“Movimentos Sociais e Lutas pela Educação no Brasil ...

"Movimentos Sociais e Lutas pela Educa??o no Brasil: Experi?ncias e Desafios na

Atualidade"

Maria da Gl?ria Gohn1

Confer?ncia de Encerramento

Resumo O texto faz uma breve reconstitui??o de lutas pela educa??o no Brasil, em movimentos e em campanhas, destaca a participa??o dos estudantes e a presen?a dos jovens nas lutas pela educa??o nas Manifesta??es de Junho de 2013 e nas ocupa??es de escolas em 2015-2016.

Palavras Chaves: movimentos-educa??o-lutas pela educa??o

Apresenta??o ? importante registrar que os movimentos pela educa??o t?m car?ter hist?rico, s?o

processuais e ocorrem, portanto, dentro e fora de escolas e em outros espa?os institucionais. As quest?es centrais no estudo da rela??o dos movimentos sociais com a educa??o s?o as da: participa??o, cidadania e o sentido pol?tico da educa??o. As lutas pela educa??o envolvem a luta por direitos e s?o parte da constru??o da cidadania. Movimentos sociais pela educa??o abrangem quest?es tanto de conte?do escolar quanto de g?nero, etnia, nacionalidade, religi?es, portadores de necessidades especiais, meio ambiente, qualidade de vida, paz, direitos humanos, direitos culturais etc. Esses movimentos s?o fontes e ag?ncias de produ??o de saberes.

Podemos equacionar as seguintes fontes de demandas no campo da educa??o: no setor da educa??o formal- escolar, e a educa??o n?o-formal, desenvolvida em pr?ticas do cotidiano, fruto de aprendizagem advinda da experi?ncia ou de a??es mais estruturadas, com alguma intencionalidade, objetivando a forma??o das pessoas em determinado campo de habilidade, fora das grades curriculares, certificadoras de graus e n?veis de ensino. Historicamente, as lutas pela educa??o formal/escolar nem sempre tem tido grande visibilidade. Ocorrem no seio dos profissionais da pr?pria educa??o, usualmente via associa??es de classe e sindicatos, na forma cl?ssica-greves, manifesta??es com carros de som, extensas pautas e jornadas de negocia??es. As lutas pelo acesso ? educa??o-do ensino infantil (antigas creches) ao ensino superior tem ocupada grande parte das agendas. Neste

1 Universidade de Campinas/Pesquisadora 1A do CNPq. E-mail: mgohn@.br

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novo s?culo, um dado novo entrou em pauta. Novas formas de manifesta??o, especialmente de jovens, advindas da sociedade civil n?o organizada nos moldes cl?ssicos, demandando educa??o, n?o apenas o acesso ou "Mais Educa??o", mas demandando educa??o com qualidade, para al?m dos discursos e ret?ricas dos planos e promessas dos pol?ticos e dirigentes.

A rela??o movimento social e educa??o ocorre de v?rias formas- a partir das a??es pr?ticas de movimentos e grupos sociais em contato com institui??es educacionais, no pr?prio movimento social, dado car?ter educativo de suas a??es na sociedade, e no interior dos movimentos, pelas aprendizagens adquiridas pelos participantes e pelos projetos socioeducativos formulados e desenvolvidos pelos pr?prios movimentos, a exemplo do MST ( Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) .Neste texto abordam-se lutas e movimentos pela educa??o ocorridas no ?mbito escolas, dos estudantes, e de organiza??es da sociedade civil.

1 -O movimento dos Estudantes-ME O movimento dos Estudantes- ME, especialmente os do ensino m?dio e universit?rio, merece um destaque maior porque ele sempre esteve presente em momentos cruciais da hist?ria pol?tica do pa?s. Das a??es dos estudantes de Direito na fase do Brasil Imp?rio, passando pelas lutas estudantis dos anos 60, pelas Diretas J? de 1984, pelos Caras Pintada de 1992, at? a UNE atual, e as novas formas de a??o, com ocupa??es em ?rg?os administrativos da universidade, ou as ocupa??es de escolas por estudantes do ensino m?dio, os estudantes s?o atores pol?ticos relevantes no Brasil. Se retomarmos os anos de 1960 do s?culo passado, observa-se que ap?s 1964 as mobiliza??es de estudantes, como outros movimentos e organiza??es da sociedade brasileira, sofreram um refluxo. Mas em 1966 o ME se recomp?s, at? chegar ao apogeu em 1968criando um imagin?rio de luta dos estudantes que associou-se ? luta contra a ditadura, ?s lutas contra o status quo, no rastro de Maio de 68 na Fran?a, Alemanha, Checoslov?quia, Estados Unidos, M?xico, Argentina etc. ? programada realiza??o do Congresso da UNE em Ibi?na, cidade pr?xima de S?o Paulo, cujos participantes em sua maioria foram presos, seguiu-se a invas?o da moradia dos estudantes na USP, o Crusp, e a repress?o ?s grandes passeatas que ocorriam nas ruas centrais de S?o Paulo, particularmente a 7 de Abril, a 24 de Maio, a avenida S?o Jo?o e a pra?a da Rep?blica. Vale a pena chamar a aten??o para o fato de que o centro da cidade era ent?o o ponto de encontro dos manifestantes, ao contr?rio dos anos 1990, quando

2 os protestos deslocaram-se para a avenida Paulista, que havia se tornado o cora??o econ?mico

de S?o Paulo, com grande concentra??o de companhias e bancos. Em seguida ?queles atos repressivos, a rea??o do governo se deu com a Reforma

Universit?ria de 1968, a emiss?o do Decreto no 477, proibindo as manifesta??es estudantis, e do Ato Institucional no 5 (AI-5) em dezembro de 1968.

Breno Bringel (2009; 2012), ao analisar o movimento dos estudantes no Brasil, seguindo an?lises te?ricas de Charles Tilly e Sidney Tarrow, destaca como sendo quatro seus principais ciclos de protestos e mobiliza??es a partir dos anos 60. O primeiro, ao longo de 1960, das revoltas e passeatas. O segundo, " a partir de 1975, (quando) a tens?o cont?nua entre os militares e as for?as democratizantes gerou uma din?mica de "concess?es do regime e conquistas da sociedade", dentro de uma conjuntura de resist?ncia e luta democr?tica.". O terceiro localiza-se na d?cada de 1980 na conjuntura do "Movimento pela Anistia" e as "Diretas J?". Neste per?odo as campanhas pela participa??o popular na Assembl?ia Constituinte tiveram grande impacto na m?dia e obteve-se algumas conquistas. Bringel afirma que elas anunciaram as din?micas futuras das lutas estudantis no pa?s. De acordo com o estudo de Michiles (1989) sobre as emendas populares e a participa??o de organiza??es e movimentos sociais, "os estudantes apresentaram cinco emendas, mas somente uma conseguiu mais de cem mil assinaturas" (1997:p 14-15). O quarto ciclo das lutas estudantis ocorre com os "caras pintadas" durante o processo de impeachment de Collor. Bringel segue autores, como Mische (1997, 2008) e Barbosa (2002), quando afirmam que os cara-pintadas foram a ?nica manifesta??o juvenil que rompeu com a apatia e o individualismo da gera??o "shopping center", ao longo da d?cada de 1990.

As ocupa??es ?s reitorias durantes os anos 2007 e 2008 aparecem como o quinto ciclo de mobiliza??o e a "nova cara vis?vel" dos movimentos estudantis brasileiros. As quest?es da ?tica estavam na pauta estudantil desde a era Collor com os "Caras Pintadas", mas em 20072008 elas assumem novo sentido, dirigem-se para a democratiza??o das pr?prias universidades. O exemplo emblem?tico se deu em 2008 com a ocupa??o da UNBUniversidade de Bras?lia e a luta vitoriosa pela sa?da de seu ent?o reitor-amplamente denunciado na m?dia por gastos pessoais ou exagerados com o dinheiro p?blico no uso dos "cart?es corporativos"- novo instrumento de viabiliza??o de pr?ticas clientelisticas e ilegais.

Bringel em 2009 assinalou que "o recente ciclo de mobiliza??o estudantil sup?e um novo ponto de inflex?o dentro das lutas estudantis brasileiras tamb?m no que se refere ao questionamento das din?micas organizativas e mobilizat?rias das ?ltimas duas d?cadas, a partir de uma maior horizontalidade da informa??o, da delibera??o e a aus?ncia de lideran?as

3 definidas. Em suma, frente ? centraliza??o, hierarquiza??o e partidariza??o das lutas

estudantis (expressado, nas ?ltimas duas d?cadas pelo controle pol?tico dessas lutas pelos centros e diret?rios de estudantes, a maioria cooptados por partidos pol?ticos) aparece um formato mais ?movimentista" (Bringel, 2009:. 15- 16). Portanto, j? na primeira d?cada deste s?culo, os estudantes j? demarcavam novas formas de a??o coletiva. Al?m das ocupa??es, as lutas pela quest?o do `passe livre', tratadas adiante s?o tamb?m exemplos dessas mudan?as.

Os estudantes tamb?m tiveram participa??o ativa nos encontros do F?rum Social Mundial na primeira d?cada deste s?culo. As publica??es, an?lises, material visual, e relatos das edi??es do FSM atestam isto. A pol?tica partid?ria continuou a ter grande influ?ncia na UNE, liderada por mais uma d?cada por lideran?as estudantis ligadas ao PC do B. Mas tamb?m ocorreram mudan?as neste campo- em 2007, durante o 50o Congresso da UNE, uma mulher foi eleita Presidente da entidade- a quarta mulher a dirigir a entidade, com quase 80 anos de exist?ncia, portanto um fato hist?rico relevante na perspectiva da an?lise de g?nero. A nova presidente era aluna de uma institui??o particular, e filiada ao PC do B e foi a 10a Presidente filiada ao PC do B que, desde 1981, controla a entidade. Lembramos apenas que j? nesta d?cada, a maioria dos estudantes do ensino superior estavam em institui??es particulares.

Portanto, neste novo mil?nio, o ME universit?rio volta ? cena p?blica protagonizando outras lutas que articulam quest?es espec?ficas do cotidiano deles com quest?es ?ticas da sociedade brasileira. As primeiras se refletem nas condi??es de infraestrutura das universidades: falta de professores, salas, equipamentos, refeit?rios e qualidade da comida, bibliotecas desatualizadas; a eterna luta sobre o valor das mensalidades-no caso das institui??es particulares; aceita??o das carteirinhas da UNE em cinemas, teatros etc.

Quest?es espec?ficas tamb?m t?m entrado na pauta das demandas dos estudantes no Brasil de forma nova-agora articuladas com as pol?ticas nacionais. A quest?o das cotas para afro-descendentes, popula??es ind?genas e de baixa renda, o Prouni, FIES, passes de transportes e pre?o das passagens. O Movimento do Passe Livre-MBL, que veio a desempenhar importante papel em Junho de 2013, nasceu entre estudantes do ensino m?dio, em Salvador e em Florian?polis. Outras pol?ticas denominadas como de "inclus?o social" ir?o mobilizar categorias espec?ficas, em lutas contradit?rias no movimento como um todo.

2- Outros Movimentos e Campanhas pela Educa??o Cumpre mencionar ainda outros movimentos e organiza??es sociais de luta pela

educa??o, a exemplo dos Movimentos de Educa??o Popular. Embora ele nunca tivesse

4 tido grande visibilidade como um ator independente, no in?cio deste mil?nio ele est?

ganhando formato novo entre as camadas populares. Suas demandas foram, frequentemente, incorporadas pelos sindicatos dos professores e demais profissionais da educa??o, ou por articula??es amplas, como a luta pela educa??o no per?odo da Constitui??o levadas a efeito pelo F?rum Nacional de Luta pela Escola P?blica, protagonizada basicamente por atores das camadas m?dias. Os militantes da luta pela educa??o continuaram muito atuantes nos anos 90 - at? a promulga??o da nova Lei de Diretrizes e Bases -LDB, em 1996; mas as reformas neoliberais realizadas nas escolas p?blicas de ensino fundamental e m?dio alteraram de tal forma o cotidiano das escolas que deu as bases para outras mobiliza??es pela educa??o. Falta de vagas, filas para matr?culas, resultados de exames nacionais, progress?es cont?nuas (passagem de ano sem exames), deslocamento de alunos de uma mesma fam?lia para diferentes escolas, atrasos nos repasses de verbas para merendas escolares, den?ncias de fraudes no uso dos novos fundos de apoio ? educa??o, entre outras, foram pautas da agenda do movimento popular na ?rea da educa??o. Registre -se ainda os altos ?ndices de evas?o escolar. Registre-se ainda que, a crise econ?mica e o desemprego levaram centenas de fam?lias das camadas m?dias a procura de vagas nas escolas p?blicas. Al?m de aumentar a demanda, essas fam?lias estavam acostumadas a acompanhar o cotidiano das escolas, levando essas pr?ticas para as escolas p?blicas, antes bastante fechadas ? participa??o comunit?ria. Com isso, as escolas passaram a desempenhar o papel de centros comunit?rios pois a falta de verbas, e a busca de solu??o para novos problemas como a seguran?a, a viol?ncia entre os jovens e o universo das drogas, levou-as a busca de parceiros no bairro ou na regi?o, com outros organismos e associa??es organizadas.

O movimento pelas creches ( educa??o infantil), importante nos anos de 1970, especialmente em S?o Paulo e em Belo Horizonte, se institucionalizou bastante nos anos 80. Neste novo mil?nio o movimento foi recriado em v?rias cidades, como em S?o Paulo, devido ? falta de vagas como "Movimento dos Sem Creche". Isto se explica tamb?m porque o acesso ? educa??o infantil do 0-6 anos n?o foi universalizado na Constitui??o de 1988, ao contr?rio do ensino fundamental. Na atualidade destaca-se o Movimento Interf?runs de Educa??o Infantil do Brasil ? MEIBI, considerado um avan?o da ?rea de educa??o infantil. V?rias pesquisas sobre movimentos sociais e lutas por creches foram realizadas especialmente na d?cada de 1980, durante o processo de redemocratiza??o do Brasil ( ver GOHN, 1985) mas poucos abordaram esses movimentos a partir da d?cada de 1990 at? o presente.

Outro movimento importante que ? o Movimento da Inf?ncia, ele abrange crian?as e adolescentes que vivem em situa??o de exclus?o, usualmente nas ruas. In?meros projetos

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