O sector da saúde em Portugal: funcionamento do sistema e ...

[Pages:33]Maria Ioannis Baganha

Centro de Estudos Sociais Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

Joana Sousa Ribeiro S?nia Pires

Investigadoras do Projecto PEMINT ? The Political Economy of Migration in an Integrating Europe

O sector da sa?de em Portugal: funcionamento do sistema e caracteriza??o s?cio-profissional

I - Introdu??o

O relativo desconhecimento a que est? votada a tem?tica da imigra??o em Portugal reflecte-se num sector extremamente problem?tico como o da sa?de. Os servi?os de presta??o de cuidados de sa?de em Portugal representam institui??es onde a visibilidade das transforma??es da sociedade ? neste caso da sociedade portuguesa enquanto receptora de fluxos imigrat?rios ? ? not?ria. Como utilizadores do sistema de sa?de, parte da comunidade imigrante coloca importantes desafios ? acessibilidade, organiza??o e estrutura??o dos servi?os de sa?de. Enquanto prestadores de cuidados de sa?de, os imigrantes contribuem para uma reconfigura??o do corpus profissional. Assim, tamb?m no que diz respeito ao planeamento e desenvolvimento dos recursos humanos surgem novos desafios.

Dado n?o ser poss?vel abordar esta quest?o sem antes conhecer o sector da sa?de - as suas condicionantes, as suas car?ncias e os seus poss?veis desenvolvimentos, na primeira parte deste trabalho - proceder-se-? ? caracteriza??o sum?ria deste. A descri??o n?o pretendeu ser exaustiva, mas sim destrin?ar falhas e progressos que traduzem o nosso sistema de sa?de.

A segunda parte deste trabalho incide sobre a caracteriza??o dos efectivos a exercerem actividade profissional na ?rea da presta??o de cuidados de sa?de. Concretamente, considera-se o grau de cobertura dos profissionais de sa?de, a sua distribui??o geogr?fica e por tipo de estabelecimento, a sua composi??o s?cio-demogr?fica, a densidade da forma??o e

O sector da sa?de em Portugal: funcionamento do sistema e caracteriza??o s?cio-profissional

a evolu??o das aposenta??es. Para esse efeito, optou-se por privilegiar a informa??o estat?stica do Minist?rio da Sa?de, uma vez que resulta de um inqu?rito administrado directamente ?s institui??es, o que nos permite delinear um retrato, porventura limitado (83,9% dos profissionais pertencem ao sector p?blico), mas mais fidedigno da situa??o de emprego nesta ?rea.1

Como se pretende equacionar o problema da aus?ncia de uma pol?tica prospectiva das profiss?es relacionadas com a presta??o de cuidados de sa?de, ? luz do aprovisionamento de lugares por profissionais estrangeiros, procede-se ? avalia??o destes recursos humanos estrangeiros, nomeadamente atendendo ? sua incid?ncia no total de efectivos do Minist?rio da Sa?de, ao local de proveni?ncia, ?s caracter?sticas s?cio-demogr?ficas, ? distribui??o geogr?fica e ao regime jur?dico de emprego.

Esta an?lise reportar-se-? a tr?s estudos realizados pelo DRHS do Minist?rio da Sa?de (MS), tendo por objectivo avaliar o impacto da livre circula??o de trabalhadores estrangeiros no ?mbito do MS. Resultam de inqu?ritos aplicados em Setembro de 1998 (MS, 1999), Dezembro de 1999 (MS, 2000) e no ano de 2000 (MS, 2001), ?s institui??es dependentes do MS, verificando-se no primeiro, o ?nico inqu?rito em que essa informa??o est? dispon?vel, uma ades?o de resposta de 99%.2

II - O sistema de sa?de portugu?s ? sua caracteriza??o

1) O sistema de sa?de portugu?s at? 1974

De uma forma muito breve, pode afirmar-se que a sa?de em Portugal antes do 25 de Abril de 1974 era constitu?da por v?rias vias sobrepostas (OPSS, 2001: 13):

- as miseric?rdias, institui??es centen?rias de solidariedade social, ocupavam um lugar de relevo na sa?de ? geriam grande parte das institui??es hospitalares e outros servi?os por todo o pa?s;

1 Esse inqu?rito reporta a 31 de Dezembro de 1998 (MS, 2000 a), o que permite, como adiante se concretizar?, a compara??o com a informa??o estat?stica sobre os recursos humanos estrangeiros em 1998 (MS, 1999). As outras fontes dispon?veis, como sejam os dados provenientes do Instituto Nacional de Estat?stica, s?o utilizadas quando for estritamente necess?rio, isto porque resultam de uma recolha de dados efectuada nas ordens profissionais o que, em alguns casos, n?o deixa de colocar alguns problemas, dada a ineficaz actualiza??o dos mesmos. 2 Para al?m destes dados estat?sticos, sempre que se julgue pertinente, utilizam-se dados provenientes de algumas ordens profissionais, cuja recolha ? da inteira responsabilidade das mesmas.

2

O sector da sa?de em Portugal: funcionamento do sistema e caracteriza??o s?cio-profissional

- os Servi?os M?dico-Sociais, prestavam cuidados m?dicos aos benefici?rios da Federa??o de Caixa de Previd?ncia;

- os Servi?os de Sa?de P?blica, vocacionados essencialmente para a protec??o da sa?de (vacina??es, protec??o materno-infantil, saneamento ambiental, etc...);

- os Hospitais estatais, gerais e especializados, encontravam-se principalmente localizados nos grandes centros urbanos;

- os servi?os privados, dirigidos aos estratos socio-econ?micos mais elevados.

Foi em conex?o com outras transforma??es na sociedade portuguesa que, ao longo da d?cada de 70, foram institu?das as maiores reformas no sistema de sa?de portugu?s.

Para Pedro Pita Barros (s.d.) o principal objectivo da pol?tica na d?cada de 70 foi a diminui??o das barreiras ao acesso de cuidados m?dicos, quer no financiamento, quer no acesso f?sico. Assim, reconheceu-se, pela primeira vez em 1971, com a nova reforma concretizada pelo Decreto-Lei n? 413/71, de 27 de Setembro, o direito ? sa?de a todos os cidad?os. Foi ainda atrav?s dessa regula??o jur?dica e do Decreto-Lei n? 414/71 de 27 de Setembro que se organizou, de forma completa, o Minist?rio da Sa?de e de Assist?ncia. O Estado deixou de ter uma interven??o supletiva para passar a ser respons?vel tanto pela pol?tica da sa?de como pela sua execu??o.

A nova org?nica do Minist?rio da Sa?de reestruturou os servi?os centrais, regionais, distritais e locais. Foi ainda em 1971 que se criaram a partir dos distritos duas estruturas funcionais: os Centros de Sa?de e os Hospitais. Basicamente, o Minist?rio da Sa?de passou a orientar, atrav?s das Direc??es Gerais de Sa?de e dos Hospitais (?rg?os substantivos do sistema) toda a pol?tica de sa?de.

Se nos centrarmos nos indicadores tradicionais do estado da sa?de de um determinado conjunto populacional, entre os quais, a mortalidade infantil, a mortalidade perinatal, a cobertura da popula??o pelo sistema de sa?de, temos, numa primeira observa??o, a n?tida afirma??o de uma evolu??o das condi??es sanit?rias no pa?s. Contudo, quando s?o estabelecidos par?metros de compara??o com as m?dias da Uni?o Europeia, ainda muito est? por fazer.

Concretamente, ao longo da d?cada de 1960, Portugal possu?a os piores valores de alguns indicadores comparativamente com os actuais pa?ses da Uni?o Europeia (OCDE, 1998, apud Sim?es et al., 1999: 2). De uma forma geral, somos, ao longo de toda a d?cada de 1960, o pa?s com pior desempenho ao n?vel da cobertura da popula??o (18% da popula??o

3

O sector da sa?de em Portugal: funcionamento do sistema e caracteriza??o s?cio-profissional

coberta em 1960 para uma m?dia europeia de 70,9%), e ao n?vel das taxas de mortalidade infantil (55 ?bitos por cada 1 000 nascimentos em 1969, para uma m?dia europeia de 23,5 ?bitos por cada 1 000 nascimentos). Quanto aos gastos p?blicos, em 1969, Portugal gastava 1,7% do PIB com a sa?de comparativamente aos 3,8% da m?dia europeia para o mesmo ano.

2) O sistema de sa?de portugu?s entre 1974 e 1990 Antes de analisar mais aprofundadamente a evolu??o do sistema de sa?de em Portugal a partir de 1974, conv?m definir o que se entende, comummente, por Sistema de Sa?de. De acordo com Gon?alves Ferreira, um sistema de sa?de pode ser visto como um "conjunto dos diversos tipos de recursos que o Estado, a sociedade, as comunidades ou simples grupos de popula??o re?nem para organizar a protec??o generalizada de cuidados na doen?a e na promo??o da sa?de" (1988, apud Almeida, 1999: 16). A partir desta defini??o ? de f?cil entendimento que um sistema de sa?de ?, por natureza, complexo e atravessado por actores cujos interesses nem sempre coincidem. Em Portugal, uma s?rie muito particular de factores determinou o Sistema de Sa?de actual e condicionou igualmente o seu futuro. Vejamos, ent?o, como se estruturam os diversos actores presentes no sistema nacional ao longo da d?cada de 1970 e 1980. Antes de mais, passou-se a ter em Portugal, a partir de 1974, um Servi?o Nacional de Sa?de (SNS), criado com um objectivo muito democr?tico - universalidade, generalidade e gratuitidade. Esse Servi?o Nacional de Sa?de, consagrado pela regula??o jur?dica, em 1979, Decreto de Lei n.? 56/79, de 26 de Agosto, passou a estar dependente da Secretaria de Estado da Sa?de do ent?o Minist?rio dos Assuntos Sociais (tamb?m ele criado em 1974). A Constitui??o Portuguesa de 1976 assegurou no Artigo 64? express?o legal ? pretens?o do direito ? protec??o da sa?de. Na verdade, o desenho fundamental do SNS levou cerca de dez anos a ser implementado, reflectindo muito claramente as contradi??es e as lutas internas, entre o Estado e o associativismo/corporativismo m?dico (Mozzicafreddo, 2000). A amplitude dos seus objectivos e a cobertura das despesas do SNS foram feitas exclusivamente de acordo com o Or?amento Geral do Estado. A principal consequ?ncia deste conjunto de situa??es traduziu-se numa grande debilidade estrutural na constru??o do SNS, nomeadamente, numa fr?gil base financeira e numa aus?ncia de inova??o nos modelos de organiza??o e gest?o do

4

O sector da sa?de em Portugal: funcionamento do sistema e caracteriza??o s?cio-profissional

SNS; numa falta de transpar?ncia entre os interesses p?blicos e privados; numa dificuldade de acesso e numa baixa efici?ncia dos servi?os p?blicos de sa?de (OPSS, 2001).

Apesar destas falhas, a actua??o do SNS procurou privilegiar as unidades de sa?de prim?rios, uma aposta que n?o teve, a partir dos finais dos anos 80, qualquer seguimento; reorganizar a rede hospitalar; reestruturar as carreiras m?dicas e de enfermagem (a este prop?sito refere-se o D.L. n? 310/82 de 3 de Agosto que estruturou a carreira do m?dico de cl?nica geral, profissional esse que passou a ser respons?vel pela assist?ncia de 1.500 utentes); e desenvolver o controlo da medicina privada e dos produtos farmac?uticos. De relevo, pelas consequ?ncias no actual Sistema de Sa?de, foi a cria??o, em 1982, com o Decreto Lei n? 254 de 29 de Junho, das Administra??es Regionais de Sa?de, em substitui??o das Administra??es Distritais dos Servi?os de Sa?de, financiados pelo Or?amento do Estado.

A transforma??o do sistema de sa?de em Servi?o Nacional de Sa?de teve consequ?ncias muito positivas na evolu??o dos indicadores da mortalidade infantil (de 37,9 ?bitos por cada 1 000 nascimentos em 1974 passamos para 11 ?bitos por cada 1 000 nascimentos em 1990), da mortalidade perinatal e na esperan?a m?dia de vida (de 68,9 anos m?dios de vida para Homem e Mulher em Portugal em 1975 passamos para uma esperan?a m?dia de vida de 73,8 anos em 1990) (OCDE, 2001).

No que diz respeito ? efic?cia do SNS na cobertura da popula??o, os resultados s?o animadores: entre 1974 e 1978 houve um aumento de quase 100% na popula??o coberta. O salto qualitativo deu-se mais concretamente de 1977 para 1978, onde a cria??o dos Centros de Sa?de desempenhou um papel fundamental.

Interessa ainda averiguar a percentagem do PIB gasta em cuidados de sa?de em Portugal comparando com os valores m?dios da Uni?o Europeia. Assim, de 1974 para 1990, pass?mos de 4,1% do PIB para 6,5%; enquanto que a m?dia europeia tinha, para os mesmos anos, uma ocorr?ncia de 5,7% para 7,4%.

Entre 1974 e 1980 Portugal aumentou os gastos totais em sa?de em cerca de 40%, correspondendo a um aumento m?dio anual de 5,9%. Entre 1981 e 1986, os gastos totais em sa?de nem sempre aumentaram. De 1981 a 1983, Portugal investiu cada vez menos em sa?de. O aumento percentual global foi de apenas 11%, muito pouco relativamente aos 40% do per?odo anterior. Entre 1986 e 1990, constatamos que o aumento dos gastos totais em sa?de ? uma constante. Globalmente, o aumento percentual nesses anos foi de quase 24%, enquanto que a m?dia da UE crescia 10%.

5

................
................

In order to avoid copyright disputes, this page is only a partial summary.

Google Online Preview   Download