Breve descrição da composição sintagmática nominal no ...

Breve descri??o da composi??o sintagm?tica nominal no portugu?s arcaico

Antonia Vieira dos Santos

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros SANTOS, AV. Breve descri??o da composi??o sintagm?tica nominal no portugu?s arcaico. In: OLIVEIRA, K., CUNHA E SOUZA, HF., and SOLEDADE, J., orgs. Do portugu?s arcaico ao portugu?s brasileiro: outras hist?rias [online]. Salvador: EDUFBA, 2009, pp. 21-42. ISBN 978-85232-1183-7. Available from SciELO Books .

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BREVE DESCRI??O DA COMPOSI??O SINTAGM?TICA NOMINAL NO PORTUGU?S ARCAICO

Ant?nia Vieira dos SANTOS (PPGLL/UFBA/PROHPOR)

INTRODU??O

Este artigo se inscreve em um projeto de doutoramento sobre os compostos sintagm?ticos no portugu?s arcaico. A inser??o dos compostos sintagm?ticos no ?mbito da composi??o, em especial os de estrutura NA, AN e NprepN, constitui um tema bastante controverso, em conseq??ncia, principalmente, do limite t?nue entre compostos com essa configura??o e constru??es da sintaxe (SCALISE, 1994 e BOOIJ, 2005, por exemplo). N?o obstante, objetivamos, com este trabalho, apresentar evid?ncias da presen?a de compostos sintagm?ticos com as estruturas VN, NN, NA, AN e NprepN em textos do portugu?s arcaico, sejam eles resultantes de um procedimento regular de forma??o de palavras ou de um processo de lexicaliza??o.

No desenvolvimento do nosso trabalho de investiga??o sobre os compostos na l?ngua portuguesa arcaica, optamos por buscar inicialmente em latim ind?cios da composi??o herdada pelo portugu?s, pois, conforme aponta Mattoso C?mara Jr. (1979, p. 211), a deriva??o e a composi??o, mecanismos produtivos de forma??o e amplia??o do l?xico portugu?s, constituem uma heran?a da l?ngua latina. Contudo, ? habitualmente destacado pelos autores que tratam a composi??o em latim o seu emprego escasso nessa l?ngua, limitado a alguns tipos tradicionais, n?o sendo, conseq?entemente, produtivo, apesar de se tratar de um procedimento existente no indo-europeu (MEILLET; VENDRYES, 1953 [1924], p. 420). Faz-se necess?rio, no entanto, descrever o tipo de composto a que se referem os autores.

Os compostos latinos, que geralmente recebem o ep?teto "propriamente ditos", caracterizam-se pela aus?ncia de desin?ncias no primeiro termo e pela presen?a de uma vogal de liga??o, delimitadora da fronteira entre os radicais. Na palavra latina agricola, por exemplo, distinguem-se dois radicais: agr- e col-, uma vogal de liga??o (-i-), al?m de um sufixo composicional (-a). ? a esse tipo de

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composto que se referem alguns autores quando destacam o emprego escasso da composi??o em latim1. Frise-se, ainda, que no estrato mais antigo de compostos latinos, as composi??es adjetivas, tamb?m chamadas de possessivas ou exoc?ntricas, eram mais freq?entes que as composi??es nominais (BADER, 1962).

Ao lado dessas estruturas compostas, encontram-se os justapostos, resultantes da ?soldadura m?s o menos estrecha de dos t?rminos unidos por una relaci?n sint?ctica y que conservan sus formas, si no su sentido? (V??N?NEN, 1967, p. 154). Em outras palavras, os justapostos s?o grupos sint?ticos sentidos como uma unidade sem?ntica (res publica, senatus consultum, aquae ductus, fidei commissum, olus atrum etc.), mas que conservam a natureza flexiva de seus elementos, havendo a concord?ncia do nome com o seu modificador (juris jurandi, em contraste com juri-dicus, patres-familiarum, em contraste com patri-cida, rei publicae etc.) (LINDSAY, 1937 [1915], p. 192).

A distin??o entre compostos e justapostos pode ser observada tamb?m na considera??o que Huber (1986[1933], p. 276, ?436) tece sobre a composi??o na l?ngua portuguesa arcaica: ?[o] portugu?s antigo faz pouco uso da composi??o. Na maior parte dos casos trata-se de meras justaposi??es?. Exemplifica as justaposi??es com dona-virgo `virgem', ricomen `rico-homem', boandan?a, malandante etc. Acredita tratar-se de outro tipo composi??es como filho d'algo e dona d'algo, em que interv?m uma preposi??o.

Portanto, parece-nos que a id?ia de composto desenvolvida por muitos autores ? muito estrita, radicada no pr?prio sentido etimol?gico da palavra "composto", do latim compostum, partic?pio de compn `p?r juntamente; juntar; reunir', de maneira que as justaposi??es, embora caracterizadas pela aposi??o dos constituintes, n?o transmitem, pelo menos formalmente, a id?ia de um verdadeiro composto.

1 De uso restrito, os compostos latinos representavam um recurso expressivo da linguagem principalmente liter?ria, servindo, nesse caso, a fins puramente estil?sticos. A composi??o latina se desenvolveu juntamente com a cria??o e o estabelecimento de uma tradi??o liter?ria pr?pria, que se deu a partir da imita??o dos modelos gregos. Os compostos gregos, empregados de forma ativa e abundante, principalmente na poesia, representavam um grande desafio para os tradutores latinos, tendo em vista que a l?ngua alvo era alheia ? composi??o. A tentativa de traduzir compostos gregos em latim foi mais comum no ?mbito dos poetas arcaicos, fato que recebeu a cr?tica de Quintiliano. Os latinos, por n?o disporem dessa facilidade, em muitos casos traduziram os compostos gregos por palavras simples ou por per?frases.

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No caso da l?ngua portuguesa atual, sabe-se que lexemas como beija-flor, pai de fam?lia, madrep?rola, aguardente, pernalta, viandante etc. s?o arrolados como compostos (por justaposi??o ou por aglutina??o) em algumas gram?ticas tradicionais (aqui utilizamos a Nova Gram?tica do Portugu?s Contempor?neo, de Cunha e Lindley Cintra, como refer?ncia). Por outro lado, palavras como arbor?cola, verm?fugo, carn?voro, taquicardia, morfologia etc., caracterizadas pela presen?a de radicais latinos e/ou gregos, s?o inclu?das na categoria de "compostos eruditos", mas essa categoria ? apresentada quase que ? parte dos outros tipos de compostos. Observe-se que esse tipo de composi??o est? de acordo com os moldes da composi??o latina, no sentido em que esta se op?e ? justaposi??o.

? preciso deixar claro, portanto, que tipo de estrutura constitui, de fato, um composto na l?ngua portuguesa. ? partida, a respeito dos aglutinados, concordamos com Mattoso C?mara Jr. (1998 [1971], p. 39) quando ele lhes atribui, na perspectiva sincr?nica, o estatuto de palavra simples, e os faz equivaler ? "perda de uma justaposi??o na hist?ria da l?ngua". Obviamente, o fato de adquirirem comportamentos flexionais de palavra simples n?o implica que a sua estrutura interna n?o seja mais reconhecida como outrora lexicalmente complexa2. H? voc?bulos que n?o atingem (ou que ainda n?o atingiram) um grau m?ximo de coalesc?ncia morfofonol?gica. Por exemplo, ao nos depararmos com o lexema pernalta, ? despertado no nosso esp?rito o fato de que se trata de uma estrutura composta de perna e alta. N?o constitui um composto morfol?gico, pois n?o apresenta a sua marca formal, ou seja, a vogal -i- (ou -o-) ligando os dois radicais.

Villalva (2003) reconhece dois tipos de compostos: os morfol?gicos e os morfossint?ticos. No ?mbito dos compostos morfol?gicos, que se caracterizam pela concatena??o de dois radicais, intermediada por uma vogal de liga??o, ? poss?vel incluir os chamados "compostos eruditos". Os compostos morfossint?ticos, apesar de envolverem a presen?a de dois ou mais lexemas aut?nomos, n?o abrangem, na perspectiva de Villalva, express?es nominais com

2 Ali?s, talvez as gram?ticas tradicionais (prescritivas, n?o hist?ricas) n?o arrolassem exemplos de aglutinados se n?o fosse ainda poss?vel identificar algum dos constituintes ou todos eles.

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as estruturas NA, AN e NprepN, como amor-perfeito, curto-circuito e p?s de galinha, denominadas pela autora de "express?es sint?ticas lexicalizadas".

A marginaliza??o dessas estruturas n?o condiz com a realidade da composi??o na l?ngua portuguesa. Apesar da desconfort?vel homon?mia com grupos sint?ticos (e, ainda, com as chamadas "coloca??es") que obscurece as fronteiras entre essas estruturas, ? poss?vel observar, na diacronia e na sincronia, o funcionamento de v?rias express?es com essas configura??es como uma unidade lexical3. O argumento levantado por Villalva de que o funcionamento de express?es com essas estruturas estaria condicionado a uma leitura figurada n?o impede, contudo, a sua produtividade na l?ngua. Por outro lado, a composicionalidade sem?ntica deve ser concebida como uma realidade escalar (RIBEIRO, 2006, p. 11), de modo que posi??es extremas em rela??o aos compostos ? ou s?o transparentes ou s?o opacos ? tendem a n?o contribuir para o entendimento desse mecanismo de forma??o de palavras.

Admitimos, portanto, tal como Villalva, a exist?ncia de duas categorias de compostos: a dos compostos morfol?gicos e a dos compostos morfossint?ticos ou sintagm?ticos. Ambas as categorias s?o paralelas ?s existentes em latim, conhecidas sob as designa??es de "compostos" e "justapostos". Contudo, no caso dos compostos morfossint?ticos, consideramos tamb?m as estruturas NA, AN e NprepN, al?m de VN e NN. A inclus?o dessas estruturas exige uma relativiza??o no conceito de composto, que passa a ser interpretado em termos de um gradualismo sint?tico e sem?ntico, que corresponde a n?veis de fixa??o ou cristaliza??o e de idiomaticidade, fen?menos escalares, tal como ocorre com as unidades fraseol?gicas. Nesse sentido, os compostos morfossint?ticos ou

3 Nesse ponto, ? necess?rio lembrar que o h?fen n?o pode ser tomado como marca formal da composi??o. Trata-se de uma conven??o da escrita que, aplicada aos compostos, constitui uma tentativa de tra?ar os seus limites, individualizando-os. No entanto, o seu uso nesse meio se d? muitas vezes de forma assistem?tica. Como Herman Paul (1970 [1920], p. 350) j? havia percebido, o h?fen reflete uma tentativa de marcar, atrav?s da escrita, a chegada de uma estrutura sint?tica ao est?gio de um composto, constata??o nem sempre f?cil devido ao car?ter gradual desse processo. Sob essa perspectiva, n?o h? diferen?a entre chap?u-de-sol e pai de fam?lia, por exemplo. O emprego do h?fen no interior das formas compostas n?o se desenvolve antes do s?culo XIX, quando, com o movimento dos "s?nicos", intenta-se retratar fonograficamente a l?ngua falada (MARQUILHAS, 1987, p. 113). Os compostos que aparecem grafados com h?fen no corpus (e no texto) resultam de crit?rios de transcri??o adotados pelos autores das respectivas edi??es.

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