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Apag?olipse Now Yuri V. Santos

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Fonte digital: Documento do Autor

? 2001 Yuri V. Santos yurivs@.br

Apag?olipse Now

ou A Mensagem Ignorada

ou A Vida ? Dela (da Destrui??o)

ou O Dia em que meio Brasil Parou

por

Yuri V. Santos

Ivan chegou de Campinas, por volta das dezoito horas, um tanto cansado. N?o conseguia se livrar de tanta informa??o apocal?ptica, tantas coincid?ncias significativas, tanta sincronicidade. Ou tudo n?o passava de humor negro c?smico que o fazia sentir-se ? beira da loucura ou Algu?m o escolhia como um tipo de profeta moderno, um Jo?o de P?tmos paulista. Em Campinas, na Casa da Lua, passou dois memor?veis meses em companhia da poeta e escritora outsider Lia Lizt. Tudo ali parecia corroborar n?o apenas as id?ias da estranha organiza??o que conhecera em Bras?lia, mas tamb?m muitos progn?sticos sobre o futuro pr?ximo do planeta. Lia Lizt tinha certeza: vivemos uma ?poca ? beira do extraordin?rio e do fant?stico, um pren?ncio de acontecimentos surpreendentes, deslumbrantes. Os ovnis que ela vira, as manifesta??es de seres do astral, os sinais que vira no c?u, as fitas que gravara com mensagens do al?m, as vozes que ouvira, suas proje??es astrais, os clarividentes que conhecera, sua eterna busca po?tica de Deus, tudo era prova disso, pouco importando se a chamavam de louca. E a viagem que Ivan fizera a uma imensa fazenda, no extremo norte do Distrito Federal, tamb?m o deixara perplexo. Realmente se constru?a ali uma pequena cidade multi?tnica e multicultural, sob os bigodes do governo e da m?dia. E ningu?m se apercebia desse ins?lito

ululante. E tudo isto era apenas o come?o: como j? haviam previsto malucos como Dom Bosco e Pietro Ubaldi, ali se planejava o centro de uma nova fase para o planeta. Ana, a amiga que o apresentara ?quela gente, lhe contara sem pestanejar: eles vieram ontem, antes de voc? chegar. Eram dez naves de quatro diferentes planetas. V?o construir suas embaixadas bem aqui. Ivan n?o sabia o que pensar. Ana uma respeitada neurologista n?o era nenhuma louca, nenhuma p?di-cr?, muito menos aquelas outras cento e cinq?enta pessoas, entre estrangeiros e brasileiros. Ivan conversara, num ingl?s de Tarz?, com um engenheiro eletr?nico japon?s que lhe explicou como os extraterrestres vinham lhe ensinando uma tecnologia ainda desconhecida na Terra. Para produzir energia limpa, dissera ele. Mas o mais incr?vel ? que tudo aquilo era t?o natural para aquelas pessoas, que o assunto mais corrente entre todos n?o eram os ETs, ou a pretensa Nova Era, mas as duas on?as que vinham atacando o gado da regi?o. Era surpreendente ainda existirem on?as no centro-oeste. Teilhard de Chardin talvez tivesse raz?o: s? o fant?stico tem condi??es de ser verdadeiro.

Em sua casa, na grande S?o Paulo, Ivan tentava costurar as informa??es. Um certo Ra?l, um judeu franc?s, tentava convencer o Primeiro Ministro de Israel a ceder um terreno para a constru??o de uma embaixada para os Elohim, aqueles que v?m do c?u. Claro, os dois ?ltimos ministros n?o lhe fizeram caso. Ra?l escreveu: n?o h? um povo escolhido. Escolhidos s?o aqueles que escolhem aceit?-los. Se n?o for em Israel, ser? noutro lugar. Eles, os Elohim, oferecem tal oportunidade ao povo judeu apenas por uma quest?o hist?rica. N?s os recebemos no passado. Coincid?ncia? Pela Internet, qualquer um pode conhecer tal carta. Mas n?o h? nada sobre a embaixada que est? sendo constru?da em Bras?lia. Ivan ainda se lembrava quando o japon?s lhe falou sobre Karran, o l?der ET, e de como h? um certo Lord por tr?s de tudo. Ivan brincou citando Darth Vader, mas o japon?s lhe contestou: n?o, ele n?o ? material como os outros, como o Karran, ou como n?s. ? um ser de luz. Esteve entre n?s como Jesus de Nazar?...

Ivan acendeu um beque e ficou pensando no outdoor negro

que vira na Marginal Tiet?, assim que chegara de Bras?lia: Jesus est? chegando!, dizia. Loucura? Fanatismo? Ilus?o? Ana lhe dissera que nosso mundo ? um planeta descarrilhado, mas que est? prestes a reingressar na Fam?lia C?smica. Leia o Livro de Ur?ntia, ela dissera. Foi dele que o Ben?tez tirou praticamente todas as informa??es para escrever os v?rios Opera??o Cavalo de Tr?ia. O tal livro t? todinho na Internet, dizem que ? uma revela??o dos seres astrais e mentais sobre toda a verdade do Cosmos, acrescentou.

Ivan soltava a fuma?a. Pensava na explos?o solar citada pelo japon?s. Muito Absurdo. Pra que uma explos?o t?o forte a ponto de devastar meio mundo? Caso ocorra, ser? simplesmente para acabar com o velho e preparar o solo para o novo, respondera o cara naquele ingl?s engra?ado. E Ivan se lembrou de um mang? um desenho animado japon?s(!) louqu?rrimo em que um certo Deus Supremo surgia na Terra, no interior dum monstrengo terr?vel que a tudo dizimava. Era como uma semente viva no seio da destrui??o, pensou Ivan. S? que um desenho n?o bastava para anunciar a hist?ria toda. Antes veio Nostradamus e sua conversa sobre uma Terceira Guerra Mundial, que se iniciaria em Julho de 1999, e um anticristo parece que chin?s, filho dum mandarim. Mas veja, hoje ? dia 11 de Mar?o de 1999 e, apesar de toda a viol?ncia no mundo, o que poderia causar uma guerra t?o terr?vel e a subleva??o da China? O qu?? Em Medjugorje, na ex-Iugusl?via, entre 1981 e 1996, uma suposta Nossa Senhora como a de F?tima, Lourdes e La Sallete anunciou coisas terr?veis, tais como a destrui??o total de uma regi?o da Terra e o aparecimento repentino de um monumento eterno, indestrut?vel e com poder de efetuar curas ali naquela mesma cidade da Iugusl?via. Seria um monolito negro como o do filme 2001 Uma Odiss?ia no Espa?o? O que essa mensageira de luz queria dizer com reden??o? Convertermo-nos ao Cristo? Acreditar num Lord espacial? Naqueles malucos que, afirmam eles, encontram-se com ET phone home? E o tal aster?ide que segundo os astr?nomos passar? pr?ximo ? Terra l? por 2020? ? o tal planeta Chup?o dos esp?ritas? Uma esp?cie de anti-Terra que vem do futuro para o passado de encontro ao nosso mundo para cau-

sar o Nada? O que Lupasco diria sobre isso? E Nova York desapareceria do mapa conforme anunciou Edgar Cayce? E a forma??o astron?mica em cruz, com nosso planetinha no meio, no dia 19 de Agosto de 99? Significa algo? Eu estaria pagando um mico se fosse at? Alto Para?so, nesse dia, pra me garantir? O sert?o vai virar mar? Estamos todos hipnotizados? Tantas especula??es! Tanta paran?ia!, pensava Ivan. Talvez fosse melhor parar de usar drogas.

Ivan, ent?o, decidiu assistir ao filme que, ao chegar, pegara na locadora da esquina e de que tanto falavam: Central do Brasil. Assim talvez parasse de pensar em tantos absurdos e contrasensos. Uma Nossa Senhora ou m?rion, a mensageira celeste, como dizem os uf?logos na Iugusl?via! Que loucura! Certamente ela surgira apenas para avisar sobre aquela guerra que arrasou Sarajevo, anos atr?s. Infelizmente seria necess?rio muito mais para anunciar o fim do mundo do que uma mulher luminosa e flutuante falando com crian?as. Ningu?m ouve crian?as. O neg?cio ? assistir a esse filme que com certeza h? de ser melhor que aquela porcaria do A Vida ? Bela. Essa besteira italiana promete a princ?pio ser uma narrativa do ponto de vista do garoto, mas n?o passa de uma egotrip do Benigni, aquele palha?o engra?ad?ssimo que de diretor genial n?o tem nada. O campo de concentra??o nada tem de real e muito menos de f?bula. Fiquei o tempo todo esperando pra ver como o garoto imaginava aquele lugar, mas a porra da c?mera s? acompanha o palha??o. O menino devia t? pirando nas hist?rias que o pai contava pra engan?-lo e n?o vemos nada do interior da cabecinha dele. (J? disse: ningu?m ouve crian?as!!) ? o mesmo que ler a piadinha do Calvin e ver um Haroldo o tempo inteiro boneco de pano. O Haroldo s? existe na cabe?a do Calvin, o filme genial do Benigni s? existiria na cabe?a do garotinho. Imagine!, ficar anos num campo de concentra??o no meio de toda aquela gente do mal e n?o vermos o humor negro suscitado pelo pai na cabe?a do filho. Deviam ter dado o filme pro Terry Gilliam...

Ivan colocou a fita no v?deo, terminou de fumar o beque, apertou o play. N?o tinha no??o de que naquele momento come?ava a experi?ncia mais louca de toda a sua vida. Quem nunca

assistiu ao filme n?o entenderia tudo o que Ivan sentiu. Mas certamente, mesmo que assistisse, n?o sentiria o mesmo que ele. Ivan se preparara inconscientemente, e durante toda sua vida, para... bem, vejamos o filme:

Um menino de nome b?blico Josu? (Vin?cius de Oliveira), uma mulher chamada Dora (Fernanda Montenegro). Uma m?e que dita uma carta ? escrevedora de cartas, Dora: Jesus, voc? foi a pior coisa que j? me aconteceu... A esta??o Central do Brasil, tal qual o centro do pa?s. Quem conhece o Distrito Federal, a periferia, a verdadeira Bras?lia sem Niemayer, como Ivan, sabe que esse filme ? o miolo do Brasil. Mis?ria, viol?ncia, assassinato, injusti?a, uma desordem organizada, pessoas solit?rias, isoladas, abandonadas ao trabalho alienante, ? marginalidade, ao Deus dar?. Ivan v? a m?e morta, o menino ?rf?o, querendo encontrar Jesus, seu pai, um prov?vel alco?latra, um niilista do povo. V? Dora, aquela que vive na selva humana, cada um por si, a vida contra todos, mas nenhum Deus ? vista. O menino abandonado causa uma peninha virtual ? esperta Dora, que, por sua vez, finge ajudar, mas praticamente n?o ajuda ningu?m. Na era da Internet, ela n?o despacha as cartas das pessoas condenadas por seu arb?trio. Esse ? um idiota, aquele uma besta. Dora quer o dinheiro, sua sobreviv?ncia, os outros que se fodam. A c?mera traz um filtro amarelo sobre todas as cenas. As paredes das casas s?o azuis, verdes. Um filme brasileiro. Imagens bel?ssimas e chocantes. Ivan est? hipnotizado pela tela.

Dora leva o garoto pra casa, ri dele e de sua amiga (Mar?lia P?ra, maravilhosa), cujos pais foram caminhoneiros e, segundo Dora, b?bados, como todos. A escrevedora uma abestaiada que antes vivia isolada de seu destino, assume sua trag?dia ao vender o garoto para uma organiza??o il?cita que, supostamente, conduz crian?as brasileiras para ado??o no exterior. Ivan sabe que uma trag?dia n?o implica em morte ou nalguma fatalidade est?pida, mas num conflito entre o her?i tr?gico que nada tem de superhomem ou homem-aranha e seu destino, os deuses ou Deus. Dora arrepende-se talvez matem Josu? para vender-lhe os ?rg?os e seq?estra o garoto, o qual v? estampado no rosto da mulherzinha ordin?ria seu p?ssimo car?ter. Juntos e amea?ados de

morte partem em busca de Jesus, o bebum pai do garoto. Dora torna-se um Orestes, um her?i em rota de colis?o com o Desconhecido. Numa tremenda seq??ncia de azares e acasos infelizes, Dora fica sem dinheiro, fodida e mal paga, com um garoto que a odeia, mas que dela depende. J? sob ataque da fome, s?o praticamente salvos por um caminhoneiro evang?lico (Oton Bastos), que nada tem de xi?ta, relevando inclusive o fato de que alimenta e d? carona a uma ladra. (Enquanto Dora roubava comida na venda dum amigo do caminhoneiro, eles, o caminhoneiro e seu amigo, falavam sobre a convers?o dos jovens do pa?s.) Na faixa traseira do caminh?o em que viajam est? escrito: Tudo ? for?a, s? Deus ? poder. Ivan pensa em Otto Rank e Ernest Becker, psicanalistas que viram Kierkegaard como p?s-freudiano, e que perceberam a necessidade de Deus para que o homem normal n?o seja apenas um neur?tico controlado, adaptado, mas um homem transcendental e verdadeiramente s?o. A transfer?ncia original n?o seria portanto da crian?a para a m?e, mas da personalidade criada para seu Criador.

Dora, ao perceber que o caminhoneiro ? sua salva??o (alimento, transporte e compreens?o), ? movida pelo medo de perd?lo, tentando assim garantir sua presen?a atrav?s dum pat?tico apelo sexual. Tenta faz?-lo beber todo caminhoneiro ? um b?bado sem-vergonha mas, como diria o Baby dinossauro, se fode di novo. Ela n?o precisava ter feito isso. O cara era t?o bacana que a ajudaria de qualquer jeito. Resultado: o caminhoneiro tentou ag?entar at? o fim, mas, como a mulher era imposs?vel, abandona a ambos, mulher e menino. Ele, como um Otto Rank instintivo, provavelmente sabia que algu?m n?o resolvido existencialmente, como um ser criado, n?o pode amar outra pessoa verdadeiramente, sen?o apenas como fuga, como transfer?ncia patol?gica. Para seguir viagem, at? Bom Jesus sei l? de onde, v?o os dois her?is tr?gicos de carona (ao pre?o de um rel?gio) na ca?amba dum caminh?o apinhado de romeiros, que cantam hinos religiosos para tortura e afli??o de Dora. Aquela gente pobre chega ao c?mulo de oferecer a pouca comida que t?m ao casal protagonista. Algo dentro dela parece dizer: A? tem! Ou: Mist?rio ? vista!

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