Capítulo IV - As Limitações aos Direitos Fundamentais

[Pages:58]CAP?TULO IV -- AS LIMITA??ES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

SUM?RIO 1. A LIMITA??O AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: FUNDAMENTOS 2. AS RESTRI??ES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1. Os Tipos de Restri??es 2.2. ?mbito de Aplica??o do Artigo 24.? 2.3. Requisitos das Leis Restritivas (os "limites dos limites") 2.4 As Interven??es Restritivas 2.5 A Colis?o ou Conflito de Direitos 3. SUSPENS?O DO EXERC?CIO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 3.1. Requisitos da Suspens?o 4. M?TODO DE CONTROLO DA RESTRI??O E DA SUSPENS?O DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

VIS?O GLOBAL

Este cap?tulo visa abordar uma das quest?es mais relevantes no ?mbito dos direitos fundamentais: o das suas limita??es. As limita??es aos direitos fundamentais constituem um dos problemas com que mais frequentemente os tribunais judiciais se deparam, moldam a atua??o dos poderes p?blicos e determinam as fronteiras do poder legislativo.

No ?mbito das limita??es, considerar-se-?o as restri??es operadas por via legislativa, incluindo os requisitos das leis restritivas e a sua aplica??o, as interven??es restritivas e o conflito de direitos fundamentais. Ainda, uma outra quest?o ser? abordada: a da suspens?o do exerc?cio dos direitos fundamentais em situa??es de exce??o, analisando-se os pressupostos que a mesma tem de observar.

PALAVRAS E EXPRESS?ES-CHAVE

Leis restritivas Princ?pio da proporcionalidade ?mbito de prote??o dos direitos fundamentais Interven??es restritivas Colis?o de direitos fundamentais Suspens?o do exerc?cio de direitos fundamentais Direitos inviol?veis Estado de s?tio Estado de emerg?ncia

1. A LIMITA??O AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: FUNDAMENTOS

Os direitos fundamentais n?o s?o direitos ilimitados ou ilimit?veis. Vivendo os indiv?duos numa sociedade, ? normal que o Direito seja chamado

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a limitar os direitos fundamentais de modo a proteger os direitos fundamentais de outras pessoas ou ainda a garantir bens jur?dicos de relevo espec?fico, como a seguran?a ou a ordem p?blica. Apesar de os direitos fundamentais serem universais e inalien?veis, a sua interdepend?ncia (1) e a vida em sociedade trazem, na pr?tica do dia-a-dia, a necessidade de determinar os limites aos direitos fundamentais (2).

A primeira quest?o a considerar, neste ?mbito, ser? a da restri??o aos direitos fundamentais. Esta mat?ria remete-nos, por exemplo, para a problem?tica de saber se, e como, pode o direito ? inviolabilidade do domic?lio e da correspond?ncia ser limitado de forma a facilitar uma investiga??o criminal (pense-se, por exemplo, nas escutas telef?nicas ou buscas em domic?lios). Ou, ainda, por exemplo, de saber se e em que medida a liberdade de imprensa e dos meios de comunica??o social pode justificar a publica??o de informa??o pessoal ou sobre a vida privada de um indiv?duo -- quer dizer, questiona-se at? aonde vai a liberdade de imprensa e dos meios de comunica??o social, quando se considera o direito ? privacidade das pessoas e o direito de acesso ? informa??o por parte do p?blico. Como deve o Direito "gerir" estes direitos e identificar uma barreira ou fronteira, de modo a que se possa atingir a esperada coexist?ncia pac?fica? Por conseguinte, a restri??o aos direitos fundamentais assume uma import?ncia especial no regime jur?dico dos direitos fundamentais.

No entanto, h? que distinguir entre as restri??es e as interven??es restritivas aos direitos fundamentais, estas ?ltimas objecto da nossa aten??o mais abaixo.

(1) Vide Cap?tulo I, 1.3 Caracter?sticas e Classifica??o dos Direitos Fundamentais e Direitos Humanos.

(2) Note-se que, para efeitos do presente livro, o termo "limita??o" refere-se a qualquer afeta??o dos direitos fundamentais, quer esta incida sobre o ?mbito de prote??o do direito ou sobre o seu exerc?cio. Por essa raz?o, e reconhecendo a exist?ncia de algumas semelhan?as entre a restri??o aos direitos fundamentias e a suspens?o do seu exerc?cio, abordam-se ambas as quest?es no ?mbito de um conceito abrangente de limita??o. Optou-se por n?o incluir a figura da suspens?o do exerc?cio de direitos fundamentais enquanto parte de um conceito lato de restri??o, tal como usa parte da doutrina portuguesa, de modo a facilitar a compreens?o das diferen?as entre a restri??o (em sentido mais estrito) e a suspens?o do exerc?cio de direitos fundamentais (ver, quanto ? inclus?o da suspens?o do exerc?cio de direitos fundamentais num conceito de restri??o em sentido lato, Jorge Reis Novais, As restri??es aos direitos fundamentais n?o expressamente autorizadas pela Constitui??o, 2.? ed. (Coimbra: Coimbra Editora, 2010) 193.

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Pode, ainda, acontecer que, por raz?es diversas, a normalidade de um Estado seja posta em causa por uma s?rie de motivos. Nestas situa??es extremas, a quest?o que se coloca ? a de saber em que medida o Direito pode intervir para garantir a gest?o adequada das circunst?ncias excecionais e o retorno ? normalidade. Pode o Direito aceitar que o exerc?cio dos direitos fundamentais seja afetado, permitindo a sua suspens?o? Esta quest?o n?o diz respeito ? titularidade dos direitos fundamentais, uma vez que os mesmos s?o inalien?veis, mas a uma limita??o ao seu exerc?cio, em condi??es bem definidas e de car?ter excecional.

Na vasta maioria das vezes, a limita??o dos direitos fundamentais ? realizada pelos poderes p?blicos. Numa sociedade democr?tica baseada no princ?pio do Estado de Direito, devem tais poderes ser sujeitos a prescri??es espec?ficas, que os autorizem a limitar os direitos fundamentais e que determinem o "como" da limita??o. Dada a relev?ncia desta mat?ria do ponto de vista do gozo dos direitos fundamentais, importa conhecer os eventuais limites ou requisitos a verificar no processo de limita??o do ?mbito de prote??o e do exerc?cio dos direitos fundamentais, os quais visam, desde logo, diminuir o risco de limita??es inconstitucionais.

2. AS RESTRI??ES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Tendo em considera??o a sua import?ncia no ?mbito da atividade jurisdicional, o seu impacto no dia-a-dia da vida em sociedade e no funcionamento das institui??es p?blicas, a quest?o das restri??es aos direitos fundamentais ? amplamente discutida pela doutrina. Apesar das v?rias defini??es de restri??o apresentadas, poder?, nesta sede, entender-se por restri??o uma compress?o operada por via legislativa do ?mbito de prote??o de um direito fundamental (3).

Referimo-nos, por exemplo, ? lei penal que determina a pena de pris?o ou outras penas para aqueles que cometam crimes, ao regime jur?dico da manifesta??o que contenha limita??es relativas ? sua realiza??o, e ainda ao regime jur?dico sobre a expropria??o e aquele que regula o uso da for?a pela pol?cia.

(3) Ver Machado, Nogueira da Costa, e Carlos Hil?rio, Direito Constitucional Angolano, 188 e 190.

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O conceito de restri??o deve ser distinguido de outros conceitos que lhe est?o pr?ximos. Determinar a restri??o a um direito fundamental n?o ? a mesma coisa que densificar ou determinar o seu conte?do. Como j? discutido no Cap?tulo III, v?rios dos direitos fundamentais necessitam de uma lei para a determina??o do seu conte?do ou para a sua operacionaliza??o, constituindo essa concretiza??o do conte?do um instrumento de grande import?ncia para garantir a efic?cia plena dos direitos fundamentais perante os poderes p?blicos, inclusivamente os tribunais (4). Estas leis conformadoras distinguem-se das leis restritivas. As leis restritivas consistem numa limita??o das posi??es que, ? partida, fazem parte do ?mbito de prote??o de um direito, ao passo que a lei conformadora n?o limita essa posi??o, mas antes destina-se a concretizar ou definir o conte?do de prote??o do direito. Por vezes, a Constitui??o remete para a lei a concretiza??o do conte?do de um direito. Este ? o caso, por exemplo, do artigo 46.?-3 segundo o qual "a constitui??o e a organiza??o dos partidos pol?ticos s?o reguladas por lei". A lei que seja aprovada de modo a regular esta mat?ria (desde que a mesma n?o limite o ?mbito de prote??o do direito de participa??o pol?tica), ser? uma lei conformadora. ? importante relembrar que uma lei pode conter normas de car?cter conformador e normas restritivas, isto ?, ? poss?vel que uma lei seja simultaneamente conformadora, porque determina o seu conte?do, e restritiva, porque comprime o seu ?mbito de prote??o. Este ? o caso da Lei n.? 1/2006, de 8 de Fevereiro sobre Liberdade de Reuni?o e de Manifesta??o.

Por conseguinte, na tarefa de determinar se estamos perante uma verdadeira restri??o aos direitos fundamentais, importa definir o ?mbito de prote??o da norma que consagra o direito fundamental (5). Se um determinado bem jur?dico n?o fizer parte do ?mbito de prote??o do direito, a sua proibi??o por via legislativa, por exemplo, n?o consistir? numa restri??o ao direito. J? n?o ser? assim quando uma lei comprimir verdadeiramente o ?mbito de prote??o do direito. Usando um exemplo relativo ? liberdade de express?o, a quest?o que se deve colocar ? a de saber se a express?o de ideias que consistam no incitamento ao ?dio faz ainda parte do ?mbito da liberdade de express?o, tal como consagrado no artigo 40.? da Constitui??o. Se fizer ainda parte do ?mbito de prote??o constitucional, isso significar? que uma

(4) Vide Cap?tulo III, 4.3 Vincula??o dos Poderes P?blicos: Implica??es Pr?ticas da Aplicabilidade e Efic?cia.

(5) Vide Cap?tulo III, 2.2 ?mbito de Prote??o.

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lei que criminalize o incitamento ao ?dio ? uma lei restritiva (cuja constitucionalidade dever? ser analisada ? luz do artigo 24.? da CRDTL). Se n?o fizer parte, ent?o, a lei que criminalize o incitamento ao ?dio n?o ? uma verdadeira lei restritiva, mas sim limita-se a definir o contorno do direito, isto ?, a precisar o seu conte?do. Assim, "[a] exist?ncia de uma restri??o sup?e a presen?a de uma medida legislativa que interfere negativamente no ?mbito de prote??o de um direito, liberdade e garantia" (6).

2.1. Os Tipos de Restri??es

A doutrina distingue, normalmente, a prop?sito da autoriza??o de restri??o a um direito pelo texto constitucional, as restri??es constitucionais imediatas (diretas ou expressas), as restri??es mediatas e as restri??es impl?citas (7).

a) As restri??es constitucionais imediatas

Existem casos em que a Constitui??o prev?, ela mesma, a restri??o como parte da reda??o da norma constitucional respeitante a um direito fundamental. Nestas situa??es, o ?mbito de prote??o do direito fundamental encontra-se restringido j? no pr?prio texto da Constitui??o. Constitui exemplo o artigo 42.? da Constitui??o, o qual consagra a "liberdade de reuni?o pac?fica e sem armas", proibindo as reuni?es que n?o tenham estas caracter?sticas. ? previs?o expressa da restri??o no texto constitucional, a doutrina portuguesa chama de "restri??es constitucionais imediatas" (8).

b) As restri??es constitucionais mediatas

Em alguns casos, a Constitui??o prev? apenas a possibilidade da restri??o, cabendo ao legislador ordin?rio determinar a restri??o. A t?tulo exemplificativo, considere-se o artigo 30.?-2 ("[n]ingu?m pode ser detido ou preso sen?o nos

(6) Machado, Nogueira da Costa, e Carlos Hil?rio, Direito Constitucional Angolano, 190.

(7) Cfr. Miranda e Medeiros, Constitui??o Portuguesa Anotada, 2010, Tomo I:365-366.; Machado, Nogueira da Costa, e Carlos Hil?rio, Direito Constitucional Angolano, 192-193.

(8) Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constitui??o, 1276.

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termos expressamente previstos na lei vigente") ou o artigo 37.?-1 ("[o] domic?lio, a correspond?ncia e quaisquer meios de comunica??o privados s?o inviol?veis, salvos os casos previstos na lei em mat?ria de processo criminal"). ? mera previs?o constitucional da possibilidade de restringir, dando-se ao legislador o poder de determinar a restri??o, a doutrina portuguesa chama de "restri??es estabelecidas por lei mediante autoriza??o expressa da constitui??o (reserva da lei restritiva)" (9).

c) As restri??es impl?citas ou imanentes

Na maioria das vezes, a Constitui??o n?o restringe, ela pr?pria, o direito fundamental, nem autoriza o legislador ordin?rio a faz?-lo. Veja-se, como exemplo, o artigo 29.? da Constitui??o, o qual consagra o direito ? vida. Resta saber se uma restri??o a direitos fundamentais nestes casos ? admiss?vel no caso timorense, ou seja, se estas restri??es, denominadas pela doutrina portuguesa de restri??es impl?citas ou imanentes, s?o permitidas. Trata-se de uma quest?o que abordamos com mais detalhe quando incidirmos a nossa aten??o sobre os requisitos da autoriza??o constitucional expressa, um dos requisitos a observar pelas restri??es aos direitos fundamentais.

2.2. ?mbito de Aplica??o do Artigo 24.?

Antes da considera??o dos requisitos formais e materiais de uma lei restritiva no ordenamento jur?dico timorense, importa que nos detenhamos sobre uma outra quest?o, a do ?mbito de aplica??o do artigo 24.?, isto ?, sobre a identifica??o da extens?o da sua aplica??o.

O artigo 24.? da Constitui??o determina:

"1. A restri??o dos direitos, liberdades e garantias s? pode fazer-se por lei, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e nos casos expressamente previstos na Constitui??o"

2. As leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias t?m, necessariamente, car?cter geral e abstracto, n?o podem diminuir a extens?o e o alcance do conte?do essencial dos dispositivos constitucionais e n?o podem ter efeito retroactivo".

(9) Ibid.

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