Um doce e nutritivo fruto: a castanha na história da ...

Um doce e nutritivo fruto: a castanha na hist¨®ria da alimenta??o e da gastronomia

portuguesas

Autor(es):

Coelho, Maria Helena da Cruz; Soares, Carmen

Publicado por:

Imprensa da Universidade de Coimbra

URL

persistente:

URI:

DOI:

DOI:

Accessed :

5-Jun-2024 12:25:55

A navega??o consulta e descarregamento dos t¨ªtulos inseridos nas Bibliotecas Digitais UC Digitalis,

UC Pombalina e UC Impactum, pressup?em a aceita??o plena e sem reservas dos Termos e

Condi??es de Uso destas Bibliotecas Digitais, dispon¨ªveis em .

Conforme exposto nos referidos Termos e Condi??es de Uso, o descarregamento de t¨ªtulos de

acesso restrito requer uma licen?a v¨¢lida de autoriza??o devendo o utilizador aceder ao(s)

documento(s) a partir de um endere?o de IP da institui??o detentora da supramencionada licen?a.

Ao utilizador ¨¦ apenas permitido o descarregamento para uso pessoal, pelo que o emprego do(s)

t¨ªtulo(s) descarregado(s) para outro fim, designadamente comercial, carece de autoriza??o do

respetivo autor ou editor da obra.

Na medida em que todas as obras da UC Digitalis se encontram protegidas pelo C¨®digo do Direito

de Autor e Direitos Conexos e demais legisla??o aplic¨¢vel, toda a c¨®pia, parcial ou total, deste

documento, nos casos em que ¨¦ legalmente admitida, dever¨¢ conter ou fazer-se acompanhar por

este aviso.

pombalina.uc.pt

digitalis.uc.pt

Carmen Soares

Cilene da Silva Gomes Ribeiro

(coords.)

Mesas

luso-brasileiras

alimenta??o, sa¨²de & cultura

volume ii

IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

COIMBRA UNIVERSITY PRESS

PUCPRESS

Um doce e nutritivo fruto: a castanha na hist¨®ria

da alimenta??o e da gastronomia portuguesas

(A sweet and nutritious fruit: the chestnut in the

history of Portuguese food and gastronomy)

Maria Helena da Cruz Coelho

Universidade de Coimbra

Centro de Hist¨®ria da Sociedade e da Cultura *

coelhomh@

Carmen Soares

Universidade de Coimbra

Centro de Estudos Cl¨¢ssicos e Human¨ªsticos

da Universidade de Coimbra **

cilsoares@

Resumo: No presente estudo faz-se a hist¨®ria comparada da castanha na alimenta??o

e gastronomia portuguesas na longa dura??o. As fontes consideradas, na sua maioria

escritas (tanto liter¨¢rias, como documentais e t¨¦cnicas), cobrem cerca de 26 s¨¦culos,

da Antiguidade cl¨¢ssica, atravessando os espa?os europeus historicamente ligados

ao cultivo e aproveitamento da castanha, at¨¦ ao Portugal contempor?neo. O vasto

universo de materiais dispon¨ªveis obrigou ao estabelecimento de crit¨¦rios precisos

de sele??o das fontes, condicionados pelo objetivo principal do estudo: estabelecer

a pegada liter¨¢ria da castanha. Assim, o foco da an¨¢lise recaiu sobre testemunhos

escritos sobre o uso da castanha na alimenta??o humana, buscando para cada ¨¦poca

a tipologia de textos mais abundante em termos informativos: para a Antiguidade,

textos liter¨¢rios e m¨¦dicos gregos e romanos; para a Idade M¨¦dia, documenta??o r¨¦gia

circunscrita sobretudo ao s¨¦c. XIII; para as ?pocas Moderna e Contempor?nea, os

manuscritos, livros e revistas culin¨¢rias. A estrutura do trabalho reflete as principais

conclus?es alcan?adas: a castanha como fruto b¨¢sico da alimenta??o de popula??es

espec¨ªficas e consumido em contextos de car¨ºncia, em que funciona como substituto

do alimento primordial, o p?o (ponto 1: A castanha, um alimento de sobreviv¨ºncia);

a castanha como patrim¨®nio gastron¨®mico, moldado pelas preocupa??es diet¨¦ticas

(ponto 2: A castanha, um prazer da mesa em di¨¢logo com as normas diet¨¦ticas;

ponto 2.1: Consumo da castanha no Portugal moderno, gastronomia e diet¨¦tica); a

cultura, o consumo e as conce??es gastron¨®micas e diet¨¦ticas associadas ¨¤ castanha

*

Trabalho desenvolvido no ?mbito do projeto UID/HIS/00311/2013, financiado pela FCT

¨C Funda??o para a Ci¨ºncia e a Tecnologia.

**

Trabalho desenvolvido no ?mbito do projeto UID/ELT/00196/2013, financiado pela FCT

¨C Funda??o para a Ci¨ºncia e a Tecnologia.



Maria Helena da Cruz Coelho, Carmen Soares

para Portugal t¨ºm ra¨ªzes em tempos anteriores ¨¤ funda??o da nacionalidade (ponto

1.1: Cultura e consumo de castanha na Antiguidade: heran?a cl¨¢ssica e realidade

portuguesa); a identifica??o de um ¡°receitu¨¢rio fundador¡± da castanha nos primeiros

tempos da nacionalidade (ponto 1.2: Cultura e consumo de castanha no Portugal

medieval); a castanha como ingrediente transversal tanto ¨¤ cozinha tradicional

portuguesa como ¨¤ cozinha requintada de influ¨ºncia e inspira??o estrangeira (ponto

2. 2: Consumo de castanha no Portugal contempor?neo: da ¡°alta cozinha¡± ¨¤ cozinha

tradicional portuguesa).

Palavras-chave: castanha, hist¨®ria da alimenta??o, gastronomia, Portugal,

literatura culin¨¢ria.

Abstract : This study analyses the role played by the chestnut in the history of

Portuguese food and gastronomy. The research is based mainly on written sources

(literature, historical documents and technical texts), covering 26 centuries, from

antiquity to modern times, related not only to Portugal but also to other European

countries where the sweet chestnut grows and its fruit is used in food. Given the

huge quantity of data on the subject, our research focuses on what may be called the

¡°literary footprint¡± of the chestnut in human diet, concentrating, for each historical

period, on the most revealing categories of source material: literature and medical

writings for Greek and Roman antiquity; royal documentation, mainly written in

the 13th Century, for medieval times; culinary manuscripts, books and journals

for modern and contemporary periods. The paper is structured in accordance with

our conclusions: the chestnut has been a staple food for specific communities and

in famine contexts, acting as a substitute ingredient for bread, the staple food par

excellence (cf. section 1: The chestnut, a survival food); the chestnut constitutes a

gastronomic heritage shaped throughout history by dietetics (cf. section 2: The

chestnut, a culinary pleasure shaped by dietetics; section 2.1: Chestnut consumption in Portugal during the modern era: gastronomy and dietetics); in Portugal

chestnut cultivation, its consumption as fruit and gastronomic and dietetic ideas

on the subject go back to antiquity (cf. section 1.1: Chestnut cultivation and consumption in antiquity: classical heritage and Portuguese reality); the constitution

of ¡°founding recipes¡± for chestnuts during the early days of Portuguese history (cf.

section 1.2: Chestnut cultivation and consumption in Portugal during the medieval

era); the chestnut is a common ingredient in traditional Portuguese cookery and

also in more elaborate cuisine under foreign inspiration and influence (cf. section

2.2: Chestnut consumption in Portugal during modern times: from haute cuisine to

traditional Portuguese cuisine).

Keywords: chestnut, history of food, gastronomy, Portugal, culinary literature.

104

Um doce e nutritivo fruto: a castanha na hist¨®ria

da alimenta??o e da gastronomia portuguesas

As castanhas s?o encaradas pela maioria dos consumidores portugueses

como um fruto sazonal, ligado a festividades de colorido etnogr¨¢fico (as

¡°castanhadas¡± e as v¨¢rias ¡°feiras da castanha¡±) 1. T¨ºm tamb¨¦m express?o pr¨®pria na cozinha tradicional, associada ¨¤s principais regi?es produtoras. Mais

recentemente tem-se vindo de igual modo a assistir ¨¤ ascens?o das castanhas

ao patamar da cozinha gourmet e dos produtos saud¨¢veis2. Ali¨¢s, como muitas

vezes sucede, em Portugal, o setor de produ??o e comercializa??o do fruto e

seus transformados seguiu, tamb¨¦m neste campo, uma via primeiro encetada

por outros pa¨ªses europeus e asi¨¢ticos 3.

Perante este panorama, ao historiador coloca-se a quest?o de saber de

que forma evoluiu o consumo de um fruto para o qual hoje se reconhecem

as val¨ºncias de alimento tradicional, t¨ªpico (associado a determinado territ¨®rio4), gourmet e saud¨¢vel. Fazer um estudo sobre a hist¨®ria da castanha

na alimenta??o e gastronomia portuguesas, numa perspetiva tem¨¢tica,

diacr¨®nica e comparativa com outras espacialidades e pr¨¢ticas, imp?e uma

defini??o clara e pr¨¦via dos pressupostos te¨®ricos, dos objetivos, das fontes

e das metodologias de pesquisa adotados.

Legitimado o seu estatuto de objeto cient¨ªfico da Hist¨®ria, em 1961,

com o inaugural e (hoje) cl¨¢ssico estudo de Fernand Braudel ¡°Alimentation

et cat¨¦gories de l?histoire¡±, o alimento tem sido alvo de um cada vez mais

complexo escrut¨ªnio do seu valor na hist¨®ria da humanidade. Resumem-se

a quatro essas express?es de valor e utilidade dos produtos que servem de

comida: alimenta??o, gastronomia, medicina e patrim¨®nio. Ou seja, o ser

humano consome alimentos para se manter vivo (da¨ª a propriedade de se lhes

chamar ¡°mantimentos¡±): esta ¨¦ a vertente ¡°alimentar¡± reconhecida ¨¤ ingest?o

de comida. Mas, sempre que lhe assiste a op??o de escolha, o consumidor n?o

se limita a buscar sustento, antes elege os alimentos de acordo com o prazer

1

Na d¨¦cada de 80 do s¨¦culo passado, o cr¨ªtico gastron¨®mico Jos¨¦ Quit¨¦rio (1987: 281),

numa das suas cr¨®nicas, sublinhava que as castanhas estavam, no geral, confinadas a um reduto

etnogr¨¢fico: ¡°Com o desenvolvimento econ¨®mico, e pelo reflexo condicionado que tende a varrer

do quotidiano quaisquer s¨ªmbolos de um passado indigente, as castanhas viram-se limitadas a

uma fun??o quase etnogr¨¢fica de alimentos rituais em festividades c¨ªclicas. Pode ser que com a

voga do retorno ao ¡°natural¡± voltem a suscitar o interesse alimentar que merecem¡±.

2

Sobre os benef¨ªcios para a sa¨²de do consumo de castanha crua ou processada manual e

industrialmente, vd. Vasconcelos et al. (2010).

3

Vd. Cardoso, Pereira (2007: 35): ¡°Mas ao contr¨¢rio do que aconteceu em Portugal, onde

a castanha se tornou um produto pouco qualificado, outros pa¨ªses da Europa (It¨¢lia, Fran?a e

Espanha) e da ?sia ( Jap?o, Coreia e China) diversificaram o aproveitamento destes frutos, surgindo no mercado actual, ap¨®s transforma??o (pur¨¦s, compotas, castanhas em calda, castanhas

com chocolate, ¡°soufl¨¦s¡±, conservas, rebu?ados, iogurtes, bolos, aperitivos, gelados, etc.), com

significativa e crescente aceita??o¡±.

4

Sobre o conceito de ¡°t¨ªpico¡± enquanto constru??o que liga diretamente a determinado

territ¨®rio (local, nacional ou colonial) um produto com as suas respetivas caracter¨ªsticas de

produ??o, vd. Ceccarelli et al. (2010).

105

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download