DIALÉTICA DO ESCLARECIMENTO Fragmentos Filosóficos

DIAL?TICA DO ESCLARECIMENTO

Fragmentos Filos?ficos 1947

(Dialektik der Aufkl?rung ? Philosophische Fragmente)

Theodor W. Adorno &

Max Horkheimer

(Fonte: )

?NDICE

Sobre a Nova Edi??o Alem? .......................................................................................... 1 Pref?cio ............................................................................................................................ 2 O Conceito de Esclarecimento....................................................................................... 5 EXCURSO I: Ulisses ou Mito e Esclarecimento........................................................ 23 EXCURSO II: Juliette ou Esclarecimento e Moral................................................... 40 A Ind?stria Cultural: O Esclarecimento Como Mistifica??o das Massas............... 57 Elementos do Anti-Semitismo: Limites do esclarecimento....................................... 80 Notas e Esbo?os ............................................................................................................. 99

CONTRA OS QUE T?M RESPOSTA PARA TUDO ....................................................................................... 99 CONVERS?O DA IDEIA EM DOMINA?AO................................................................................................ 100 SOBRE A TEORIA DOS FANTASMAS ......................................................................................................... 101 QUAND M?ME.................................................................................................................................................. 102 PSICOLOGIA ANIMAL ................................................................................................................................... 102 PARA VOLTAIRE ............................................................................................................................................. 103 CLASSIFICA?AO ............................................................................................................................................. 103 AVALANCHA .................................................................................................................................................... 103 ISOLAMENTO PELOS MEIOS DE COMUNICA?AO................................................................................ 104 PARA UMA CRITICA DA FILOSOFIA DA HIST?RIA.............................................................................. 104 MONUMENTOS DA HUMANIDADE............................................................................................................. 106 FRAGMENTO DE UMA TEORIA DO CRIMINOSO................................................................................... 106 LE PRIX DU PROGR?S ................................................................................................................................... 108 V?O ESPANTO.................................................................................................................................................. 108 O INTERESSE PELO CORPO......................................................................................................................... 108 SOCIEDADE DE MASSAS ............................................................................................................................... 111 CONTRADI?OES.............................................................................................................................................. 111 MARCADOS....................................................................................................................................................... 112 FILOSOFIA E DIVIS?O DO TRABALHO .................................................................................................... 113 O PENSAMENTO .............................................................................................................................................. 114 O HOMEM E O ANIMAL................................................................................................................................. 115 PROPAGANDA .................................................................................................................................................. 119 SOBRE A G?NESE DA BURRICE.................................................................................................................. 120

Para Friedrich Pollock

Sobre a Nova Edi??o Alem?

A "Dial?ctica do Esclarecimento" saiu em 1947 pela editora Querido em Amsterd?o. O livro, que s? pouco a pouco se difundiu, est? h? muito esgotado. Ao reedit?-lo agora, decorridos mais de vinte anos, n?o somos movidos apenas pelas m?ltiplas solicita??es, mas pela cren?a de que n?o poucos dos pensamentos ainda s?o atuais e t?m determinado em larga medida nossos esfor?os te?ricos ulteriores. ? dif?cil para algu?m de fora fazer ideia da medida em que somos ambos respons?veis por cada frase. Juntos ditamos largos trechos, e a tens?o dos dois temperamentos intelectuais que se juntaram na "Dial?ctica" ? seu elemento vital.

N?o nos agarramos sem modifica??es a tudo o que est? dito no livro. Isso seria incompat?vel com uma teoria que atribui ? verdade um n?cleo temporal, em vez de op?-la ao movimento hist?rico como algo de imut?vel. O livro foi redigido num momento em que j? se podia enxergar o fim do terror nacional-socialista. Mas n?o s?o poucas as passagens em que a formula??o n?o ? mais adequada ? realidade atual. E, no entanto, n?o se pode dizer que, mesmo naquela ?poca, tenhamos avaliado de maneira excessivamente in?cua o processo de transi??o para o mundo administrado.

No per?odo da grande divis?o pol?tica em dois blocos colossais, objectivamente compelidos a colidirem um com o outro, o horror continuou. Os conflitos no Terceiro Mundo, o crescimento renovado do totalitarismo n?o s?o meros incidentes hist?ricos, assim como tampouco o foi, segundo a "Dial?ctica", o fascismo em sua ?poca. O pensamento cr?tico, que n?o se det?m nem mesmo diante do progresso, exige hoje que se tome partido pelos ?ltimos res?duos de liberdade, pelas tend?ncias ainda existentes a uma humanidade real, ainda que pare?am impotentes em face da grande marcha da hist?ria.

O desenvolvimento que diagnosticamos neste livro em direc??o ? integra??o total est? suspenso, mas n?o interrompido; ele amea?a se completar atrav?s de ditaduras e guerras. O progn?stico da convers?o correlata do esclarecimento no positivismo, o mito dos factos, finalmente a identidade da intelig?ncia e da hostilidade ao esp?rito encontraram uma confirma??o avassaladora. Nossa concep??o da hist?ria n?o presume estar livre disso, mas, certamente, n?o est? ? cata de

informa??es ? maneira positivista. Cr?tica da filosofia que ?, n?o quer abrir m?o da filosofia.

Retorn?mos dos Estados Unidos, onde o livro foi escrito, para a Alemanha, na convic??o de que aqui poderemos fazer mais do que em outro lugar, tanto te?rica quanto praticamente. Juntamente com Friedrich Pollock, a quem o livro ? agora dedicado por seus 75 anos, como j? o era por seus 50 anos, reconstru?mos o Instituto para Pesquisa Social com o pensamento de prosseguir a concep??o formulada na "Dial?ctica". No desenvolvimento de nossa teoria e nas experi?ncias comuns que se seguiram, tivemos a ajuda, no mais belo sentido, de Gretel Adorno, como j? ocorrera por ocasi?o da primeira redac??o.

Quanto ?s altera??es, fomos muito mais parcimoniosos do que o costume na reedi??o de livros publicados h? mais de uma d?cada. N?o quer?amos retocar o que hav?amos escrito, nem mesmo as passagens manifestamente inadequadas. Actualizar todo o texto teria significado nada menos do que um novo livro. A ideia de que hoje importa mais conservar a liberdade, ampli?-la e desdobr?-la, em vez de acelerar, ainda que indirectamente, a marcha em direc??o ao mundo administrado, ? algo que tamb?m exprimimos em nossos escritos ulteriores. Contentamo-nos, no essencial, com a correc??o de erros tipogr?ficos e coisas que tais. Semelhante reserva transforma o livro numa documenta??o; temos a esperan?a de que seja, ao mesmo tempo, mais do que isso.

Frankfurt am Main, abril, 1969.

Theodor W. Adorno e Max Horkheimer

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Pref?cio

Quando come??mos o trabalho, cujas primeiras provas dedicamos a Friedrich Pollock, t?nhamos a esperan?a de poder apresentar o todo conclu?do por ocasi?o de seu quinquag?simo anivers?rio. Mas quanto mais nos aprofund?vamos em nossa tarefa, mais claramente perceb?amos a despropor??o entre ela e nossas for?as. O que nos propus?ramos era, de facto, nada menos do que descobrir por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, est? se afundando em uma nova esp?cie de barb?rie. Subestim?mos as dificuldades da exposi??o porque ainda t?nhamos uma excessiva confian?a na consci?ncia do momento presente. Embora tiv?ssemos observado h? muitos anos que, na actividade cient?fica moderna, o pre?o das grandes inven??es ? a ru?na progressiva da cultura te?rica, acredit?vamos de qualquer modo que pod?amos nos dedicar a ela na medida em que fosse poss?vel limitar nosso desempenho ? cr?tica ou ao desenvolvimento de tem?ticas especializadas. Nosso desempenho devia restringir-se, pelo menos tematicamente, ?s disciplinas tradicionais: ? sociologia, ? psicologia e ? teoria do conhecimento.

Os fragmentos que aqui reunimos mostram, contudo, que tivemos de abandonar aquela confian?a. Se uma parte do conhecimento consiste no cultivo e no exame atentos da tradi??o cient?fica (especialmente onde ela se v? entregue ao esquecimento como um lastro in?til pelos expurgadores positivistas), em compensa??o, no colapso actual da civiliza??o burguesa, o que se torna problem?tico ? n?o apenas a actividade, mas o sentido da ci?ncia. O que os fascistas ferrenhos elogiam hipocritamente e os d?ceis especialistas da humanidade ingenuamente levam a cabo, a infatig?vel autodestrui??o do esclarecimento, for?a o pensamento a recusar o ?ltimo vest?gio de inoc?ncia em face dos costumes e das tend?ncias do esp?rito da ?poca. Se a opini?o p?blica atingiu um estado em que o pensamento inevitavelmente se converte em mercadoria e a linguagem em seu encarecimento, ent?o a tentativa de p?r a nu semelhante deprava??o tem de recusar lealdade ?s conven??es lingu?sticas e conceituais em vigor, antes que suas consequ?ncias para a hist?ria universal frustrem completamente essa tentativa.

Se se tratasse apenas dos obst?culos resultantes da instrumenta??o desmemoriada da ci?ncia, o pensamento sobre quest?es sociais poderia, pelo menos, tomar como ponto de partida as tend?ncias opostas ? ci?ncia oficial. Mas tamb?m estas s?o presas do processo global de produ??o.

Elas n?o se modificaram menos do que a ideologia ? qual se referiam. Com elas se passa o que sempre sucedeu ao pensamento triunfante. Se ele sai voluntariamente de seu elemento cr?tico como um mero instrumento ao servi?o da ordem existente, ele tende, contra sua pr?pria vontade, a transformar aquilo que escolheu como positivo em algo de negativo, de destrutivo. A filosofia que, no s?culo dezoito, apesar das fogueiras levantadas para os livros e as pessoas, infundia um medo mortal na inf?mia,1 sob Bonaparte j? passava para o lado desta. Finalmente, a escola apolog?tica de Comte usurpou a sucess?o dos enciclopedistas intransigentes e estendeu a m?o a tudo aquilo contra o qual estes se haviam colocado. As metamorfoses da cr?tica na afirma??o tampouco deixam inc?lume o conte?do te?rico, sua verdade volatiliza-se. Agora, ? verdade, a hist?ria motorizada toma a dianteira desses desenvolvimentos intelectuais e os portavozes oficiais, movidos por outros cuidados, liquidam a teoria que os ajudou a encontrar um lugar ao sol, antes que esta consiga prostituir-se direito.

Ao tomar consci?ncia da sua pr?pria culpa, o pensamento v?-se por isso privado n?o s? do uso afirmativo da linguagem conceptual cient?fica e quotidiana, mas igualmente da linguagem da oposi??o. N?o h? mais nenhuma express?o que n?o tenda a concordar com as direc??es dominantes do pensamento, e o que a linguagem desgastada n?o faz espontaneamente ? suprido com precis?o pelos mecanismos sociais. Aos censores, que as f?bricas de filmes mant?m voluntariamente por medo de acarretar no final um aumento dos custos, correspondem inst?ncias an?logas em todas as ?reas. O processo a que se submete um texto liter?rio, se n?o na previs?o autom?tica do seu produtor, pelo menos pelo corpo de leitores, editores, redactores e ghost-writers dentro e fora do escrit?rio da editora, ? muito mais minucioso que qualquer censura. Tornar inteiramente sup?rfluas suas fun??es parece ser, apesar de todas as reformas ben?ficas, a ambi??o do sistema educacional. Na cren?a de que ficaria excessivamente suscept?vel ? charlatanice e ? supersti??o, se n?o se restringisse ? constata??o de factos e ao c?lculo de probabilidades, o esp?rito conhecedor prepara um ch?o suficientemente ressequido para acolher com avidez a charlatanice e a supersti??o. Assim como a proibi??o sempre abriu as portas para um produto mais t?xico ainda, assim tamb?m o cerceamento da imagina??o te?rica preparou o caminho para o desvario pol?tico. E, mesmo quando as pessoas ainda n?o sucumbiram a

1 Alus?o ? express?o com que Voltaire designava a supersti??o: "?crasez l'inf?me". (N. T.).

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ele, elas v?em-se privadas dos meios de resist?ncia pelos mecanismos de censura, tanto os externos quanto os implantados dentro delas pr?prias.

A aporia com que defrontamos em nosso trabalho revela-se assim como o primeiro objecto a investigar: a autodestrui??o do esclarecimento. N?o alimentamos d?vida nenhuma ? e nisso reside nossa petitio principii ? de que a liberdade na sociedade ? insepar?vel do pensamento esclarecedor. Contudo, acreditamos ter reconhecido com a mesma clareza que o pr?prio conceito desse pensamento, tanto quanto as formas hist?ricas concretas, as institui??es da sociedade com as quais est? entrela?ado, cont?m o germe para a regress?o que hoje tem lugar por toda parte. Se o esclarecimento n?o acolhe dentro de si a reflex?o sobre esse elemento regressivo, ele est? selando seu pr?prio destino. Abandonando a seus inimigos a reflex?o sobre o elemento destrutivo do progresso, o pensamento cegamente pragmatizado perde seu car?cter superador e, por isso, tamb?m sua rela??o com a verdade. A disposi??o enigm?tica das massas educadas tecnologicamente a deixar dominar-se pelo fasc?nio de um despotismo qualquer, sua afinidade autodestrutiva com a paran?ia racista, todo esse absurdo incompreendido manifesta a fraqueza do poder de compreens?o do pensamento te?rico atual.

Acreditamos contribuir com estes fragmentos para essa compreens?o, mostrando que a causa da reca?da do esclarecimento na mitologia n?o deve ser buscada tanto nas mitologias nacionalistas, pag?s e em outras mitologias modernas especificamente idealizadas em vista dessa reca?da, mas no pr?prio esclarecimento paralisado pelo temor da verdade. Neste respeito, os dois conceitos devem ser compreendidos n?o apenas como hist?rico-culturais, mas como reais. Assim como o esclarecimento exprime o movimento real da sociedade burguesa como um todo sob o aspecto da encarna??o de sua Ideia em pessoas e institui??es, assim tamb?m a verdade n?o significa meramente a consci?ncia racional mas, do mesmo modo, a figura que esta assume na realidade efectiva. O medo que o bom filho da civiliza??o moderna tem de afastar-se dos factos ? factos esses que, no entanto, j? est?o pr?moldados como clich?s na pr?pria percep??o pelas usan?as dominantes na ci?ncia, nos neg?cios e na pol?tica ? ? exactamente o mesmo medo do desvio social. Essas usan?as tamb?m definem o conceito de clareza na linguagem e no pensamento a que a arte, a literatura e a filosofia devem conformar-se hoje. Ao tachar de complica??o obscura e, de prefer?ncia, de alien?gena o pensamento que se aplica negativamente aos factos, bem como ?s formas de pensar dominantes, e ao colocar assim um tabu

sobre ele, esse conceito mant?m o esp?rito sob o dom?nio da mais profunda cegueira. ? caracter?stico de uma situa??o sem sa?da que at? mesmo o mais honesto dos reformadores, ao usar uma linguagem desgastada para recomendar a inova??o, adopta tamb?m o aparelho categorial inculcado e a m? filosofia que se esconde por tr?s dele, e assim refor?a o poder da ordem existente que ele gostaria de romper. A falsa clareza ? apenas uma outra express?o do mito. Este sempre foi obscuro e iluminante ao mesmo tempo. Suas credenciais t?m sido desde sempre a familiaridade e o facto de dispensar do trabalho do conceito.

A naturaliza??o dos homens hoje em dia n?o ? dissoci?vel do progresso social. O aumento da produtividade econ?mica, que por um lado produz as condi??es para um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho t?cnico e aos grupos sociais que o controlam uma superioridade imensa sobre o resto da popula??o. O indiv?duo v?-se completamente anulado em face dos poderes econ?micos. Ao mesmo tempo, estes elevam o poder da sociedade sobre a natureza a um n?vel jamais imaginado. Desaparecendo diante do aparelho a que serve, o indiv?duo v?-se, ao mesmo tempo, melhor do que nunca provido por ele. Numa situa??o injusta, a impot?ncia e a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela destinados. A eleva??o do padr?o de vida das classes inferiores, materialmente consider?vel e socialmente lastim?vel, reflecte-se na difus?o hip?crita do esp?rito. Sua verdadeira aspira??o ? a nega??o da reifica??o. Mas ele necessariamente se esvai quando se v? concretizado em um bem cultural e distribu?do para fins de consumo. A enxurrada de informa??es precisas e divers?es ass?pticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo.

O que est? em quest?o n?o ? a cultura como valor, como pensam os cr?ticos da civiliza??o Huxley, Jaspers, Ortega y Gasset e outros. A quest?o ? que o esclarecimento tem que tomar consci?ncia de si mesmo, se os homens n?o devem ser completamente tra?dos. N?o ? da conserva??o do passado, mas de resgatar a esperan?a passada que se trata. Hoje, por?m, o passado prolonga-se como destrui??o do passado. Se a cultura respeit?vel constituiu at? ao s?culo dezanove um privil?gio, cujo pre?o era o aumento do sofrimento dos incultos, no s?culo vinte o espa?o higi?nico da f?brica teve por pre?o a fus?o de todos os elementos da cultura num cadinho gigantesco. Talvez isso n?o fosse um pre?o t?o alto, como acreditam aqueles defensores da cultura, se a venda em liquida??o da

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cultura n?o contribu?sse para a convers?o das conquistas econ?micas em seu contr?rio.

Nas condi??es atuais, os pr?prios bens da fortuna convertem-se em elementos do infort?nio. Enquanto no per?odo passado a massa desses bens, na falta de um sujeito social, resultava na chamada superprodu??o, em meio ?s crises da economia interna, hoje ela produz, com a entroniza??o dos grupos que det?m o poder no lugar desse sujeito social, a amea?a internacional do fascismo: o progresso converte-se em regress?o. O facto de que o espa?o higi?nico da f?brica e tudo o que acompanha isso, o Volkswagen e o Pal?cio dos Desportos, levem a uma liquida??o est?pida da metaf?sica, ainda seria indiferente, mas que eles pr?prios se tornem, no interior do todo social, a metaf?sica, a cortina ideol?gica atr?s da qual se concentra a desgra?a real n?o ? indiferente. Eis a? o ponto de partida dos nossos fragmentos.

O primeiro estudo, o fundamento te?rico dos seguintes, procura tornar mais intelig?vel o entrela?amento da racionalidade e da realidade social, bem como o entrela?amento, insepar?vel do primeiro, da natureza e da domina??o da natureza. A cr?tica a? feita ao esclarecimento deve preparar um conceito positivo do esclarecimento, que o solte do emaranhado que o prende a uma domina??o cega.

Em linhas gerais, o primeiro estudo pode ser reduzido em sua parte cr?tica a duas teses: o mito j? ? esclarecimento e o esclarecimento acaba por reverter ? mitologia. Nos dois excursos, essas teses s?o desenvolvidas a prop?sito de objectos espec?ficos. O primeiro acompanha a dial?ctica do mito e do esclarecimento na Odisseia como um dos mais precoces e representativos testemunhos da civiliza??o burguesa ocidental. No centro est?o os conceitos de sacrif?cio e ren?ncia, nos quais se revelam tanto a diferen?a quanto a unidade da natureza m?tica e do dom?nio esclarecido da natureza. O segundo excurso ocupa-se de Kant, Sade e Nietzsche, os implac?veis realizadores do esclarecimento. Ele mostra como a submiss?o de tudo aquilo que ? natural ao sujeito autocr?tico culmina exactamente no dom?nio de uma natureza e uma objectividade cegas. Essa tend?ncia aplaina todas as antinomias do pensamento burgu?s, em especial a antinomia do rigor moral e da absoluta amoralidade.

O segmento sobre a "ind?stria cultural" mostra a regress?o do esclarecimento ? ideologia, que encontra no cinema e no r?dio sua express?o mais influente. O esclarecimento consiste a?, sobretudo, no c?lculo da efic?cia e na t?cnica de produ??o e difus?o. Em conformidade com seu verdadeiro conte?do, a ideologia se esgota na idolatria daquilo

que existe e do poder pelo qual a t?cnica ? controlada. No tratamento dessa contradi??o, a ind?stria cultural ? levada mais a s?rio do que gostaria. Mas como a invoca??o de seu pr?prio car?cter comercial, de sua profiss?o de uma verdade atenuada, h? muito se tornou uma evasiva com a qual ela tenta furtar-se ? responsabilidade pela mentira que difunde, nossa an?lise at?m-se ? pretens?o, objectivamente inerente aos produtos, de serem obras est?ticas e, por isso mesmo, uma configura??o da verdade. Ela revela, na nulidade dessa pretens?o, o car?cter maligno do social. O segmento sobre a ind?stria cultural ? ainda mais fragment?rio do que os outros.

A discuss?o dos "Elementos do Antisemitismo" atrav?s de teses trata do retorno efectivo da civiliza??o esclarecida ? barb?rie. A tend?ncia n?o apenas ideal, mas tamb?m pr?tica, ? autodestrui??o, caracteriza a racionalidade desde o in?cio e de modo nenhum apenas a fase em que essa tend?ncia se evidencia sem disfarces. Neste sentido, esbo?amos uma pr?-hist?ria filos?fica do antisemitismo. Seu "irracionalismo" ? derivado da ess?ncia da pr?pria raz?o dominante e do mundo correspondente a sua imagem. Os "Elementos" est?o directamente ligados a pesquisas emp?ricas do Instituto para Pesquisa Social, a funda??o institu?da e mantida por Felix Weil, sem a qual n?o teriam sido poss?veis, n?o apenas nossos estudos, mas uma boa parte do trabalho te?rico dos emigrantes alem?es, que teve prosseguimento apesar de Hitler.

As primeiras tr?s teses foram escritas juntamente com Leo L?wenthal, com quem desde os primeiros anos de Frankfurt trabalhamos em muitas quest?es cient?ficas.

Na ?ltima parte publicam-se notas e esbo?os que, em parte, pertencem ao horizonte intelectual dos estudos precedentes, sem encontrar a? seu lugar, e em parte tra?am um esbo?o provis?rio de problemas a serem tratados num trabalho futuro. A maioria deles refere-se a uma antropologia dial?ctica.

Los Angeles, Calif?rnia, Maio, 1944.

O livro n?o cont?m nenhuma modifica??o essencial do texto tal como conclu?do ainda durante a guerra. S? a ?ltima tese dos "Elementos do Antisemitismo" foi acrescentada ulteriormente.

Junho, 1947

Theodor W. Adorno e Max Horkheimer

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