos a n?vel do quadro legal, consubstanciados nos decretos n? 54/2005 de 13 de Dezembro que foi revogado e substitu?do pelo decreto n? 15/2010 de 24 de Maio e, muito recentemente, tamb?m revogado e substitu?do pelo decreto n? 5/2016 de 8 de Mar?o.

Apesar disso, a realidade pr?tica demonstra que a exist?ncia de um quadro legal que regula o procurement p?blico, e at? obriga os intervenientes no processo a inserirem uma cl?usula anticorrup??o aquando da elabora??o dos contratos, n?o tem sido suficiente para criar "anticorpos" necess?rios para garantir maior transpar?ncia e integridade no processo de contrata??o do Estado.

? assim que nos ?ltimos 10 anos temos vindo a constatar que o processo de contrata??o do Estado, vulgo procurement p?blico, se tornou um instrumento privilegiado de acumula??o primitiva de capital que ? viabilizado atrav?s da manipula??o

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dos concursos p?blicos, identifica??o problem?tica e/ou question?vel das prioridades em termos de aquisi??es por parte das institui??es p?blicas e uso abusivo dos ajustes directos. Tudo isso ocorre com o benepl?cito da Unidade Funcional de Supervis?o de Aquisi??es (UFSA) que demonstra uma total incapacidade e incompet?ncia para supervisionar os concursos de procurement p?blico em todo o pa?s.

? Exemplos que revelam incapacidade da UFSA de supervisionar os concursos p?blicos

A UFSA tem sido um actor passivo em todo o processo de contrata??o do Estado, sendo constantemente relegada para um plano secund?rio pelos diversos intervenientes no processo, mais concretamente as entidades contratantes: as Unidades Gestoras Executoras das Aquisi??es e at? o sector privado. Se, por um lado, essa fraqueza pode ser atribu?da ?s compet?ncias da unidade, por outro, ? importante frisar que a mesma enferma de uma inoper?ncia atroz, possivelmente por falta de capacidade e compet?ncia para lidar com os processos de procurement, mesmo quando ocorrem flagrantes atropelos ao decreto que regula o procurement p?blico.

O suplemento sobre o procurement p?blico, que ? divulgado diariamente pela UFSA, atrav?s do jornal Not?cias, apresenta muitas irregularidades que revelam a falta de cuidado, por parte da UFSA, em analisar os an?ncios. Por exemplo: o concurso n?mero 03/OE/SDEJTZ/UGEA/2016, que visava a aquisi??o de g?neros aliment?cios, ora adjudicado ? Papelaria Nhungu?, no valor de 275.000,00 Mt; ou, ainda, o concurso n?mero 09/OE/ SDEJTZ/UGEA/2016, que tinha como objectivo a manuten??o e repara??o de ve?culos, adjudicado ? empresa Xerox Printer and Service, Limitada, no valor de 496.150,00 Mt.

? partida, h? um contrassenso nestas adjudica??es, visto tratar-se de empresas cujo objecto social n?o permite que elas participem em concursos tais, dado que o fim perseguido por ambas as empresas n?o as capacita a prover o objecto do concurso. O mais prov?vel ? que estas empresas subcontratem outras empresas vocacionadas ? realiza??o dos servi?os aos quais elas foram adjudicadas, encarecendo, por conseguinte, a factura final, que ? paga pelo Estado.

Os concursos p?blicos em Mo?ambique s?o dominados por este tipo de empresas, que actuam como intermedi?rias, muitas vezes em conluio com os funcion?rios p?blicos afectos ?s unidades contratantes. Nos concursos publicados no suplemento da UFSA, casos de pre?os exorbitantes, muitas vezes empolados, na adjudica??o de empreitada de obras p?blicas, fornecimento de bens e presta??o de servi?os s?o flagrantes (vide figura 1). Figura 1: Placa contendo an?ncio da obra de

constru??o do Governo do Distrito de Doa

Conforme a figura 1, a casa do administrador de Doa ter? custado aos cofres do Estado mais de 1 milh?o de d?lares norte-americanos2. Ser? que era priorit?rio despender mais de 1 milh?o de d?lares para a constru??o da casa de um administrador? Outros exemplos de despesismo:

i) Concurso n? 39/AT/2015 ? Contrata??o para fornecimento de agendas e calend?rios ? Autoridade Tribut?ria, adjudicado ? empresa Digitech Sistemas e Tecnologias, no

2 Nessa altura, o d?lar custava entre 30 e 32 meticais

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valor de 6.000.000,00 Mt. Um claro exemplo de despesismo.

ii) Concurso lan?ado pelo Conselho Municipal da Vila da Namaacha ? n? 03/CMVN/2016 ? cujo objecto era constru??o do muro da resid?ncia oficial do Edil, adjudicado ? empresa Mussungane Constru??es, no valor de 2.000.000, 00 Mt.

iii) O Tribunal Judicial da Prov?ncia de Maputo lan?ou o concurso limitado n? 01/TJPM/ UGEA/2016, com o objectivo de apetrechar a resid?ncia protocolar do Juiz-Presidente do Tribunal Judicial da Prov?ncia de Maputo. O mesmo foi adjudicado ? empresa Mob?lias Mamad, no valor de 2.273.162.37 Mt. O sector da justi?a, com todos os problemas e desafios que enfrenta, provavelmente poderia fazer um uso muito mais racional destes valores em detrimento de us?-los para mobilar a casa do Juiz-Presidente.

iv) O Centro de Desenvolvimento de Sistemas de Informa??o de Finan?as (CEDSIF) lan?ou um concurso p?blico, o n?04/CEDSIF/ UGEA/CP/2016, para a forma??o de candidatos ao CEDSIF em Engenharia de Software. O concurso foi adjudicado ? Matrix Group, Lda, no valor de 17.200.000,00 Mt (vide detalhes na figura 2).

Figura 2: An?ncio do concurso do CEDSIF

v) O Fundo de Energia (FUNAE), atrav?s da sua UGEA, lan?ou o concurso n? 092/FUNAE/UGEA/15 que tinha como objectivo a contrata??o de empresas para presta??o de servi?os de agenciamento de viagens institucionais. Este concurso foi adjudicado ? empresa Simara Travel, no valor de 7.090.209,00 Mt. Este valor revela-se extremamente elevado tendo em conta que, salvo raras excep??es, a contrata??o p?blica compreende apenas o per?odo de 1 ano civil. Supondo que as passagens a?reas custassem, em m?dia, 50.000, 00 Mt, seria necess?rio que o FUNAE realizasse 142 viagens num ano de modo a atingir o or?amento deste concurso.

vi) O Minist?rio do Mar, ?guas Interiores e Pescas, cinco dias ap?s o an?ncio de redu??o de gastos p?blicos feitos pelo Ministro Maleiane, publicou um an?ncio do concurso com o n? 19/MIMAIP-GM/UGEA/2015, visando a contrata??o de servi?os prestados por uma ag?ncia de viagens. Nesse ?mbito, foi contratada a empresa Simara Travel & Touros e o custo dos servi?os a serem fornecidos ? de 10 milh?es de Meticais (vide detalhes na figura 3).

Fonte: jornal Not?cias

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Figura 3: An?ncio do Concurso do Minist?rio do Mar, ?guas Interiores e Pescas

Fonte: Suplemento de Contrata??o P?blica, Jornal Not?cias 17 de Maio de 2016

Os exemplos acima arrolados constituem apenas uma pequena amostra da quantidade de concursos p?blicos que diariamente s?o publicitados no suplemento sobre contrata??o p?blica da UFSA, os quais demonstram a question?vel e/ou problem?tica defini??o de prioridades por parte das entidades p?blicas. Acima de tudo, revelam falta de racionaliza??o, de boa gest?o dos recursos financeiros e patrimoniais e de respeito pela coisa p?blica.

Numa economia em que o Estado desempenha um papel vital para a sobreviv?ncia do sector privado, ? absurdo que a entidade que tem a seu cargo a coordena??o e supervis?o de todo o processo de contrata??o p?blica n?o tenha capacidade e compet?ncias para fazer valer os valores da transpar?ncia, igualdade, concorr?ncia, celeridade, racionaliza??o, integridade, boa gest?o dos recursos financeiros e patrimoniais e respeito pela coisa p?blica.

Concluindo

O Ministro da Economia e Finan?as, Adriano Maleiane, n?o devia avan?ar com medidas paliativas de austeridade, mas sim aproveitar a profunda crise financeira que o Estado mo?ambicano atravessa como uma oportunidade para conduzir profundas reformas no procurement p?blico em Mo?ambique. Num pa?s onde o Estado ? respons?vel por mais de metade da factura??o das pequenas e m?dias empresas ? irrespons?vel tratar o processo de contrata??o p?blica como um assunto marginal e de menos import?ncia.

Os exemplos acima demonstram, por um lado, despesismos exagerados por parte das institui??es p?blicas e, por outro, revelam um aproveitamento do Estado para fins de acumula??o privada do capital, vulgarizados a todos os n?veis da administra??o do Estado, come?ando do n?vel central, provincial e aut?rquico at? ao distrital, e que se estendem ?s entidades privadas que negoceiam com o Estado.

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Portanto, ? chegado o momento de o Estado definir claramente os objectivos que pretende alcan?ar a m?dio e longo prazos com o processo de contrata??o p?blica. Esta clareza ? muito mais importante do que a reprodu??o de "chav?es", tais como o selo "Made in Mo?ambique", num contexto de uma economia de intermedia??o na qual as empresas n?o produzem, dedicando-se, simplesmente, a importar produtos.

Um primeiro passo para resolver o problema do procurement p?blico poderia consistir em conferir maior autonomia ? UFSA, saindo da al?ada da Direc??o Nacional de Patrim?nio, passando a responder directamente ao Ministro da Economia e Finan?as ou mesmo ao Primeiro-Ministro. Aliado a isto, poderia avan?ar-se com a cria??o da carreira de t?cnicos de procurement para dar maior profissionalismo e seriedade ao processo de gest?o das contrata??es p?blicas.

Volvidos mais de 10 anos ap?s a introdu??o de regulamento para a contrata??o p?blica em Mo?ambique, o processo de contrata??o p?blica ainda n?o conseguiu criar mecanismos para o surgimento e consolida??o de pequenas e m?dias empresas, capazes de concorrer num ambiente de igualdade e transpar?ncia. Muito pelo contr?rio, por um lado, o processo de contrata??o p?blica consolidou a exist?ncia de um grupo de funcion?rios p?blicos que ao mesmo tempo s?o empres?rios e criam empresas para actuarem como intermedi?rias no processo de contrata??o p?blica do Estado, encarecendo a factura a ser paga pelas entidades contratantes. O processo de contrata??o p?blica tamb?m instituiu o pagamento de comiss?es para a adjudica??o dos concursos, cujos valores s?o indexados ? factura final das propostas financeiras apresentadas pelas empresas.

Deste modo, o procurement p?blico, em Mo?ambique, tornou-se mais num instrumento para garantir ganhos privados por parte dos v?rios intervenientes no processo. Ele alimenta redes clientelares nos mais diversos n?veis, desde a elite pol?tica, passando pelos titulares de cargos p?blicos (Ministros e Vice-Ministros), funcion?rios p?blicos dos mais altos escal?es (Secret?rios Permanentes, Directores Nacionais), funcion?rios afectos ao

Tribunal Administrativo at? chegar aos funcion?rios do n?vel interm?dio (pessoal ligado ?s UGEA e ?s direc??es de administra??o e finan?as) das diversas entidades contratantes.

Portanto, mais do que reformas de car?cter jur?dicolegais, o processo de contrata??o p?blica em Mo?ambique precisa de um cometimento pol?tico na defesa do interesse p?blico e contra as pr?ticas corruptas que lesam o Estado em milh?es de meticais.

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