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As Custas Judiciais como Mecanismo de Desincentivo ? Litig?ncia Abusiva

Autoria: Fernanda Elisabeth N?then Becker, Alexandre Morais da Rosa

RESUMO: Este ensaio te?rico busca expor a concep??o das custas judiciais como mecanismo de desincentivo ? litig?ncia abusiva. O debate acerca das custas judiciais no ?mbito do Conselho Nacional de Justi?a n?o tem adotado a perspectiva dos incentivos e oportunismos que o atual modelo gera. O vi?s de an?lise considera ideal a menor taxa??o poss?vel como meio para garantia do acesso ? justi?a. Tal premissa, no entanto, desconsidera que o Poder Judici?rio ? um recurso escasso rival, e que garantir a entrada a pre?os m?dicos ou inexistentes garante acesso pleno apenas em teoria. Esse cen?rio, somado ? pr?diga concess?o da justi?a gratuita ? fator de assoberbamento e desincentivo a litigantes leg?timos demandarem. Ainda, ? a parcela mais informada da sociedade que costuma litigar, de modo que a discuss?o do pre?o da taxa das custas n?o garante o acesso aos menos favorecidos economicamente, mas um melhor mecanismo de distribui??o dos recursos e de coibi??o da explora??o sim. Ainda, o entendimento corrente acerca das custas judiciais enquanto taxa implicaria esfor?os em quantificar o pre?o real dos servi?os judici?rios, mas o panorama de cobran?a se d? conforme o valor da causa. As custas judiciais s?o taxas e, como tal, tributos de responsabilidade de recolhimento do Poder Judici?rio. Assim, a fixa??o de valor muito aqu?m dos custos reais do servi?o, assim como a n?o cobran?a das custas sem comprova??o efetiva da car?ncia econ?mica representariam conduta equivalente ? ren?ncia indireta de receitas: condutas que, ainda que de boa-f?, ocasionam a concess?o inaut?ntica de recursos p?blicos.

Palavras-chave: custas judiciais; acesso ? justi?a; justi?a gratuita; ren?ncia indireta de receitas.

Introdu??o

A perspectiva que se quer demonstrar ? a legitimidade e possibilidade da utiliza??o das custas judiciais como mecanismo inibit?rio da litig?ncia abusiva (habitual e fr?vola). A par disso, pretende-se esbo?ar que o panorama da discuss?o nacional acerca das custas judiciais, em tramita??o no Conselho Nacional de Justi?a, n?o aborda a concess?o inaut?ntica de recursos p?blicos mediante taxa??o insuficiente (n?o aproximada dos custos reais do servi?o) ou concess?o indevida de gratuidade judici?ria, sugerindo-se que tal atitude pode ser equivalente ? ren?ncia indireta de receitas. No plano geral da distribui??o de recursos p?blicos, o Poder Judici?rio ? mantido com os tributos de todos; a coletividade, assim, financia cada demanda que adentra o sistema judici?rio, de modo que a discuss?o se torna leg?tima, na perspectiva de melhor distribui??o dos recursos escassos do sistema judici?rio. O que se quer suscitar ? que o atual estado de discuss?o das custas judiciais, seu quantum e sua cobran?a podem se constituir de mecanismo democr?tico de equaliza??o do acesso ? justi?a, de modo a inibir a litig?ncia abusiva e oportunismo. A par disso, o Conselho Nacional de Justi?a apurou em relat?rio do perfil de fixa??o das custas no pa?s que os estados mais ricos da federa??o possuem os valores mais baixos de custas judiciais. O assunto tem reflexos na quest?o do acesso ao judici?rio, panorama em que o discurso predominante apenas aborda o aumento da estrutura judici?ria como solu??o, desconsiderando a escassez de recursos ? este,

um problema fundamental da economia, da? a aproxima??o com a an?lise econ?mica do direito. De maneira transversal, os dados ser?o analisados no caso do Poder Judici?rio de Santa Catarina em virtude de estudos realizados nos autos administrativos 30515/2016; n?o obstante, conforme estudos do Conselho Nacional de Justi?a, o Estado n?o destoa da situa??o das demais unidades federativas.

Desenvolvimento

Todos est?o financiando o acesso ? justi?a mediante a tributa??o, de modo que cada lit?gio individual deve ser pass?vel de crit?rios ? da? se falar na categoria dos litigantes abusivos, os habituaisi e os fr?volos ii. Nesse sentido, quando se fale que acesso ? justi?a n?o deve ser criterioso se est? aceitando que todos financiem aventuras jur?dicas incentivadas pela possibilidade da gratuidade ou custos insignificantes; nesse sentido, n?o se pode conceber que demandas oportunistas, incentivadas pela gratuidade ou modicidade nos custos sejam suportadas por todos. Problema similar ? o da concess?o isolada de medicamentos e tratamentos de alta monta, em desfavor de uma grande maioria que perece por conta dos gastos exorbitantes em demandas individuais. ? a equaliza??o correta de recursos escassos que legitimam a discuss?o.

A base te?rica de an?lise ? a perspectiva descritiva da An?lise Econ?mica do Direito, que pode elucidar a repercuss?o do Direito no mundo real dos fatos, bem como analisa como as no??es de justi?a se comunicam com conceitos de efici?ncia econ?mica, maximiza??o da riqueza e bem-estar (Salama, 2017). A perspectiva adotada, da An?lise Econ?mica do Direito, ? a de conceber as leis "como incentivos para mudar o comportamento ? isto ?, como pre?os impl?citos ? e como instrumentos para atingir objetivos de pol?ticas p?blicas (efici?ncia e distribui??o)." (Salama, 2017).

A an?lise econ?mica do Direito fornece vis?o para compreens?o do excesso de litig?ncia, com destaque ? considera??o que se d? ? quest?o dos est?mulos econ?micos que se possa ter para ingressar com a??o, sem que lhe seja custoso. A teoria processual tradicional n?o oferece mecanismos de controle do excesso de litig?ncia que essa aus?ncia de custos gerar?, especialmente nos casos de abusividade (Marcellino Junior, 2016).

Como ilustra??o, em palestra no Tribunal de Justi?a recentemente, o presidente da Associa??o Brasileira de Jurimetria relatou que no Poder Judici?rio de S?o Paulo foi verificado que os bairros onde se concentrava a ampla maioria dos pedidos de gratuidade judici?ria eram bairros reconhecidamente habitados por pessoas de alto poder econ?mico. O caso da concess?o da gratuidade ? um dos aspectos do atual estado de assoberbamento e utiliza??o quase que inconsciente dos recursos p?blicos.

Nesse sentido, dado que a morosidade ? provocada em grande medida pelo excesso de a??es em rela??o ? estrutura dispon?vel, o elastecimento na cobran?a das custas judiciais que s?o devidas representa um incentivo a mais para a litig?ncia predat?ria (abusiva). O racioc?nio ? ? porque n?o interpor a??o ou recurso se ? "gr?tis", se os pre?os s?o m?dicos, ou se a obten??o da gratuidade em qualquer caso ? f?cil. Esse cen?rio coopera para os demandados habituais, para os devedores, pois favorece o descumprimento de obriga??es ? a morosidade, aliada ao custo quase zero para litigar incentivam esse descumprimento, pois a obriga??o de repara??o ? remota e demorada.

A atual conforma??o do acesso ao Poder Judici?rio n?o atinge uma regula??o eficiente: a situa??o atual prejudica os litigantes leg?timos, e os desincentiva a procurar o Judici?rio em face do assoberbamento. Os litigantes abusivos, ent?o, s?o o grupo mais beneficiado pelo estado de coisas: em grande medida eles s?o os demandados, de modo que s?o os grandes interessados na morosidade, inefici?ncia e demora no cumprimento das decis?es judiciais. Neste ?ltimo quesito, o resultado ? tr?gico: a garantia do duplo grau de

jurisdi??o derrota a garantia da presta??o jurisdicional c?lere, e o abarrotamento das inst?ncias decis?rias superiores gera assoberbamento que impede a efici?ncia da presta??o a fim de garantir a celeridade. Essa realidade justifica a regula??o por meio das custas judiciais, de modo que seja mais caro ascender em busca de modifica??o da decis?o do juiz do caso.

Como mencionado, a quest?o do cumprimento efetivo das decis?es judiciais tem transformado o Poder Judici?rio em balc?o de rolagem de d?vidas. O amplo acesso ? justi?a sem uma pol?tica de custos invariavelmente acarretar? o que se chamou de "acesso inaut?ntico": o mero ingresso de uma demanda n?o ? garantia de acesso efetivo (Marcellino Junior, 2016). Estudos do CNJ [Conselho Nacional de Justi?a] (2012) apontam como um dos focos principais do problema o fen?meno da litig?ncia repetitiva, cujos maiores demandantes ou demandados s?o os setores p?blico, banc?rios e de telefonia. As propor??es dessas demandas massivas encontram fundamento na pluralidade de ofensas por parte de agentes econ?micos a direitos nas rela??es de consumo, medicamentos e a correlata defici?ncia do setor regulat?rio competente; quanto ao setor p?blico, destacam-se as a??es de executivo fiscal.

Da? se falar que esses litigantes habituais consomem grande parcela da m?quina judici?ria, ao lado tamb?m dos litigantes fr?volos, que constituem os oportunistas do sistema. Nesse contexto, o litigante leg?timo (eventual) ? prejudicado. A aus?ncia de custos significativos para a litig?ncia habitual e fr?vola, somada ? prodigaliza??o na concess?o da assist?ncia judici?ria gratuita ? um dos grandes motivadores de comportamentos oportunistas, recursos protelat?rios, a??es fr?volas, bem como o pr?prio uso do Poder Judici?rio como forma de prolongamento de disputas e d?vidas (Salama, 2014).

Uma nova forma de abordagem do problema, segundo a an?lise econ?mica do direito atende, ainda, ao planejamento estrat?gico do CNJ e TJSC 2015-2020, que destaca "a proposi??o de inova??es legislativas, a cria??o e aplica??o de mecanismos para penalizar a litig?ncia protelat?ria", formalizado na Resolu??o CNJ n.? 198, de 1? de julho de 2014.

O Banco Mundial emitiu o Documento T?cnico n.? 319, que atribuiu grande fator do propalado risco Brasil ao Poder Judici?rio. Esse Documento condicionou, ainda, o atual modelo de gest?o do Judici?rio, fundado na diretriz da efici?ncia e estabelecimento de metas, a fim de promover a celeridade nas respostas ?s demandas judiciais. A sintom?tica da morosidade, portanto, foi atribu?da principalmente a quest?es internas, de modo que as recomenda??es estipuladas visaram aspectos de administra??o e gest?o do Poder Judici?rio apenas. Embora tal quadro inspire olhares localizados, n?o se trata de problem?tica relacionada unicamente ao funcionamento e gest?o da Justi?a.

No entanto, esse foi o foco da realiza??o do I Pacto pelo Judici?rio, assinado em dezembro de 2004, cujo objetivo declarado era o de organizar as institui??es p?blicas em favor de um Judici?rio mais r?pido e republicano. O acordo admite que o fator lentid?o retarda o desenvolvimento nacional, desestimula investimentos, propicia a inadimpl?ncia, gera impunidade e solapa a cren?a do cidad?o no regime democr?tico (Gico Junior, 2012).

A morosidade judicial, causada tamb?m pelo excesso de a??es, ? o problema maior do Poder Judici?rio. Desde sua cria??o, o Conselho Nacional de Justi?a opera no sentido de determinar cumprimento de metas de gest?o para redu??o da morosidade. N?o por outra raz?o a apura??o do Justi?a em N?meros existe. No entanto, os recursos s?o finitos e a demanda, infinita. A dizer, por mais que se aumente a estrutura, esta nunca far? frente ? demanda. As iniciativas do CNJ n?o modificaram a situa??o.

Apesar do diagn?stico, n?o constam dados ou estudos pr?vios que motivem ou informem as raz?es ou causas dessa crise ? n?o h? um ?nico dado mencionado no referido documento ou diagn?stico oficial. Cinco anos ap?s o primeiro acordo, um novo pacto foi celebrado entre os Poderes, cujo objetivo tamb?m era o de um sistema mais acess?vel, ?gil e efetivo. Entretanto, enquanto o primeiro Pacto fazia refer?ncia ao problema da morosidade, o

segundo optou por "fortalecer a prote??o aos direitos humanos, a efetividade da presta??o jurisdicional, o acesso universal ? Justi?a e tamb?m o aperfei?oamento do Estado Democr?tico de Direito e das institui??es do Sistema de Justi?a". Assim, ignorando-se a falta de solu??o para o congestionamento e excesso de demandas, concentraram-se esfor?os em formas de incentivar mais demandas por segmentos considerados exclu?dos desse servi?o p?blico (Gico Junior, 2012).

De fato, mesmo a pesquisa efetuada pelo Conselho Nacional de Justi?a "Perfil da fixa??o de custas judiciais no Brasil e an?lise comparativa da experi?ncia internacional" (2010) apenas destaca a necessidade de amplia??o do acesso ? justi?a, sem abordar a necessidade de estipula??o dos custos reaisiii do processo, que deveriam ser arcados pelos maiores litigantes. Na sequ?ncia ser? analisado o caso do Estado de Santa Catarina, mas n?o ? isolado do restante das unidades federativas. Destaca-se o gr?fico da p?gina 18 do relat?rio, que Santa Catarina aparece como o pen?ltimo estado com menor valor de custas para uma causa de R$ 2.000,00. E para causas acima de R$ 20.000,00 Santa Catarina ? o terceiro menor pre?o (gr?fico da p. 19). Para causas de outro valor Santa Catarina varia praticamente na mesma posi??o, quarto, terceiro lugar dentre as menores ? o pr?prio relat?rio conclui que "observa-se que Distrito Federal, S?o Paulo e Santa Catarina mostram-se como os Estados que adotam valores mais baixos para as custas e taxas judici?rias." E que Santa Catarina pratica o valor m?dio de R$ 500,00 (gr?fico p. 22). Veja-se que os tr?s estados que praticam os valores mais baixos t?m o PIB e ?ndice de desenvolvimento humano mais alto do pa?s, segundo o gr?fico 8 da p. 24 do relat?rio indica, sendo Santa Catarina apenas suplantada pelo Distrito Federal no ?ndice IDH; j? no gr?fico do PIB de fl. 25, Santa Catarina ? o 5? maior PIB do pa?s ? com destaque de que o estudo ? de 2010. J? o gr?fico 10 da fl. 26 traz interessante indicativo ? no quesito de "percentual de pobres nas UFs", Santa Catarina desponta como o Estado com o menor n?mero de "pessoas pobres" nos termos do relat?rio. Mais adiante, o Relat?rio pondera, ? p. 39, que "n?o h? como negar que o recolhimento de custas, mesmo por aqueles que podem suport?-las, constitui fator de inibi??o ? atua??o dos litigantes perante a justi?a". Outra conclus?o relevante est? ? p. 42: "A sistem?tica da cobran?a das custas nas UFs parece constituir incentivo para a interposi??o de recurso de apela??o. Os valores de custas praticados na segunda inst?ncia s?o consideravelmente inferiores aos cobrados no primeiro grau".

Conforme o relat?rio do Justi?a em N?meros 2017, ano base 2016, o Poder Judici?rio de Santa Catarina ? o 3? dentre os tribunais de m?dio porte que mais gasta com assist?ncia judici?ria gratuitaivv. N?o somente isso: o TJSC se mant?m na 3? posi??o de maior gasto com assist?ncia judici?ria gratuita em rela??o aos seus habitantes. Nos tribunais de seu porte, ? o que mais gasta em propor??o aos habitantes. Em rela??o ?s despesas da justi?a, com um percentual de 1,31%, o TJSC ? o terceiro tribunal estadual com maior gasto em assist?ncia judici?ria gratuita. Considerando apenas os tribunais de seu porte, o TJSC ? o primeiro neste indicador, seguido por TJGO (1,2%), TJPA (0,21%), TJDF (0,04%), TJPE (0,03%), TJBA (0,02%) e TJCE (0,02%).

Ademais, outros dois Estados da regi?o sul tamb?m apresentam indicador muito inferior ao verificado em Santa Catarina: 0,46% no TJRS e 0,02% no TJPR. Na soma dos TJs, esse indicador ? de 0,48%. Isto ?, o TJSC est? bem abaixo do ?ndice obtido pela soma dos dados dos TJs. Assim, em compara??o com os indicadores dos demais TJs, Santa Catarina apresenta um elevado gasto com assist?ncia judici?ria gratuita em compara??o com o total das despesas.

Esse dado, por?m, ? revelador se confrontado com os ?ltimos indicadores sociais do Estado de Santa Catarinavi em rela??o aos demais Estados da Federa??o: Santa Catarina ? o 1? lugar no ranking nacional com menor desigualdade de renda (?ndice Gini); o 1? lugar com os melhores ?ndices nos seguintes indicadores: trabalho informal; mortalidade infantil, IDEB EF

II, taxa de desemprego, expectativa de vida, pobreza; ? o sexto maior PIB do Brasil, o quarto maior PIB per capita do pa?s, o terceiro maior IDH-M e o Estado com menor desigualdade de rendimentos.

O fato de o Estado de Santa Catarina despontar em 1? lugar no cen?rio nacional com melhor ?ndice de distribui??o de renda, pobreza, e possuir o 4? maior PIB per capita do pa?s e o 6? maior PIB geral ? sintom?tico em rela??o ? concess?o de assist?ncia judici?ria gratuita. Essa gratuidade est? atrelada ? manifesta??o de riqueza (ou aus?ncia) do jurisdicionado; o fato de o PJSC figurar em 3? lugar dentre os Tribunais que mais gastam com a gratuidade (conforme o ?ltimo relat?rio p?blico Justi?a em N?meros do CNJ) demonstra que o n?mero de concess?es ? discrepante com os ?ndices de riqueza.

N?o se desconhece a rela??o existente entre ?ndice de riqueza e instru??o de uma popula??o e a taxa de litigiosidade, uma vez que o grau de informa??o, e o acesso a ela ? elevado. Contudo, o que se quer demonstrar aqui n?o ? que a litigiosidade seja alta, mas o paradoxo consistente no fato de que a concess?o de assist?ncia judici?ria gratuita n?o poderia ser elevada diante do ?ndice de igualdade de distribui??o de renda e de riqueza dos habitantes de Santa Catarina, e este ? um exemplo.

Desse modo, percebe-se que h? uma grande diferen?a em indicadores que deveriam ter forte correla??o. Isto ?, com excelente classifica??o em produ??o, distribui??o de renda e IDH-M, o Estado de Santa Catarina n?o poderia estar t?o mal classificado nos indicadores de concess?o de assist?ncia judici?ria gratuita ? o que indica superexplora??o do benef?cio da gratuidade, a saber, a preval?ncia da gratuidade inaut?ntica.

O acesso ? justi?a inaut?ntico vai ocasionar rivalidade entre as a??es, gerando cada vez mais ac?mulo. O enfrentamento do tema at? ent?o, (Gico Junior, 2012) al?m de n?o manter o foco na busca das causas, desconsidera que existe um ponto de equil?brio que deve ser buscado. Isso porque mesmo o funcionamento ?timo do sistema provocar? mais e mais utiliza??o, aumentando o valor da demanda. H? um efeito compensat?rio. As recentes pol?ticas p?blicas direcionadas ?nica e exclusivamente ? amplia??o do acesso ao Judici?rio (reformas cujo objetivo declarado ? apenas reduzir o custo de litigar), sem qualquer altera??o das demais vari?veis da condi??o de litig?ncia, aumentam o n?mero de lit?gios.

Entretanto, em um Judici?rio j? sobrecarregado, se, por um lado, o aumento do n?mero de lit?gios constitui um leg?timo exerc?cio da cidadania, por outro, contribui ainda mais para a morosidade judicial e, assim, o tempo necess?rio para resolu??o de um lit?gio qualquer aumenta, o que, por sua vez, reduz o valor presente da demanda para o titular do direito, em outras palavras, o incentivo isolado ? litig?ncia pela redu??o de custos de litigar (acesso ao Judici?rio) induz ? morosidade que reduzir? a utilidade real dos direitos. N?o somente isso: um grupo marginal de usu?rios potenciais do Judici?rio deixar? de us?-lo para fazer valer seus direitos, porque n?o compensar? acionar, o que ? um resultado oposto ao inicialmente pretendido com a pol?tica de acesso ao Judici?rio (Gico Junior, 2012).

A abordagem n?o tem resolvido o problema. A causa n?o ? apenas quest?o de administra??o e gest?o. Por exemplo, nos Estados Unidos h? muito j? se constatou que, ao se conceder direito de a??o a qualquer um, mesmo sem demonstra??o preliminar de haver dano, a consequ?ncia seria o sobrecarregamento do sistema judicial, levando a sua derrocada (Gico Junior, 2012). Outra conclus?o a que chegaram ? que esse ? o efeito causado por outros dois fatores: a concess?o indiscriminada de assist?ncia judici?ria gratuita e o aumento do n?mero de advogados. Ainda, a causa desse congestionamento ? explicada pela "Trag?dia dos Comuns" (Hardin, 1968): m?ltiplos agentes t?m acesso ilimitado a recursos finitos, o que induz o comportamento inevit?vel de utiliza??o imoderada, uma vez que ? imposs?vel saber se os demais cooperar?o e utilizar?o apenas o necess?riovii.

A tend?ncia, portanto, ? que todos usem al?m do que precisam, na tentativa de garantir um espa?o. O fato de indiv?duos gozarem de direitos ilimitados na explora??o de um bem

finito leva ? explora??o acima dos n?veis sustent?veis, provocando a extin??o do recurso (Gico Junior, 2012). Nesse contexto, o Judici?rio ? um recurso escasso rival ? quanto mais ? usado, mais dif?cil ? que outros o usem. No entanto, quando um litigante individual decide levar o seu caso aos tribunais, ele leva em considera??o apenas seus custos e benef?cios privados. O agente n?o computa o custo social de seu lit?gio, incluindo o tempo que outras a??es mais ou menos importantes, mais ou menos merit?rias, ter?o de aguardar at? que seu caso seja decidido. Assim como, por exemplo, um criador de gado, na Trag?dia dos Comuns, possui incentivos para colocar quantas cabe?as conseguir no pasto comum, os litigantes t?m incentivos para acionar o Judici?rio enquanto seu benef?cio individual esperado for maior que seu custo individual esperado. A sua contribui??o individual para o congestionamento ? substancialmente externalizada (Gico Junior, 2012).

Sob essa perspectiva, a grande quest?o que se imp?e ? a capacidade de a administra??o p?blica estabelecer uma "altera??o em sua estrutura de incentivos", que ? entendida, aqui, como a atual conforma??o do acesso ? justi?a no sentido do atual custo para o litigante. A grande implica??o do postulado da conduta racional maximizadora dos agentes econ?micos ? ponderar os custos e benef?cios na hora de decidir, visando o maximizar suas vantagens ? ? que uma altera??o em sua estrutura de incentivos poder? lev?-los a adotar outra conduta, a realizar outra escolha. O que tamb?m ? uma ideia central no direito, pois o estabelecimento de leis visa desestimular condutas danosas e estimular condutas adequadas. Um escalonamento no patamar das custas para os grandes litigantes habituais, de modo que incentivem a realiza??o de acordos, por exemplo ? a fim de que seja invertida a l?gica atual que sustenta essa conforma??o. Uma modifica??o no atual sistema de recompensas que gere a modifica??o de sua atua??o.

Ainda, a concess?o de assist?ncia judici?ria gratuita sem lastro na hipossufici?ncia econ?mica do requerente, e o baixo valor das custas e preparo n?o corresponderem ao custo do processo representam, portanto, fatores de incentivo ? litig?ncia abusiva (fr?vola e habitual) e ao descumprimento de obriga??es. N?o se fale em restri??o ao acesso ? justi?a mediante o aumento no valor das custas porquanto a solu??o para aquele que n?o pode pagar j? existe no sistema e ? amplamente contemplada: a assist?ncia judici?ria gratuita, englobada, no Novo C?digo de Processo Civil no novel termo "gratuidade judici?ria", conforme dic??o do artigo 98.

Esses apontamentos se fazem, ao contr?rio, no sentido de se garantir a assist?ncia judici?ria/gratuidade ?queles que efetivamente dela necessitam, zelando pelo correto gasto dos recursos p?blicosviii, bem assim, pelo recolhimento que ? devido ao Poder Judici?rio pela utiliza??o do servi?o p?blico.

A mera garantia de interposi??o de a??o ou recurso n?o ? acesso ? justi?a, mas acesso ao Poder Judici?rio. A garantia do acesso ? justi?a compreende a provid?ncia final, que reflete no fluxo da vida em determinada sociedade ou na??o. A vis?o que se pretende trazer ? a de que o aumento do preparo e a cobran?a das receitas legalmente devidas ao Poder Judici?rio ? um dos pontos da morosidade. E n?o atentar para a verdadeira atividade arrecadat?ria que se constitui as custas judiciais e preparo se constitui em conduta equiparada ? de irresponsabilidade fiscal. A partir da implementa??o da cobran?a pelos custos que realmente enseja teremos uma diminui??o, ainda, na litig?ncia fr?vola, abusiva, protelat?ria; ou seja, a parte realmente recorrer? quando efetivamente tiver raz?o, do contr?rio, n?o valer? os custos.

Conforme a Lei complementar 101/00, em seu artigo 11, "constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gest?o fiscal a institui??o, previs?o e efetiva arrecada??o de todos os tributos da compet?ncia constitucional do ente da Federa??o". E a Constitui??o da Rep?blica indica, no artigo 24, inciso IV, que compete concorrentemente ? Uni?o, Estados e Distrito Federal legislar concorrentemente sobre "custas do servi?o forense". Veja-se que a Lei 8.429/92, em seu artigo 10, inciso X, prev? que constitui ato de improbidade

administrativa que causa les?o ao er?rio o "agir negligentemente na arrecada??o de tributo ou renda, bem como no que diz respeito ? conserva??o do patrim?nio p?blico", especialmente o inciso II "permitir ou concorrer para que pessoa f?sica ou jur?dica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1? desta lei, sem a observ?ncia das formalidades legais ou regulamentares aplic?veis ? esp?cie". Desde que incumbe ao Judici?rio a arrecada??o do tributo esp?cie taxa consistente nas custas judiciais, h? que se dar a devida aten??o a essa arrecada??o, por decis?es de pol?tica p?blica que atentem a esse fator.

Nesse sentido, as custas judiciais consistem em taxas devidas pelo uso do Poder Judici?rio, e por medida de responsabilidade fiscal h? a obrigatoriedade de atua??o no sentido de se evitar atua??o equivalente ? de ren?ncia indireta de receitas, que come?a com a necessidade da confer?ncia do valor da causa indicado pelas partes, dado que o valor da causa ? a base para o c?lculo das custas devidas; ainda, deve haver rigor na cobran?a das custas iniciais, uma vez que as relegar para cobran?a final, quando os autos findaram-se depois de tr?mite de anos diminui drasticamente, portanto, a chance de localiza??o do devedor, o que implica gastos excessivos.

Ainda, a causa mais importante de ren?ncia de receita tribut?ria das custas judiciais consiste na n?o averigua??o da capacidade econ?mica daquele que pleiteia a assist?ncia judici?ria gratuita, ou a gratuidade judici?ria. Muito embora a Lei 1.060/50 e o novel ? 3? do artigo 99 do NCPC estabele?a a presun??o de insufici?ncia com base em mera alega??o, a Constitui??o da Rep?blica, em seu artigo 5?, LXXIV, disp?e que a assist?ncia jur?dica integral e gratuita ser? concedida para aqueles que comprovarem insufici?ncia de recursos. N?o obstante tal estipula??o na Lei Maior, a permiss?o para que o juiz proceda ? verifica??o dessa capacidade est? no artigo 99, ? 2? do NCPC, bem como na disposi??o do artigo 319, II, consistente na informa??o obrigat?ria do CPF, que deve constar dos autos e que cont?m informa??es a respeito de patrim?nio/renda, uma vez que o Cadastro de Pessoa F?sica constitui-se na identifica??o do contribuinte perante o sistema da Receita Federal. Ainda, uma vez que o art. 98, ? 3? do NCPC determina que as custas do sucumbente que obteve sua gratuidade permane?am em suspenso, devendo em at? cinco anos "o credor demonstrar que deixou de existir a situa??o de insufici?ncia de recursos que justificou a concess?o da gratuidade", ? condi??o ?bvia que o credor (Poder Judici?rio) possa exercer a faculdade prevista neste artigo e ter ferramentas que o possibilitem verificar se deixou de existir a situa??o de hipossufici?ncia ? uma vez que as custas constituem receita do Tribunal de Justi?a.

N?o cabe, pois, a alega??o de que o Poder Judici?rio, credor, n?o possa ativamente verificar a concess?o correta de recursos p?blicos, a quem de direito, e prova disso ? a disposi??o em comento; quem pode averiguar a situa??o de insufici?ncia de recursos em fase final para evitar a evas?o de receita, com igual ou mais raz?o pode averiguar a situa??o de insufici?ncia, ou n?o, quando do requerimento de gratuidade inicial, por quest?o de l?gica.

Outro aspecto que deve ser observado s?o as novas possibilidades do artigo 98, ?? 5? e 6?, que disp?em que a gratuidade poder? ser concedida em rela??o a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redu??o percentual de despesas processuais que o benefici?rio tiver de adiantar no curso do procedimento, e que, conforme o caso, o juiz poder? conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o benefici?rio tiver de adiantar no curso do procedimento.

Atente-se, ainda, que a isen??o apenas permanece sob condi??o suspensiva de exigibilidade, uma vez que o NCPC prev? que "a concess?o de gratuidade [taxas, custas e honor?rios de advogado] n?o afasta a responsabilidade do benefici?rio pelas despesas processuais e pelos honor?rios advocat?cios decorrentes de sua sucumb?ncia" (art. 98, ? 2?), ou seja, "vencido o benefici?rio, as obriga??es decorrentes de sua sucumb?ncia ficar?o sob

condi??o suspensiva de exigibilidade e somente poder?o ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao tr?nsito em julgado da decis?o que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situa??o de insufici?ncia de recursos que justificou a concess?o de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obriga??es do benefici?rio" (art. 98, ? 3?).

A atividade equivalente ? ren?ncia de receitas ocorre, ainda, no valor fixado para o preparo e custas judiciais porquanto n?o correspondam ao custo do servi?o ? e, como tributos da esp?cie taxas, essa liga??o deve estar presente. Por aproxima??o, essa correla??o n?o se d? nos valores cobrados para custas e preparo no pa?s, dado que, a partir dos dados do relat?rio Justi?a em N?meros 2017 do Conselho Nacional de Justi?a, o custo de um processo ? de R$ 2.059,44. Isso porque, para se apurar o custo de um processo, tem-se em conta a despesa total por processo baixado, ou seja, por amostragem, em rela??o aos j? baixados, apura-se o custo de tramita??o. Esse ?ndice tamb?m demonstra que, quanto mais processos baixados, mais houve produtividade ? e quanto maior for a produtividade (mais processos baixados), mais barato ficar? o custo do processo. Veja-se que o custo apresenta tend?ncia de crescimento. Assim, quanto mais processos baixados, seu custo em rela??o ? despesa diminui, no entanto, a morosidade ocasionada pelo assoberbamento provoca despesa crescente (tend?ncia a haver mais contrata??es, etc), de modo que o assoberbamento, o excesso de a??es pode ser apontado como uma das causas da eleva??o do custo do processo.

Note-se que o fato de o processo tramitar eletronicamente n?o significa que esse tr?mite n?o tenha custos ao Poder Judici?rio. ? aspecto negligenciado o custo humano que a tramita??o eletr?nica ainda envolve, bem assim, a estrutura que deve ser mantida a fim de que esse tr?mite eletr?nico ocorra: h? distribui??o, aloca??o em diversas filas do sistema, mobiliza??o de servidores no manejo e impulso processual, e, sobretudo, aloca??o de tempo cognitivo de servidores do operacional e do jur?dico. O tr?mite envolve, portanto, na cadeia intermedi?ria e final, trabalho intelectual jur?dico, assim como trabalho de an?lise e impulso na tramita??o (sequ?ncia de cliques, remessas, juntadas, etc). Veja-se, ainda, o disp?ndio de recursos com contrato para acesso ? internet, bem como com servidores envolvidos no melhoramento cont?nuo dos fluxos eletr?nicos, bem como os valores que envolvem a manuten??o e melhora desse sistema. O fato de n?o haver autos f?sicos n?o significa que o processo n?o custe, uma vez que a estrutura de servidores ainda deve moviment?-lo e analis?los, rivalizando com outros processos que poderiam ser mais eficientes. O argumento de que n?o h? custos ? ing?nuo de desconsidera o desenvolver processual e burocr?tico, associado, ainda, ao julgamento posterior (confirmando ou reformando).

A Associa??o dos Magistrados Brasileiros recebeu proposi??o de magistradoix que conclui que as custas processuais devem ter uso extrafiscal, como j? ? feito em outros institutos jur?dicos, a exemplo da outorga onerosa do direito de construir e de taxas ambientais, revertendo a parcela extra por uso predat?rio ao Poder Judici?rio: a eleva??o que deve ser limitada aos dez maiores litigantes privados, que seriam inseridos em uma lista anual e sujeitos a custas majoradas, enquanto permane?am na referida lista. Isso porque, segundo aponta a referida proposi??o, observa-se o fen?meno da gradual instrumentaliza??o do Poder Judici?rio, especialmente o Estadual, como dep?sito de conten??o das inadequa??es dos produtos ou servi?os de um grupo de companhias privadas. N?o obstante integrarem o polo passivo das demandas, o funcionamento irregular ou ilegal de seus servi?os ? que tem ensejado a litig?ncia massiva.

O quadro se instala, por exemplo, ante a dispensa do pagamento de custas processuais no primeiro grau (Lei 9.099/95, artigo 54), em que essas grandes companhias multibilion?rias est?o isentas do ?nus financeiro do lit?gio. N?o obstante, mesmo quando as custas processuais s?o devidas, seu valor n?o ? compat?vel com o fen?meno do uso predat?rio do Judici?rio, dado que produz comprometimento do servi?o em graus muito superiores aos m?dicos valores pagos.

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