A CONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA ON-LINE

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A CONSTITUCIONALIDADE DA PENHORA ON-LINE

Ricardo Maciel dos Santos*

Para agilizar o processo de execu??o trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho firmou, em mar?o de 2002, um conv?nio com o Banco Central do Brasil, denominado Conv?nio BACEN JUD, que tem por objetivo permitir aos ju?zes trabalhistas encaminharem of?cios eletr?nicos (atrav?s da internet) ao BACEN, determinando o bloqueio e desbloqueio de contas correntes e/ou aplica??es financeiras dos executados, limitados ao quantum exequendum, desde que sejam pessoas f?sicas e jur?dicas clientes do Sistema Financeiro Nacional. O Sistema BACEN JUD possibilita, tamb?m, a consulta do endere?o das partes demandantes, informa??o de grande utilidade no momento da cita??o (tanto na fase de conhecimento como na fase de execu??o).

Pelo fato de o Conv?nio BACEN JUD possibilitar a penhora de cr?ditos da executada atrav?s da internet, ou seja, de maneira virtual e imediata, convencionou-se denominar tal modalidade de constri??o judicial como "penhora on-line".

O Conv?nio BACEN JUD foi respons?vel por 257.667 solicita??es do Poder Judici?rio ao BACEN em 2003, e 440.000 em 2004 (apenas pela Justi?a do Trabalho), trazendo, indiscutivelmente, maior efetividade nas execu??es trabalhistas e, conseq?entemente, aumentando a credibilidade daquela Justi?a Especializada, na medida em que possibilita o envio de determina??es judiciais via internet, como o bloqueio de contas, por exemplo. A penhora on-line constitui, portanto, instrumento eficaz para o cumprimento das decis?es proferidas pelos ?rg?os jurisdicionais trabalhistas. O que antes era realizado atrav?s de postagem de of?cios ao Banco Central do Brasil agora pode ser cumprido mediante acesso eletr?nico ao sistema do BACEN, o que possibilita o cumprimento imediato das ordens expedidas pelos magistrados.

No entanto, uma das grandes cr?ticas que se fazem ? penhora on-line ? quanto ? sua suposta inconstitucionalidade.

Dizem os cr?ticos que a penhora on-line fere garantias constitucionais, entre elas a ampla defesa, o contradit?rio, o devido processo legal, a legalidade, entre outras.

Ora, quanto ? ampla defesa e ao contradit?rio, n?o h? que se falar em inconstitucionalidade, eis que at? o momento da penhora o devedor j? teve todas as chances para se defender no processo de conhecimento (produzindo provas, manifestando-se, recorrendo, etc.), e ainda poder? faz?-lo no processo de execu??o, para discutir valores, justamente com a garantia do Ju?zo, atrav?s dos embargos ? execu??o. ?-lhe facultada, ainda, a interposi??o de Agravo de Peti??o, caso discorde da decis?o proferida quanto aos seus embargos. A garantia do contradit?rio ? prevista para momentos anteriores e posteriores ao ato e n?o se prescinde do devido processo legal, j? que a executada tem garantido o seu direito de defesa. Leia-se, por direito de defesa, o direito ? defesa t?cnica, ? publicidade do processo,

* Bacharel em Direito pela Pontif?cia Universidade Cat?lica do Paran?, servidor p?blico federal lotado na 2? Vara do Trabalho de Curitiba - PR.

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? cita??o, de produ??o ampla de provas, de ser processada e julgada pelo juiz competente, aos recursos e ? decis?o imut?vel. Assim, o devido processo legal, de que s?o corol?rios a ampla defesa e o contradit?rio, ? respeitado se utilizada a penhora on-line.

O Conv?nio BACEN JUD n?o cria novas normas para o processo de execu??o, o que ? da exclusiva compet?ncia do legislador. Limita-se, apenas, a utilizar recursos da inform?tica para dinamizar procedimentos desde h? muito tempo amparados por lei.

Ou seja, o devedor reclama porque a execu??o trabalhista est? mais c?lere, fato ao qual n?o est? acostumado, eis que da homologa??o dos c?lculos de liquida??o de senten?a at? a penhora de bens muitas vezes o Ju?zo da execu??o levava meses e at? mesmo mais de um ano. Atualmente, com a penhora on-line, esse tempo foi bastante reduzido, sendo que, logo ap?s a cita??o do devedor para o pagamento do valor devido, n?o havendo a garantia do Ju?zo no prazo legal, que ? de 48 horas, nem a indica??o de bens ? penhora, o Juiz da execu??o imediatamente determina o bloqueio das contas correntes e/ou aplica??es do devedor, atrav?s do Conv?nio BACEN JUD. A penhora on-line apenas substitui demorados mandados e of?cios ?s ag?ncias banc?rias, sendo que o gravame imposto ao devedor ? o m?nimo poss?vel.

Ainda, se o magistrado fosse avisar a executada de que iria bloquear as suas contas e/ou aplica??es, proporcionando uma suposta ampla defesa, com certeza n?o encontraria nenhum centavo quando o fizesse, justamente porque essa seria a defesa da executada. Haveria a necessidade, ent?o, da efetiva??o de penhora sobre bens, tornando completamente in?til o conv?nio em quest?o.

Outro argumento quanto ? viola??o das garantias constitucionais da ampla defesa e do contradit?rio ? o de que o credor, ap?s intimado para manifestar-se acerca do bem oferecido ? penhora pelo devedor, n?o o aceita, quando n?o ? dinheiro, sem justificar tal recusa. O devedor deveria ser intimado dessa recusa, dizem os cr?ticos.

Mas qual seria o sentido de se intimar o devedor da recusa do exeq?ente ao bem indicado ? penhora? Apenas para que outro bem seja indicado, e assim sucessivamente, protelando-se cada vez mais a execu??o?

Ora, o credor est? agora amparado pelo Provimento n. 001/2003, da Corregedoria-Geral da Justi?a do Trabalho, que em seu artigo 1? determina que Tratando-se de execu??o definitiva, o sistema BACEN JUD deve ser utilizado com prioridade sobre outras modalidades de constri??o judicial" (grifo nosso). Ou seja, o exeq?ente pode recusar a indica??o dos bens oferecidos ? penhora e requerer de imediato o bloqueio das contas correntes e/ou aplica??es da executada, porque essa ? a orienta??o da Corregedoria trabalhista. E, como j? esclarecido, a executada ter? a oportunidade de se defender, quando da garantia do Ju?zo.

A Orienta??o Jurisprudencial n. 60, da Se??o de Diss?dios Individuais 2 (SDI-II), do Tribunal Superior do Trabalho tamb?m ampara o direito do credor ao requerer a penhora on-line, j? que afirma n?o ferir direito l?quido e certo do devedor o ato judicial que determina penhora em dinheiro depositado em contas correntes e/ou aplica??es, uma vez que obedece ? grada??o prevista no artigo 655, do CPC: "Incumbe ao devedor, ao fazer a nomea??o de bens, observar a seguinte ordem: I - dinheiro;...".

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Com efeito, o legislador estabeleceu a ordem preferencial para a incid?ncia da penhora, distinguindo o dinheiro como o mais importante, para se imprimir maior rapidez ? execu??o, com a elimina??o da publica??o de editais e realiza??o de hasta p?blica, evitando-se torn?-la mais morosa e dispendiosa. Essa ordem de prefer?ncia ? ressaltada pelo art. 882 da CLT, in verbis:

O executado que n?o pagar a import?ncia reclamada poder? garantir a execu??o mediante dep?sito da mesma, atualizada e acrescida das despesas processuais, ou nomeando bens ? penhora, observada a ordem preferencial estabelecida no artigo 655, do C?digo de Processo Civil.

Somente na impossibilidade da constri??o monet?ria ? que devem ser arrolados outros bens do executado para satisfa??o do d?bito. Ou seja, por n?o alterar a sistem?tica atual, n?o h? possibilidade alguma de a penhora on-line subtrair garantias constitucionais de quem quer que seja.

A Lei Complementar n. 118, de 09 de fevereiro de 2005, acresceu o artigo 185-A ? Lei n. 5.172, de 25.10.66 (C?digo Tribut?rio Nacional), que entrou em vigor no dia 10.06.05 (120 dias ap?s a publica??o da lei), praticamente regulamentando a penhora on-line:

Art. 185-A. Na hip?tese de o devedor tribut?rio, devidamente citado, n?o pagar nem apresentar bens ? penhora no prazo legal e n?o forem encontrados bens penhor?veis, o juiz determinar? a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decis?o, preferencialmente por meio eletr?nico, aos ?rg?os e entidades que promovem registros de transfer?ncia de bens, especialmente ao registro p?blico de im?veis e ?s autoridades supervisoras do mercado banc?rio e do mercado de capitais, a fim de que, no ?mbito de suas atribui??es, fa?am cumprir a ordem judicial. ? 1? A indisponibilidade de que trata o caput deste artigo limitar-se-? ao valor total exig?vel, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite. ? 2? Os ?rg?os e entidades aos quais se fizer a comunica??o de que trata o caput deste artigo enviar?o imediatamente ao ju?zo a rela??o discriminada dos bens e direitos cuja indisponibilidade houverem promovido.

O referido artigo ? claro ao afirmar que, se o devedor, devidamente citado, n?o pagar nem apresentar bens ? penhora no prazo legal e n?o forem encontrados bens penhor?veis, o juiz determinar? a indisponibilidade de seus bens e direitos (dinheiro, preferencialmente, segundo a ordem estabelecida pelo art. 655 do CPC), comunicando a decis?o por meio eletr?nico (Sistema BACEN JUD) aos ?rg?os e entidades que promovem registros de transfer?ncia de bens, especialmente ?s autoridades supervisoras do mercado banc?rio e do mercado de capitais (institui??es financeiras, devidamente cadastradas no Banco Central e integrantes do Sistema Financeiro Nacional), a fim de que, no ?mbito de suas atribui??es, fa?am cumprir a ordem judicial (bloquear valores nas contas correntes e/ou aplica??es dos devedores). Os ?? 1? e 2? do artigo rec?m-acrescido ao CTN disciplinam situa??es decorrentes da penhora on-line, que ocorrem freq?entemente no processo do trabalho. O ? 2?,

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por exemplo, trata dos in?meros of?cios de institui??es financeiras que diariamente chegam ?s Varas do Trabalho, ora comunicando o bloqueio dos valores solicitados, ora informando sobre a insufici?ncia de saldo.

Portanto, tendo a penhora on-line sido regulamentada pelo C?digo Tribut?rio Nacional, ou seja, por lei ordin?ria, automaticamente presume-se a legalidade do procedimento, mormente porque n?o fere quaisquer garantias fundamentais do cidad?o e da empresa.

A Emenda Constitucional n. 45/2004 (Reforma do Poder Judici?rio) refor?ou ainda mais a legalidade do Conv?nio BACEN JUD quando preconizou "a razo?vel dura??o do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramita??o" (inciso LXXVIII do art. 5? da Constitui??o Federal). Ora, a penhora on-line ? o meio mais c?lere utilizado pelo Juiz do Trabalho para garantir a efetividade da execu??o. Sendo, portanto, um "meio" de solucionar a intrincada execu??o trabalhista, est? agora a penhora on-line legitimada pela pr?pria Constitui??o Federal.

Como conclus?o, temos que a penhora on-line n?o ? inconstitucional, j? que n?o cria normas para o processo de execu??o, o que ? da exclusiva compet?ncia do legislador, mas apenas confere agilidade e celeridade ao mesmo, disponibilizando meio r?pido e eficaz ao cumprimento das ordens judiciais dirigidas ?s institui??es financeiras.

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