ESTUÁRIO DO RIO CAMBORIÚ-SC: VARIAÇÃO INTRAMAREAL E ...

NOTAS T?C. FACIMAR, 6: 137-151, 2002.

ESTU?RIO DO RIO CAMBORI?-SC: VARIA??O INTRAMAREAL E TRANSPORTE RESIDUAL DE NUTRIENTES, COP E CLOROFILA-a EM CONDI??ES DE

QUADRATURA E SIZ?GIA

PEREIRA FILHO, J.*; SPILLERE, L.C.; SCHETTINI, C.A.F. & L.F. SILVA C.T.T. Mar - Universidade do Vale do Itaja?. R.Uruguai, 458 - 88.302-202 - Itaja? -SC

*Email: jura@cttmar.univali.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar a variabilidade intramareal e quantificar o transporte residual de nutrientes, Carbono Org?nico Particulado (COP) e Clorofila-a (Cla) no estu?rio do rio Cambori?, durante condi??es de mar? de siz?gia e quadratura. Foram realizadas 2 campanhas de amostragem de 25 horas, cobrindo dois ciclos de mar? em cada. Nas campanhas foram obtidos registros de velocidade de corrente e perfis verticais de salinidade e temperatura, bem como amostras de ?gua (superf?cie e fundo). A varia??o dos nutrientes foi maior na campanha realizada em condi??es de mer? de siz?gia. Na quadratura, o estu?rio ficou sempre estratificado e apresentou menor varia??o. Na siz?gia o transporte resultou em exporta??o de NID, PID, Si e COP, respectivamente iguais a -2.6x104, -0.9x103,-9.9x103 e -1.9x103 (mol/d) e importa??o de Cla de 50 g/d. Na quadratura o transporte resultou em exporta??o de NID, PID, Si, COP e Cla de, respectivamente, 1.5x104, -0.35x103, -23x103, -4.4x103 (mol/d) e -2.0x103 g/d. As maiores transfer?ncias de Si e COP na quadratura podem estar associadas ao per?odo mais chuvoso em que ela foi realizada. O menor transporte de NID e PID pode ser explicado pela sua adsor??o ao material em suspens?o e/ ou ao consumo pelo fitopl?ncton, no interior do estu?rio. Esta hip?tese ? apoiada pela exporta??o de Cla nesta situa??o.

Palavras Chave: eutrofiza??o, estu?rio, ciclo de mar?, costa de SC.

CAMBORI? RIVER ESTUARY: INTRATIDAL VARIATION AND NET TRANSPORT OF DISSOLVED NUTRIENTS, POC AND CHLOROPHYLL A

DURING NEAP AND SPRING TIDE CONDITIONS

ABSTRACT

The purpose of this study was to evaluate the intratidal variability and to quantify the net transport of dissolved nutrients, particulate organic carbon (POC) and Chlorophyll a in the estuary of the Cambori? River during neap and spring tides. Two 25-hour continuous sampling surveys were carried out, covering two tidal cycles on each situation. On each survey, continuous records of direction and velocity of currents and vertical profiles of salinity and temperature were obtained, as well as samples of surface and botton water. The distribution of dissolved nutrients was determined by the tide during spring tide conditions and by the river discharge during neap tide conditions. In the spring tide the net transports of DIN, DIP, Si, POC and Chla-a through the estuary were -2.6x104, -0.9x103,-9.9x103 e -1.9x103 (mol/d) and 50 (g/d), respectively. In the neap tide, the net transports of DIN, DIP, Si, POC and Cla-a were -1.5x104, -0.35x103, -23x103, -4.4x103 (mol/d) e -2.0x103 g/d, respectively. The largest transfers of Si and POC in the neap tide may be associated to the rainy period in this situation. The smallest transport of DIN and DIP can be explained by its adsorption into the particulate material and by its biological consumption. The second hypothesis is reinforced by the export of Cla-a from the estuary.

Keywords: nutrients, estuary, tide cycle, particulate organic carbon, coastal zone of SC.

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PEREIRA Fo. J. et al.: Estu?rio do Rio Cambori?-SC: Varia??o de nutrientes, COP e Clorofila-a

INTRODU??O

A principal via de entrada de nutrientes para o ambiente marinho costeiro ? a drenagem continental. A ?gua fluvial apresenta n?veis de concentra??o de nutrientes que superam em ordens de grandeza aqueles encontrados no mar. A alta concentra??o de nutrientes ocorre em fun??o de que estes corpos d??gua carreiam grande quantidade de material continental, seja de origem antr?pica ou originados do intemperismo da crosta.

A regi?o costeira apresenta produtividade prim?ria elevada e alta riqueza biol?gica em fun??o do aporte continental. O fornecimento de nutrientes ? intensificado em estu?rios situados em regi?es de elevada concentra??o populacional, em fun??o do aporte de efluentes dom?sticos, industriais e agr?colas e do escoamento urbano. A eutrofiza??o nas ?guas estuarinas e costeiras provoca diversas modifica??es no meio, podendo produzir um aumento da produtividade (Nixon,1992) e rendimento pesqueiro (Cederwall & Elmgren, 1980; Nixon, 1982; Nixon et al, 1986). Entretanto a eutrofiza??o pode ser excessiva, particularmente em ambientes de circula??o restrita como ba?as, enseadas e lagoas costeiras, podendo causar efeitos indesejados.

V?rias altera??es nas caracter?sticas qu?micas e na qualidade da ?gua destes corpos d'?gua tamb?m t?m sido registradas, como resultado da altera??o dos fluxos biogeoqu?micos, com v?rias conseq??ncias ecol?gicas, e.g., altera??o da composi??o de esp?cies (Beukema 1991), aumento de blooms fitoplanct?nicos e diminui??o dos n?veis de oxig?nio (Parker & O'Reilly 1991, Pennock et al 1994). Diversos estudos t?m sido feitos relacionando as altera??es do meio em fun??o do aporte de nutrientes e mat?ria org?nica (Berounsky & Nixon 1985; Innamorati & Giovanardi, 1990; Kimor, 1996; Carmouze & Vasconcelos, 1992; Braga et al, 2000). No entanto, poucos quantificam tais entradas (Nixon, 1982; Nixon & Pilson, 1984; Smith & Veeh, 1989; Niencheski & Windom, 1994).

Os sistemas costeiros recebem diretamente o impacto das atividades humanas ocorridas nas bacias de drenagem. Como resultado, grande parte dos compostos de origem antr?pica tende a ficar concentrada nestas regi?es, ao inv?s de se dispersar ao longo de todo o corpo oce?nico (Bishop 1983, Per?s et al, 1980). O tipo de influ?ncia que este aporte pode ter sobre o sistema depende dos usos e ocupa??o que se faz na bacia de drenagem. Zonas altamente industrializadas se caracterizam pelo aporte de metais pesados, hidrocarbonetos, nutrientes e mat?ria org?nica; j? regi?es agr?colas principalmente pela entrada de fertilizantes, al?m de pesticidas e herbicidas (Ribeiro, 1996).

O esgoto dom?stico ? outro problema diretamente relacionado ? presen?a de centros urbanos nas proximidades de estu?rios. Al?m de grande quantidade de ?gua, o esgoto dom?stico carrega uma s?rie de subst?ncias poluentes, onde se destacam a mat?ria org?nica, os nutrientes, organismos patog?nicos e material em suspens?o (Bishop, 1983). Muitos centros urbanos lan?am seus esgotos, bruto ou parcialmente tratado, diretamente em ?guas estuarinas e costeiras. Entretanto o processo de mistura em regi?es costeiras, e particularmente em estu?rios e lagoas costeiras, n?o ? completo. A entrada destes efluentes em corpos d'?gua de circula??o restrita pode provocar a eutrofiza??o do meio, com grande desenvolvimento dos produtores prim?rios, tanto macroalgas como fitopl?ncton (Carneiro et al, 1994; Carneiro & Barroso, 1993; Carmouze & Vaconcelos, 1992).

Apesar da pequena dimens?o do Estu?rio do Rio Cambori?, ele apresenta grande import?ncia por ser a principal via de entrada de material continental para a Enseada de Cambori?, um dos principais balne?rios do sul do Brasil. Desta forma, a qualidade da ?gua da enseada pode ser grandemente influenciada pelo material transportado atrav?s deste estu?rio. Assim, este trabalho teve como objetivo avaliar a variabilidade intramareal dos nutrientes inorg?nicos dissolvidos (NO3- , NO2-, NH4+,

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PO 3- e Si), Carbono Org?nico Particulado 4

(COP) e clorofila-a (cla) no estu?rio e quantificar o seu transporte para a zona costeira adjacente durante ciclos completos de mar?.

?REA DE ESTUDO

O estu?rio do rio Cambori? est? localizado no Sul do Brasil, no estado de Santa Catarina (figura 1). Ele representa a por??o terminal do Rio Cambori?, o qual apresenta 40 km de extens?o, drenando uma ?rea de 200 km2. A bacia de drenagem do Rio Cambori? inclui v?rias regi?es onde a atividade agr?cola se destaca.

A caracteriza??o hidrol?gica e morfol?gica do estu?rio foi feita por Schettini et al (1996) e Siegle et al (1998). A mar? local ? microtidal, principalmente semi-diurna, apresentando amplitude m?dia de 0,8 m com valor m?ximo de 1,2 m. A influ?ncia meteorol?gica sobre a altura da mar? ? tamb?m importante, podendo elev?-la at? cerca de 1m acima da mar? astron?mica (Schettini et al, 1996, Carvalho et al, 1996 in Siegle et al, 1999). Segundo Siegle (1999) e Siegle et al (1999), o estu?rio do rio Cambori? ? um estu?rio raso, do tipo parcialmente misturado (tipo 2b segundo dia-

grama de classifica??o de Hansen & Rattray, 1966). Durante condi??es de mar? de quadratura ? verificado um padr?o de estratifica??o cont?nuo ao longo do tempo, e durante a mar? de siz?gia a estratifica??o ? observada apenas durante certos per?odos do ciclo de mar?.

O estu?rio do Rio Cambori?, nas proximidades de sua desembocadura, apresenta um canal de aproximadamente 120 m de largura, com cerca de 2 m de profundidade, sendo margeado por vegeta??o de manguezal, j? degradada. A ?rea encontra-se impactada, recebendo o aporte direto de esgotos dom?sticos e funcionando tamb?m como atracadouro para dezenas de embarca??es. O estu?rio recebe tamb?m o efluente das lagoas de estabiliza??o do munic?pio de Balne?rio Cambori?, que promovem o tratamento do esgoto bruto da cidade. A esta??o de tratamento consiste de duas lagoas anaer?bicas e duas lagoas facultativas, as quais recebem o esgoto de aproximadamente 85% do munic?pio. Sendo um dos mais importantes balne?rios do sul do Brasil, o munic?pio de Balne?rio Cambori? apresenta uma popula??o fixa de aproximadamente 70 mil habitantes. Entretanto nos per?odos de ver?o, este n?mero se aproxima a 300 mil, o que faz com que a carga org?nica seja igualmente

Brasil

S?o Francisco

Itaja?

SC

Florian?polis

Imbituba Laguna

N

Oc. Atl?ntico

Baln. Cambori? Rio Cambori?

Cais

#3 #2 #1

Figura 1: Localiza??o da ?rea de estudo com a esta??o de amostragens (#2) ao longo da se??o transversal (---) no estu?rio do rio Cambori?.

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aumentada. Desta forma, a varia??o sazonal da qualidade da ?gua na enseada de Cambori? ? not?vel, com os piores valores sendo registrados no ver?o, principalmente no sul da enseada, regi?o que sofre influ?ncia direta do estu?rio (Kuroshima et al, 2000).

A partir do trabalho de Morelli (1997), tamb?m fica clara a import?ncia do estu?rio do Rio Cambori? na influ?ncia da distribui??o de nutrientes da enseada. Durante a maior parte do ano, a regi?o sul da enseada apresenta as maiores concentra??es, uma vez que est? sob influ?ncia direta do estu?rio. As elevadas concentra??es s?o originadas do aporte estuarino, j? que este apresenta concentra??es de nutrientes e COP muito maiores do que a enseada (Pereira Filho et al, 2001). Em fun??o do aporte de nutrientes, a regi?o sul da enseada apresenta alta produtividade prim?ria, resultando em concentra??es maiores de clorofila-a. Dependendo das correntes de mar?, esta regi?o de maior biomassa fitoplanct?nica pode fluir para dentro do estu?rio (enchente) ou localizar-se mais externamente a ele, na enseada (vazante), como foi mostrado por Pereira Filho et al (2001).

MATERIAL E M?TODOS

Amostragem

Para avaliar a varia??o temporal e estimar o fluxo de subst?ncias no estu?rio, foram realizadas duas campanhas sob diferentes condi??es, uma em mar? de siz?gia e outra em mar? de quadratura. As campanhas foram realizadas pr?ximas ? desembocadura do estu?rio, onde a ?rea da se??o foi determinada a partir do perfil batim?trico (figura 2) realizado atrav?s de ecossonda (Siegle et al, 1999). A primeira campanha, correspondendo ? mar? de quadratura, foi realizada nos dias 09 e 10 de abril de 1999 e a segunda, correspondente a

mar? de siz?gia, nos dias 27 e 28 de agosto de 1999.

Cada campanha cobriu dois ciclos completos de mar?, totalizando 25 horas de amostragem em cada. Medi??es de velocidade e dire??o das correntes foram feitas em duas profundidades em uma esta??o fixa, no centro do canal do estu?rio, denominada esta??o 2 (figura 1), utilizando-se corrent?grafos fundeados. Perfis verticais de salinidade e temperatura foram realizados a cada hora e o n?vel da ?gua foi monitorado com um mar?grafo de press?o fixo na margem. Amostras de ?gua de superf?cie e fundo foram obtidas no momento da realiza??o dos perfis de salinidade. As amostras foram filtradas em filtros Whatman GF/C pr?-calcinados (550 oC/4 horas), logo ap?s a coleta. Os filtros foram lavados com Na2SO4 para elimina??o de cloretos e congelados a 15 oC. O material filtrado, destinado ? determina??o dos nutrientes inorg?nicos dissolvidos, foi ent?o dividido em sub-amostras, congelado e posteriormente analisado em laborat?rio.

An?lise

A partir do material retido nos filtros, foram determinados o COP e a cla. O COP foi determinado por digest?o ?cida com dicromato de pot?ssio, sendo o excesso titulado com sulfato ferroso amoniacal, segundo m?todo descrito por Grashoff et al (1983). A extra??o da cla foi feita com acetona 90 %, mediante desintegra??o do filtro e solvente. A determina??o foi realizada por meio de cromatografia l?quida de alta efici?ncia de fase reversa (HPLC) segundo m?todo descrito por Mantoura et al (1997), sendo que os extratos foram clarificados antes da inje??o no cromat?grafo, por filtra??o em filtro Whatman GF/C. Os nutrientes inorg?nicos dissolvidos (N-NH4+, N-NO2-, N-NO3, Si-H4SiO4 e P-PO43-) foram determinados a partir do material filtrado, segundo m?todos colorim?tricos cl?ssicos, adaptados de Strickland & Parsons (1972).

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C?lculo do Transporte

A taxa de transporte atrav?s da se??o transversal (Q, mmol.d-1 ou mg.d-1) de cada par?metro em cada campanha foi obtida a partir da soma do transporte em superf?cie(Qs) e fundo (Qf), segundo a express?o:

Qs = cs.us.Ai / 2

Qf = cf .uf .Ai / 2

Q= Qs+Qf

onde: Ai ? a ?rea instant?nea da se??o transversal (m2) no momento da amostragem. c ? o par?metro de concentra??o (mmol.m-3 ou mg.m-3) em superf?cie (cs) ou fundo (cf) no momento de cada amostragem. u ? a velocidade de corrente (m.h-1) em superf?cie (us) ou fundo (uf). Por conven??o, valores positivos representam correntes da regi?o costeira para o estu?rio e valores negativos o inverso.

A figura 2 mostra a se??o transversal no ponto de amostragem, bem como as ?reas m?ximas e m?nimas registradas nas campanhas de siz?gia e de quadratura.

RESULTADOS E DISCUSS?O

As figuras 3 e 4 e as tabelas 1 e 2 sumariam os resultados obtidos nas duas campanhas de amostragem, em situa??o de siz?gia e de quadratura, respectivamente.

Mar? de Siz?gia

Nutrientes Inorg?nicos Dissolvidos

A campanha feita sob condi??es de mar? de siz?gia foi realizada em agosto-99, durante um per?odo seco. A precipita??o total registrada em agosto foi de 4.8 mm, obtida pela esta??o meteorol?gica do Centro de Ci?ncias Tecnol?gicas da Terra e do Mar (CTT Mar), em Itaja?. Nesta situa??o a influ?ncia da mar? na

Esta??o

Pier

0,5 0,0 - 0,5 - 1,0 - 1,5

Siz?gia

Quadratura

177 m2 148 m2

99 m2 82 m2

Mangue

- 2,0

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Largura (m)

Figura 2: Se??o transversal no ponto de amostragem, mostrando as ?reas m?ximas e m?nimas da se??o registrados durante as amostragens, em fun??o do n?vel d??gua (N.A.), em condi??es de siz?gia e quadratura. (Se??o vista do estu?rio em dire??o ao oceano).

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