Teoria dos Jogos: Algumas Noções Elementares

Teoria dos Jogos: Algumas No??es Elementares

Orlando Gomes, ISCAL

Resumo: Em muitas situa??es de intera??o, os agentes s?o compelidos a agir estrategicamente. Isto significa que as linhas de a??o que um agente escolhe tomar s?o condicionadas ou determinadas pelo comportamento observado ou esperado de outros. A teoria dos jogos consiste precisamente no estudo de como os intervenientes numa determinada rela??o de intera??o estrat?gica atuam de modo racional, no sentido de promover o melhor resultado poss?vel para si pr?prios. Ao analisar um jogo ? necess?rio identificar as estrat?gias dispon?veis para cada um dos jogadores, quais os resultados que a escolha de cada estrat?gia permite alcan?ar, os momentos de tempo em que as decis?es s?o tomadas e que informa??o t?m dispon?vel os participantes na rela??o de intera??o. Apresentar-se-? conceitos centrais como o de estrat?gia dominante, ou o de equil?brio de Nash; far-se-? a distin??o entre jogos de informa??o completa e de informa??o incompleta, e entre jogos em forma normal e em forma extensiva; ser? ainda feita men??o ? teoria dos jogos evolucion?ria.

1. Pensamento estrat?gico

A todo o instante os agentes econ?micos, fam?lias e empresas, t?m de tomar decis?es. Estas poder?o ter uma de duas naturezas; ou s?o independentes do comportamento individual de terceiros, como ? o caso da decis?o de quanto produzir num mercado perfeitamente concorrencial, ou ent?o s?o decis?es que t?m consequ?ncias sobre os resultados que aqueles com que se interage podem obter, cen?rio que ? comum em mercados oligopolistas. Quando um agente atua estrategicamente, sabe que as suas escolhas t?m impacto sobre terceiros e que as op??es de terceiros t?m um efeito direto sobre os resultados que ele pode alcan?ar. S?o estas situa??es de intera??o estrat?gica que caem no ?mbito da teoria dos jogos.

Para definir um jogo s?o necess?rios alguns elementos de base. Primeiro, h? que considerar um conjunto de jogadores; no caso mais simples a intera??o circunscreve-se a apenas dois jogadores. ? o que acontece, por exemplo, quando duas empresas atuam estrategicamente no sentido de fixar pre?os ou quando comprador e vendedor negoceiam a transa??o de um bem ou servi?o. Cada jogador ter?, ent?o, um conjunto de estrat?gias que poder? escolher, dadas as estrat?gias dispon?veis para os outros jogadores. Por fim, cada estrat?gia

produzir? um resultado (payoff) que depender? decisivamente das linhas de a??o ou estrat?gias escolhidas pelos restantes jogadores.

No sentido de ilustrar um jogo na sua forma mais simples, considere-se um cen?rio onde interagem dois jogadores (a empresa A e a empresa B) ambos com duas estrat?gias dispon?veis (escolher vender um bem homog?neo a um pre?o alto (a) ou a um pre?o baixo (b)). Os resultados ou payoffs deste jogo ir?o corresponder ? receita que cada empresa consegue obter em cada um dos cen?rios poss?veis. Imagine-se que as empresas enfrentam exatamente a mesma procura, de modo que os seus resultados v?o ser sim?tricos.

Convencione-se que uma empresa que opta pelo pre?o alto quando a outra escolhe o pre?o baixo vai perder clientes e ganhar 0, enquanto a segunda ganha 10. Quando ambas vendem ao pre?o baixo, as duas ir?o obter uma receita de 5; se as duas empresas optam por um pre?o alto, ter?o de dividir o mercado e, por conseguinte, obt?m uma receita interm?dia de, digamos, 7. A seguinte matriz de resultados sistematiza a informa??o descrita,

Empresa A

Pre?o baixo Pre?o alto

Empresa B

Pre?o baixo

Pre?o alto

(5,5)

(10,0)

(0,10)

(7,7)

Os valores no quadro s?o os resultados obtidos por cada um dos jogadores quando escolhem dada estrat?gia, tendo em conta a estrat?gia escolhida pelo outro jogador. O primeiro valor em cada par corresponde ao resultado da empresa apresentada em linha (A) e o segundo valor respeita ao resultado da empresa apresentada em coluna (B).

No caso concreto apresentado, n?o ? dif?cil identificar qual o comportamento que ? partida cada um dos agentes ir? adotar. Observando a tabela verifica-se que a empresa A tem vantagem em escolher um pre?o baixo, independentemente de qual a escolha efetuada pela empresa B; o mesmo acontece com a empresa B. Logo, ambas as empresas v?o optar pelo pre?o baixo e o resultado do jogo ? o dado pelo par de resultados na primeira c?lula da matriz.

A observa??o da matriz deixa claro que haveria op??es melhores para cada um dos jogadores; no entanto, na aus?ncia de possibilidade de coopera??o, essas op??es n?o se concretizam. Em conluio, as duas empresas prefeririam fixar o pre?o alto, uma vez que assim o payoff seria superior para ambas. No

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entanto, qualquer das empresas tem vantagem em romper esse compromisso de manter o pre?o alto. Baixando o pre?o, a empresa que o fizesse obteria um resultado ainda melhor (10) e a outra perderia todo o mercado. Como ambas as empresas v?o agir da mesma forma o equil?brio poss?vel ? o de escolha de fixa??o de pre?os baixos, que n?o ? o resultado conjunto mais apelativo. Como se definir? na pr?xima sec??o, diz-se neste caso que ? poss?vel atingir um resultado n?o cooperativo.

2. Jogos em forma normal e com informa??o completa: estrat?gia dominante e equil?brio de Nash

O exemplo de intera??o apresentado na sec??o precedente ? o mais simples que se pode conceber; para al?m da dimens?o m?nima do jogo (dois jogadores e duas estrat?gias), existem outros aspetos que contribuem para essa simplicidade: por um lado, existe informa??o completa, no sentido em que cada jogador est? perfeitamente informado sobre os resultados que os outros jogadores podem obter em virtude da situa??o de intera??o. Por outro lado, o jogo ? est?tico, no sentido em que os agentes fazem as suas escolhas em simult?neo. Posteriormente, far-se-? refer?ncia a jogos de informa??o incompleta e a jogos sequenciais e din?micos. Para j? concentra-se a aten??o em jogos est?ticos, tamb?m designados por jogos em forma normal, ignorando-se a quest?o da exist?ncia de eventuais problemas de informa??o incompleta.

Considere-se a seguinte matriz de resultados gen?rica:

Jogador A

E1 E2

Jogador B

e1

e2

(a11,b11)

(a12,b12)

(a21,b21)

(a22,b22)

O objetivo do jogo ? encontrar as estrat?gias escolhidas por cada um dos jogadores e, por acr?scimo, os payoffs que estes ir?o obter em fun??o da escolha das respetivas estrat?gias. O resultado assim atingido designa-se por equil?brio do jogo, o qual poder? ou n?o existir, em fun??o da rela??o entre payoffs na matriz.

A carateriza??o do jogo pode ser feita a partir das seguintes defini??es:

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Estrat?gia dominante: para qualquer dos jogadores, a estrat?gia por ele escolhida designa-se dominante se ela ? a melhor para o jogador independentemente da estrat?gia do outro jogador;

Equil?brio dominante: um equil?brio dominante ? o resultado de uma situa??o de intera??o estrat?gica que se carateriza pelo facto de todos os jogadores envolvidos possu?rem uma estrat?gia dominante.

Aus?ncia de equil?brio: quando dois jogadores t?m de escolher entre duas estrat?gias e nenhum deles est? perante uma estrat?gia dominante, ou seja, quando nenhum deles pode escolher independentemente do outro, n?o existe possibilidade de equil?brio estrat?gico. Cada um dos jogadores vai ficar eternamente ? espera que o outro atue.

Equil?brio de Nash ou equil?brio n?o cooperativo: este equil?brio ? o resultado da intera??o entre dois jogadores quando pelo menos um dos jogadores tem uma estrat?gia dominante.

Num equil?brio de Nash, nenhum jogador pode melhorar o seu resultado, dada a estrat?gia do outro jogador. Cada estrat?gia ? a melhor resposta face ? estrat?gia que o outro jogador decidiu seguir. O equil?brio de Nash designa-se tamb?m por equil?brio n?o cooperativo, uma vez que cada uma das partes escolhe a estrat?gia que ? melhor para si, sem que haja possibilidade de conluio e portanto sem que se atenda ao bem-estar geral.

Note-se um aspeto importante destas defini??es. A no??o de equil?brio de Nash ? entendida numa perspetiva ampla: ela abrange as situa??es de equil?brio dominante e todas aquelas situa??es em que apenas um dos dois jogadores est? na posse de uma estrat?gia dominante. Portanto, pode afirmar-se que todo o equil?brio dominante ? um equil?brio de Nash, mas o contr?rio n?o ? verdade.

No exemplo da sec??o anterior, ambos os jogadores possuem uma estrat?gia dominante. Pode, por isso, falar-se num equil?brio dominante, que n?o deve, no entanto, ser confundido com um equil?brio cooperativo, uma vez que o resultado a que se chega n?o ? aquele que seria obtido em condi??es de coopera??o ou conluio entre os jogadores. Est? em causa um equil?brio n?o cooperativo, uma vez que os agentes n?o negoceiam formalmente no sentido de coordenar as suas a??es.

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Regresse-se ? tabela gen?rica acima apresentada. E1 ser? uma estrat?gia dominante para o jogador A se se verifica a condi??o:

a11>a21 e a12>a22

(1)

Se, perante a escolha do jogador B, o jogador A prefere a estrat?gia E1 ? estrat?gia E2 independentemente daquela escolha, a estrat?gia E1 ? dominante para o jogador A, o que se traduz na condi??o (1).

Pela mesma ordem de ideias, a estrat?gia E2 ser? dominante para o jogador A se a condi??o (2) for verificada:

a21>a11 e a22>a12

(2)

Para o jogador B, podemos igualmente explicitar as estrat?gias dominantes. Se

b11>b12 e b21>b22

(3)

ent?o a estrat?gia e1 ser? sempre preferida a e2 independentemente da escolha do jogador A. Sob a condi??o (3) a estrat?gia e1 ? dominante para o jogador B. Similarmente, se a condi??o (4) for verdadeira, a estrat?gia e2 ? uma estrat?gia dominante para o jogador B.

b11> b12 e b21>b22

(4)

A n?o exist?ncia de estrat?gias dominantes implica a verifica??o das condi??es contr?rias, isto ?,

a11>a21 e a22>a12

(5)

a21>a11 e a12>a22

(6)

5

b11>b12 e b22>b21

(7)

b12> b11 e b21>b22

(8)

Perante qualquer das condi??es (5) a (8), o jogador n?o prefere dada estrat?gia independentemente da estrat?gia preferida pelo outro jogador; n?o h?, nestes casos, uma estrat?gia dominante.

No sentido de contemplar todos os casos poss?veis, pode ainda introduzirse o conceito de domin?ncia fraca. As estrat?gias contempladas pelas condi??es (1) a (4) s?o estrat?gias dominantes num sentido forte ou estrito. Se os sinais de maior nestas condi??es forem substitu?dos por sinais de maior ou igual diz-se que as estrat?gias s?o fracamente dominantes, ou seja, no pior dos cen?rios poder?o ser escolhidas por ser indiferente escolher estas ou outras.

Ao combinar as poss?veis condi??es para os jogadores A e B, emergem dezasseis possibilidades. Se para o jogador A ? verdadeira a condi??o (1) e para o jogador B ? verdadeira a condi??o (3), ent?o os jogadores t?m como estrat?gia dominante, respetivamente, as estrat?gias E1 e e1 estamos perante um equil?brio dominante. Outras situa??es em que prevalece um equil?brio dominante s?o aquelas em que as condi??es (2) e (3) s?o verificadas (neste caso, o jogador A prefere a estrat?gia E2 e o jogador B a estrat?gia e1, que s?o as respectivas estrat?gias dominantes), ou (1) e (4) (caso em que o jogador A tem como estrat?gia dominante E2 e o jogador B a estrat?gia e1 ou, ainda, (2) e (4) (sob este ?ltimo grupo de condi??es, o equil?brio dominante resulta do facto de as estrat?gias dominantes do jogador A e do jogador B serem, respetivamente, E2 e e2.

Se alguma das outras condi??es, (5), (6), (7) ou (8), ? verificada, n?o existe um equil?brio dominante. Quanto muito, poder? continuar a existir um equil?brio de Nash, num cen?rio em que a estrat?gia de um dos jogadores est? condicionada pela estrat?gia dominante que o outro jogador possui. No caso em que s?o verificadas as condi??es (1) e (7), o jogador A vai escolher a sua estrat?gia dominante que ? E1 enquanto o jogador B vai escolher a sua estrat?gia em fun??o da estrat?gia dominante do outro. Como b11>b12 sob (7), perante a escolha de E1 pelo jogador A, o jogador B ter? vantagem na escolha da estrat?gia e1. Sob as condi??es (1) e (8) a a??o do jogador A ser? a mesma que no caso anterior, ou seja, escolher a estrat?gia E1 independentemente da escolha do jogador B. O jogador B reage optando pela estrat?gia e2 uma vez que sob a condi??o (8), b12>b11.

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Se a matriz de resultados esperados nos indica que (2) e (7) se verificam ent?o a estrat?gia dominante para o jogador A ser? E2 e perante esta, o jogador B vai optar por e2, dada a condi??o (7). Quando s?o verdadeiras as condi??es (2) e (8) as estrat?gias escolhidas pelos jogadores A e B s?o respetivamente E2 (estrat?gia dominante para o jogador A) e e1.

Se a estrat?gia dominante corresponde ? op??o do jogador B, ent?o este escolher? e1 se se verifica (3) e e2 se se verifica (4). O jogador A, n?o tendo estrat?gia dominante, vai optar pela estrat?gia E1 sob as condi??es [(5) e (3)] ou [(6) e (4)] e pela estrat?gia E2 quando verdadeiras as condi??es [(5) e (4)] ou [(6) e (3)].

Um ?ltimo caso que acontece quando verdadeiras as condi??es [(5) e (7)], [(5) e (8)], [(6) e (7)] ou [(6) e (8)], implica a inexist?ncia de um equil?brio j? que nenhum dos jogadores ser? capaz de escolher uma estrat?gia prefer?vel ? outra dado que ambos esperam que o parceiro de jogo fa?a a escolha primeiro para poderem decidir. Como nenhum deles tem uma estrat?gia dominante nenhum vai ter incentivo para decidir em primeiro lugar, e ter-se-? uma situa??o de impasse ou situa??o sem equil?brio em que os jogadores n?o s?o capazes de optar, de um ponto de vista racional, por uma das estrat?gias.

3. Exemplos de jogos em forma normal

A formaliza??o de um jogo como acima descrito permite caraterizar de modo simplificado in?meras situa??es em que esteja em causa a tomada de decis?o estrat?gica; os campos de aplica??o da teoria dos jogos s?o imensos, desde a economia ? biologia, passando pelas rela??es sociais ou quaisquer outras em que os agentes entram em rela??o direta no sentido de procurar alcan?ar determinados resultados.

Nesta sec??o apresentam-se alguns exemplos, que cobrem ?reas diferentes. Come?a-se por caraterizar um dos jogos mais populares, o designado dilema do prisioneiro. No dilema do prisioneiro dois indiv?duos s?o chamados a prestar declara??es na pol?cia por serem suspeitos de terem cometido um crime em conjunto. As autoridades n?o t?m provas suficientes para acusar os suspeitos e, portanto, v?o procurar que eles testemunhem um contra o outro. Para impossibilitar a coopera??o, os suspeitos s?o colocados em salas de interrogat?rio diferentes.

A pol?cia comunica a cada suspeito que se denunciar o parceiro ele ser? libertado ? desde que o outro suspeito n?o o denuncie tamb?m ? e receber?

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uma recompensa por testemunhar. Caso nenhum dos suspeitos denuncie o parceiro, ser?o ambos libertados por falta de provas, sem que seja paga qualquer recompensa. Caso ambos denunciem o outro indiv?duo, eles s?o presos mas recebem a recompensa por testemunhar. Atribuindo ? recompensa o valor 1 e ? desutilidade da condena??o o valor -3, a matriz de resultados deste jogo ser?:

suspeito A

denuncia N?o denuncia

suspeito B

denuncia

N?o denuncia

(-2,-2)

(1,-3)

(-3,1)

(0,0)

A observa??o da tabela leva ? conclus?o imediata de que ambos os jogadores possuem uma estrat?gia dominante que ? denunciar o parceiro. Logo, existir? um equil?brio dominante que ? a den?ncia m?tua e um resultado de -2 para cada jogador.

O resultado do dilema do prisioneiro (isto ?, o seu equil?brio de Nash) n?o ? o melhor resultado conjunto. Se os suspeitos pudessem coordenar as suas a??es n?o iriam denunciar-se mutuamente, pois isso permitiria obter um melhor resultado para cada um deles. Sob n?o coopera??o atinge-se aquilo que pode ser designado como um equil?brio ineficiente ? Pareto.

Outros jogos que s?o frequentemente alvo de an?lise, nomeadamente no ?mbito da economia, s?o aqueles que est?o relacionados com a organiza??o industrial e a rivalidade entre empresas em mercados n?o concorrenciais. Na primeira sec??o j? se apresentou um jogo deste g?nero. Considere-se um outro exemplo, que ilustra a coincid?ncia entre o resultado da intera??o estrat?gica e o resultado que se obteria sob coopera??o.

Admita-se que as empresas A e B t?m a mesma estrutura de custos e a mesma procura. Cada empresa pode escolher entre manter o pre?o concorrencial (igual aos custos marginais) ou baix?-lo no sentido de levar o rival ? fal?ncia. A matriz de resultados ?:

empresa A

Pre?o normal Pre?o baixo

empresa B

Pre?o normal

Pre?o baixo

(50,50)

(20,-20)

(-20,20)

(0,0)

8

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