Juizado Especial Federal - CORE

[Pages:12]JUIZADO ESPECIAL FEDERAL

F?TIMA NANCY ANDRIGHI Ministra do Superior Tribunal de Justi?a

Privil?gio ? a palavra que define, mas com insufici?ncia, a honra que me defere o Centro Acad?mico de Direito da Universidade Est?cio de S?, por incluir-me entre os palestrantes deste Ciclo de Palestras.

Cumprimento, todos os diletos alunos desta prestigiosa Faculdade de Direito, na pessoa do Presidente do Centro Acad?mico, pelo relevante benef?cio que presta a toda comunidade jur?dica, na medida que promove encontros de estudos de temas jur?dicos t?o modernos e ao mesmo tempo futuristas, como ? o da arbitragem, no seio de uma Faculdade de Direito.

Tenho dito alhures que n?o h? campo mais f?rtil e apropriado para lan?armos a semente da moderniza??o do Poder Judici?rio brasileiro do que as Faculdades de Direito, iniciando-se pela revers?o da beliger?ncia que durante tantos anos aprendemos e aplicamos.

Cabe-me a tarefa de lhes falar acerca dos Juizados Especiais Federais e, decerto num acontecimento jur?dico, a abordagem deve ser a legal. Ent?o, devemos juntos, considerar a Lei n. 10.259 de 16.07.01, que disp?e sobre a institui??o dos Juizados Especiais C?veis e Criminais no ?mbito da Justi?a Federal.

Contudo lhes proponho ser pouco ortodoxa. N?o vou tratar dos dispositivos da referida Lei. N?o vou porque reputo muito mais importante compreender o papel desta Justi?a Especial que passou a integrar o ordenamento jur?dico brasileiro em 1984.

Palestra proferida no Centro Acad?mico de Direito da Universidade Est?cio de S?, Rio de Janeiro, 19 abril de 2001.

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Pe?o licen?a para lhes falar do aspecto teleol?gico da Lei que institui Juizados Especiais, nesse passo incluindo as duas, da Justi?a Estadual e da Justi?a Federal.

Tenho certeza que a juridicidade da Lei todos diletos alunos tem condi??es de avaliar com percuci?ncia, mas o que me proponho a lhes falar ? dos efeitos da aplica??o dessa Lei para a vida dos jurisdicionados e, das modifica??es pelas quais, necessariamente o juiz e o advogado dever?o passar para poder cumprir o papel de pacificador social.

Gostaria de convid?-los a transitar comigo por um longo corredor de um F?rum qualquer, numa noite de quinta-feira, por exemplo, apinhado de pessoas, todas ansiosas aguardando a chamada para audi?ncia de concilia??o dos Juizados Informais.

Todos mal acomodados, calor, desconforto, angustia, e feito o preg?o, entra na sala uma senhora que reclamava de um pedreiro por m? presta??o do servi?o: tratava-se de um contrato de servi?o da l?pide do t?mulo do marido da reclamante.

A queixa era: o granito usado pelo pedreiro n?o era aquele que ela havia escolhido. A resposta do pedreiro era: o granito que ela escolheu era muito espalhafatoso e n?o era adequado para um t?mulo, por isso, ele, sem a autoriza??o da contratante, substituiu por um granito mais adequado, ou seja, de cor f?nebre. A explica??o da reclamante: meu marido era um homem alegre, amava a vida e o viver e, tenho certeza de que ele n?o gostaria que seu t?mulo fosse usado um granito de cor f?nebre.

Imaginem se essa quest?o chegaria um dia na Justi?a Tradicional.

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Palestra proferida no Centro Acad?mico de Direito da Universidade Est?cio de S?, Rio de Janeiro, 19 abril de 2001.

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S?o duas as fun??es principais desempenhadas pelos Juizados Especiais C?veis e Criminais. A primeira ? relativa ao acesso ao Poder Judici?rio que se faz comprometido.

O quadro social existente antes da Lei n. 9.099/95 era de evidente falta de assist?ncia jur?dica, gerando a descren?a na Justi?a e conduzindo os cidad?os, diante da viola??o a um direito seu, a tomar uma das seguintes atitudes:

1) fazer justi?a com as pr?prias m?os;

2) contratar algu?m para faz?-la em seu nome;

3) conformar-se e n?o tomar naquele momento, qualquer atitude, limitando-se a reter no cora??o a m?goa e a sensa??o de desamparo.

Qualquer dessas tr?s atitudes descritas redunda em profundo desequil?brio na conviv?ncia em sociedade. As duas primeiras porque mant?m fora do leito adequado a solu??o dos lit?gios e, a terceira, porque gera nos cidad?os sentimentos de ang?stia, de inseguran?a e, principalmente de agressividade, liberada, n?o raras vezes, atrav?s de atos de viol?ncia desproporcional contra outrem, a exemplo das discuss?es de tr?nsito que, muitas vezes t?m culminado em homic?dio.

Est? cientificamente comprovado pela medicina que a pend?ncia de processo judicial ou a falta de condi??es de acesso ? solu??o de um problema jur?dico causa sofrimento que se manifesta sob forma de afli??o, de ang?stia, evoluindo para males psicossom?ticos.

A quest?o ? de tamanha relev?ncia que a Suprema Corte de Justi?a do Uruguai firmou Conv?nio de Coopera??o Interinstitucional com o Minist?rio da Sa?de P?blica, instalando nas depend?ncias dos hospitais centros de atendimento de problemas jur?dicos. Enquanto as pessoas

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Palestra proferida no Centro Acad?mico de Direito da Universidade Est?cio de S?, Rio de Janeiro, 19 abril de 2001.

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aguardam resolu??o de seus problemas m?dicos podem, dentro do pr?prio hospital, solucionar o problema jur?dico que est?o vivenciando.

O intuito da iniciativa da Suprema Corte do Uruguai ? a busca da sa?de do cidad?o n?o s? sob o aspecto f?sico, mas tamb?m emocional e espiritual, porque s? com essa harmonia a Justi?a pode cumprir seu objetivo prec?puo que ? a busca da paz social.

Implantados os Juizados Especiais, esse quadro desolador de falta de acesso, tenho certeza, est? sendo revertido, porque se abriu mais uma porta de acesso ao Poder Judici?rio n?o para o pobre, porque esta n?o ? a Justi?a do pobre como se tem propalado, mas a do cidad?o, pessoa f?sica, de todas as classes sociais, que sofra viola??o de um direito de pequena monta ou de menor complexidade.

Este ? o papel prec?puo da Lei n. 9.099/95, repito: ser mais uma via de acesso ao Poder Judici?rio com o fim de resolver os conflitos que, pela sua dimens?o, n?o comportam a submiss?o ao processo da Justi?a tradicional, complexo, de alto custo e, por via de conseq??ncia, moroso.

A segunda fun??o a ser desempenhada por essa Lei ?, conseq?entemente, a de reverter o descr?dito na Justi?a ocasionado pela reconhecida morosidade no andamento dos processos.

Muito se tem trabalhado para afastar essa pecha. Cite-se, por exemplo, a moderniza??o da legisla??o processual civil com a implementa??o da Reforma do C?digo de Processo Civil que introduziu as tutelas diferidas como instrumentos eficientes de acelera??o da tramita??o do procedimento ordin?rio, tornando mais c?lere a entrega da presta??o jurisdicional.

Contudo, essas provid?ncias de car?ter legislativo n?o se t?m mostrado suficientes para afastar a morosidade. H?, ainda, outros fatores

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Palestra proferida no Centro Acad?mico de Direito da Universidade Est?cio de S?, Rio de Janeiro, 19 abril de 2001.

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que devem ser objeto da nossa medita??o, atinentes a quest?es estruturais do Poder Judici?rio, como, por exemplo, a necessidade dos tribunais de atualizarem suas Leis de Organiza??o Judici?ria, adequandoas ?s imposi??es dos tempos modernos. Uma das principais exig?ncias da modernidade ? a informatiza??o das sess?es de julgamento nas Cortes. N?o ? cr?vel que, por conta da burocracia, a elabora??o da um ac?rd?o seja procrastinada em at? duzentos dias, contados entre a data do julgamento e a de publica??o do mesmo.

Contribui, tamb?m, para a lentid?o do Judici?rio o aumento da popula??o e, conseq?entemente, o dos lit?gios, esse provocado pelo alvissareiro despertar da cidadania que incentiva cada cidad?o brasileiro a solucionar adequadamente os seus problemas, evitando o fen?meno da "litigiosidade contida" (feliz express?o cunhada pelo Prof. Kazuo Watanabe) que representa um risco social, quer pelo exerc?cio da justi?a de m?o pr?pria, quer pela contrata??o de justiceiros.

Tenho certeza de que todos os juizes est?o preocupados com os rumos da nossa institui??o e, principalmente, com a qualidade do servi?o que prestam ? comunidade, da mesma forma que os advogados, porque n?o se pode olvidar que, de acordo com o texto constitucional, tamb?m s?o respons?veis pela administra??o da Justi?a.

Observado esse quadro conjuntural, reflex?es importantes v?m ? baila, como a de que n?o ? mais poss?vel se compreender a jurisdi??o somente prestada pelo juiz investido nas fun??es jurisdicionais.

A complexidade das rela??es jur?dicas contratuais, o advento de novos tipos de contrato que incluem no cen?rio jur?dico rela??es modernas, a impossibilidade de os jurisdicionados aguardarem por longo tempo a solu??o dos lit?gios, a internacionaliza??o das rela??es comerciais e a uni?o paulatina e inevit?vel dos povos em mercados comuns imp?em aos operadores do Direito uma nova postura, principalmente dos

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Palestra proferida no Centro Acad?mico de Direito da Universidade Est?cio de S?, Rio de Janeiro, 19 abril de 2001.

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membros do Poder Judici?rio, no sentido de afastar nossa forma??o romanista que conduz ? conclus?o de que s? os ju?zes investidos nas fun??es jurisdicionais podem resolver os conflitos.

A democratiza??o da Justi?a se imp?e sob pena de inviabilizarmos a conviv?ncia social, conduzindo-nos ao desempenho fracassado da fun??o fundamental de assegurar a paz social e, ainda, fomentando a id?ia de sermos absolutamente desnecess?rios no contexto do Estado.

? preciso refletir se ? prefer?vel n?o determos o monop?lio do ato de decidir, de resolver conflitos, a t?-lo sem dispor de condi??es materiais para entregar a presta??o jurisdicional em tempo razo?vel.

Dentro desse quadro de medita??o sugerido, observa-se que a Justi?a Tradicional vem paulatinamente se modernizando, contudo, ainda n?o ? suficiente para afastar a morosidade na condu??o de milhares processos.

No momento, nossa esperan?a se concentra na Justi?a Especial que cuida dos Juizados Especiais C?veis e Criminais.

Mas a condi??o sine qua non para alcan?armos o pleno sucesso dessa Justi?a Especial ? a imprescind?vel mudan?a de mentalidade de todos que trabalham no processo, principalmente dos membros do Poder Judici?rio, que dever?o estar atentos ao fiel cumprimento dos princ?pios orientadores da condu??o procedimental, consubstanciados na oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.

? preciso zelo, especialmente da c?pula dos tribunais, para o modo de implanta??o dessa Justi?a Especial, atentos ao fato de que ela ? uma Justi?a de emo??es, face a proximidade da ocorr?ncia dos fatos, e se norteia por princ?pios completamente diferentes da Justi?a Tradicional,

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Palestra proferida no Centro Acad?mico de Direito da Universidade Est?cio de S?, Rio de Janeiro, 19 abril de 2001.

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raz?o pela qual n?o pode ser estruturada nos moldes id?nticos aos de uma Vara C?vel ou Criminal da Justi?a Tradicional.

Os princ?pios da oralidade e da celeridade s?o incompat?veis, por exemplo, com as arcaicas m?quinas de escrever e os tradicionais carimbos. Esses mobili?rios s?o inconcili?veis e incompat?veis com a Justi?a do Terceiro Mil?nio, por isso as salas de audi?ncias dos Juizados Especiais s? podem ser concebidas com gravadores, microcomputadores ou o uso da estenotipia computadorizada com decodifica??o em tempo real.

A instala??o adequada e moderna da Justi?a Especial, sempre e especialmente aliada ? informatiza??o, se faz imprescind?vel, sob pena de violarmos o princ?pio da oralidade, e em muito pouco tempo, frustrarmos a esperan?a do processo r?pido, que por v?rios meios de comunica??o (televis?o, r?dio) se prometeu ao cidad?o. O Poder Judici?rio tamb?m tem que observar o C?digo de Defesa do consumidor (entendase cidad?o), n?o podemos fazer propaganda enganosa dos servi?os jurisdicionais.

Todos n?s conhecemos as causas e as raz?es que impedem um juiz da Justi?a tradicional de designar mais de duas audi?ncias de instru??o por per?odo de trabalho.

S?o as vetustas m?quinas de escrever, ou computadores usados como maquina de escrever mais sofisticada, as defici?ncias pessoais dos datil?grafos, que fazem surgir os mais desagrad?veis incidentes que por causa das diverg?ncias havidas entre juiz e advogado tanto na colheita da prova testemunhal, quanto na compreens?o da pergunta mas, principalmente quanto ? resposta e o correspondente registro. Todos esses fatores fazem com que as audi?ncias se prolonguem muito mais do que o programado, impedindo que se cumpra ou se amplie a pauta di?ria.

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Palestra proferida no Centro Acad?mico de Direito da Universidade Est?cio de S?, Rio de Janeiro, 19 abril de 2001.

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N?o tenho d?vidas de que se fossem gravadas ou registradas mediante a estenotipia computadorizada, especialmente com decodifica??o em tempo real, atendendo ao princ?pio da oralidade, teriam os ju?zes condi??es de ampliar o n?mero de audi?ncias de instru??o a serem realizadas por dia.

Por outro lado, ? imprescind?vel o desvelo dos tribunais ao implantarem os Juizados, especialmente com a dignidade das suas instala??es e do necess?rio distanciamento da Justi?a tradicional. Creio que este problema n?o ocorre na Justi?a Federal. Essas duas Justi?as n?o podem ser atendidas num ?nico balc?o.

Os jurisdicionados merecem a aten??o do Judici?rio. O cidad?o tem o direito e deve ser recebido de forma digna, respeitosa e confort?vel, principalmente por se tratar de uma Justi?a que envolve muitas emo??es, devido ? proximidade da ocorr?ncia dos fatos e o respectivo comparecimento na casa da Justi?a.

Todos n?s sabemos a expectativa e o nervosismo que assolam o cidad?o quando deve comparecer a uma audi?ncia. L? chegando, deve encontrar um ambiente acolhedor, bem instalado, que lhe inspire ao mesmo tempo conforto, seguran?a e respeito.

As instala??es improvisadas em pequenos espa?os, cantos ociosos dos pr?dios, embutidas dentro do mesmo espa?o f?sico de uma vara tradicional, ferem a dignidade da Justi?a, causam des?nimo ao juiz que nela desempenha as fun??es e exp?em o cidad?o ? humilha??o, implicando agress?o ? imagem e desprest?gio da Justi?a.

N?o se est? a pregar a utiliza??o de pr?dios suntuosos mas, sim que o espa?o f?sico ocupado pelo Judici?rio seja compat?vel com a majestade da Justi?a.

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Palestra proferida no Centro Acad?mico de Direito da Universidade Est?cio de S?, Rio de Janeiro, 19 abril de 2001.

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