GLOBALIZAÇÃO E GEOGRAFIA EM MILTON SANTOS

[Pages:8]GLOBALIZA??O E GEOGRAFIA EM MILTON SANTOS

Wagner Costa Ribeiro Departamento de Geografia Universidade de S?o Paulo

Globaliza??o e geografia em Milton Santos(Resumo)

Em seus ?ltimos livros, Milton Santos tratou da globaliza??o. Ele abordou seus aspectos econ?micos, analisando o papel das empresas na internacionaliza??o do capital, mas tamb?m os fluxos financeiros e suas implica??es na cultura local. O ge?grafo brasileiro teorizou e criticou sobre estes aspectos do mundo contempor?neo, propondo, ao final de sua vida, uma globaliza??o solid?ria, baseada em outros valores que a da hegem?nica. Estas id?ias s?o tratadas em um di?logo com autores que tamb?m estudaram a globaliza??o e suas conseq??ncias.

Palavras-chave: globaliza??o, cultura contempor?nea, geografia, Milton Santos

Globalization and geography in Milton Santos (Abstract)

In your last books, Milton Santos treated the globalization. He approaches her economics aspects, analyses the role of enterprises in the capital's internalization, but also the financial fluxes and their implications in the local culture. The Brazilian geographer theorethicalied and criticized about this aspects of contemporary world, proposing, in the end of her life, a sympathetic globalization, establish in other values than the hegemonic view. Those ideas are treating making a dialog with authors who too study the globalization and her consequences.

Key words: globalization, contemporary culture, geography, Milton Santos

"O espa?o se globaliza, mas n?o ? mundial como um todo sen?o como met?fora. Todos os lugares s?o mundiais mas n?o h? um espa?o mundial. Quem se globaliza mesmo s?o as pessoas" (Milton Santos, 1993).

Globalizar o conhecimento e seu uso. Definir a inser??o dos lugares em uma rede de rela??es humanas de modo a valorizar a singularidade em meio ? totalidade. Viver um mundo mais solid?rio. Essas possibilidades de pensar, representar e propor rela??es humanas caminham na contram?o da hist?ria. Infelizmente verifica-se a predomin?ncia da competi??o desenfreada por mercados e tecnologias, a busca incessante por recursos naturais e a intensa explora??o do trabalhador, mesmo diante da diminui??o de postos de trabalho.

A obra de Milton Santos pertence ao grupo de intelectuais que buscam o pensamento cr?tico a esse estado da vida contempor?nea. Em diversas passagens de seus livros e artigos ele afirmou pretender construir um mundo diferente daquele em que vivemos. Este artigo aborda a interpreta??o do ge?grafo brasileiro sobre a globaliza??o, tratada em sua dimens?o cultural, econ?mica e por fim, solid?ria, promovendo um di?logo com outros autores que trataram do tema.

O que ? globaliza??o?

A difus?o do termo globaliza??o ocorreu por meio da imprensa financeira internacional, em meados da d?cada de 1980. Depois disso, muitos intelectuais dedicaram-se ao tema, associando-a ? difus?o de novas tecnologias na ?rea de comunica??o, como sat?lites artificiais, redes de fibra ?tica que interligam pessoas por meio de computadores, entre outras, que permitiram acelerar a circula??o de informa??es e de fluxos financeiros. Globaliza??o passou a ser sin?nimo de aplica??es financeiras e

de investimentos pelo mundo afora. Al?m disso, ela foi definida como um sistema cultural que homogene?za, que afirma o mesmo a partir da introdu??o de identidades culturais diversas que se sobrep?em aos indiv?duos. Por fim, houve quem afirmasse estarmos diante de um cidad?o global, definido apenas como o que est? inserido no universo do consumo, o que destoa completamente da id?ia de cidadania (Ribeiro, 1995). Por?m

"No debate sobre a globaliza??o n?o temos encontrado an?lises que consideram os fragmentos que ele acarreta. Ao contr?rio, ressaltam-se as suas vantagens aparentes, por?m sem configur?-la com maior precis?o" (Ribeiro, 1995:18).

A globaliza??o ? discutida, segundo as categorias tempo/espa?o, no ?mbito do sistema-mundo, na p?s-modernidade e ? luz dos conceitos de na??o, mercado mundial e lugar. Tornada paradigma para a a??o, a globaliza??o reflete nos Estados-na??o exigindo um protecionismo que em tese se contradiz com a demanda "livre e global" apregoada pelos liberais de plant?o. Por?m, ao olhar para o lugar, para onde as pessoas vivem seu cotidiano, identifica-se o lado perverso e excludente da globaliza??o, em especial quando os lugares ficam nas ?reas pobres do mundo. Ao reafirmar o mesmo, a globaliza??o econ?mica n?o consegue impedir que aflorem os outros, resultando em conflitos que muitos tentam dissimular como competitividade entre os Estados-na??o e/ou corpora??es internacionais, sejam financeiras ou voltadas ? produ??o. A globaliza??o ? fragmenta??o ao expressar no lugar os particularismos ?tnicos, nacionais, religiosos e os exclu?dos dos processos econ?micos com objetivo de acumula??o de riqueza ou de fomentar o conflito (Ribeiro, 2001).

A obra de Milton Santos contribuiu para precisar o fen?meno da globaliza??o. Mas o autor queria mais. Ela chegou a propor uma outra globaliza??o, baseada na solidariedade, embora reconhecesse que ela afetou a cultura atual.

Globaliza??o e cultura

Diferente do que afirmam alguns pesquisadores, que acreditam no estabelecimento de uma homogeneiza??o da cultura, do sistema de valores, a partir da globaliza??o, Milton Santos concebe que "cada lugar ?, ao mesmo tempo, objeto de uma raz?o global e de uma raz?o local, convivendo dialeticamente" (Santos, 1996:273). Para ele, a import?ncia de estudar os lugares reside na possibilidade de captar seus elementos centrais, suas virtudes locacionais de modo a compreender suas possibilidades de intera??o com as a??es solid?rias hier?rquicas.

? no lugar que a cultura vai ganhar sua dimens?o simb?lica e material, combinando matrizes globais, nacionais, regionais e locais. Mas nem todos pensam assim.

O soci?logo brasileiro Renato Ortiz (1994) afirma que existe uma cultura mundializada que se expressa na emers?o de uma identidade cultural popular, cujos signos estariam dispersos pelo mundo. Como exemplos cita redes de alimentos e marcas de produtos de consumo que seriam facilmente identific?veis de um estilo de vida global.

A apropria??o da cultura pela esfera do consumo foi analisada por muitos autores, como o franc?s Jean Baudrillard (1991), para quem a l?gica do consumo esta baseada no uso planejado de signos que destituem o objeto de finalidade tornando-o simplesmente algo a ser comprado. Esse processo ocorre baseado na subjetividade, na interioriza??o de valores externos aos consumidores, que acabam seduzidos por apelos da propaganda, definidora mesmo de uma nova subjetividade estimuladora da compra do bem divulgado por ela. Para Baudrillard

"o objeto perde a finalidade objetiva e a respectiva fun??o tornando-se o termo de uma combinat?ria muito mais vasta de conjuntos de objetos, em que o seu valor ? a cria??o" (1991:120).

Outro autor relevante na an?lise da cultura contempor?nea ? o professor de literatura Fredric Jameson, que afirma estarmos diante de uma completa estetiza??o da realidade, resultado do mosaico p?s-moderno lan?ado nas ?ltimas d?cadas. Jameson demonstra preocupa??o com os efeitos desse processo na cultura, que tenderia a ser homog?nea. Cr?tico a quem interpreta o mundo por essa via, escreve:

"se tudo ? est?tico, n?o faz muito sentido evocar uma teoria distinta do est?tico; se toda a realidade tornou-se profundamente visual e tende para a imagem, ent?o, na mesma medida, torna-se cada vez mais dif?cil conceituar uma experi?ncia espec?fica da imagem que se distinguiria de outras formas de experi?ncia" (Jameson, 1994:120-121).

O ge?grafo David Harvey participa deste debate polemizando com Baudrillard. Ele acredita que o franc?s exagera em sua representa??o do simulacro por meio das imagens caricaturando a sociedade dos Estados Unidos. Mas concorda com a subjetiva??o da cultura, marcada pela facilidade com que a informa??o chega ?s pessoas. Reafirmando id?ias de Walter Benjamin, escreve que a facilidade de reprodu??o da "arte", entendida como express?o da cultura, pode representar uma transitoriedade permanente, um novo estado de apreender a cultura e o conseq?ente abandono da busca da singularidade na produ??o cultural. Harvey indica que n?o se pode esquecer que o capital tamb?m circula com o objetivo de ampliar-se nesse segmento da atividade humana, montando um imenso sistema de produ??o cultural baseados na produ??o de subjetividade por meio da propaganda. Isso leva a geografia de todos os lugares a cada lugar do mundo, reduzindo a geografia a um simulacro, como entende Baudrillard. Para Harvey

"por meio da experi?ncia de tudo ? comida, h?bitos culin?rios, m?sica, televis?o, espet?culos e cinema ?, hoje ? poss?vel vivenciar a geografia do mundo vicariamente, como um simulacro. O entrela?amento de simulacros da vida di?ria re?ne no mesmo espa?o e no mesmo tempo diferentes mundos (de mercadorias). Mas ele o faz de tal modo que oculta de maneira quase perfeita quaisquer vest?gios de origem, dos processos de trabalhos que os produziram ou das rela??es sociais implicadas em sua produ??o" (1992:270-271).

Para Santos, "o homem vai impondo ? natureza suas pr?prias formas, a que podemos chamar de formas ou objetos culturais, artificiais, hist?ricos" (Santos, 1988:89). Estes objetos culturais fazem com que

"a natureza conhe?a um processo de humaniza??o cada vez maior, ganhando a cada passo elementos que s?o resultado da cultura. Torna-se cada dia mais culturalizada, mais artificializada, mais humanizada. O processo de culturaliza??o da natureza torna-se, cada vez mais, o processo de sua tecnifica??o. As t?cnicas, mais e mais, v?o incorporando-se ? natureza e esta fica cada vez mais socializada, pois ?, a cada dia mais, o resultado do trabalho de um maior n?mero de pessoas. Partindo de trabalhos individualizados de grupos, hoje todos os indiv?duos trabalham conjuntamente, ainda que disso n?o se apercebam. No processo de desenvolvimento humano, n?o h? uma separa??o do homem e da natureza. A natureza se socializa e o homem se naturaliza" (Santos, 1988:89).

A tecnifica??o a que se refere Santos permite o simulacro geogr?fico que Harvey discrimina. Ela configura um meio-t?cnico-cient?fico internacional "no qual a constru??o ou reconstru??o do espa?o se dar? com um conte?do de ci?ncia e de t?cnica" (Santos, 1991:11), formando uma paisagem est?tica, em meu entendimento.

O que seria essa paisagem est?tica? Um tecido urbano que cont?m valores culturais transpassados pela afirma??o do mesmo, que oprimem o singular, sintetizados, por exemplo, em formas urbanas reproduzidas a partir de modelos de arquitetura oriundos de pa?ses hegem?nicos, uma das cr?ticas ?s cidades contempor?neas, como aponta o ge?grafo espanhol Horacio Capel (2001). Isso ? facilmente observ?vel na paisagem de S?o Paulo, uma megacidade brasileira localizada em plena faixa tropical, na qual identificam-se milhares de pr?dios envidra?ados, tal qual preconiza a arquitetura de pa?ses temperados. Ora, os ambientes produzidos por tal concep??o resultam extremamente quentes, gerando a necessidade do uso de aparelhos para resfriar o ar, aumentando o consumo energ?tico. Seria muito mais simples edificar pr?dios segundo a boa arquitetura colonial brasileira, com seus tetos elevados e amplas janelas que permitem desde a entrada de luz natural, abundante nos tr?picos, quanto a circula??o do ar, refrescando o ambiente. Mas o esteticismo a que se refere Jameson prevalece e a paisagem paulistana aquece quem vive nela...

Globaliza??o econ?mica

Neste aspecto a contribui??o de Milton Santos foi bem mais ampla que no caso anterior. Quando afirma, como consta na ep?grafe deste artigo, que "quem se globaliza mesmo s?o as pessoas" (1993:16), o ge?grafo brasileiro d? pistas de como conduz sua reflex?o sobre a globaliza??o econ?mica. Ele est? interessado no fluxo que o sistema de objetos, express?o que vai trabalhar em

diversos livros, permite fluir e conduz, na forma de espa?o geogr?fico.

Para Santos, o espa?o geogr?fico ? uma funcionaliza??o da globaliza??o (1994:48). Ele vai ser produzido de acordo com as demandas de quem o idealiza, para permitir fluir suas necessidades. Para ele o espa?o geogr?fico ? um "conjunto indissoci?vel de sistemas de objetos naturais ou fabricados e de sistemas de a??es, deliberadas ou n?o" (1994:49).

O espa?o geogr?fico viabiliza a globaliza??o, dado que ele materializa tr?s de seus pressupostos: "a unicidade t?cnica, a converg?ncia dos momentos e a unicidade do motor" (1994:49).

A unicidade t?cnica ? entendida como a capacidade de instalar qualquer instrumento t?cnico produtivo em qualquer parte do mundo. A converg?ncia dos momentos ? possibilitada pela unifica??o t?cnica, pela capacidade de comunica??o em tempo real. Por fim, a unicidade do motor ? a dire??o centralizada, exemplificada pela dire??o do mundo econ?mico e das finan?as pelos executivos que atendem aos interesses dos donos das empresas transnacionais e do sistema financeiro internacional. Estes temas s?o amplamente tratados pelo autor em sua obra A natureza do espa?o: t?cnica e tempo, raz?o e emo??o (1996), na qual prop?e "um sistema de id?ias que seja, ao mesmo tempo, um ponto de partida para a apresenta??o de um sistema descritivo e de um sistema interpretativo da geografia" (Santos, 1996:15).

Muitos outros autores discutiram o tema da globaliza??o econ?mica, por?m, desconsideram a dimens?o geogr?fica nos termos propostos por Santos. ? o caso, por exemplo, de Harvey, que analisa o mundo contempor?neo por meio da cria??o de novos mercados financeiros, coordenados em escala global, permitindo a acumula??o capitalista por meio de uma flexibilidade geogr?fica e temporal. Ele entende que apesar disso resta uma fun??o importante ao estado-na??o que

"embora seriamente amea?ado como poder aut?nomo, ret?m mesmo assim grande poder de disciplinar o trabalho e de intervir nos fluxos de mercados financeiros, enquanto se torna muito mais vulner?vel a crises fiscais e ? disciplina do dinheiro internacional. Estou, portanto, tentado a ver a flexibilidade conseguida na produ??o, nos mercados de trabalho e no consumo antes como um resultado da busca de solu??es financeiras para as tend?ncias de crise do capitalismo do que o contr?rio. Isto implicaria que o sistema financeiro alcan?ou um grau de autonomia diante da produ??o real sem precedentes na hist?ria do capitalismo, levando este ?ltimo a uma era de riscos financeiros igualmente in?ditos" (Harvey, 1992:181).

O ge?grafo Edward Soja (1993) assinala que as mudan?as no padr?o produtivo mantiveram as desigualdades geogr?ficas e a manuten??o de lucros imensos por parte das transnacionais, como vem ocorrendo desde o segundo p?s-guerra. Para Soja, isso reafirma a geografia por meio da emerg?ncia da espacialidade, da regionaliza??o e do regionalismo, levando o capital a rever suas estrat?gias espaciais e locacionais, que podem ser facilmente apreendidas. Para ele

"A instrumentalidade das estrat?gias espaciais e locacionais da acumula??o do capital e do controle social est? sendo revelada com mais clareza do que em qualquer ?poca dos ?ltimos cem anos. Simultaneamente, h? tamb?m um crescente reconhecimento de que o operariado, bem como todos os outros segmentos da sociedade que foram periferalizados e dominados, de um modo ou de outro, pelo desenvolvimento e reestrutura??o capitalistas, precisam procurar criar contra-estrat?gias espacialmente conscientes em todas as escalas geogr?ficas, numa multiplicidade de locais, a fim de competir pelo controle da reestrutura??o do espa?o" (Soja, 1993:210).

Esse entendimento ? partilhado por outro ge?grafo, Neil Smith (1988). Para ele, a combina??o de desigualdades geogr?ficas ? inerente ao desenvolvimento capitalista, resultando no desenvolvimento desigual como produto e premissa para o capital. Assim,

"o desenvolvimento desigual ? a desigualdade social estampada na paisagem geogr?fica e ? simultaneamente a explora??o daquela desigualdade geogr?fica para certos fins sociais determinados" (Smith, 1988:221).

Santos entende que o desenvolvimento desigual ? combinado ? resultado de "uma ordem, cuja intelig?ncia ? apenas mediante o processo de totaliza??o, isto ?, o processo de transforma??o de uma totalidade em outra totalidade" (1996:101).

J? o soci?logo brasileiro Ot?vio Ianni, interlocutor de Milton Santos, destaca que a sociedade civil ganhou uma dimens?o mundial tratando de temas como

"direitos humanos, narcotr?fico, prote??o do meio ambiente, d?vida externa, sa?de, educa??o, meios de comunica??o de

massa, sat?lites e outros itens. Assuntos sociais, econ?micos, pol?ticos e culturais que sempre pareceram nacionais, internos, logo se revelam internacionais, externos" (Ianni, 1992:43).

Mas ele entende que ocorre um esvaziamento do estado-na??o pelo capital, que transforma "as sociedades nacionais em depend?ncias da sociedade global" (1992:44). Em outra obra, afirma que a globaliza??o seria um novo paradigma (Ianni, 1995), pois gerou um modo de produ??o e de gest?o da pol?tica inovadores.

O professor Milton Santos discorda dos que viram um esvaziamento da fun??o do estado. Para o ge?grafo brasileiro o que existe ? um

"mercado hierarquizado e articulado pelas firmas hegem?nicas, nacionais e estrangeiras que comandam o territ?rio com apoio do Estado" (Santos, 1991:13).

Por?m, n?o deixa de reconhecer uma certa subordina??o aos imperativos externos ao afirmar que

"os recursos totais do mundo ou de um pa?s, quer seja o capital, a popula??o, a for?a de trabalho, o excedente etc., dividem-se pelo movimento da totalidade, atrav?s da divis?o do trabalho e na forma de eventos (...). Cada momento hist?rico (...) acarreta uma diferencia??o no interior do espa?o total e confere a cada regi?o ou lugar sua especificidade e defini??o particular. Sua significa??o ? dada pela totalidade de recursos" (Santos, 1996:131).

Para o ge?grafo brasileiro Armando Correa da Silva, conhecer os recursos e potencialidades de um estado-na??o passam a ser vitais para a inser??o no cen?rio da "globaliza??o relacionada ? esfera do capital" (Silva, 1993:77). Ele escreveu que

"o capitalismo se defronta com sua pr?pria criatura, ou seja, quanto mais se mundializa valor, mais necess?rios se tornam os mecanismos nacionais e, mesmo, regionais, em alguns casos. A atual centraliza??o descentralizada do Globo tem algo a ver com isso. De uma parte, a centraliza??o d? origem ao seu contr?rio: os movimentos separatistas e regionalistas. De outra, obriga a forma??o de grandes alian?as territoriais, ampliando espacialmente os mercados"(Silva, 1993:77).

Esse rearranjo das rela??es sociais contempor?neas afirmado por Silva produz blocos de pa?ses como a Uni?o Europ?ia, o Mercosul, o Nafta, entre outros, que buscam ampliar o territ?rio apenas para a circula??o de mercadorias, restringindo o fluxo de pessoas ao limite do desej?vel.

A retomada do papel do estado ? partilhada pelos ge?grafos espanh?is Joan Font e Joan Ruf?, quando escrevem que

"Podr?a decirse que en muchos casos se asite a una renacionalizaci?n de los estados. Las formas que toman estos procesos pueden ser muchas y m?s o menos expl?citas, dependiendo de las circunstancias de cada estado y de cu?l sea el adversario al que se quiere dar respuesta: la globalizaci?n o la, presunta o efectiva, fragmentaci?n interna" (Font e Ruf?, 2001:90).

Para Santos, a tens?o entre o local e o global ? um fato que deve ser entendido por meio do papel da forma??o social nacional, que "funciona como uma media??o entre o Mundo e a Regi?o, o Lugar. Ela ? tamb?m mediadora entre o Mundo e o territ?rio" (1996:270).

Na forma??o social nacional verifica-se uma fus?o de acontecimentos, como expressa a seguinte passagem da obra do ge?grafo brasileiro:

"N?o existe um espa?o global, mas, apenas, espa?os da globaliza??o. (...) O Mundo, por?m, ? apenas um conjunto de possibilidades, cuja efetiva??o depende das oportunidades oferecidas pelos lugares. (...) Mas o territ?rio termina por ser a grande media??o entre o Mundo e a sociedade nacional e local, j? que, em sua funcionaliza??o, o `Mundo' necessita da media??o dos lugares, segundo as virtualidades destes para usos espec?ficos. Num dado momento, o `Mundo' escolhe alguns lugares e rejeita outros e, nesse movimento, modifica o conjunto dos lugares, o espa?o como um todo. ? o lugar que oferece ao movimento do mundo a possibilidade de sua realiza??o mais eficaz. Para se tornar espa?o, o Mundo depende das virtualidades do Lugar" (Santos, 1996:271).

A globaliza??o solid?ria

Menos que ser contr?rio ? globaliza??o, o ge?grafo brasileiro estava mais preocupado em construir um sistema te?rico que permitisse elaborar outra maneira de congregar pessoas em escala internacional. Propunha a solidariedade como medida para a rela??o, que deveria ser praticada em prol da cidadania.

J? em meados da d?cada de 1980 Santos apontava sua compreens?o da cidadania. Distinguia os consumidores dos cidad?os, escrevendo que

"o consumidor n?o ? cidad?o. Nem o consumidor de bens materiais, ilus?es tornadas realidades como s?mbolos; a casa pr?pria, o autom?vel, os objetos, as coisas que d?ostatus. Nem o consumidor de bens imateriais ou culturais, regalias de um consumo elitizado como o turismo e as viagens, os clubes, e as divers?es pagas; ou de bens conquistados para participar ainda mais do consumo, como a educa??o profissional, pseudo-educa??o que n?o conduz ao entendimento do mundo" (1987:41).

Em suas palavras encontra-se um posicionamento claro contra o consumismo que conduz o modelo de reprodu??o do capital. Ainda que tenha afirmado em mais de uma vez que n?o gostava do tema, pode-se identificar tamb?m uma inquieta??o ambientalista em seu posicionamento claro contra o desperd?cio de material. E ele atacava ainda os consumidores de artigos da chamada ind?stria cultural, aqueles que imaginam estar fora do reino dos mortais haja visto estarem focados em bens imateriais, em manifesta??es do esp?rito por meio das artes e da informa??o.

Em sua argumenta??o n?o restava lugar entre os cidad?os nem mesmo para o eleitor, que

"n?o ? for?osamente cidad?o, pois o eleitor pode existir sem que o indiv?duo realize inteiramente suas potencialidades como participante ativo e din?mico de uma comunidade. O papel desse eleitor n?o-cidad?o se esgota no momento do voto" (Santos, 1987:41).

Quem seria, ent?o, o cidad?o para Milton Santos?

"O cidad?o ? multidimensional. Cada dimens?o se articula com as demais na procura de um sentido para a vida. Isso ? o que dele faz o indiv?duo em busca do futuro, a partir de uma concep??o de mundo" (1987:41-42).

Poder projetar o futuro, vislumbrar perspectivas dignas da exist?ncia, poder expressar sua maneira de entender o mundo, por meio de cren?as, manifesta??es culturais e pr?ticas s?cio-pol?ticas, com qualidade de vida, isto ?, habitando um ambiente agrad?vel e sustent?vel, provido de ?gua, calor e energia na medida adequada, com assist?ncia m?dica e alimento de qualidade s?o caracter?sticas que sintetizariam o cidad?o do mundo contempor?neo, em meu entendimento. Neste sentido, n?o h? cidad?o no mundo entre os que apregoam os valores da sociedade ocidental, ocaso e cria??o da cidadania.

Construir rela??es humanas baseadas na solidariedade era um desejo de Milton Santos. Ele propunha uma revis?o da globaliza??o, que deveria ser "mais humana" (2000:20), sem descartar a base t?cnica que sustenta a globaliza??o econ?mica e financeira:

"a materialidade que o mundo da globaliza??o est? recriando permite um uso radicalmente diferente daquele que era o da base material da industrializa??o e do imperialismo" (Santos, 2000:164).

Essa ? a proposta do ge?grafo baiano: alterar o uso da base t?cnica criada para a circula??o de capital para veicular valores humanos, para permitir uma efetiva integra??o de la?os culturais distintos que permitam a constru??o do "acontecer solid?rio", como definiu (Santos, 2000).

Enfim, Milton Santos queria um mundo diferente. Sua vis?o otimista do futuro ? expressa no trecho abaixo:

"N?o cabe, todavia, perder a esperan?a, porque os progressos t?cnicos (...) bastariam para produzir muito mais alimentos do que a popula??o atual necessita e, aplicados ? medicina, reduziriam drasticamente as doen?as e a mortalidade. Um mundo solid?rio produzir? muitos empregos, ampliando um interc?mbio pac?fico entre os povos e eliminando a belicosidade do processo competitivo, que todos os dias reduz a m?o-de-obra. ? poss?vel pensar na realiza??o de um mundo de bem-estar, onde os homens ser?o mais felizes, um outro tipo de globaliza??o" (Santos, 2002:80).

Aproveitar a base material da exist?ncia ? algo coerente com sua maneira de pensar. J? em 1978, em obra que marcou sua inser??o te?rica entre os ge?grafos brasileiros, escrevia que

"o espa?o ? a mat?ria trabalhada por excel?ncia. Nenhum dos objetos sociais tem tanto dom?nio sobre o homem, nem est? presente de tal forma no cotidiano dos indiv?duos" (Santos, 1978:137).

S?o as rugosidades, as marcas do tempo por meio do trabalho que instituem uma base material dif?cil de ser rompida. Por isso o reaproveitamento da in?rcia espacial, outro conceito de 1978.

Deste modo, a mudan?a tem de vir pela pol?tica. Embora expressando otimismo, n?o perde a vis?o de ge?grafo ao indicar que as mudan?as n?o vir?o

"dos Estados Unidos ou da Europa. Vir? dos pobres, dos `primitivos' e `atrasados', como n?s, do Terceiro Mundo, somos considerados. Estas n?o poder vir das classes obesas. Estas n?o podem ver muito. S?o os pobres os detentores do futuro. O problema de todas as ?pocas ? saber como vai se dar a ruptura. E as rupturas se deram antes que todos soubessem como elas iam se dar..." (Santos et al., 2000:66).

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Ficha bibliogr?fica:

RIBEIRO, W. C. "Globaliza??o e geografia em Milton Santos". In: El ciudadano, la globalizaci?n y la geograf?a. Homenaje a Milton Santos. Scripta Nova. Revista electr?nica de geograf?a y ciencias sociales, Universidad de Barcelona, vol. VI, n?m. 124, 30 de septiembre de 2002. geocrit/sn/sn-124.htm [ISSN: 1138-9788]

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