PASTEIS DE BELÉM: TRADIÇÃO E PATRIMÔNIO EM PORTUGAL ...
PASTEIS DE BEL?M: TRADI??O E PATRIM?NIO EM PORTUGAL.
INOVA??O E MODERNIDADE NO BRASIL
Miriam de Oliveira Santos
(Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)
mirsantos@.br
¡°Nada ¨¦ permanente, exceto a mudan?a¡±. Her¨¢clito
Inicialmente, a ideia de patrim?nio estava ligada a transmiss?o de linguagens e
saberes, cren?as e tradi??es, que passavam de gera??o em gera??o. Com o tempo o
conceito de patrim?nio alargou-se e passou a englobar bens materiais e imateriais, de
interesse coletivo. Nas ¨²ltimas d¨¦cadas as quest?es patrimoniais est?o ganhando
destaque, especialmente aquelas relacionadas ao patrim?nio cultural, no qual se enquadra
a gastronomia, sobretudo por sua liga??o com o turismo cultural.
O objetivo desse trabalho ¨¦ comparar a maneira como as diferentes vertentes
gastron?micas enquadram os pasteis de nata no Brasil e em Portugal. Em Portugal o pastel
de nata pode ser encontrado em todo o pa¨ªs, mas a receita original ¨¦ um segredo exclusivo
da F¨¢brica dos Past¨¦is de Bel¨¦m, em Lisboa, onde tradicionalmente, s?o comidos quentes,
polvilhados de canela e a?¨²car em p¨®, seguindo uma receita j¨¢ secular. O Pastel de Bel¨¦m
foi eleito em 2011 uma das sete Maravilhas da Gastronomia de Portugal. Se em Portugal
o doce ¨¦ sempre o mesmo: uma casquinha de massa folhada recheada com creme, no
Brasil nem doce ele precisa ser. Encontramos past¨¦is de nata de bacalhau, de chocolate,
de banana, de ma?? e muitos outros sabores.
Entendemos que a gastronomia ¨¦ a cultura da alimenta??o e culin¨¢ria ¨¦ a t¨¦cnica
da alimenta??o. A cultura gastron?mica engloba ingredientes, t¨¦cnica e modos de servir
e de comer, portanto a culin¨¢ria est¨¢ inserida dentro da gastronomia.
A metodologia utilizada nesse trabalho foi a revis?o bibliogr¨¢fica e documental e
como principais resultados podemos apontar que, ao contr¨¢rio do que acredita o senso
comum, as tradi??es culturais, especialmente as gastron?micas, transformam-se
constantemente. N?o s?o est¨¢ticas nem imut¨¢veis e mesmo quando se mant¨¦m atrav¨¦s do
tempo, seus significados costumam ser constantemente reelaborados.
A Gastronomia Portuguesa e a Tradi??o
Para Hobsbawm (1984) a tradi??o, pode ser tanto um ponto est¨¢vel em um mundo
em permanente transforma??o, quanto aquilo que ¨¦ mobilizado para legitimar as
mudan?as. Ele diferencia o que chama de tradi??es leg¨ªtimas (e invari¨¢veis), do costume
(que se transforma ao longo do tempo), daquilo que ele batiza de ¡°tradi??es inventadas¡±,
recria??es intencionais de costumes antigos ou inven??es modernas revestidas de um
apelo ao passado.
Analogamente, o fen?meno da patrimonializa??o das cozinhas nacionais e
regionais tamb¨¦m sup?e, muitas vezes, a reconstru??o, a reinven??o e a valoriza??o destas
cozinhas, quase sempre em fun??o das transforma??es socioecon?micas, variando ao
longo da hist¨®ria (HERNANDEZ; GR?CIA-ARNAIZ, 2005, p. 456-457).
A valoriza??o da gastronomia local e regional em Portugal, passa pela
preocupa??o com a manuten??o das popula??es das ¨¢reas rurais. Vemos isso claramente
em Bota (2005), quando ele afirma que:
Daqui a dez anos, ainda haver¨¢ gente em Vaqueiro para receber a marcha do
Algarve? Talvez n?o, se quem tem o poder, n?o se decidir a valorizar
finalmente os valores do mundo rural, as tradi??es da regi?o, desde a
arquitectura, ¨¤ gastronomia e ¨¤ cultura. (pg.81)
Marchas, ¨¦ a maneira como se chamam as corridas de rua em Portugal e Vaqueiro
¨¦ uma pequena cidade no interior do munic¨ªpio de Alcotim, na regi?o do Algarve. O
Algarve ocupa a faixa mais ao sul de Portugal com praias bel¨ªssima, cheias de fal¨¦sias
estonteantes e um interior quase despovoado. Junto com Lisboa e o Porto o Algarve ¨¦ um
dos principais destinos tur¨ªsticos de Portugal e nos ¨²ltimos anos tem se esfor?ado para
que esse turismo n?o fique restrito apenas ao litoral.
Figura 1 ¨C Mapa das regi?es de Portugal
Fonte:
Mas a preocupa??o com a culin¨¢ria local, e principalmente com a nacaional, vai
muito al¨¦m de um uso instrumental para fomentar o turismo e conter o ¨ºxodo rural. Ainda
no final do s¨¦culo XIX, Fialho de Almeida afirmava que: ¡°Um povo que defende os seus
pratos nacionais defende o territ¨®rio. A invas?o armada come?a pela cozinha¡±
(ALMEIDA,1942, p.375)
A cita??o remete para o fato de a no??o de patrim?nio implicar, do ponto de vista
etimol¨®gico, uma conota??o temporal ligada a heran?a que se recebe dos antepassados,
de algo que deve ser salvaguardado, mantido e transmitido puro, sem interfer¨ºncias
externas.
A cita??o de Almeida referida ¨¤ gastronomia, continua atual, mais de um s¨¦culo
depois. Com a globaliza??o, a pasteuriza??o do gosto, a diversifica??o e
internacionaliza??o dos ingredientes contribuiu para despertar a consci¨ºncia da
import?ncia das identidades gastron?micas de cada regi?o preservando os ingredientes e
saberes tradicionais, as pr¨¢ticas culin¨¢rias ancestrais. Nesse contexto tais saberes e
pr¨¢ticas s?o encarados como patrim?nios que devem ser preservados e valorizados
remetendo sobretudo a uma culin¨¢ria tradicional e imut¨¢vel. (D¡¯ENCARNA??O,2012)
Em 2000 a gastronomia portuguesa passa a ser considerada um bem imaterial e
parte integrante do patrimonio cultural de Portugal. A resolu??o n? 96/2000, de 26-72000, promulgada pelo Conselho de Ministros de Portugal, justifica tal decis?o afirmando
que a gastronomia nacional ¨¦ ¡°Entendida como o fruto de saberes tradicionais que atestam
a pr¨®pria evolu??o hist¨®rica e social do povo portugu¨ºs¡± determinando tamb¨¦m que sejam
desenvolvidas a??es para ¡°inventariar, valorizar, promover e salvaguardar o receitu¨¢rio
portugu¨ºs, com o objectivo primeiro de garantir o seu car¨¢cter genu¨ªno e, bem assim, de
promover o seu conhecimento e frui??o, por forma, ainda, a que se transmita ¨¤s gera??es
vindouras¡±. (apud D¡¯ENCARNA??O,2012)
Ainda dentro desse esp¨ªrito foi criado um concurso a n¨ªvel nacional destinado a
classificar as sete maravilhas da gastronomia portuguesa, o que segundo D¡¯Encarna??o
faz com que se coloque o patrim?nio gastron?mico no mesmo n¨ªvel das:
(...)Sete Maravilhas do Mundo, obras arquitect¨®nicas ou escult¨®ricas que
faziam o espanto dos Antigos. Hoje, se o patrim¨®nio cultural nessa vertente
arquitect¨®nica e art¨ªstica mais vis¨ªvel ¨¦ tido em considera??o, h¨¢ um
patrim¨®nio imaterial, em que a gastronomia se integra, que tamb¨¦m det¨¦m tais
honrarias!
O Pastel de Bel¨¦m
Sobre a hist¨®ria do pastel de Bel¨¦m, Freitas (2011) nos conta que:
Os past¨¦is de Bel¨¦m, por sua vez, se constituem na mais conhecida e popular
especialidade da do?aria lusitana. N?o obstante o Pastel de Bel¨¦m possa ser
apreciado em muitos caf¨¦s e pastelarias n?o s¨® de Portugal, mas do mundo, a
receita original ¨¦ segredo exclusivo da F¨¢brica de Past¨¦is de Bel¨¦m, situada na
localidade de Bel¨¦m, Lisboa (Ambrosio, 2009). L¨¢, tradicionalmente, eles s?o
servidos ainda quentes, polvilhados de a?¨²car em p¨® e canela.
Conta a hist¨®ria que logo ap¨®s a Revolu??o Liberal de 1820, numa tentativa de
contornar a profunda crise econ?mica, alguns cl¨¦rigos do Mosteiro dos
Jer¨®nimos come?aram a produzir e a comercializar past¨¦is de nata. Nesse
per¨ªodo a regi?o de Bel¨¦m ainda n?o possu¨ªa linha f¨¦rrea ou outra liga??o que
n?o fossem barcos a vapor com a cidade de Lisboa, portanto, os turistas e
visitantes que se dirigiam ao Mosteiro e ¨¤ Torre de Bel¨¦m n?o tinham op??es
de alimenta??o e, assim, a guloseima rapidamente se tornou enorme sucesso,
passando a ser conhecida como Past¨¦is de Bel¨¦m. Em 1834 o Mosteiro foi
desativado e o pasteleiro respons¨¢vel pela cozinha do convento resolveu
vender a receita ao portugu¨ºs Domingos Rafael Alves, empres¨¢rio rec¨¦mchegado do Brasil.
Tal receita permanece nas m?os da fam¨ªlia do empres¨¢rio at¨¦ os dias de hoje,
sendo que, de in¨ªcio, os past¨¦is eram colocados a venda numa refinaria de
a?¨²car nas proximidades do Mosteiro. Em 1837 foi criada a Antiga Confeitaria
de Bel¨¦m e, desde ent?o, a¨ª s?o elaborados artesanalmente cerca de 15 mil
past¨¦is por dia, feitos na Oficina do Segredo por pasteleiros credenciados
(Ambrosio, 2009). ? importante frisar que tanto a receita original quanto o
................
................
In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.
To fulfill the demand for quickly locating and searching documents.
It is intelligent file search solution for home and business.
Related download
- gastronomía de méxico patrimonio mundial
- abafar mini de termos culinários
- aula 16 a diversidade na cultura brasileira
- gastronomia portuguesa no brasil um roteiro de turismo
- cocina mexicana pf
- 9 gastronomia macaense
- receitas ccdr alg
- fraseoloxía culinaria unidades fraseolóxicas portuguesas
- culinária tradicional vs culinária saudável o efeito na
- s oliveira gastronomía y turismo